Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0452887
Nº Convencional: JTRP00037728
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ALEGAÇÕES
PRAZO
FÉRIAS JUDICIAIS
Nº do Documento: RP200502210452887
Data do Acordão: 02/21/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Corre em férias judiciais o prazo para apresentação de alegações de recurso, numa providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, face ao carácter urgente do processo cautelar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação do Porto.

1.RELATÓRIO

B.......... propôs contra,
C.........., Lda, esta Providência Cautelar de Suspensão de Deliberação Social, pedindo a suspensão da deliberação social tomada na assembleia geral extraordinária de 25/06/2003, com fundamento na sua ilegalidade, por contrária aos estatutos e à lei, sendo nula.
A requerida, através de dois dos seus sócios gerentes, deduziu oposição.
Posteriormente, dois outros sócios gerentes da requerida vieram aos autos confessar o pedido de suspensão das deliberações da assembleia geral de 25 de Junho de 2003 e desistir do pedido, o que o requerente declarou aceitar e os dois outros sócios gerentes, em nome da requerida, declararam não ser válida.
O Mm.º Juiz proferiu decisão, não aceitando a referida confissão com fundamento em que a posição da requerida era a primitivamente trazida aos autos pelos dois sócios gerentes e, quanto á providência cautelar, declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em que a respectiva acção de anulação não foi proposta no prazo estabelecido no art.º 59.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais.
Inconformado, o requerente interpôs recurso, o qual foi admitido por despacho de 15/12/2003, notificado ao requerente por correio de 16/12/2003. O requerente apresentou as alegações respectivas em 14/01/2004.
Por despacho de 05/02/2004, O Mm.º Juiz julgou o recurso deserto por apresentação extemporânea das alegações, com fundamento, em síntese, em que o prazo para a sua apresentação decorreu durante as férias judiciais, pelo que o prazo de quinze dias de que o requerente dispunha para a sua apresentação, em 14/01/2004, já se havia esgotado.
Inconformado com esse despacho o requerente dele interpõe recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Os prazos para as alegações de recurso suspendem-se em férias judiciais. Mesmo sendo os autos de que se recorre uma providência cautelar, processo de carácter urgente, não existe tal carácter em sede de recurso.
2.ª Se o prazo para intentar a acção de suspensão de deliberações sociais após o decretamento da respectiva providência, se suspende em férias, por maioria de razão o prazo de alegações em sede de recurso se suspende.
3.ª O despacho de que se recorre contraria o espírito que subjaze ao Código de Processo Civil após a revisão levada a cabo pelos Dec. Lei n.º 329.º-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/12, no qual se privilegiam as razões de fundo em detrimento das decisões formais, e onde se postula o máximo aproveitamento dos actos praticados.
4.ª O despacho recorrido violou o disposto nos art.ºs 144.º, n.º 3, 382.º, n.º 1, al. a), 389.º, n.º 2 todos do C.P.Civil, pelo que deverá ser revogado.
A requerida contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A) OS FACTOS
A matéria de facto a considerar é a acima descrita, sendo certo que a questão objecto do recurso se configura, essencialmente, como uma questão de direito.

B) O DIREITO APLICÁVEL

A questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste, tão só, em saber se o prazo estabelecido pelo art.º 743.º, n.º 1 do C.P.Civil para apresentação das alegações do agravante, em caso de recurso interposto da decisão final proferida em providência cautelar, corre durante as férias (como sustenta o agravante) ou se suspende durante esse período (como decidiu a primeira instância).
O art.º 382.º do C.P.Civil dispõe que “Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente” e o n.º 2 desse preceito estabelece os prazos em que os mesmos devem ser decididos em primeira instância. O art.º 144.º, n.º 1 do C.P.Civil, estabelecendo a regra da continuidade dos prazos processuais e da sua suspensão durante as férias judicias, prevê logo como excepção a essa regra “...os actos a praticar em processos que a lei considere urgentes”. Da interpretação conjunta de tais preceitos fluí, sem dúvida, a norma processual, segundo a qual, nos procedimentos cautelares os prazos processuais se não suspendem durante as férias judiciais. Esta norma está em consonância com a natureza jurídico-processual dos procedimentos cautelares, os quais se destinam a proporcionar ao requerente respectivo a antecipação dos efeitos da decisão, fundada na verosimilhança da aparência do seu direito (fumus boni iuris) e no perigo, para os interesses a acautelar, da demora da decisão na acção respectiva (periculum in mora). Atenta essa natureza jurídico-processual, as razões de celeridade que lhe são próprias estão presentes até ser proferida uma decisão definitiva, abrangendo o processado na primeira instância e em sede de recurso. Não havendo norma processual que estabeleça, expressamente, um regime distinto para a primeira instância e para a fase de recurso, também não há escopo a atingir que determine esse regime. É certo que, decretada a providência requerida e sendo interposto recurso pela parte contra a qual essa decisão foi proferida, poder-se-ia dizer em termos de lógica formal, que a tramitação processual deixou de ser urgente por lhe não assistirem as razões determinativas dessa urgência. Todavia, para além desse exercício de lógica formal, não vislumbramos razões que nos levem a defender a natureza de processo não urgente, sendo certo que não é este o caso sub judice em que o requerente da providência cautelar interpôs recurso de agravo da decisão que, por razões processuais, lhe denegou a providência requerida. A celeridade processual foi estabelecida, de forma imediata, no seu próprio interesse não lhe sendo admissível abdicar da mesma. Daqui decorre não lhe assistir razão quando se insurge contra a prevalência da forma sobre a substância. Não é disso que se trata, mas antes de um regime processual estabelecido no seu interesse, o qual, sendo imperativo não pode ser por si derrogado.
Questão substancialmente diferente é a que consiste em saber qual o prazo para a propositura da acção, de que é dependente o procedimento cautelar. Essa era a questão suscitada no recurso de agravo, cujo conhecimento ficou prejudicado pelo despacho que julgou no recurso deserto e não tem, agora, que ser apreciada.
Quanto à questão que ora cumpre conhecer, pelos fundamentos aduzidos, entendemos que o prazo para apresentação das alegações, estabelecido pelo art.º 743.º, n.º 1 do C.P.Civil, corre durante as férias como decidido em primeira instância.

Improcedem, pois, as conclusões do agravante.

3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo agravante.

Porto, 21 de Fevereiro de 2005
Orlando dos Santos Nascimento
José António Sousa Lameira
José Rafael dos Santos Arranja