Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0756892
Nº Convencional: JTRP00041081
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
PROCESSO SIMPLIFICADO
Nº do Documento: RP200802250756892
Data do Acordão: 02/25/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 330 - FLS 55.
Área Temática: .
Sumário: I - A taxa de justiça terá de ser paga na data do envio da petição inicial pelo correio electrónico, podendo o comprovativo ser enviado posteriormente.
II - O pagamento, se só efectuado posteriormente dará lugar ao desentranhamento da petição inicial.
III - Porém esse pagamento pode ser aproveitado na hipótese de apresentação de nova petição, de acordo com o disposto no art. 476.º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, no Tribunal da Relação do Porto

1 – “B………., Lda” instaurou, em 04.06.07, na comarca de Mondim de Basto, acção sumária contra “C………., Lda”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 8.299,04, acrescida de juros de mora sobre € 7.696,01, à taxa de 9,56% ao ano, desde 04.06.07 até integral pagamento.
Foi apresentada contestação em que a R. pugnou pela parcial improcedência da acção, com compensação do remanescente crédito da A. com um seu contra-crédito, deduzindo, simultaneamente, reconvenção em que pediu a condenação da A.-reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 20.953,19, acrescida dos respectivos juros de mora, desde a citação (sic) até integral pagamento, e, bem assim, quantia, a liquidar em execução de sentença, pelos danos articulados e verificados a partir de Junho de 2007 até entrega das peças mencionadas naquele seu articulado.
Após resposta-contestação da reconvenção por parte da A., foi, em 18.09.07, proferido despacho em que, e além do mais, foi exarado e decidido: …”Existe um erro na forma de processo, nulidade de conhecimento oficioso (art. 206º do CPC) e que importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida por lei (art. 199º do CPC). (…) Pelo exposto, ao abrigo dos arts. aludidos, o presente processo passará a seguir a forma do processo especial previsto no DL nº 269/98, aproveitando-se a petição e contestação apresentada e anulando-se a reconvenção e resposta à contestação, porque não admissíveis naquela forma de processo (…) Carregue e descarregue em conformidade – arts. 221º e 222º do CPC.
Inconformada, interpôs a R.-reconvinte o presente recurso de agravo, visando a revogação da decisão recorrida, conforme alegações culminadas com a formulação destas conclusões:
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A) Não se afigura correcta a interpretação que do referido regime fez o Mm° Juiz de primeira instância;
B) A lei em geral e, em especial o DL 32/2003, de 17/02 e o DL 269/98, de 1 de Setembro não conferem aos titulares de direito de crédito emergente de transacção comercial a obrigação de se afastarem o regime do processo comum estabelecido no artigo 460° do C.P.C;
C) O procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias é meramente facultativo, podendo o demandante optar por recorrer ao regime da injunção, à acção declarativa especial de cumprimento de obrigações pecuniárias ou interpor acção declarativa de condenação;
D) Foram violadas aquelas disposições legais, pelo que a douta decisão recorrida deverá ser revogada e, em consequência ordenar-se o prosseguimento dos autos como acção declarativa de condenação com processo ordinário, atento o valor da reconvenção, e não na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, como determinado na primeira instância e, consequentemente ser admitida a reconvenção deduzida pelo R.
Não foram apresentadas contra-alegações, tendo a decisão recorrida sido objecto de sustentação.
Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
2 – A questão a resolver, no âmbito do presente agravo, cinge-se a saber se o processo especial previsto no DL nº 269/98, de 01.09, é de observância obrigatória e vinculativa, ou se, pelo contrário, se limita a atribuir aos credores, aí, previstos a faculdade de, por sua livre opção e em alternativa ao pertinente processo comum, utilizarem o processo simplificado que, aí, lhes é propiciado.
Questão esta para cuja solução releva o expendido no relatório que antecede, aditado da seguinte factualidade evidenciada, igualmente, pelos autos:
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--- A A. instaurou a presente acção para que a R. cumpra uma obrigação pecuniária que deriva da celebração de um contrato de compra e venda e prestação de serviços que celebrou com esta, no valor de € 8.299,04.
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3 – A questão suscitada no recurso não se revela de fácil e indiscutível solução, quando aproximada dos textos legais que com a mesma contendem.
Com efeito, e por um lado, decorre do Preâmbulo dos DD. LL. nº/s 32/03, de 17.02 e 107/05, de 01.07, que o procedimento especial, aí, consagrado – e que, em princípio, abarcaria o caso em apeço nos autos – visa, essencialmente, em aplicação dos princípios emergentes da Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.06, propiciar aos credores das correspondentes obrigações pecuniárias a “obtenção de um título executivo de forma célere e simplificada”. Adoptando-se terminologia compatível com tal desiderato, como, designadamente, “ que o credor possa obter um título executivo”, “permitindo-lhe o recurso à injunção”, “aquela faculdade”, “encontrar alternativas para a litigância de massa”, etc.
Mas, por outro lado, também não pode olvidar-se que, com a adopção de tal procedimento especial, se visou, além do mais, “descongestionar significativamente os tribunais”, combatendo o “aumento explosivo da litigiosidade cível de baixo valor”, meta esta inalcançável se a adopção do questionado procedimento especial ficasse simplesmente dependente de mera e correspondente opção do credor. Não podendo, igualmente, menosprezar-se, nesta perspectiva, que, nos termos do disposto no art. 7º, nº4 do mencionado DL nº 32/03, de 17.02, “As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais (…) de valor superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos”. Remetendo, pois, para a aplicação do regime constante do DL nº 269/98, de 01.09, o que, conjugado com o preceituado no art. 460º, nº2, do CPC, determinaria a adesão à tese do carácter obrigatório da adopção do sobredito procedimento especial.
Como quer que seja, e independentemente da adesão a uma ou outra das enunciadas posições – inclinando-nos nós para a tese que sustenta a natureza facultativa da adopção do mencionado procedimento especial, sob pena de se penalizar quem, no entendimento do legislador, deveria, com tal, ver a “vida” simplificada[1] -, o facto é que, no caso dos autos, a A. optou, livremente, pela adopção do processo declarativo comum, com inerente abdicação do mencionado procedimento especial. Sendo em tal quadro processual – que nenhuma observação ou rejeição suscitou ao Tribunal, até à data da prolação da decisão recorrida – que a R. contestou a acção, deduzindo, simultaneamente, reconvenção para vir a ser-lhe reconhecida e paga quantia muito superior à peticionada pela A. Não lhe passando, de certeza, pela cabeça que o trilho processual em que se movimentava viesse a ser “dinamitado”, na imediata fase processual, com a explosão da verdadeira “mina” constituída pela invocação do carácter obrigatório da adopção do sobredito procedimento especial, arredando, inesperadamente, do “combate” a reconvenção por si deduzida…Com os inconvenientes e imolação da estratégia da respectiva defesa que facilmente se adivinham!...
De sorte que tem de concluir-se que, dum só golpe, a R.-reconvinte se viu privada dum essencial meio de defesa – que o é, também, a reconvenção (Cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. I, 2ª Ed., pags. 56) –, sendo, simultaneamente, confrontada com uma verdadeira decisão-surpresa, em violação do preceituado no art. 3º, nº3, do CPC, uma vez que, sendo, embora, de conhecimento oficioso (Cfr. art. 202º, do CPC), a correspondente questão jamais havia sido suscitada ou antevista nos autos por qualquer das partes, que, por isso mesmo, sobre a mesma não tiveram oportunidade de, tempestivamente, se pronunciarem.
Assim, independentemente de se não tomar, desde já, posição definitiva quanto à polémica a que, inicialmente, se fez menção, sob pena de flagrante violação dos correspondentes princípios estruturantes e traves mestras do nosso edifício processual civil, tem de concluir-se que a decisão recorrida não poderá subsistir, tendo, pois, de ser revogada.
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4 –Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir, na forma eleita e aceite pelas partes, a subsequente ritologia atinente.
Sem custas.
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Porto, 25.02.08
José Augusto Fernandes do Vale
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira

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[1] Parece-nos, aliás, não ser determinante a invocação do preceituado, quer no art. 460º, nº2, quer no art. 462º, ambos do CPC, no sentido da obrigatoriedade da adopção do questionado procedimento especial, uma vez que tal argumentação enferma de petição de princípio: o que está, precisamente, em causa é saber se o procedimento especial, aí, referido, deve, no caso em apreço, ter, ou não, lugar. Ou seja, a aplicação de tais preceitos legais pressupõe, necessariamente, que, previamente, esteja resolvida a questão da adequação/imposição de tal procedimento especial… “Quod est demonstrandum!...”