Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP00040598 | ||
| Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
| Descritores: | TRANSACÇÃO NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP200710010752625 | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 312 - FLS. 5. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- Os embargos de executado podem constituir a acção destinada à declaração da nulidade da transacção judicial, não obstante a homologação da mesma. II- Assim, a oposição a sentença homologatória de transacção pode ter por fundamento, para além dos indicados no art. 813.º do CPC (à excepção do da alínea d), os fundamentos específicos previstos no art.815.º n.º2 – nulidade ou anulabilidade da transacção. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I Nestes autos de acção ordinária que B…………………. e esposa C………………… intentaram contra D…………………, Lda, a Massa Falida da D1………………….., Lda, agravou do seguinte despacho judicial:Preparando-me para elaborar a sentença a proferir nos presentes autos constato, agora, que na presente acção foi já proferida sentença - fls. 76 a 77 - que homologou a transacção efectuada pelas partes a fls. 73 a 75 e que transitou em julgado, porquanto que sobre a mesma não foi interposto recurso ordinário e o recurso de revisão extraordinária que sobre a mesma foi interposto veio a ser julgado improcedente, conforme resulta dos autos apensos de recurso de revisão, pelo sobre a matéria objecto destes autos não poderá ser proferida nova sentença. Assim sendo e por força do disposto pelo art. 666º nº1 do Código de Processo Civil, mostra-se esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa nos autos, os quais nunca deveriam ter prosseguido após trânsito do recurso de revisão. Tendo, todavia, prosseguido, facto que nos induziu em erro do qual nos penitenciamos e redimimos, deu origem a toda uma série de prática de actos inúteis no processo, nomeadamente a produção de prova pericial, realização de audiência de julgamento e de resposta à matéria de facto, que cumpre colocar termo, ordenando, finalmente, o seu arquivamento para assim se fazer respeitar o caso julgado já formado. De acrescentar ainda que em nada belisca ou interfere com o trânsito em julgado da sentença proferida na presente acção declarativa com processo ordinário, a decisão proferida nos autos de embargos apensos que determinou a procedência dos embargos com fundamento em nulidade do "negócio de transacção" de fls. 73 a 75 homologado pela sentença proferida nestes autos. Efectivamente, e como é bom de ver, nem uma sentença proferida em autos de embargos apensos poderia ter o efeito de revogar uma sentença regularmente proferida em acção declarativa, a qual apenas é sindicável em sede de reclamação/recurso, nem a transacção feita pelas partes e a sentença judicial que a homologue são realidades jurídicas confundíveis, aquela poderá ter os vícios próprios da vontade das partes e do negócio jurídico que em si encerra e que serão invocáveis nos termos em geral previstos no ordenamento jurídico, enquanto que a sentença apenas poderá ser sindicável enquanto não transite definitivamente em julgado. Considerando, em face do exposto, que, nos termos do art. 666º nº1 do Código de Processo Civil, se mostra esgotado o poder jurisdicional nos presentes autos, ordeno o seu arquivamento. * Custas em dívida a juízo em partes iguais por AA. e Ré.* Paredes, 19 de Janeiro de 2007”Concluiu a agravante as suas alegações do seguinte modo: 1. Tendo sido anulada a transacção que, homologada por sentença, havia posto termo ao processo, o Tribunal havia ordenado o prosseguimento da acção, elaborando o despacho saneador, e seleccionando a matéria de facto assente em base instrutória, tendo, subsequentemente, realizado a audiência de discussão e julgamento, na qual respondeu à matéria de facto controvertida; 2. O facto de ter transitado em julgado a sentença que havia homologado a transacção que viera a ser anulada no processo apenso de embargos de executado não podia obstar, como não obstou, a que, decretada tal anulação, o processo prosseguisse os seus termos, como prosseguiu, face ao disposto no art. 301 nº 2 do Código de Processo Civil; 3. Daí que não tenha fundamento o douto despacho recorrido que, invocando o caso julgado resultante da sentença homologatória da transacção que veio a ser anulada, entendeu estar esgotado o seu poder jurisdicional e se recusou a proferir sentença, aplicando o Direito aos factos apurados; 4. O douto despacho recorrido violou, assim, além do mais, o disposto no nº 2 do cit. Art. 301 do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado, ordenando-se o prosseguimento do processo com a prolação da sentença. Contra-alegaram os agravados, concluindo do seguinte modo: 1. O recurso interposto carece de qualquer fundamento. 2. Como bem refere o douto despacho recorrido na presente acção já foi proferida sentença que homologou a transacção efectuada pelas partes e que transitou em julgado, sendo que a mesma mantém-se incólume pois o recurso de revisão extraordinária que sobre ela recaiu foi julgado improcedente. 3. O negócio de transacção julgado nulo em nada belisca ou interfere com o trânsito em julgado daquela sentença. 4. Soçobram, assim, todas as conclusões formuladas pela Recorrente, devendo negar-se provimento ao recurso. II É a seguinte a factualidade com interesse na resolução do recurso:1) Em 06/10/95 B…………………… e esposa C………………….. intentaram acção declarativa com processo ordinário contra D………………….., Lda, pedindo a condenação da Ré: a) a ver declarado resolvido o contrato promessa celebrado em 7 de Outubro de 1992, com a consequente perda a favor dos AA. de todas as benfeitorias realizadas nos lotes. b) a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre os lotes de terreno identificados no artº 4º da p.i. bem como de todas as benfeitorias identificadas no artº 58º da p.i. c) A pagar aos AA a quantia de 1.500.000$00, acrescido de juros à taxa legal anual de 15% desde a citação até integral pagamento. 2) A Ré contestou por impugnação, pedindo a final a improcedência da acção. 3) Após a fase dos articulados, compareceram o mandatário dos AA., sem poderes especiais para o acto, bem como o legal representante da Ré, acompanhado da mandatária, e consignaram por termo o acordo a que chegaram sobre o litígio – cfr. fls. 73 a 75. 4) Tal transacção foi homologada por sentença de 19 de Março de 1996 e transitou em julgado uma vez notificada às partes em 11 de Abril de 1996 sem que tivesse sido objecto de reclamação ou de recurso ordinário – cfr. fls 76, 77, 78, 80 e 81. 5) Em 06 de Fevereiro de 1997 a sociedade Ré veio suscitar recurso extraordinário de revisão alegando ser nula a transacção efectuada, já que nos termos do artº 6º do pacto social, esta apenas se obrigava com a assinatura dos dois sócios gerentes – ou seja, a do referido E…………… e a de F…………………., tendo a transacção sido efectuada tão-somente com a participação do primeiro. 6) Tal recurso foi julgado improcedente, com fundamento na verificação do prazo de caducidade para a sua interposição, tendo sido mantida a decisão recorrida. 7) Sentença essa que transitou em julgado por confirmação da mesma em sede de recurso de agravo – fls. 82 do apenso. 8) Em 11 de Novembro de 1996 vieram os AA a instaurar execução de sentença para entrega de coisa certa, com base na transacção homologada, a que se seguiu a dedução pelos executados de embargos de executado com fundamento em que a transacção homologada pela sentença dada à execução foi celebrada em nome da embargante, por quem não tinha poderes para a representar, tendo sido pedido, por consequência a declaração de nulidade da transacção efectuada. 10) Foi proferido saneador sentença que julgou procedentes os embargos de executado, acolhendo a fundamentação dos embargantes de que para a vinculação da sociedade embargante na aludida transacção e uma vez que se estabeleceu no pacto social a gerência plural, seria necessária a intervenção dos dois sócios gerentes, e por consequência foi declarado nulo o negócio de transacção celebrado. 11 ) Tal decisão transitou em julgado. 11) Na sequência os autos de acção declarativa prosseguiram os seus termos com prolação de despacho saneador, selecção dos factos assentes e base instrutória, tendo sido produzida prova e realizada audiência de julgamento. 12) O despacho sob agravo foi proferido após ter sido dada resposta à matéria de facto. III O objecto dos recursos é limitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nº 3 e 690 do CPC).São as seguintes as questões a resolver: - Se há contradição de julgados considerando a decisão proferida em sede de embargos de executado e que declarou nula a transacção efectuada nesta acção declarativa, e, a decisão tomada em recurso extraordinário de revisão de sentença, que declarou tal recurso improcedente por verificada a excepção de caducidade da sua interposição mantendo, por consequência, a eficácia da transacção. Questão esta deduzida de forma implícita. - Se a sentença proferida em sede de embargos de executado se mostra apta a produzir efeitos nesta acção. 1. Relativamente à primeira questão importa dizer que só aparentemente existe contradição de julgados. No recurso extraordinário de revisão foi julgada extemporânea a sua dedução e por consequência declarada a caducidade do exercício do direito a tal instrumento processual, mantendo-se eficaz a transacção efectuada. Em sede de embargos de executado deduzidos à execução da sentença homologatória, foi proferida decisão que julgou ilegal a representação da outorgante sociedade nessa transacção e, por consequência foi declarado nulo o negócio de transacção celebrado, eliminando-se por essa via a eficácia do título executivo enquanto tal. Não obstante a coincidência de causas de pedir – a falta de poderes do gerente singular para vincular a sociedade – as decisões proferidas têm natureza e alcance distintos. Naquela a decisão proferida é apenas de natureza adjectiva contendo-se na apreciação da tempestividade da reacção. Considerou-se extemporânea a arguição. Nesta conheceu-se de mérito, decidiu-se que a sociedade Ré, no caso, em que estava em causa a definição de direitos e obrigações da mesma, apenas poderia vincular–se pela assinatura dos dois sócios gerentes, por imposição do seu pacto social, pelo que a transacção foi declarada nula. As decisões considerando os “precisos limites e termos em que julgam”, na expressão do artigo 673º do CPC (alcance do caso julgado) não dizem o contrário uma da outra. Não há, assim, contradição de julgados, não havendo, por isso, que fazer uso da norma do artigo 675º do CPC. 2. Assente que não há contradição de julgados importa agora apreciar da eficácia da decisão proferida em sede embargos de executado nos autos de acção declarativa onde foi proferido o título executivo declarado nulo naqueles embargos. Dispõe o artigo 301 nº 2 do CPC que o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, desistência ou transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, sem prejuízo da caducidade do respectivo direito. Por sua vez a homologação, por sentença judicial, da conciliação, confissão ou transacção das partes, em que a execução se funda, não impede que em sede de embargos se alegue qualquer das causas que determinam a nulidade ou anulabilidade desses actos, nos termos do artigo 815º nº 2. Da conjugação de ambos os preceitos resulta a possibilidade dos embargos constituírem a acção destinada à declaração da nulidade da transacção, não obstante a homologação da mesma. A oposição a sentença homologatória de transacção pode ser objecto de embargos com os fundamentos gerais do artigo 813 do Código de Processo Civil - com excepção do da alínea d), visto que a transacção pressupõe que ambas as partes intervenham no processo - e ainda com os fundamentos específicos previstos no artigo 815º nº2, que são a nulidade ou anulabilidade da transacção, nomeadamente por falta de poderes de representação bastantes de uma das partes para o acto. Assim, em vez de deduzir uma acção própria e autónoma para obter a declaração da nulidade da transacção, pode a parte interessada fazê-lo em sede de embargos à execução intentada com base em tal sentença. Ao ser declarado nulo o negócio de transacção celebrado, eliminou-se por essa via - indirecta - a eficácia do título executivo enquanto tal. Ao contrário da posição tomada pela 1ª Instância, há que considerar que a apreciação da validade da transacção em sede de embargos de executado não só se mostra lícita como se impõe na acção ordinária onde a transacção foi efectuada. A sentença homologatória duma transacção considerada nula, perde o seu objecto, pelo que errado, é a nosso ver, o raciocínio de que a transacção e a sentença homologatória são realidades inconfundíveis. Impõe-se, por isso, a revogação do despacho agravado, que desconsiderou a eficácia da sentença proferida em sede de embargos de executado e que declarou nula a transacção, devendo o processo declarativo prosseguir para prolação da sentença. IV Nestes termos acorda-se em julgar procedente o recurso de agravo e revogar a decisão recorrida, ordenando a baixa dos autos para prolação da sentença.Custas pelos agravados. Porto, 01 de Outubro de 2007 Anabela Luna de Carvalho António Augusto Pinto dos Santos Carvalho Baltazar Marques Peixoto |