Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0250994
Nº Convencional: JTRP00033609
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
ACORDO
ALTERAÇÃO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RP200209300250994
Data do Acordão: 09/30/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J OVAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART1411 N1.
Sumário: Em acção de divórcio por mútuo consentimento, o acordo relativo à casa de morada de família, que for bem comum do casal, pode ser objecto de alteração, com fundamento em circunstâncias supervenientes, em incidente requerido mesmo depois do trânsito em julgado da sentença que tiver decretado o divórcio e homologado os acordos estabelecidos pelos ex-cônjuges.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1-RELATÓRIO

Maria ........, com os sinais dos autos, veio, por apenso à acção de divórcio por mútuo consentimento, já finda, por sentença transitada em julgado, deduzir o incidente de alteração do destino da casa de morada da família, contra António ......., identificado nos autos, pedindo que seja atribuído à requerente o direito à utilização da casa de morada da família para nela viver conjuntamente com a sua filha menor.
Alegou factos atinentes à necessidade de habitar a casa que o requerido, a quem foi atribuído aquele direito na acção de divórcio, terá deixado de habitar, por desnecessidade. A requerente, dada a desnecessidade da casa por banda do requerido e a grande necessidade que dela tem a Requerente, quer por si própria mas, sobretudo pela sua filha, entende estarem alteradas as circunstâncias em que a casa lhe fora atribuída, e, estar agora em condições de ver ser-lhe atribuída a utilização da casa morada de família, até por continuar a ser um bem comum.
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O julgador a quo, considerando que "a acção de divórcio já não se encontra pendente -antes há muito se encontra extinta, por sentença transitada em julgado -, tal acordo deixou de ter eficácia, ou seja, já não se encontra em vigor" concluiu que "se o acordo quanto ao destino da casa de morada de família já não está em vigor, é incontroverso que nada há a alterar quanto à «atribuição do uso da casa de morada de família», como pretende a Requerente. É que, só pode alterar-se um acordo vigente, que produz efeitos, o que não sucede in casu".
Em face do considerando decidiu "por manifesta improcedência, indefiro o pedido deduzido pela Requerente Maria ...... a fls. 2/7 e, em consequência, determino o arquivamento destes autos".
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Inconformada, a requerente agravou daquela decisão, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:
1 - Os acordos celebrados pelas partes ao abrigo do disposto no artigo 1419 do Código de Processo Civil, uma vez homologados por sentença transitada em julgado vigoram para o futuro.
2 - Tornam-se, então, definitivos e iniciam então a sua vigência.
3 - Podem, porém, todos eles, vir a ser alterados.
4 - Também pode vir a ser alterado o acordo então feito quanto à utilização da casa morada de família.
5 - A parte a quem não ficou atribuído tal direito pode vir a reivindicá--lo mais tarde.
6 - É o que a recorrente ora veio pedir, alegando a sua necessidade, a desnecessidade do ex-marido e Pai e, sobretudo, a necessidade e os interesses da menor, filha do casal.
7 - Só o Tribunal pode alterar esse acordo, então celebrado.
8 - A decisão recorrida entende que não.
9 - Com o que fez e faz menos correcta aplicação do disposto no artigo 1419 e 1411, ambos do Código de Processo Civil e ainda o disposto no artigo 2003 do Código Civil, e o próprio direito contido e reconhecido no artigo 65 da Lei Fundamental.
Termos em que se deve revogar a decisão em apreço por ter feito menos correcta aplicação de todos aqueles preceitos acabados em citar, ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação e decisão sobre o pedido formulado pela ora recorrente.
Não houve resposta às alegações.
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O julgador a quo sustentou a decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL
O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
Os factos a considerar, além dos já referidos no relatório, são os seguintes:
- Em 02/11/98, a Requerente intentou acção de divórcio litigioso contra o ora Requerido;
- Na tentativa de conciliação realizada em 02/12/98 (fls. 15/16), Requerente e Requerido converteram o divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento, tendo acordado, na parte que aqui interessa considerar, que "a casa de morada da família, na pendência da acção", ficasse "atribuída ao requerido marido";
- Tal acordo foi provisoriamente homologado, por despacho proferido nessa mesma data de 02/12/98;
- Em 24/03/99 (fls. 19/20), teve lugar a 2ª conferência do divórcio por mútuo consentimento, na qual Requerente e o Requerido mantiveram os acordos celebrados aquando da realização da 1ª conferência;
- Por sentença de 24/03/99, transitada em julgado, foram homologados definitivamente tais acordos e decretado o divórcio entre eles, com a consequente dissolução do seu casamento;
- A casa de morada de família é bem comum da requerente e requerido.
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Conclui a agravante, no essencial, que os acordos celebrados pelas partes, ao abrigo do disposto no artigo 1419º, do Código de Processo Civil, uma vez homologados por sentença transitada em julgado, vigoram para o futuro, tornam-se definitivos e iniciam, então, a sua vigência, mas podem vir a ser alterados.
A nosso ver, tem razão a recorrente.
Na lei substantiva (artº 1775º, n.º 3, do CC) e na lei processual (artº 1419º, n.º 1, do CPC) exige-se, para que seja decretado o divórcio por mútuo consentimento, o acordo dos cônjuges quanto á prestação de alimentos, ao exercício do poder paternal e à utilização da casa de morada de família.
Caso outra coisa não resulte dos documentos apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior (artº 1419º, n.º 2, do CPC).
Ora, assim como o exercício do poder paternal e os alimentos podem ser alterados, posteriormente à decisão (arts. 182º, da OTM, e 2012º, do CC), nada obsta a que, antes da partilha do bem comum, qualquer dos cônjuges solicite ao tribunal a alteração do acordo efectuado no âmbito da acção de divórcio por mútuo consentimento relativamente ao destino da casa de morada de família.
Com efeito, o processo de separação ou divórcio por mútuo consentimento está sistematicamente inserido nos processos de jurisdição voluntária, cujas regras (prevalência do princípio do inquisitório) e critério de julgamento (conveniência e oportunidade em detrimento da legalidade estrita) estão definidas nos arts. 1409º e 1410º, do CPC.
Por sua vez, o artº 1411º, do CPC, estabelece a possibilidade de alteração das resoluções, neste tipo de processos, com fundamento em circunstâncias supervenientes.
A casa de morada de família, na falta de acordo, deve ser judicialmente atribuída a quem dela precisa, ponderando-se a necessidade de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos.
A requerente veio alegar factos que traduzem circunstâncias ocorridas posteriormente à sentença que decretou o divórcio e homologou o acordo sobre a utilização da casa de morada de família.
Tal pretensão, com base em circunstâncias supervenientes artº 1411º, n.º 1, do CPC) que, a provarem-se, justificam a alteração do acordo estabelecido na pendência da acção de divórcio e a vigorar actualmente, deve ser apreciada pelo tribunal, atenta a natureza do processo (jurisdição voluntária).
De todo o modo, uma vez que a casa em questão é bem comum, sempre a requerente poderá socorrer-se do estatuído nos arts. 1793º, do CC, e 1413º, do CPC.
Procedem, assim, as conclusões do recurso.
3- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juizes deste Tribunal em dar provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra a ordenar as diligências adequadas à apreciação do incidente suscitado pela requerente.
Sem custas (artº 2º, n.º 1, al. o), do CCJ).
Porto, 30 de Setembro de 2002
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
Manuel David da Rocha Ribeiro de Almeida