Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0757038
Nº Convencional: JTRP00040927
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA LEGAL
SALÁRIOS EM ATRASO
Nº do Documento: RP200801140757038
Data do Acordão: 01/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 325 - FLS 10.
Área Temática: .
Sumário: I - O disposto no art. 152.º do CPEREF aplica-se só aos privilégios creditórios e não às hipotecas (legais ou não) devendo o crédito garantido por uma hipoteca ser graduado à frente do crédito (mesmo dos trabalhadores) que se encontre garantido por um privilégio imobiliário geral.
II - O disposto na alínea b) do n.º1 do art. 377.º do C. Trabalho deve ser interpretado no sentido de o privilégio imobiliário especial nela conferido – sobre o imóvel do empregador no qual o trabalhador preste a sua actividade – aos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, gerados após a entrada em vigor da referida norma, prefere à hipoteca voluntária, independentemente da data da sua constituição e registo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1- A) No Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, foi, por despacho de fls. 520 e ss., declarada a falência em 17.03.2005, de “B………., LDA.”, tendo sido apreendidos para a massa falida um bem imóvel e diversos bens móveis.
Foram oportunamente reclamados créditos, tendo sido proferida sentença de graduação de créditos, (fls. 423 a 434).
Dessa decisão veio o credor Instituto da Segurança Social, I. P. interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
I- Nos presentes autos de falência, veio o aqui Apelante reclamar os seus créditos de contribuições em dívida à Segurança Social, e respectivos juros de mora, no montante global de € 124.782,53.
II- A dívida reclamada pelo Apelante encontra-se garantida por hipoteca legal constituída sobre um imóvel da ora falida que, nos termos da lei, constituiu garantia real, a qual foi oportunamente constituída e invocada no presente processo.
III- Constituída e registada para garantir a dívida da falida de contribuições vencidas de Dezembro de 2001, Janeiro, Junho, Agosto e Novembro de 2002, Agosto, Setembro, Outubro e Dezembro de 2003 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Novembro e Dezembro de 2004 e respectivos juros de mora vencidos até Março de 2005, no valor total de € 147.554,99, a qual foi registada pela apresentação Ap. 102/26112004 sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, com a descrição predial n.º 01124/190488 - A, da freguesia de ………. .
IV- Não obstante a referida invocação o tribunal a quo incluiu os créditos do ora apelante garantidos por hipoteca legal na graduação geral, como se de créditos comuns se tratassem, fundamentando tal posição, com a corrente jurisprudencial que sustenta que o art. 152° do CPEREF apenas determina a extinção dos privilégios creditórios, mas não a extinção das hipotecas legais (e demais causas legítimas de preferência de créditos no concurso de credores) de que gozam os entes públicos nele aludidos.
V- Ora, sendo esse também o entendimento defendido pelo ora Apelante, parece resultar que a douta sentença de verificação e graduação de créditos padece de um manifesto lapso concretizado na omissão da graduação dos créditos garantidos por hipoteca legal.
VI- Dispõe o n.º 1 do art. 640° do C. Civil que “não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos”.
VII- Por sua vez, diz o n.º 2 deste mesmo artigo que “são causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção”.
VIII- E nos termos do art. 686° do C. Civil, a hipoteca legal devidamente constituída e registada, é um direito real de garantia que concede ao credor hipotecário o direito a ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, preferencialmente sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
IX- Se é verdade que o art. 152º do CPEREF veio determinar que com a declaração de falência se extinguem os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições da segurança social, com excepção daqueles que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência, tal normativo não abrange as hipotecas legais porque, com tal entendimento, frustar-se-ía a intenção do legislador.
X- Ora, tanto no artigo vindo de mencionar como no preâmbulo do diploma que aprovou o Código, é sempre feita alusão, apenas e tão só aos privilégios creditórios, não se vislumbrando qualquer referência às hipoteca legal ou voluntárias, nem existindo quaisquer elementos que possam validamente sustentar a pretensa extensão da previsão legal.
XI- O privilégio creditório é uma garantia diferente da hipoteca legal, cada uma delas com regulamentação legal própria e diferenciada, que o legislador não podia ignorar.
XII- Na fixação do sentido e alcance da lei, é de presumir, por via do art. 9, n.º 3, do Código Civil, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, designadamente, quando usa expressões de técnica legislativa.
XIII- Com efeito, a omissão de pronúncia do legislador, quanto ás hipotecas legais e/ou voluntárias não é sinónimo de existência de uma lacuna, mas antes de uma hipóteses não regulada intencionalmente, significativa de que o legislador nele não quis abranger as mesmas, restringindo-se a extinção decretada, apenas, aos privilégios creditórios, não sendo, pois, sustentável que a letra da lei esteja aquém do seu espírito.
XIV- O mesmo se diga em relação ao art. 200 n.º 3 do CPEREF, na medida, em que o legislador ao mencionar a hipoteca judicial e a resultante de penhora, só a estas se quis referir.
XV- Assim, ao proceder à graduação dos créditos da apelante como se as hipotecas legais não existissem, a douta sentença recorrida violou o disposto nos art. 604°, 6 86°, 152° e 200° n.º 2 do CPEREF.
XVI- Consequentemente, ás hipotecas legais constituídas a favor do Apelante dever-se-á aplicar o regime legal e geral, comummente aplicável, a tais garantias, respeitando-se, é certo, o princípio da prioridade de registo (art. 6° do CRP).
XVII- Assim, e de acordo com o estatuído no art. 200 n.º 2 do CPEREF, o crédito reclamado pelo ora apelante goza da preferência adveniente da hipoteca legal constituída devendo ser objecto de graduação especial relativamente ao imóvel apreendido nos presentes autos.
XVIII- Concludentemente, e como se espera, deve a sentença ser revogada reconhecendo-se os privilégios invocados pelo apelante, como é de justiça.
Conclui pedindo a procedência do recurso.

Não houve contra-alegações.

II. - FACTUALIDADE PROVADA

Encontram-se provados os seguintes factos:
1. Foi declarada a falência de “B………., LDA.”, tendo sido apreendido para a massa falida um bem imóvel e diversos bens móveis.
2. Foram reclamados diversos créditos, melhor descritos na sentença recorrida, designadamente o ISS, IP – Instituto da Segurança Social, IP reclamou o crédito de contribuições em divida à Segurança Social, e respectivos juros de mora, no montante global de 124.782,53 Euros (crédito n.º 19).
3. O crédito do ISS, IP – Instituto da Segurança Social, IP encontra-se garantido por uma hipoteca constituída sobre o imóvel apreendido para a massa falida e registada a seu favor.
4. Os créditos dos trabalhadores (créditos 2 a 9) foram constituídos em 31 de Dezembro de 2004 e o referido em 18 foi constituído em 2 de Junho de 2005.
5. Pelo produto da venda do imóvel o crédito do ISS,IP (crédito n.º 19), foi graduado em 3º lugar, até ao valor da hipoteca (atrás dos créditos dos trabalhadores identificados nos nºs. 2 a 9 e 18) – (foi graduado nos seguintes termos “do remanescente, se remanescente houver, dar-se-à pagamento ao crédito n.º 19 do IGFSS na sua parte privilegiada e apenas referente à parte do crédito que se venceu já no decurso do processo de recuperação a que a falida foi anteriormente sujeito, no montante de € 8.791,87”).

III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.
A) A questão a decidir é apenas uma, a saber:
Será que o crédito do IGFSS, o qual se encontra garantido por uma hipoteca, deve ser graduado à frente do crédito dos Trabalhadores?

B) Vejamos.
1- O DIREITO
Dispõe o artigo 152 do Código dos processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que “com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos exigidos como comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação de empresa ou de falência”.
Será que o legislador quis ao referir aos privilégios creditórios do Estado neles incluir a Hipoteca?
Perante a redacção deste preceito dividiu-se a doutrina e a jurisprudência quanto ao seu alcance.
Uns defendiam que apesar do preceito se ter “esquecido” das hipotecas atenta a ratio legis do mesmo outra não podia ser a solução senão entender que às hipotecas (atribuídas às entidades referidas nesta norma) lhes seria aplicável o regime do preceito, extinguindo-se também de forma imediata com a declaração de falência.[1]
Pelo contrário outros entendem que sendo o artigo 152 em apreço uma norma excepcional a mesma não é susceptível de aplicação extensiva ou analógica, pelo que nunca seria aplicável às hipotecas legais.[2]
Pensamos que após larga discussão se firmou como corrente largamente maioritária na Jurisprudência, a que aderimos, a posição de que o estabelecido na primeira parte do artigo 152 do CPEREF não compreende as hipotecas legais que garantem os créditos, no caso, do IGFSS.
Afigura-se-nos que ao legislador não podia ser desconhecido o facto de existirem não só “privilégios creditórios do Estado” como também “hipotecas legais” e se na norma apenas ficou a constar “privilégios creditórios do Estado” não deve nem pode o intérprete colocar naquele preceito algo que o legislador de forma deliberada (pois sabia da sua existência) não pretendeu colocar.
Deste modo e sem necessidade de outras considerações (remetendo-se para os argumentos expostos nos diversos acórdãos citados e que nos dispensamos de repetir, ainda que por outras palavras), entendemos que com a declaração de falência não se extinguem as hipotecas legais de que goza a segurança social, extinguindo-se tão somente os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social os quais passam a ser exigíveis apenas como créditos comuns. [3]
Bem andou pois, em nossa opinião, a decisão recorrida em considerar que a hipoteca legal de que gozava o crédito do IGFSS não se extinguiu com a declaração de falência da requerida B……….s, LDA.

