Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0655118
Nº Convencional: JTRP00039672
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
REQUISITOS
DOCUMENTO
CONCEITO JURÍDICO
Nº do Documento: RP200610310655118
Data do Acordão: 10/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 277 - FLS. 233.
Área Temática: .
Sumário: I) - Uma sentença não pode ser qualificada como “documento” para os efeitos previstos na al. c) do art. 771°, do Código de Processo Civil.
II) Tal “documento” só terá aptidão para viabilizar o recurso extraordinário de revisão se novo, o recorrente dele não dispuser nem tiver conhecimento ao tempo em que esteve em curso o processo anterior e se, por si só, for suficiente para alterar a sentença revidenda em sentido mais favorável ao recorrente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 – B………. interpôs o presente recurso de agravo da douta decisão proferida, em 31.03.06, nos autos de recurso de revisão nº ……-B/2000, pendentes no ….º Juízo Cível da comarca do Porto e em que contende com C……….., por via da qual foi indeferida a respectiva pretensão de revisão da sentença proferida nos autos de acção sumaríssima nº ……./2000, na parte em que, com posterior confirmação, nesta Relação, o condenou como litigante de má fé.
Culminando as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
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1ª – A carta do recorrido, de 26.10.00, dirigida ao Sr. Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Médicos, refere serviços médicos prestados apenas em Março de 1999, quando a verdade é que o foram, então, e, ainda, em Outubro e Novembro anteriores;
2ª – O mesmo quanto à carta do pai do recorrido, também ele médico, da qual se infere o estado de doença anterior;
3ª – Tal veio a resultar demonstrado por via de documentos que, reinterpretados à luz da sentença do Tribunal Administrativo, de Outubro de 2006, se revelam decisivos para impor um estado de facto diverso daquele em que se baseou o acórdão revidendo e a sentença por ele confirmada;
4ª – Pretende o recorrente tão somente eliminar da ordem jurídica uma condenação de que foi destinatário, como litigante de má fé, e nenhum outro objectivo pretende para além desta pura e simples afirmação de cidadania;
5ª – Igualmente se demonstra que o requerimento do presente recurso de revisão foi tempestivo, considerando que o recorrente apenas pôde considerar a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo como definitiva no momento em que conheceu como cessada a controvérsia sobre a possibilidade ou impossibilidade de a aludida sentença ser re – discutida no Tribunal Central Administrativo;
6ª – Deve, pois, a douta sentença aqui impugnada ser revogada e deferido o requerimento de recurso de revisão, com as consequências de lei.
Não foram apresentadas contra-alegações, tendo a decisão recorrida sido objecto de sustentação.
Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2 – Como é sabido, são as conclusões formuladas pelo recorrente que, em princípio (exceptuando as questões de oficioso conhecimento), delimitam o âmbito e objecto do recurso (Cfr. arts. 660º, nº2, 664º, 684º, nº3 e 690º, nº1, todos do CPC – como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados).
Assim, a questão suscitada pelo agravante e que demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se a respectiva pretensão não deveria ter sido indeferida.
Vejamos:
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3 – I – O recorrente – agravante estribou a respectiva pretensão no disposto no art. 771º, al. c), na redacção introduzida pelo DL nº 38/2003, de 08.03, porquanto aquela foi formulada, em 13.02.06 (Cfr. art. 21º, nº4 daquele DL).
Nos termos previstos em tal preceito da lei adjectiva, “A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão…(c) Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.
Para o Cons. Rodrigues Bastos (in “NOTAS ao CPC”, Vol. III, 3ª Ed., pags. 318/319), “O documento a que se refere a al. c) pode ser documento que já existia na pendência da causa onde foi proferida a decisão a rever, ou documento que se formou posteriormente; no primeiro caso, a sua invocação só é admissível se o recorrente alegar e provar que não conhecia a sua existência, ou que, conhecendo-a, não lhe foi possível fazer uso dele naquele processo; no segundo caso, a invocação é, em princípio, admissível”.
Por outro lado, para o mesmo autor (in “Ob. citada”, pags. 319), “O uso da expressão «que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão», mostra que não preenche este fundamento a apresentação de documento com interesse para a causa, que, relacionado com outros elementos probatórios produzidos em juízo, fosse susceptível de determinar uma decisão mais favorável para o vencido; para servir de fundamento à revisão, é necessário que o documento, além do carácter de superveniência que já se referiu, faça prova de um facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, que só por ele se verifique ter esta assentado numa errada averiguação de facto relevante para o julgamento de direito”.
Nesta temática, o Prof. Alberto dos Reis começa por observar que “O recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspecto duma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado” (in “CPC Anotado”, Vol. VI, pags. 335). Para, mais adiante, citando Mortara e Chiovenda, ponderar: “Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza (…)… Pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença” (In “Ob. citada”, pags. 336/337).
E, debruçando-se sobre a exigência de que o documento seja, por si só, suficiente para destruir a prova em que a sentença se fundou, arreda o entendimento de Mortara no sentido de ao documento ser somente atribuída idoneidade para provocar a reabertura de novo período de instrução, antes sendo imprescindível que o mesmo crie um estado de facto diverso daquele sobre que assentou a sentença: “se o documento tem de destruir a prova em que a sentença se fundou, é claro que desaparece o estado de facto, base da sentença, substituindo-se-lhe outro estado diferente”. Isto sem que o “judicium rescindens” tenha de absorver ou implicar o “judicium rescissorium”, ou seja, sem que a simples admissão da revisão acarrete, necessariamente, a revogação da sentença e inerente provimento do recurso.
Finalmente, há que acentuar (na senda, aliás, do expendido na douta decisão agravada) que, conforme exarado no Ac. do STJ, de 17.01.06 (Cons. Azevedo Ramos) – COL/STJ – 1º/35 –, a Jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal “é no sentido de que uma sentença não pode ser qualificada como documento, para efeitos do disposto na al. c) do art. 771º do CPC (Ac. do STJ, de 18.04.75 – BOL. 246º/103; Ac. do STJ, de 22.05.79 – BOL. 287º/244; Ac. do STJ, de 22.01.98 – BOL. 473º/427; Ac. do STJ, de 15.05.01 – COL/STJ – 2º/80)”. O que, em nosso entendimento, decorre de duas ordens de razões: por um lado, a necessidade de, em princípio e exceptuando o caso grave previsto na al. a) do art. 771º e, bem assim, a anomalia prevista na respectiva al. f) – a qual, bem vistas as coisas e como assinala o Cons. Rodrigues Bastos (in “Ob. citada”, pags. 319), seria desnecessária, em face do que já se dispõe, com carácter genérico, no art. 675º –, preservar e garantir o basilar princípio da intangibilidade do caso julgado, nada impondo, à partida, que, em igualdade de circunstâncias, deva ser dada prevalência à sentença proferida em último lugar; por outro lado, o argumento, de natureza sistemática, que se extrai da própria redacção e previsão do art.: se houve necessidade de autonomizar, expressamente, a sentença mencionada na referida al. a), então é porque tal peça processual não é de ter como, genericamente, contemplada no conceito de “documento” previsto na respectiva al. c).
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II – Ora, no caso dos autos e como – bem – foi decidido, não se mostram preenchidos os requisitos previstos em qualquer das als. do mencionado art. 771º, designadamente, na respectiva al. c). Com efeito, nem os documentos, ora, juntos pelo recorrente podem ter o condão de, por si sós, poderem modificar a decisão revidenda em sentido para si mais favorável (abstraindo das demais exigências condicionantes da respectiva atendibilidade e relevância processual, nos termos sustentados pelo Prof. Alberto dos Reis, a pags. 353 da sua citada obra), antes tendo de ficar sujeitos à livre apreciação do juiz (Cfr. arts. 366º, do CC e 655º, nº1), nem a sentença invocada pelo recorrente em apoio da respectiva pretensão pode, pelas expostas razões, relevar, em tal perspectiva.
Improcedem, assim, as correspondentes conclusões formuladas pelo agravante, muito embora ao mesmo assistisse razão na parte em que se insurgiu contra o julgamento de intempestividade da interposição do recurso de revisão: estando em causa matéria não excluída da disponibilidade das partes, não poderia o Tribunal conhecer, oficiosamente, da caducidade do correspondente direito (Cfr. arts. 333º, nº2 e 303º, ambos do CC). Porém, esta consideração não exclui o acerto da decisão agravada, decorrente dos seus restantes fundamentos, porquanto:
---Uma sentença não pode ser qualificada como “documento” para os efeitos previstos na al. c) do art. 771º, do CPC;
---Tal “documento” só terá aptidão para viabilizar o recurso extraordinário de revisão se novo, o recorrente dele não dispuser nem tiver conhecimento ao tempo em que esteve em curso o processo anterior e se, por si só, for suficiente para alterar a sentença revidenda em sentido mais favorável ao recorrente.
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4 – Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se, em consequência e com a aduzida fundamentação, a douta decisão recorrida.
Custas pelo agravante.
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Porto, 31 de Outubro de 2006
José Augusto Fernandes do Vale
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira