Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0850758
Nº Convencional: JTRP00041099
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONDOMÍNIO
ACTA DA ASSEMBLEIA
Nº do Documento: RP200803030850758
Data do Acordão: 03/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 331 - FLS 40.
Área Temática: .
Sumário: I - A acta da assembleia do condomínio é título executivo da deliberação não só sobre o montante das contribuições periódicas, mas também das sanções que o regulamento impuser para a falta de pagamento.
II - Aí se podem englobar igualmente os honorários já pagos e as despesas efectuadas em anterior acção intentada para cobrança do débito do faltoso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1-RELATÓRIO

O Condomínio do B………., sito em ………., Paredes, intentou acção executiva contra C………., com os sinais dos autos, com base na acta nº .., da assembleia extraordinária de condóminos, realizada em 17/05/2007, para obter o pagamento de dívidas da executada de € 1.859,73, relativo, além de outras despesas, a penalizações e honorários pelos serviços prestados em processo judicial.
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Conclusos os autos, o Sr. Juiz a quo, proferiu o despacho de 04/10/2007, no qual, além do mais, decidiu:
“Termos em que, ao abrigo do art. 812°, nº 2, al. a) e nº 3, do Código de Processo Civil, indefiro parcialmente, por falta de título, o requerimento executivo, relativamente aos valores de 307,94 €, 568,16 € e de 300,00 €, devendo a execução prosseguir quanto à restante quantia exequenda.”.
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Inconformado, o exequente, agravou daquela decisão tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:
1ª - O presente recurso vem interposto da decisão que indeferiu a execução quanto ao pagamento das penalizações e dos honorários pelos serviços prestados.
2ª - De acordo com o disposto no art. 6°,n° 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10, "A acta da reunião de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das áreas comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui titulo executivo para o proprietário que deixar de pagar...”.
3ª - Os honorários reclamados devem ser considerados como despesas necessárias ao pagamento de serviços de interesse comum, na medida em que é do interesse comum de todos os condóminos a cobrança coerciva das quotas não pagas pelo condómino faltoso, pois só dessa forma a administração do condomínio poderá fazer face a todas as despesas necessárias de manutenção do condomínio, sendo certo que para proceder a tal cobrança a mesma terá que ser por intermédio de advogado.
4ª- Neste sentido concluímos com a citação do AC. da Relação de Coimbra, datado de 05/06/2001, pontos I e IV que diz:
"I - O pagamento dos honorários devidos ao mandatário, pela demanda em juízo dos condóminos relapsos, com vista a cobrar coercivamente destes as importâncias necessárias e indispensáveis a assegurar a adequada funcionalidade das partes comuns do edifício, tem de se considerar uma "despesa necessária ao pagamento de serviço de interesse comum." e por conseguinte, compreendida na moldura prevista no nº 1 do artº 6° do D.L. 268/94 de 25.10.
IV - As actas de reunião das assembleias de condóminos juntas pela exequente, constituem título executivo, no que concerne às importâncias reclamadas a título de honorários e penalizações.
5ª - Quanto às penalizações, perfilhamos o vertido nos pontos II e III do Acórdão supra citado, no sentido de que as referidas penalizações fazem parte do título executivo, já não como despesas de interesse comum, mas sim como contribuições devidas ao condomínio, numa interpretação mais abrangente daquela norma, passa-se a citar:
II - Reconduzindo-se as penalizações a sanções pelo inadimplemento por parte dos condóminos das obrigações de entrega de valores estipulados pela assembleia como correspondentes às respectivas comparticipações, não comporiam a sua qualificação na categoria de "serviços de interesse comum".
III - O campo de aplicação da expressão "contribuições devidas ao condomínio" constante da parte inicial do nº1 do referido artº 6°, deve ser perspectivado de forma ampla, de molde a abarcar, as penalizações ou penas pecuniárias.
IV - As actas de reunião das assembleias de condóminos juntas pela exequente, constituem titulo executivo, no que concerne às importâncias reclamadas a título de honorários e penalizações."
6ª - Não faz sentido, impor ao condomínio interpor judicialmente uma acção executiva para cobrança das quotas devidas e não pagas e logo de imediato interpor uma acção declarativa para cobrança das penalizações e dos honorários devidos.
7ª - Se assim fosse estaríamos a premiar o devedor relapso, permitindo-lhe que não pagasse as contribuições nas datas devidas, em desfavor daqueles que cumprem atempadamente os seus compromissos, pagando quando lhe aprouvesse, sem qualquer penalização.
8ª - No seu despacho a meritíssima Juiz "a quo" considera o montante de € 307,30, como sanção pecuniária compulsória, em nosso modesto entender mal porque a sanção pecuniária compulsória é a ameaça para o devedor de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz, para hipótese de ele não obedecer à condenação principal" (J. Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pago 395).
9ª - Ora o montante constante da acta refere-se à aplicação de uma multa correspondente a 50% do valor da quota em atraso, multa essa prevista no regulamento do condomínio, pelo que nunca poderá ser considerada como uma sanção pecuniária compulsória.
10ª - Neste sentido também se conclui como no acórdão da Relação de Lisboa que se passa a citar: “A sanção pecuniária compulsória é uma condenação acessória duma condenação principal, cuja finalidade essencial é o exercício de uma ameaça sobre o réu, preventiva de um possível incumprimento futuro da obrigação por parte deste,..." (RL, 8/11/1995, CJ, 1995, 5º, 183, e BMJ, 451-498).
11ª - A penalização prevista no regulamento do condomínio, cujo montante consta da acta, não visa impor ao condómino faltoso uma ameaça para futuro, antes pelo contrário o montante fixado na penalização é estanque e reporta-se apenas ao mês não pago, ao passo que a sanção pecuniária compulsória é prevista para futuro e prolonga-se enquanto durar o incumprimento.
12ª - O montante peticionado a titulo de pagamento de honorários também não pode ser considerado de modo algum como uma indemnização, na medida em que "A indemnização, ..., compreende apenas as medidas ou providências destinadas a reparar o prejuízo sofrido por outrem, com a exclusão do que seja a mera realização específica (coactiva) do direito. " (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 1ª edição, pag. 876.).
13ª - A quantia peticionada a título de honorários não pode ser considerada como indemnização, pois o que aqui está em causa é o pagamento de uma despesa que o condomínio foi forçado a constituir motivada pelo comportamento da condómina faltosa. Não se trata, aqui, de peticionar a compensação de um prejuízo ou a indemnização de um dano, antes pelo contrário.
14ª - As quantias referentes à multa e aos honorários indicadas na acta que serviu de título executivo devem ser consideradas titulo executivo nos termos do disposto no artº 6°, n° 1 do Dec.-Lei n° 268/84 de 25/10.
15ª - A Ma Juiz "a quo" ao fazer uma errada qualificação dos montantes peticionados, na medida considerou a penalização corno uma sanção pecuniária compulsória; e as quantias referentes aos honorários como uma indemnização, violou o disposto no artº 6°, n° 1 do Dec.-Lei n° 268/84 de 25/10.

Não houve resposta às alegações.
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O julgador a quo sustentou a decisão.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
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A matéria de facto a ter em conta, no que releva, é a que antes se deixou referida, sendo de ponderar o vertido no requerimento executivo e na mencionada acta nº 15.
Nesta acta consta, além do mais, a propósito dos valores em débito do condómino da fracção “V”, que não está identificado, mas que se supõe pertencer à executada, o seguinte:
“- Honorários no termo do disposto no processo do Advogado a intentar a acção no valor de trezentos euros” (sic).
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Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (artº 45º, nº 1, do CPC)
Em face do título, a obrigação exequenda deve ser certa, exigível e líquida (artº 802º, do CPC).
À execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (artº 46º, nº 1, al. d), do CPC).
Preceitua-se no art. 6°, n° 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25/10, "A acta da reunião de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das áreas comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo para o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Entendeu-se no despacho recorrido que o exequente pretende obter, além do mais, a cobrança coerciva de sanção pecuniária compulsória com o valor de € 307,94.
No artº 829º-A, do CC, prevê-se, nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, a imposição ao devedor, a requerimento do credor, da designada sanção pecuniária compulsória.
Trata-se de uma medida coerciva com vista a assegurar o cumprimento da obrigação, visando “... uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis” (DL nº 262/83, de 16/06). Não tem, pois, como fim indemnizar o credor (ver nº 2, parte final, do citado normativo).
No caso em apreço, embora se desconheça o estatuto ou regulamento do condomínio (artº 1429º-A, do CC), tudo indica, pelo teor da acta dada à execução, e como vem sendo regra dos regulamentos dos condomínios, que se trata de uma cláusula penal estabelecida para o atraso da prestação devida pelo condómino (arts 810º e 811º, do CC).
Deste modo, pensamos que não se trata de cobrança coerciva sanção pecuniária compulsória mas de penalizações resultantes da mora no pagamento das despesas do condomínio, a suporta pelo condómino incumpridor (arts 804º, nº 2, 810º, 811º e 1424º, do CC).
A nosso ver, tais despesas bem como as relativas aos honorários já pagos pelo condomínio, a advogado, em consequência de processo judicial instaurado para cobrança de dívidas de condóminos, devem considerar-se como integrando “contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das áreas comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum” – artº 6º do DL nº 268/94.
É a jurisprudência defendida, entre outros, no acórdão da Relação de Coimbra, de 05/06/2001 (proc. 455/2001, relator Des. Hélder Almeida), citado na alegação de recurso e a que aderimos.
Porém, no caso em apreço, entendemos que, no referente à quantia de € 300,00 de honorários (“Honorários no termo do disposto no processo do Advogado a intentar a acção no valor de trezentos euros”), afigura-se-nos ser manifesto que tal montante não é, ainda, exigível, em face do título (acta) dado à execução.
Quanto a essa quantia falta, pois, o requisito da exigibilidade da obrigação exequenda (artº 802º, do CPC).
Procede, assim, na medida do exposto, o concluído na alegação do agravo.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em dar provimento parcial ao agravo, revogando-se a decisão recorrida na parte em que indeferiu “parcialmente, por falta de título, o requerimento executivo, relativamente aos valores de 307,94 €, 568,16 €”, devendo a execução prosseguir também quanto a estes montantes.
No mais (€ 300,00), mantém-se o indeferimento parcial decidido na 1ª instância.
Custas pelo agravante, na proporção de 1/4.

Porto, 03/03/2008
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
José António Sousa Lameira