C) Resolvida esta questão e assente que o IGFSS beneficia de uma hipoteca legal como garantia do seu crédito (verba n.º 19) e como os graduar em confronto com os créditos dos Trabalhadores?
Estabelecia o artº 12º n.º. 1, al. a) e b) da Lei n.º 17/ 86, de 14.06., que “os créditos emergentes do contrato individual de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: privilégio mobiliário geral; privilégio imobiliário geral”.
A Lei n.º 17/86 de 14 de Junho foi alterada pela lei n.º 96/2001 de 20 de Agosto, a qual alterou o regime de privilégios dos créditos dos trabalhadores resultantes da lei dos salários em atraso e dos restantes créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalho e graduação dos mesmos em processos instaurados ao abrigo do CPEREF.
Dispõe o artº 4º da Lei n.º 96/2001, que “Os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei n.º 17/86 de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios: a) privilégio mobiliário geral; b) privilégio imobiliário geral.
Por sua vez o actual artigo 377 do Código do Trabalho preceitua que:
“1. Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral:
b) Privilégio imobiliário especial sobre imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2. A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do artº 747º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artº 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social”.
Dispõe o artigo 733 do Código Civil (serão deste diploma legal todos os preceitos indicados sem referência de origem) que “privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”.
Os privilégios creditórios são de duas espécies: mobiliários e imobiliários, artigo 735 nº 1, sendo que os privilégios imobiliários são sempre especiais, artigo 735 nº 3.
O artigo 751 dispunha que os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
Hoje tal preceito dispõe que "Os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores", artigo 751, na redacção do artigo 5º Dec. Lei nº 38/2003 de 8 de Março.
"O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente", artigo 749.
Nos termos do artigo 686 “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Apesar de uma primeira leitura dos preceitos legais citados, concretamente do artigo 735 nº 3, indicar que os privilégios imobiliários são sempre especiais, sucede que (como vimos) diversos diplomas legais posteriores ao Código Civil vieram criar privilégios imobiliários gerais.
Perante estes princípios jurídicos (com excepção do actual artigo 377 do Código do Trabalho) também se perfilaram duas correntes na jurisprudência.
Uma, defendia que os privilégios imobiliários gerais de que gozavam os créditos dos trabalhadores preferem sobre o crédito de terceiro garantido por hipoteca.
Uma outra, a que aderimos e pensamos ser largamente maioritária, entendia que mesmo após a entrada em vigor da Lei n.º 96/01 de 20 de Agosto os privilégios imobiliários gerais de que gozam os créditos dos trabalhadores não preferem sobre o crédito de terceiro garantido por hipoteca.[4]
Em suma, era (é) entendimento maioritário que o disposto no artigo 152 do CPEREF aplica-se só aos privilégios creditórios, e não às hipotecas (legais ou não), devendo o crédito garantido por uma hipoteca, ser graduado à frente do crédito, (mesmo dos trabalhadores) que se encontre garantido por um privilégio imobiliário geral.

D) Todavia verifica-se que no caso presente os créditos dos trabalhadores (créditos 2 a 9) foram constituídos em 31 de Dezembro de 2004 e o referido em 18 foi constituído em 2 de Junho de 2005.
Ora, actualmente, o artigo 377 do Código do Trabalho dispõe que:
“1. Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral:
b) Privilégio imobiliário especial sobre imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2. A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do artº 747º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artº 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social”.
A decisão recorrida entendeu que o preceituado neste artigo é aplicável ao caso dos autos.
Entendimento diverso parece ter a recorrente ainda que não o diga de forma expressa.
Afigura-se-nos que a razão se encontra do lado da decisão recorrida.
Vejamos.
O Código do Trabalho entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto).
Porém o estatuído no artigo 377 do citado código apenas entrou em vigor no dia 28 de Agosto de 2004, ou seja 30 dias depois da publicação da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (artigos 3º e 21º, nº 2, alínea e)).
Deste modo tendo os direitos de crédito dos trabalhadores sido constituídos após 31.12.2004 deve ser-lhes aplicável o preceituado no mencionado artigo 377º do Código do Trabalho (independentemente de derivarem de relações jurídicas laborais celebradas antes de 28 de Agosto de 2004).
Assim ao concurso de créditos em apreço é aplicável o disposto no artigo 337 do Código do Trabalho.[5]
Sendo aplicável ao concurso em apreço o disposto no artigo 377 do Código do Trabalho então nenhuma razão assiste ao recorrente em pretender que o seu crédito – garantido por hipoteca – seja graduado antes dos créditos dos trabalhadores – que gozam do privilégio imobiliário especial.
Na verdade, “os créditos laborais que gozem de privilégio imobiliário especial fundado no art. 377.º-1-b) do Código do Trabalho preferem ao crédito garantido por hipoteca voluntária constituída e registada anteriormente à entrada em vigor daquela norma”, Ac. do STJ de 5 de Junho de 2007 Relator Conselheiro Alves Velho.
Deste modo concordamos com o decidido em 1ª instância, pelo que, o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 377º do Código do Trabalho deve ser interpretado no sentido de o privilégio imobiliário especial nela conferido - sobre o imóvel do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade – “aos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, gerados após a entrada em vigor da referida norma, prefere à hipoteca voluntária, independentemente da data de constituição e registo desta” cfr. Ac. do STJ de 5 de Junho de 2007 citado.
Em suma entendemos que nenhuma censura merece a decisão recorrida, impondo-se a improcedência das conclusões do Recorrente e, consequentemente a improcedência do presente recurso de Apelação.

IV – DECISÃO

Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação deduzido pelo Apelante e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 2008/01/14
José António Sousa Lameira
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
José Rafael dos Santos Arranja

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[1] Cfr a título meramente exemplificativo Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, notas 4 e 5 ao artigo 152, a páginas 381 e 382 e as referências aí feitas no mesmo sentido.
[2] Cfr. igualmente a título meramente exemplificativo Salvador da Costa, o Concurso de Credores, 1998, p. 329 e os Ac. do STJ de 21.02.2006, Relator Conselheiro João Camilo, Ac. STJ de 16.06.2005, Relator Conselheiro Araújo de Barros, Ac. STJ de 21.02.2006, Relator Conselheiro Pereira da Silva e desta Relação do Porto de 21.03.2006, Relator Desembargador Cândido Lemos.
[3] Cfr. neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 21.02.2006, Relator Conselheiro Pereira da Silva “I. o estatuído na lª parte do art 152º do CPEREF não compreende as hipotecas legais que garantem os créditos devidos à segurança social (art. 12º do DL nº 103/80, de 9 de Maio).
II. O privilégio imobiliário geral concedido aos créditos reconhecidos aos trabalhadores de sociedade falida, a que se re portam o art. 12º nº 1 b) da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e o art. 4º nº 1 b) da Lei nº 96/01, de 20 de Agosto, não goza de preferência relativamente às hipotecas, legais ou contratuais, maxime às primeiras que garantem os créditos da segurança social, por ser aplicável o art. 749º do CC (versão inicial), que não o art. 751º desse Corpo de Leis (redacção inicial)”;
- de 21.02.2006, Relator Conselheiro João Camilo “A extinção de garantias legais prevista no art. 152º do CPEREF não abrange a hipoteca legal de que gozem os créditos da segurança social”.
- de 16.06.2005, Relator Conselheiro Araújo de Barros “O artigo 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, quando declara que, com a declaração de falência, se extinguem imediatamente os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, não abrange outras garantias que não os privilégios creditórios, designadamente não havendo que aplicar o regime por ele estabelecido às hipotecas legais constituídas a favor da Segurança Social.
- da Relação do Porto de 21.03.2006, Relator Desembargador Cândido Lemos “As hipotecas legais estão afastadas da aplicação do disposto no art. 152.º do CPEREF (redacção do DL 315/98 de 20/10), que nem por analogia se lhes pode aplicar.”
[4] Tivemos oportunidade de escrever no Acórdão desta Relação Nº 2985/2006 de 12 de Junho de 2006 do qual fomos Relator “que o artigo 751 determinava que os privilégios imobiliários (não distinguindo entre especiais e gerais) são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
Todavia já alguma Jurisprudência entendia que o disposto no citado artigo 751 apenas valia para os privilégios imobiliários especiais (que foram os tidos em consideração pelo legislador do Código Civil) e não para os privilégios imobiliários gerais, como é o caso presente.
Neste sentido o Acórdão do STJ de 3 de Abril de 2001 do qual foi Relator o Exmº Conselheiro Dr. Azevedo Ramos, onde se pode ler "o referido artigo 751 contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, pelo facto dos privilégios imobiliários não serem conhecidos aquando do início da vigência do actual Código Civil e ainda porque não estando sujeitos a registo, afectam gravemente os direitos de terceiro".
No mesmo sentido igualmente o Ac. do STJ de 6.3.2003, proferido no processo nº 4/2002.
Pensamos que este entendimento se mostrava o mais adequado, face aos valores em confronto e à evolução legislativa relativamente aos privilégios imobiliários.
Aliás a recente alteração legislativa (Dec. Lei nº 38/2003 de 8 de Março) veio sufragar esta posição, uma vez que o artigo 751 em apreço se refere agora expressamente aos privilégios imobiliários especiais afastando claramente (pois não os desconhece como o legislador do Código Civil) os privilégios imobiliários gerais.
Deste modo não sendo aplicável o disposto no artigo 751 ter-se-á que aplicar o regime previsto no artigo 749 (o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente)”, cfr. Ac. desta Relação de 26.01.2004, proferido no Processo 6492/03, de que fomos Relator.
Por tudo o que se vem de dizer já tivemos oportunidade de afirmar, (pelo que mantemos, não vislumbrando razões válidas para alterar a posição) não só em Acórdão de que fomos Relator mas também em vários outros de que fomos Adjunto, que estando os créditos dos Recorrente (trabalhadores) garantido por um privilégio imobiliário geral não podem os mesmos preferir ao crédito do IGFSS que se encontra garantido por uma hipoteca legal. Este crédito goza de prioridade, na sua graduação, sobre os créditos do Recorrentes que beneficiam de um privilégio imobiliário geral.
[5] Neste sentido cfr. Ac. do STJ de 11 de Outubro de 2007, Relator Conselheiro Salvador da Costa “Ora, o Código do Trabalho entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto).
Todavia, o novo regime dos privilégios imobiliários que servem de garantia dos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores, previsto no seu artigo 377º, entrou em vigor no dia 28 de Agosto de 2004, 30 dias depois da publicação da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (artigos 3º e 21º, nº 2, alínea e)).
Acresce que os efeitos dos factos ou situações totalmente passados anteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho foram excluídos do novo regime dele decorrente (artigo 8º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto).
Assim, o disposto no mencionado artigo 377º do Código do Trabalho é aplicável a todos os direitos de crédito dos trabalhadores constituídos desde o dia 28 de Agosto de 2004, independentemente de derivarem de relações jurídicas laborais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados, conforme os casos, antes ou depois daquela data.
Apenas se exceptuam do mencionado regime, com a consequência de dever aplicar-se o pertinente regime anterior, os direitos de crédito laborais que se tenham constituído antes de 28 de Agosto de 2004 no âmbito de contratos de trabalho que se tenham extinguido anteriormente.
Ora como os direitos de crédito reclamados pelos ora recorrentes estavam vencidos, e eram exigíveis em razão da declaração da falência da respectiva empregadora antes da própria entrada em vigor do Código do Trabalho, a conclusão é no sentido de que queda inaplicável ao concurso de credores em análise o disposto artigo 377º do Código do Trabalho”;
Ac. do STJ de 5 de Junho de 2007 Relator Conselheiro Alves Velho.
Ac. do STJ de 11-09-2007 Relator Conselheiro Azevedo Ramos “Declarada a falência de uma sociedade, com trânsito em julgado, é a essa data que se deve atender para definir a lei aplicável à graduação de créditos. O Código do Trabalho não é aplicável aos direitos de crédito laborais constituídos antes de 28 de Agosto de 2004, por via de contratos que anteriormente se tenham extinto”