Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0534720
Nº Convencional: JTRP00038462
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RP200511030534720
Data do Acordão: 11/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: Um contrato de aluguer de longa duração não está sujeito à disciplina vinculística do arrendamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

B.........., SA, instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C.........., pedindo:
a) que seja declarada a resolução do contrato referido nos artigos 2º e seguintes da petição inicial, com efeitos a partir de 29 de Março de 2004;
b) a condenação do Réu a restituir o veículo;
c) a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia de 1.303,96€, correspondente aos alugueres vencidos e não pagos e respectivos juros, acrescida de juros vincendos à taxa contratual fixada (APB), acrescida de 4%, sobre 1.160,40€, desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
d) a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia que se vier a calcular em execução de sentença, correspondente à mora na restituição do veículo, nos termos previstos na cláusula 17ª do contrato;
e) a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia que se vier a calcular em execução de sentença, a título de indemnização compensatória pelos prejuízos e encargos por esta suportados em razão directa da resolução contratual, prevista na alínea b) da cláusula 16ª do contrato.
Alegou para tanto e, em síntese, ter celebrado com o Réu um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor de longa duração, não tendo este procedido ao pagamento dos alugueres devidos.
A Autora procedeu à resolução do contrato em 29/03/2004.

Regularmente citado, o Réu não contestou, tendo em face do disposto no artº 484º, nº 1 sido considerados confessados os factos alegados pela autora na sua petição inicial.

A acção veio a ser julgada parcialmente procedente, e, em consequência, condenou-se o Réu a pagar à Autora a quantia de 1.303,96€, acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa de 12% ao ano.

Inconformada com o decidido a autora recorreu, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte:
1- O contrato de aluguer de veículos automóveis sem condutor, está sujeito ao regime especial fixado pelo DL 354/86 de 23 de Outubro;
2- Estabelece o artigo 17° que a empresa de aluguer, como o é a aqui apelante, tem o direito de "rescindir o contrato nos termos da lei";
3- Tal remissão do n° 4 do art° 17°, só pode entender-se como uma remissão para o regime geral da resolução dos contratos previsto nos artigos 432° e ss. do C.Civil, maxime a norma do artigo 436° do mesmo código que refere que "a resolução do contrato pode fazer-se mediante comunicação à outra parte";
4- Estando assim, facultada à recorrente o direito de resolver o contrato de aluguer do veículo referido por simples comunicação por escrito à recorrida, como efectivamente o fez, ao abrigo do disposto não só na clausula 16ª das condições gerais do referido contrato, mas também dos artigos 432° e 436° do C. Civil;
5- Não seria consentâneo com as normas legais, considerar nulas as cláusulas que prevêem a resolução do contrato, quando é a própria lei substantiva, na parte referente aos contratos em geral — Art. 432° C. Civil — que concede tal possibilidade desde que resulte de convenção, e o certo é que a cláusula de resolução está expressamente prevista no contrato;
6- Já no que toca à produção dos efeitos da resolução contratual é convicção da recorrente que eles produziram-se a partir de 29 de Março de 2004, e não conforme a tese defendida pelo Mmo. Juiz a quo de que a admitir-se a resolução extrajudicial esta produziria os seus efeitos em 27 de Outubro de 2004, aquando da entrega do automóvel à recorrente;
7- A simples entrega do automóvel não significa, nem poderia significar, a existência de qualquer acordo revogatório, nem muito menos de qualquer resolução operada;
8- Ao que contrariamente foi afirmado na douta sentença recorrida, a resolução não se operou por mútuo acordo, mas antes por iniciativa da aqui recorrente, não devendo ser alegada e muito menos provada, na medida em que jamais existiu;
9- No que respeita ao pedido formulado e relativo aos juros de mora sobre os alugueres vencidos, igualmente se afigura não ter razão o Mmo Juiz a quo, porquanto, tal clausula é válida e perfeitamente legal já que se enquadra no espírito do contrato celebrado, e entretanto resolvido extrajudicialmente;
10- Assim, assiste o direito da recorrente peticionar os juros de mora à taxa publicitada pela Associação Portuguesa de Bancos sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas até à data da resolução do contrato;
11- Esta indemnização pela mora está clausulada no contrato dos autos e enuncia que em caso de não pagamento pontual de quaisquer quantias devidas, serão devidos juros de mora à taxa publicitada pela APB acrescida de quatro pontos percentuais, a título de cláusula penal moratória (clausula 6ª das condições gerais do contrato de ALD);
12- Sendo assim firme convicção da recorrente que, por força da resolução operada e em consequência do não pagamento dos alugueres vencidos, a recorrida se constituiu na obrigação de pagar à aqui recorrente, o montante dos juros de mora peticionados;
13- Isto tudo na sequência lógica do que vem plasmado no art. 804° do Código Civil, que enuncia que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor;
14- Sendo assim, a clausula do contrato que permite a cobrança de juros de mora legal e perfeitamente válida;
15- No que se refere aos pedidos indemnizatórios peticionados e contratualmente fixados na cláusula 16ª (alínea c)) e cláusula 17ª das condições gerais também são devidas e perfeitamente legais;
16- Através da cláusula 16ª (alínea c )) das condições gerais do contrato dos autos, as partes convencionaram que a recorrente em caso de resolução do contrato, seria indemnizada pelos prejuízos resultantes da resolução do mesmo;
17- Esta cláusula é permitida, atento o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405° do Código Civil e penaliza o contraente inadimplente pelo não cumprimento das suas obrigações contratuais;
18- Com esta cláusula a recorrente é ressarcida de todos os prejuízos causados pelo incumprimento, designadamente os derivados do desgaste, os da desactualização dos bens locados e demais riscos do locador;
19- Esta indemnização peticionada se limita ao ressarcimento de um dano que encontra a sua "ratio" no interesse contratual negativo ou de confiança;
20- Ao peticionar tal indemnização a recorrente não pretende obter o mesmo resultado que obteria, caso o contrato fosse cumprido até final, pois que, e neste caso, sempre receberia a totalidade das rendas e a posse e livre detenção do veículo locado;
21- Se mostra claro e inequívoco que o pedido formulado pela recorrente não se baseia em qualquer interesse contratual positivo, antes residindo num mero interesse de confiança:
22- A entender-se, como efectivamente se deve entender, que a resolução extrajudicial foi efectivamente operada e é permitida nos termos do n° 4 do art. 17° do DL 354/86 de 23/10, esta cláusula indemnizatória não viola a norma do n°1 do art. 1041° do Código Civil;
23- Já no que concerne à indemnização prevista na cláusula 17ª do contrato dos autos, esta prevê a título de cláusula penal, sem prejuízo de outras consequências legais, e havendo mora na devolução da viatura, uma quantia correspondente ao dobro daquela a que teria direito caso o contrato permanecesse em vigor por um lapso de tempo igual ao período em mora;
24- Esta indemnização compensa a recorrente, na sequência da resolução do contrato, por todos os dias em que não pôde vender ou realugar o veículo objecto do contrato;
25- Por esta via a recorrente tenta ser ressarcida da constante depreciação do mesmo e o risco do seu desaparecimento definitivo, tendo em consideração que o mesmo é facilmente descaminhável;
26- Porque o contrato de locação financeira para compra de veículos automóveis exige um elevado investimento financeiro e proporciona, no caso de incumprimento do locatário, a colocação no mercado de veículos usados que não disporão da mesma aceitação dos consumidores, não é desproporcionada a clausula penal que obriga ao pagamento do dobro das rendas que seriam devidas se o contrato permanecesse válido (Ac. RP, em 03/07/1998; CJ, T2, ANO XXIV, PÁG. 204);
27- Esta compensação, foi contratualmente estabelecida pelas partes, refere-se única e exclusivamente ao período que a recorrente não teve o veículo na sua posse, já que a recorrente é a legítima proprietária do mesmo, e o recorrido um mero possuidor em nome da recorrente (posse em nome alheio);
28- Acrescente-se ainda que, após a resolução do contrato, ao recorrido nem tão pouco lhe assiste a qualidade de mero possuidor;
29- A partir da resolução a utilização do veículo anteriormente locado por parte do ex locatário configura um manifesto "abuso" gerador da obrigação de indemnizar;
30- Relativamente ao montante de €1.608,62 que o recorrido prestou a título de caução, o mesmo deverá ser apreciado através de liquidação em sede de execução de sentença;
31- Nos termos e por força do estatuído na cláusula 22ª do articulado contrato, no termo deste haverá lugar a prestação de contas respondendo a caução, até à concorrência do seu montante, pelos pagamentos que haja que efectuar, sendo devolvido o excesso ou pago o remanescente pelo locatário, conforme o caso;
32- Consagra assim a aludida cláusula uma garantia especial, permitida por convenção, relativamente a uma obrigação futura;
33- Pelo que e revertendo para o caso dos autos, apodíctico se mostra que a prestação de contas não foi ainda efectuada, pois que não foram pagos os alugueres vencidos, nem liquidadas as indemnizações contratualmente fixadas;
34- Donde a haver devolução da dita caução a mesma só poderá ocorrer à data em que o acerto de contas for efectuado. E, para que este o seja necessário terá que se proceder à venda do veículo locado e apurado o valor dessa mesma venda;
35- Pretender a devolução da caução (garantia especial) antes de integral e pontualmente cumpridas as obrigações que emergem para o recorrido, seria, convenhamos, premiar o incumprimento e conceder "desconto" à sua quantificação;
36- Assim e em razão de tudo o supra alegado evidente se mostra igualmente que o contrato dos autos não se subsume ao regime jurídico da locação, maxime no que tange ao formalismo da sua resolução;
37- Pois que, é firme convicção da recorrente que, face à factualidade assente, o recorrido se constituiu na obrigação de pagar à autora e aqui recorrente, o montante global dos alugueres vencidos, acrescidos dos respectivos juros à taxa legal em cada momento em vigor, à indemnização pelos prejuízos e encargos suportados pela autora em razão directa da resolução contratual e à indemnização pela mora na restituição da viatura;
38- Por fim a recorrente tem o direito de reter o montante prestado pelo recorrido a título de caução;
39- Ao decidir como decidiu, violou, o Mmo. Juiz a quo, as disposições dos arts 432°, 436°, 564°, 804°, 1041° do C.C. e o n° 4 do art° 17° do Dec. Lei 354/86 de 23/10.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada o douta sentença recorrida a qual deverá ser substituída por outra que condene a recorrida nos pedidos formulados na petição inicial, com o que se fará

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos
A- A matéria de facto provada.
a) A Autora tem por objecto o aluguer de veículos, com ou sem condutor, bem como de qualquer outro tipo de máquinas ou equipamentos.
b) No exercício dessa sua actividade, a Autora celebrou com o Réu, em 27 de Maio de 2002, um contrato de Aluguer de Veículo Sem Condutor, vulgarmente designado de Aluguer de Longa Duração, tendo por objecto um veículo de marca “DUCATI”, modelo “..........”, com a matrícula ..-..-TM.
c) Nos termos desse contrato, o Réu ficou obrigados ao pagamento, pelo prazo de 48 meses, de 49 alugueres mensais, sendo o 1º no valor de 3.208,09€; e os restantes no valor de 121,89€ cada um, valor a que acresce IVA à taxa legal, no montante global de 145,05€, a liquidar por transferência bancária.
d) A viatura referida em b) foi entregue ao Réu na data da celebração do contrato.
e) O Réu não pagou a mensalidade vencidas em Abril, Junho; Julho, Agosto, Setembro e Dezembro de 2003.
f) A Autora, em razão de tal incumprimento, interpelou o Réu para que liquidasse as mensalidades vencidas, por carta de 27 de Fevereiro de 2004.
g) A Autora procedeu à resolução do contrato, resolução que foi comunicada ao Réu, por carta datada de 29 de Março de 2004.
h) Por meio dessa mesma carta, a Autora interpelou o Réu para a restituição do veículo objecto do contrato ora ajuizado.
i) Tais cartas foram expedidas com aviso de recepção para a morada indicada pelos Réus, tendo a primeira sido recepcionada e a segunda sido devolvida com a menção de “não reclamada”.
j) O Réu não procedeu à devolução do veículo, nem pagou as quantias em dívida.
k) O veículo foi entretanto recuperado pela Autora em 27/10/2004 (cfr. fls. 52 do apenso de procedimento cautelar).
l) A viatura não foi vendida nem alugada de novo.
m) O Réu prestou uma caução, para garantia do cumprimento integral de todas as obrigações para eles emergentes do contrato, no valor de 1.608,62€.

B)-O recurso de apelação.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.

1-Conforme verificamos da sentença, face aos factos provados acima referidos, considerou-se que as partes celebraram entre si um contrato pelo qual a Autora se obrigou a proporcionar ao Réu, mediante retribuição, o gozo temporário de um determinado veículo, classificando-se, assim, o contrato como um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, vulgarmente designado por contrato de aluguer de longa duração (ALD).
Esta qualificação afigura-se-nos correcta.
Porém, entendeu-se aí que a resolução do contrato celebrado entre as partes só por via judicial podia ser feita, atenta a natureza imperativa da norma do art. 1047º do CC e a sua aplicação ao caso dos autos.
E daí, escreveu-se que não se pode considerar anteriormente resolvido, de forma válida, o contrato de aluguer em causa, nem se podendo, igualmente, fazê-lo nesta acção, uma vez que tal pedido não foi expressamente formulado – artigo 661º do Código de Processo Civil.

2-Quanto à formulação do pedido de resolução nesta acção, importa notar que a A. expressamente o formulou ,embora se entenda, que dentro do raciocínio que iremos desenvolver de validar a resolução extrajudicial, só dever ter pedido, em coerência com o entendimento sustentado ,a declaração judicial de que o contrato havia sido validamente resolvido.
Mas será então que este contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, vulgarmente designado aluguer de longa duração (ALD) – só judicialmente pode ser resolvido, como se defende na sentença?

A resposta já tem sido dada afirmativamente repetidamente pela jurisprudência por forma dominante.

3-Tendo-se admitido na sentença que tal contrato se rege pelas disposições especiais, previstas no Decreto-Lei nº 354/86, de 23/10, sustentou-se contudo que lhe são aplicadas imperativamente as normas gerais da locação, previstas nos artigos 1022º e seguintes do Código Civil.
Seguindo este raciocínio não se admitiu a possibilidade de este contrato poder ser resolvido extrajudicialmente como o fez a autora.
Reconheceu-se, porém, expressamente que sobre esta questão a jurisprudência tem considerado que o regime legal a aplicar à resolução deste tipo de contratos não é o da locação, mas antes o regime geral da resolução, previsto nos artigos 432º e seguintes do Código Civil.

Ora é também este o nosso entendimento ,discordando, assim, do Sr. Juiz que proferiu a sentença, porque se pensa não ser relevante o argumento de isso só poder admitir-se quando para além do contrato habitualmente designado por "ALD" se visa também a aquisição do bem sobre que incide o aluguer (situação que aqui efectivamente não está de todo provada).

4- O contrato em causa foi celebrado em 27/05/2002, pelo prazo de 48 meses, ficando o Réu obrigado ao pagamento de 49 alugueres mensais, no montante de 3.208,09€, o primeiro; e de 145,05€ (121,89 + IVA), os demais.
Contudo, o Réu não procedeu ao pagamento de vários dos alugueres vencidos em 2003, mesmo depois de interpelado expressamente para o fazer - não tendo logrado (nem sequer tentado, porque não contestou a acção) afastar a presunção de culpa de tal incumprimento, prevista no artigo 799º do Código Civil.

Em consequência, a Autora considerou o contrato resolvido, o que foi comunicado ao Réu através de carta datada de 29 de Março de 2004.
Esta resolução do contrato efectuada pela ré pensamos ser válida pelo seguinte:

O artigo 17º nº 4 do Decreto-Lei nº 354/86 dispõe que “é lícito à empresa de aluguer sem condutor retirar ao locatário o veículo alugado no termo do contrato, bem como rescindir o contrato nos termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais”.
Não há dúvida que face ao não pagamento dos alugueres por partes do réu assiste à autora o direito de resolver o contrato, sendo que apenas se coloca a questão de saber se o pode fazer extrajudicialmente ou se lhe é imposto que tenha de recorrer à via judicial por força da aplicação das normas gerais da locação.
Quando no citado artigo 17º, nº 4 se alude a “rescindir o contrato nos termos da lei” esta referência não se reporta ao art. 1047º do CC, mas antes aos arts. 432º e segs. do mesmo Código, que dizem respeito à resolução do contrato, designadamente ao art. 436º.

Na Jurisprudência tem sido dominante o entendimento de que o Contrato de ALD, como contrato especial que é, não pode ser regulado nos apertados limites da locação vinculística, nomeadamente para efeitos de resolução. Ou seja, a resolução de contratos desta natureza pode ser feita extrajudicialmente, por simples comunicação ao locatário relapso, nos termos do aludido art. 436º - (cfr. recentes Acórdãos TRP de 19-04-2005 -Processo: 0520829-Nº Convencional: JTRP00037940- e de 23-05-2005- Processo: 0551194 -Nº Convencional: JTRP00038092 e outros neles citados Ac. do STJ, de 16-04-2002, no proc. 02A532, os Acs. da RP, de 08.07.2004, 14.06.2004 e 04.05.2004, nos processos nºs 0433202, 0453206 e 0421774, respectivamente, todos em www.dgsi.pt, os Acs. Desta Relação de 04.12.2001, 21.11.2002 e 07.10.2004, nas CJ, 2001, V, pág 204, 2002, V, pág. 180, e 2004, IV, pág. 183, e ainda os Acs. da RL, de 27.09.2001, CJ, 2001, IV, pág. 112, e de 14.01.99 e 29.01.98, nos processos nºs 0064456 e 0051212, em www.dgsi.pt).
Na doutrina, ainda que sem tomar posição expressamente, não podemos deixar de ponderar as palavras do prof. Romano Martinez -Direito das Obrigações, Parte Especial, 218, nota de pé de página:
“...não tem qualquer sentido exigir-se o recurso a tribunal para resolver um contrato de aluguer, até porque, ao locatário, em caso algum, é requerido o recurso à via judicial”.

O Réu não pagou os alugueres em dívida, pelo que, ao abrigo das disposições convencionais constantes do contrato e clausulas gerais (Clausula 16ª a) que lhe estão anexas (fls.12/13, acordadas dentro do principio da liberdade contratual previsto no artº 405º do CC), é indiscutível que a Autora tem direito à resolução extrajudicial do contrato em causa.

5-Na sentença sob recurso considerou-se ser inadmissível a resolução que veio a ser concretizada pela A., através de simples comunicação postal à Ré, com fundamento em que a mesma, encontrando-nos perante um contrato de locação, havia de ter sido decretada pelo tribunal em função do disposto imperativamente no artº 1047º do CCivil, acabando por decidir-se que não ocorreu uma resolução válida e eficaz juridicamente, permanecendo, por isso, o contrato com todos os seus efeitos e consequências até ao termo final nele previsto.
A autora discorda deste entendimento, invocando para tanto a autoridade de P. Lima e A. Varela -Código Civil anotado, 3ª ed., vol. II, pág. 408 (para afastar o entendimento de que a resolução só pode ser exercida por intermédio do tribunal) que não defende a total imperatividade da norma “É esse direito que, segundo o artigo 1047º, tem de ser exercido por intermédio do tribunal (quer quanto ao arrendamento, onde a exigência legal tem especial interesse, quer quanto ao aluguer), salvo, evidentemente, o caso de acordo das partes quanto à resolução. ...”.
Quanto a esta interpretação importa realçar o e Acórdão TRP de 23-05-2005- Processo: 0551194 -Nº Convencional: JTRP00038092-Relator: CUNHA BARBOSA, onde defende quais as razões dessa anotação embora, quanto ao contrato em causa, entenda também que não tem natureza verdadeiramente imperativa como se sustenta nesta sentença.

No caso dos autos resulta da matéria de facto provada que a A. tem por objecto o aluguer de veículos, com ou sem condutor, bem como de qualquer outro tipo de máquinas e equipamentos, e, no exercício dessa actividade, celebrou com o Réu em 27 de Maio de 2002 um contrato que denominaram de “aluguer de veículo sem condutor”, tendo por objecto um Ducati, modelo .........., matricula ..-..-TM, cujas condições gerais e particulares resultam do documento junto a fls. 12/13 dos autos.
As partes contratantes estabeleceram, entre outras e no que se refere às ‘condições gerais’, o objecto do contrato, o prazo do mesmo, o montante do aluguer, do contrato, os termos em que pode ser feita a denúncia, resolução e caducidade do contrato e outras obrigações designadamente quanto a seguros e restituição do equipamento.
As partes estabeleceram o valor do bem, acrescido do devido IVA, fixaram uma entrada inicial de 3.208.09€ e repartiram a parte restante do valor fixado para o objecto do contrato por 48 prestações mensais de 121,89€ o que equivale ao valor total do preço fixado para o bem que se dizia colocar em aluguer, sendo, ainda estipulado nas ‘condições gerais do contrato’, sob a cláusula 10ª-al. d) (Outras obrigações do locatário) que o cliente deve «Restituir o equipamento no fim do aluguer no estado que derivar do seu uso normal».
Embora aqui não tenha ficado provado (como acontece em muitos contratos semelhantes) que foi estabelecida a possibilidade de o locatário optar, findo o contrato, pela aquisição do bem, o certo é que nas condições gerais, no que diz respeito a seguros (clausula 12ª-a) consta que “o locatário terá a obrigação de custear, relativamente ao prazo de duração do aluguer: Um seguro, cujo beneficiário será a autora ou o proprietário do veículo, se aquela não tiver esta qualidade, que abranja as eventualidade de perda ou deterioração casuais ou não do veículo…”, o que significa que a locadora pode nem ser a proprietária do equipamento.
É por esta razão que alguma jurisprudência da acima citada e a doutrina afastam a qualificação do contrato como sendo um mero contrato de locação previsto e regulado nos arts. 1022º e ss. do CCivil (Cfr. Paulo Duarte -Algumas questões sobre o ALD, Estudos de Direito do Consumidor, nº 3 – 2001, págs. 302 a 311), pois na realidade, o denominado ‘contrato de aluguer’ inserido numa operação de ALD, normalmente caracteriza-se pela realização de três contratos diversos:(1) um contrato de compra e venda; (2) um denominado contrato de aluguer (de longa duração, em média 3 anos) do bem comprado pelo locador e (3) um contrato-promessa de compra e venda do bem alugado.

Daí que se tenha apelidado tal contrato de contrato indirecto (Ac. do TRP de 8.7.2004-Relator Cunha Barbosa, CJ, Ano XXIX, Tomo III/2004, págs. 204 a 207 e Pedro Pais Vasconcelos-Contratos Atípicos, pág. 245 e 246)

De tudo o exposto, designadamente do facto de o contrato haver sido concretizado no âmbito do princípio da liberdade contratual a que alude o disposto no artº 405º do CCivil, mesmo sem haver factos aqui para o poder caracterizar como contrato atípico ou inominado, temos que o contrato de ALD celebrado entre A. e R. se haverá de reger pelas regras convencionais contratualmente estabelecidas, quanto à resolução (clausula 16ª-a), onde foi acordada a resolução extrajudicial) e pelos disposto nos artºs 432º nº 1 e 436º nº1 ex-vi artº 405º todos do CC., com todas as consequências daí resultantes.

Assim e em razão de tudo o exposto concluímos que o contrato dos autos não se subsume ao regime jurídico da locação, designadamente no que diz respeito ao formalismo da sua resolução.

É, pois, válida a resolução extrajudicial do contrato feita pela autora ao réu em 29 de Março de 2004, porque o contrato de aluguer de veículos automóveis sem condutor, está sujeito ao regime especial fixado pelo DL 354/86 de 23 de Outubro e a remissão do n° 4 do art° 17°, só pode entender-se como uma remissão para o regime geral da resolução dos contratos previsto nos artigos 432° e ss. do C.Civil, designadamente artigo 436° do mesmo código na parte em que refere que "a resolução do contrato pode fazer-se mediante comunicação à outra parte";

Estando facultada à autora a resolução extrajudicial do contrato, ao abrigo do disposto não só na clausula 16ª -a) das condições gerais do referido contrato, mas também nos artigos 432° e 436° do C. Civil, não pode subsistir a argumentação da sentença desencadeada no pressuposto de que ela não foi válida, tendo antes ocorrido um acordo revogatório com a entrega da viatura em causa.

6-Os efeitos da resolução produzem-se a partir de 29 de Março de 2004, sendo que a data da entrega do veículo em 27.10.204 irá funcionar para efeitos de aplicação da clausula penal prevista na clausula 17ª.
A entrega do veículo ocorre na sequência da resolução do contrato e por isso não pode valer como acordo revogatório. A entrega do veículo acontece em função dos mecanismos de providência cautelar que foram desencadeados após a resolução e daí que não podem ter a virtualidade de parar os efeitos da própria resolução ocorrida anteriormente.

Assim relativamente aos juros de mora vencidos sobre os alugueres em dívida, que a autora peticiona no montante de 1.303,96€, e vincendos sobre 1.160,40€ o direito da A. resulta também das próprias clausulas do contrato (6ª) onde se prevê que “em caso de não pagamento pontual de quaisquer quantias devidas por força deste contrato e sem prejuízo de outras penalidades dele ou da lei decorrentes serão devidos juros de mora à taxa publicitada pela Associação Portuguesa de bancos acrescida de quatro pontos percentuais, a título de clausula penal moratória”.
Esta clausula é valida e perfeitamente legal já que se enquadra no espírito do contrato celebrado, e entretanto resolvido extrajudicialmente.
Assim, assiste à recorrente o direito de peticionar os juros de mora à taxa publicitada pela Associação Portuguesa de Bancos sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas até à data da resolução do contrato, nos montantes que constam da alínea c) do pedido formulado.

7-Quanto aos pedidos formulados nas alíneas d) e e), em função do estipulado nas clausulas 16ª-c) e 17º constantes das condições gerais:

Na cláusula 16ª (alínea c)) das condições gerais do contrato dos autos, as partes convencionaram que a recorrente em caso de resolução do contrato, seria indemnizada pelos prejuízos resultantes da resolução do mesmo.

As cláusulas contratualmente estabelecidas (designadamente no que concerne à resolução pelo locador e por incumprimento do contrato por parte do locatário e seus efeitos, e, bem assim, quanto à cláusula penal) haverão de ser cumpridas pontualmente, tendo sempre em conta o disposto nos arts. 405º e 406º do CCivil.
Por isso, afastada a aplicação do regime da locação (arts. 1022º e ss. do CCivil) ao contrato accionado, haverá que apreciar este pedido, formulado pela A. na petição inicial, à luz do regime jurídico que, ora, se decidiu aplicável, como seja, o estabelecido contratualmente e legalmente admissível em função das regras gerais dos contratos.

Na clausula 16ª, c) das “condições gerais” foi estabelecido o seguinte: –“Como consequência da resolução do contrato a autora terá o direito de retomar o veículo, reter as importâncias pagas pelo locatário e de exigir as vencidas e não pagas até à data da resolução, bem como a de ser indemnizado pelos prejuízos resultantes da resolução do contrato”.

Esta indemnização é cumulável com os juros de mora já referidos, porquanto se trata aqui de uma clausula que não viola o disposto no artº 811º, nº 1 do CCivil
Estamos aqui em presença da aplicação do disposto no artº 801, nº 2 do CC, já que assiste ao credor, mesmo em caso de resolução, o direito à indemnização.
Existiu incumprimento por parte do réu (que não pagou os alugueres), pelo que segundo a doutrina e jurisprudência correntes é possível exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento, que naturalmente abrangerá todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação pela outra parte (interesse contratual positivo), mantendo-se, porém, a sua própria obrigação ou - obter a resolução do contrato, cuja eficácia retroactiva lhe permite liberar-se da sua obrigação, pedindo eventualmente a restituição da sua prestação já realizada, acrescida de uma indemnização, que, neste caso, se limita aos danos derivados da não conclusão do contrato (interesse contratual negativo) (Cfr. A. Varela, Das Obrigações em geral, 7ª ed., vol. II, pág. 109; cfr., ainda, Ac. RP de 4.1.79, CJ, Ano IV, 1979, Tomo 1º, pág. 237-239 e Acórdão TRP de 23-05-2005- Processo: 0551194 -Nº Convencional: JTRP00038092)
No caso concreto dos autos a A./apelante exerceu o direito de resolução, podendo pedir indemnização, como faz (pedido da alínea e)) pelos prejuízos e encargos que suportou em razão directa da resolução a calcular em execução de sentença como pediu.
Trata-se, portanto de um pedido fundamentado no seu interesse contratual negativo, ou seja ,indemnização pelos prejuízos resultantes da não conclusão do contrato, isto é, os que não teria sofrido se o contrato não tivesse sido celebrado.

A clausula 17ª é uma verdadeira clausula penal estabelecida para o atraso da prestação “Se, cessando o aluguer por decurso do prazo de denúncia ou resolução, o locatário não devolver atempadamente o veículo, a A. terá direito a título de clausula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor e por um lapso de temo igual à mora (Cfr. A. Varela-Das obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., pág. 145)”.

Neste caso, esta clausula teve em vista sancionar o atraso derivado, da mora na devolução do veículo após a resolução, o que no caso também ocorreu.
Assiste, assim, à A./apelante o direito a receber a convencionada indemnização, nos termos do artº 406º, nº 1 do CC e nas clausula 16ª-c) e 17ª das condições gerais, devendo esse montante, tal como foi requerido, ser liquidado em execução de sentença.

8-Finalmente e quanto à questão da prestação da caução por parte do réu no montante de 1.608,62€.
Entendemos também que aqui assiste razão à recorrente devendo a questão da compensação ser operada no momento que se vier a fazer a liquidação em sede de execução de sentença, tal como acima decidido.

Segundo a cláusula 22ª -b) das condições gerais do contrato, no termo deste haverá lugar a prestação de contas respondendo a caução, até à concorrência do seu montante, pelos pagamentos que haja que efectuar, sendo devolvido o excesso ou pago o remanescente pelo locatário, conforme o caso.
Trata-se portanto, como defende a A. de uma cláusula onde foi acordada uma garantia especial, relativamente a uma obrigação futura, pelo que só no momento da liquidação das indemnizações poderá fazer-se funcionar, assistindo à A. para já o direito de reter o montante prestado pelo recorrido a título de caução;

III- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em:
a) – julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida;
b) – julgar a acção totalmente procedente por provada, em função do que declarando-se válida a resolução extrajudicial efectuada pela A. se condena o réu nos pedidos formulados sob as alíneas c), d) e e) da petição inicial, considerando-se prejudicada a restituição do entrega do veículo por já ter ocorrido em 27.10.2004.
Custas pelo R.
Porto, 3 de Novembro de 2005
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo