Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0520789
Nº Convencional: JTRP00038305
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: MARCAS
CONFUSÃO
Nº do Documento: RP200507120520789
Data do Acordão: 07/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: .
Sumário: I- As marcas têm por função distinguir produtos ou serviços, identificando a sua origem, proveniência e distinguindo-os dos congéneres.
II- A marca tem de ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva.
III- Não satisfaz essa necessidade distintiva, o simples uso de "sinais descritivos" dos produtos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I RELATÓRIO

“B..........., S.A.”, com sede na Rua .........., n.º ...., Vila Nova de Gaia, interpôs recurso do despacho proferido pelo “INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial”, que concedeu o registo da marca nacional n.º 330.920 “C............”, para produtos da classe 33ª, requerido por “D.........., S.A.”, pedindo que se revogue esse despacho do INPI.
Alegou, em síntese, que;
- em 16.06.1998, a D......... pediu o registo de uma marca destinada a assinalar “bebidas alcoólicas, com excepção de cerveja”, mais tarde limitado a “vinhos de mesa correntes e vinhos espumantes;
- “B............, S.A.” é titular das seguintes marcas: “Porto C1....... Portugal – n.º 170.552, para produtos da classe 33ª “vinho do Porto”, pedida em 10.12.1971 e concedida em 07.12.1973 e “C1.......... Portugal – n.º 203.159 para produtos da classe 33ª “vinhos, vinhos espumantes naturais e espumosos, aguardentes, brandes, licores”, pedida em 13.07.1979 e concedida em 16.07.1991;
- a marca concedida à D........ é C.........., para produtos da classe 33ª “vinhos de mesa correntes e vinhos espumantes”.
- o INPI, apesar de reconhecer que existe identidade ou afinidade entre os produtos das marcas em confronto, concedeu o registo por não se verificarem os requisitos relativos à imitação da marca;
- contudo, o registo da marca C.......... deveria ter sido indeferido por gerar um risco efectivo de confusão com os produtos da recorrente, facilitando a prática de concorrência desleal.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 40º do Cód. da Propriedade Industrial.

O INPI remeteu para o processo administrativo.

A D........... respondeu nos termos que constam de fls. 128 e ss., pedindo a manutenção do despacho do INPI.

A sentença de fls. 229 e ss. julgou improcedente o recurso e manteve o despacho do INPI.

Inconformada, recorreu a “B..........., S.A.”.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – v. fls. 243.

Nas alegações de recurso, a apelante formula as seguintes conclusões:
A- Ao abster-se de conhecer da questão suscitada nos arts. 5º a 24º da petição inicial (relativa ao motivo absoluto da recusa, por falta de carácter distintivo da marca da Apelada) a sentença recorrida incorreu na nulidade tipificada pela alínea d) do n.º 1 do art. 668º do CPC, ao deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, o que implica a respectiva anulação.
B- Sendo a marca “C..........” composta exclusivamente por palavras que – aplicadas a vinhos – têm um significado puramente descritivo, sem qualquer conotação arbitrária ou criativa, estamos perante uma marca inválida, porque desprovida de carácter distintivo.
C- Essa ausência de carácter distintivo impunha a recusa do respectivo registo, e justifica a anulação do despacho que indevidamente o concedeu – art. 188/1/b) do CPI.
D- Além disso, o registo dessa marca deve ser recusado por ser confundível com as marcas prioritárias da Apelante, igualmente destinadas a vinhos, e cujo elemento predominante é a palavra “C1........”.
E- As ténues diferenças existentes entre as marcas em confronto não eliminam o evidente risco de confusão do público e a quase inevitável associação dos dois sinais, por parte dos consumidores.
F- O que, face ao disposto nos arts. 207º, 189º/h) e m) do CPI deverá conduzir à recusa do registo da marca da D............ .
G- Se o legislador reservou a designação “C1..........” para estabelecimentos hoteleiros explorados pela D........, não resulta daí qualquer monopólio de uso dessa palavra para designar outros produtos, nem legitimidade para usar uma marca de vinhos confundível com outras, anteriormente registadas para os mesmos produtos.

A D.......... respondeu, batendo-se pela manutenção do julgado.

A Mmª Juiz proferiu despacho tabelar de sustentação.

Foram colhidos os vistos legais.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – as questões em debate são:
a) a sentença é nula por omissão de pronúncia?
b) A marca registanda deve ser recusada, quer por não ter capacidade distintiva, quer por gerar risco de confusão.
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II FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos:

1- A recorrente é titular das marcas nacionais nºs 170552 “PORTO C1.........” e 203159 “C1.........”, destinadas a assinalar produtos da classe 33ª, para “vinho do Porto” e “vinhos espumantes naturais ou espumosos, aguardentes, brandes e licores”, respectivamente.
2- Os registos das referidas marcas foram concedidas por despacho de 07.12.1973 e 16.07.1991, respectivamente.
3- No BPI n.º 6/98, de 30.09.1998 foi publicado o registo da marca n.º 330920 “C...........”, de que é titular a recorrida D............, destinada a assinalar produtos da classe 33ª “bebidas alcoólicas, com excepção da cerveja”, posteriormente limitada a “vinhos de mesa correntes e vinhos espumantes” – cfr. BPI n.º 5/2000.
4- Apesar da reclamação da recorrente, o Exº Director da Direcção de Marcas do INPI, por despacho de 14.09.2001, concedeu o registo à marca n.º 330920 “C.........”.
5- As marcas da recorrente caracterizam-se pela expressão “PORTO C1..........” e “C1.......” e destina-se a assinalar produtos da mesma classe.
6- A marca da recorrida caracteriza-se pela expressão “C.............” e destina-se a assinalar produtos da mesma classe.
7- As marcas em confronto destinam-se a assinalar os mesmos produtos.

O DIREITO

Em 1 de Julho de 2003 entrou em vigor o novo Código de Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de Março, cujas disposições se aplicam aos pedidos de registo de marcas efectuados antes da sua entrada em vigor que ainda não tenham sido objecto de despacho definitivo – art. 10º.
Como no caso presente já houve lugar a esse despacho, aplica-se aos autos o CPI aprovado pelo DL 16/95, de 24 de Janeiro, revogado por aqueloutro diploma, que transpôs para o direito interno a Directiva Comunitária 89/104/CE, de 21.12.1989 – cfr. preâmbulo.

a)

No recurso interposto para o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, a apelante estrutura o seu ataque em duas vertentes:
I. Motivo absoluto de recusa: falta de carácter distintivo – arts. 5º a 24º da petição de fls. 2 e ss.;
II. Motivo relativo de recusa: confundibilidade – arts. 25º e ss.
A sentença recorrida debitou vários conceitos relativos às marcas industriais, mas omitiu o tratamento jurídico do primeiro dos argumentos da apelante: falta de carácter distintivo da marca “C.............”.
Verifica-se, por isso, a nulidade da sentença, de acordo com o que vem previsto no art. 668º, n.º 1, al. d), do CPC.
Dado o sistema de substituição consagrado no art. 715º do CPC, e em ordem ao conhecimento da apelação, importa averiguar do mérito dessa alegação da apelante.
Assim:

b)

- Falta de capacidade distintiva

A marca tem por função distinguir produtos ou serviços, identificando a sua origem ou proveniência e distinguindo-os dos congéneres.
É através dessa função identificadora e distintiva que, do mesmo passo que se protege o público consumidor de eventual confusão, se favorece a empresa no jogo da concorrência, garantindo ao titular o seu direito a que o público não seja confundido – v. Ac. STJ de 26.04.2001, em CJSTJ, Ano IX, Tomo II, pág. 40 e Carlos Olavo, “Propriedade Industrial – Noções Fundamentais”, CJ, Ano XII, Tomo IV, págs. 13 e ss.
A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou a respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. Pode igualmente ser constituída por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem, independentemente do direito de autor, desde que possuam carácter distintivo.
Os interessados gozam de grande liberdade na escolha dos sinais distintivos que hão-se constituir a marca. Esta pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos (marca nominativa), figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática), ou por uma e outra coisa conjuntamente (marca mista).
Essa liberdade de escolha encontra, porém, alguns limites. Um deles é o de a marca ter de ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia ou capacidade distintiva. Ou seja, a marca há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes. Por isso é que Carlos Olavo, de forma sintética mas impressiva, afirma que “a marca tem de ser nova” – v. CJ, Ano XII, Tomo II, pág. 24.
Daí também que o art. 207º do CPI estabeleça que “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, crie, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca” – princípio da novidade ou da especialidade da marca.
Não satisfaz essa necessidade distintiva, o simples uso de “sinais descritivos” dos produtos. Trata-se de denominações genéricas indispensáveis à identificação das mercadorias, ou de expressões (ou sinais) necessárias para a indicação das suas qualidades ou funções, que, em virtude do seu uso generalizado e como elementos da linguagem, não devem poder ser monopolizados – v. Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, Vol. I, Universidade de Coimbra, 1973, pág. 324. A eles se reportam as alíneas b) e c) do art. 166º, que negam carácter distintivo aos sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos, bem assim como os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.

A marca da apelada é constituída pelas palavras “C0....” e “C1......”.
Como vem explicitado por ambas as litigantes, a razão do uso dessas palavras prende-se com o facto de a recorrida pretender pôr à disposição dos clientes das diversas pousadas que explora uma carta de vinhos.
Mas, como acertadamente assinala a apelante na petição inicial, a marca “C................” é composta unicamente por palavras que – aplicadas aos produtos a que se destinam – têm um significado puramente descritivo, de reserva de vinhos armazenados nas pousadas, sem qualquer conotação arbitrária ou criativa – art. 21º.
De facto, o significado comum de tais léxicos, segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, são:
Adega: lugar térreo ou subterrâneo, geralmente fresco, onde se guardam e conservam géneros alimentícios e especialmente vinhos e outras bebidas alcoólicas ou fermentadas.
Pousada: Casa onde se pousa quando se viaja; estalagem, albergaria, hospedaria.
A conjugação destes elementos puramente descritivos não tem, por conseguinte, qualquer capacidade distintiva em relação aos produtos da apelante.

- Confundibilidade

Mesmo que não procedesse nessa parte o recurso, sempre teria o mesmo de obter vencimento pelo segundo fundamento invocado como causa proibitiva do registo da marca “C............”.
“Aquele que adopta certa marca para distinguir os produtos ou serviços de uma actividade económica ou profissional gozará da propriedade e do exclusivo dela desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo” – art. 167º, n.º 1, do CPI.
“O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca” - art. 207º do CPI.
Esta é uma das consequências do que se encontra estabelecido quanto aos fundamentos de recusa do registo de marca, entre os quais avulta – para o que aqui interessa – o da reprodução ou imitação, no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor – art. 189º, al. m).
“A marca registada considera-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra quando, cumulativamente:
a marca registada tiver prioridade;
sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta;
tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto” – art. 193º, n.º 1, do CPI.
Dos factos provados resulta que a apelante tem registadas as marcas “PORTO C1.........” e “C1.........”, relativas a produtos da classe 33ª, para “vinho do Porto” e “vinhos espumantes naturais ou espumosos, aguardentes, brandes e licores”, respectivamente – v. 1. e 2.
Posteriormente, a D.......... conseguiu registar a marca “C.............”, destinada a assinalar “vinhos de mesa correntes e vinhos espumantes”, que são produtos da mesma classe 33ª - v. 3.
O juízo comparativo das marcas deve ser objectivo. Para a formulação desse juízo relevam menos as dissemelhanças que oferecem os diversos pormenores isoladamente do que a semelhança que resulta do conjunto dos elementos componentes da marca – v. Ac. STJ de 15.02.2002, CJSTJ Ano VIII, Tomo I, págs. 97 e ss. e Pinto Coelho, “Lições de Direito Comercial”, 1º Volume, 3ª edição, pág. 426.
A comparação que define a semelhança é a que tem em conta um sinal e a memória que se possa ter doutro. Tratando-se de marcas nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar é o da semelhança fonética, por ser o que a memória retém melhor – v. Carlos Olavo, “Propriedade Industrial”, págs. 51 e ss.
Na valorização da confundibilidade deve atender-se à opinião de um homem médio, de diligência normal, isto é ao juízo que emitiria um consumidor medianamente esclarecido.
Pois bem: as três marcas são nominativas e destinam-se a assinalar os mesmos produtos – v. 7.
Um dos elementos - (“C1.......”) - é comum às três marcas, ainda que usado no plural no caso da marca registanda.
Esse elemento é o único que constitui a marca “C1.........”, registada sob o n.º 203159 – v. 1.
Nas restantes marcas “PORTO C1...........” e “C............” – que são marcas nominativas complexas – o elemento que melhor capta a atenção do consumidor médio e de que este conserva memória – é a palavra mais sonante – v. Ac. STJ, de 26.04.2001, CJSTJ, Ano IX, Tomo II, págs. 37 e ss. Independentemente de ser usada no singular ou no plural, esse elemento predominante é, no caso concreto, a palavra “C1..........”.
É, por outro lado, o elemento último da pronunciação dessas duas marcas e, também por isso, o que mais facilmente se apreende.
Sendo assim, e pelo menos em relação à marca “PORTO C1.........”, a marca registanda é susceptível de causar erro ou confusão no consumidor do produto, medianamente atento.
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DECISÃO

Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência o despacho do INPI de 14.09.2001, publicado no BPI n.º 6/98, de 30.09.1998, recusando-se o pedido de registo da marca n.º 330920 “C............”.

Após trânsito em julgado, cumpra-se o disposto no art. 44º do CPI.
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Custas pela apelada.
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Porto, 12 de Julho de 2005
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves