Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8114/07.0TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP00042672
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ALIMENTOS
ALIMENTOS PROVISÓRIOS
SUSTENTO
PEDIDO
CONSERVATÓRIA DE REGISTO CIVIL
Nº do Documento: RP200905268114/07.0TBVNG.P1
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 312 - FLS 164.
Área Temática: .
Sumário: I - A ideia de proporcionalidade a que alude o art° 2004° n°1 C.Civ. inculca que o vinculado a alimentos não deve apenas entregar ao alimentando o indispensável, mas mais deve ver diminuído o seu nível de vida para assegurar a esse alimentando nível de vida idêntico ao seu, o que constitui o conceito de alimentos paritários.
II - O “sustento” a que alude o art° 1878° n°1 ex vi art° 1880° C.Civ. interpreta-se usualmente como abrangendo não só a alimentação, mas ainda as despesas com assistência médica e medicamentosa, deslocações, divertimentos e outras quaisquer (“dinheiro de bolso”), desde que inerentes à satisfação das necessidades da vida quotidiana, correspondentes à condição social do alimentado.
III - Por interpretação extensiva, considerando os elementos histórico e teleológico de interpretação do art° 2006° C.Civ., deve considerar-se equivaler à “proposição da acção” a entrada do pedido na competente Conservatória do Registo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recursos de apelações interpostos na acção com processo especial de fixação de alimentos a filhos maiores nº8114/07.0TBVNG.P1, da comarca de Vª Nª de Gaia, juízo de Família e Menores.
Requerente – B………. .
Requerido – C………. .

Pedido
Que o Requerido seja condenado a pagar à Requerente, a título de alimentos, quantia mensal não inferior a € 387,10, até que esta conclua a sua formação profissional.

Tese da Requerente
Nasceu a 2/10/87 e frequenta o .º ano do curso de Direito, na ………. (Porto); dedica-se exclusivamente aos estudos e não aufere quaisquer rendimentos.
Vive com sua mãe, desempregada, que não aufere qualquer prestação social, a esse título.
Uma bolsa de estudo permite-lhe pagar uma propina mensal de apenas € 125; estima os gastos mensais fixos na quantia peticionada.
O Requerido é bancário reformado, tendo comunhão de vida com uma senhora bancária também reformada; tem posses para pagar à Requerente a quantia que esta vem pedir a juízo.
Tese do Requerido
Impugna motivadamente a tese da Requerente, quer quanto a proventos da Requerente (para além do mais desenvolve actividades profissionais), quer quanto a proventos da mãe da Requerente, com esta convivente, e, finalmente, quanto as despesas a cargo dele Requerido.

Sentença
Na decisão proferida, o Mmº Juiz “a quo” julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e condenou o Requerido a pagar à Requerente, a título de pensão de alimentos, o montante de € 175 mensais, a contar da data da entrada da acção em juízo, ou seja, 6/9/2007.

Conclusões do Recurso de Apelação do Requerido (resenha):
I – A mãe da Recorrida aufere rendimentos decorrentes do arrendamento que faz de partes da sua habitação, a duas senhoras, que lhe pagam, no total, entre € 450 e € 500.
II – Tendo em conta os depoimentos testemunhais de D………., amiga da mãe da Requerente, E………., F………., G………. e H………., é de concluir que, só a título de arrendamento, a mãe da Recorrida aufere a quantia mensal de € 600, excluídos de impostos.
III – A mãe da Recorrida aufere mensalmente quantia indeterminada por coadjuvar uma sua conhecida no arranjo e venda de flores, no espaço que a própria mãe da Requerente/Recorrida arrenda a essa conhecida.
IV – As testemunhas arroladas não foram capazes de especificar as despesas e os montantes despendidos pela Requerente, apenas se encontrando provado documentalmente o valor das propinas; as testemunhas, como era de esperar, apenas se referiram ao montante que pensam ser o adequado a cobrir as despesas da Recorrida, não fazendo referência a factos concretos que pudessem ser tomados em consideração para aferir tais despesas.
V – Quanto aos rendimentos da Recorrida, provou-se que a mesma trabalha, pelo menos em Agosto, no bar da praia, que aufere abono de família e € 64,77 de subsídio de estudo, processada pelo Banco onde o Recorrente trabalhou (único montante apurado e documentado); nesse sentido, aliás, vai a matéria de facto apurada, nos pontos g), h), i) e j) dos factos provados.
VI – Daí que o Recorrente não possa concordar com os critérios e apreciação que o tribunal “a quo” realizou nos presentes autos, a fim de contabilizar os montantes despendidos, obtendo um valor que, no mínimo, é indiciário e não real.
VII – Por razões de saúde mental, o Recorrente viu-se reformado por invalidez, o que levou a sua esposa a entrar em situação de pré-reforma, com o inerente decréscimo de rendimentos mensais, que se cifrou em cerca de € 500.
VIII – O Recorrente não tem qualquer capacidade de pagar pensão de alimentos à Recorrida.
IX – O casal que o Recorrente forma com sua esposa suporta prestação mensal de casa (€ 501,55); com outras despesas fixas, totalizam os gastos € 635,12; a esposa do Recorrente apenas aufere a quantia mensal de € 762,59, sobrando-lhe a pequena quantia de € 127 para gastos pessoais e despesas comuns.
X – As despesas do Recorrente estão exaustivamente documentadas e rondam os € 1200/mês; aufere apenas a quantia mensal de € 1.171,66, pelo que recorre até a empréstimos de familiares para fazer face a todas as despesas.
XI – Se a Recorrida se transferisse para uma faculdade estatal também diminuiria as respectivas despesas fixas.
XII – Existe actualmente um sistema de crédito para estudantes universitários, no valor máximo de € 25 000, que permite continuar os estudos sem onerar os progenitores.
XIII – O Recorrente pretende que o tribunal defina o que entende por “formação profissional”, sendo que esta pode acarretar muitos anos e desde já o Recorrente não está em condições de suportar alimentos a favor de sua filha, pelo que deveriam cessar – artº 2013º nº1 C.P.Civ.
XIV – O tribunal recorrido violou o disposto nos artºs 2004º e 2013º nº1 al.b) C.Civ.

Por contra-alegações, a Requerente sustentou o bem fundado da sentença recorrida.

Conclusões do Recurso de Apelação Subordinado da Requerente (resenha):
1 – A Recorrente tem 21 anos de idade, frequenta o 4º ano de Direito, com bom aproveitamento escolar.
2 – As suas despesas mensais ascendem a € 600/mês.
3 – A progenitora apenas aufere uma renda mensal de € 300, proveniente de um arrendamento, e suporta as despesas domésticas da casa onde residem, lhe trata da roupa e ajuda na doença.
4 – Deduzindo o rendimento mensal do Recorrido (€ 1 420,92) das suas despesas mensais (€ 881,57), resta um diferencial positivo de € 539,35.
5 – A prestação alimentar deve ser fixada em montante não inferior a € 300/mês.
6 – Visto o disposto no artº 2006º C.Civ., deve ser considerada como data da proposição da acção aquela em que o pedido deu entrada na competente Conservatória (9/7/2007), data a partir da qual deverá ser considerada devida a prestação de alimentos.

O Requerido não produziu, neste recurso, contra-alegações.

Factos Provados
B………. nasceu em 2/10/87 e é filha de C………. (ora requerido) e de I………. (A).
A Requerente reside com a mãe, em vivenda, propriedade dos seus pais (B).
A Requerente frequenta na Universidade ………. do Porto o curso superior de Direito com assiduidade e aproveitamento, tendo frequentado no ano lectivo de 2006/2007 o 2º ano (C).
Por tal frequência, a Requerente paga € 220 de inscrição anual e ainda € 125 de propina mensal, pois que apesar de tal propina se cifrar em € 411,75 mensais, a Requerente beneficia de bolsa de estudos que lhe cobre o diferencial (D).
A Requerente paga de transportes públicos com vista à sua deslocação para a Universidade € 27,10 de passe de metro e autocarro (E).
A Requerente desloca-se em automóvel desde a sua casa até ao local onde apanha transporte público para se deslocar para a Universidade (F).
A Requerente, em vestuário, alimentação, despesas médicas e outras despesas normais do quotidiano despende quantia mensal concretamente não apurada (G).
A Requerente despende quantia mensal não apurada na compra de livros e outro material necessário à frequência do curso de Direito (H).
A Requerente aufere um subsídio trimestral que lhe é processado pela ex-entidade patronal do Requerido, no montante de € 64,77, quantia que é descontada na reforma recebida pelo Requerido (I).
A Requerente presta serviço num bar de praia no Verão, nas suas férias escolares, auferindo por tal serviço rendimentos anuais não concretamente apurados (J).
A Requerente, na qualidade de filha do Requerido, pode beneficiar dos serviços médicos dos SAMS, ao abrigo dos quais as consultas médicas e os medicamentos são comparticipados (L).
A casa habitada pela mãe da Requerente ficou destinada ao uso daquela, aquando do processo de divórcio entre o Requerido e a mãe da Requerente (M).
A mãe da Requerente, com quem esta vive, paga mensalmente € 23,54 de água, € 41 de electricidade e € 34,87 de TV Cabo (N).
A mãe da Requerente pelo menos coadjuva uma sua conhecida numa actividade de arranjo ou venda de flores, situando-se as instalações de tal actividade comercial na casa onde reside com a filha, ora Requerente (O).
A mãe da Requerente arrendou um espaço da casa onde vive a uma esteticista, auferindo mensalmente a título de renda de tal espaço montante mensal concretamente não apurado, mas que rondará os € 250/300 (P).
A mãe da Requerente, pelo menos durante uns meses, albergou na sua residência uma pessoa idosa, que dava pelo nome de D. O………., serviço pelo qual recebia mensalmente uma contrapartida concretamente não apurada, entre € 200 e 250 (Q).
Pelo menos em certos anos, a mãe da Requerente, na época balnear, arrenda pelo menos parte da casa onde vive a veraneantes que passam férias no local onde aquela habita, auferindo de tal actividade rendimentos concretamente não apurados (R).
O Requerido reside actualmente com uma senhora, em apartamento de tipo T2, adquirido por esta (S).
O Requerido aufere uma pensão de reforma mensal líquida de € 1.263,43, à qual é descontada trimestralmente a quantia de € 64,77 aludida em I) (T).
O Requerido e a mãe da Requerente contraíram empréstimo bancário para a compra da casa referida em B), sendo que, na sequência de acordo realizado no processo de divórcio, o Requerido mensalmente procede ao pagamento da mensalidade de amortização desse mesmo empréstimo e seguro a ele acoplado, no montante de € 114,17 (U).
O Requerido paga uma amortização mensal de um crédito pessoal pelo mesmo celebrado, de € 99,24 (V).
O Requerido paga uma amortização mensal de um crédito para aquisição de veículo automóvel no montante de € 36,85 (X).
O Requerido paga mensalmente um prémio de seguro automóvel no montante de € 22,30 (Z).
O Requerido e a senhora com quem aquele vive adquirem roupa na conhecida loja J………., pagando o preço dos produtos adquiridos de forma fraccionada (AA).
O Requerido andou a ser seguido em consultas de psiquiatria entre o ano de 2002 e Abril de 2004, tendo regressado às consultas pelo menos em 1/8/2007, na sequência do que lhe foi prescrita medicação (AB).
A senhora que vive com o Requerido aufere rendimentos mensais de € 762,59 líquidos (AC).
Tal senhora paga de amortização do empréstimo bancário por si contraído para a aquisição de habitação e de seguros a ele acoplado a quantia mensal de € 501,55/mês (AD).
Tal senhora paga € 47,38 de condomínio (AE).
E paga ainda mensalmente € 86,19 de amortização de um empréstimo pessoal (AF).
A casa onde o Requerido habita tem os seguintes consumos domésticos mensais:
- € 47,64 de água;
- pelo menos, € 63 de electricidade; e
- € 28,83 de gás (AG).
O Requerido e a senhora com quem vive recorrem a créditos pessoais diversos, nomeadamente:
- cartão da K………. (titulado pelo Requerido), sendo que em 20/6/2007 apresentava um débito no valor de € 267,85, que se encontra a ser amortizado através do pagamento mensal de cerca de € 20;
- da L………. (titulado pela senhora com quem o Requerido vive), sendo que, em 16/6/07, encontravam-se em débito € 438,47que se encontra a ser amortizado pelo pagamento mensal de cerca de € 25;
- da M………. (titulado pelo Requerido), sendo que em Julho de 2007 encontravam-se em débito € 736,78, que se encontra a ser amortizado através do pagamento mensal de € 157,46;
- cartão N………. (titulado pelo Requerido), sendo que em Junho de 2007 encontravam-se em débito cerca de € 300, que se encontram a ser amortizados através do pagamento mensal de € 107,77;
- cartão combustível (titulado pelo Requerido), sendo que em Maio de 2007 encontrava-se em débito € 108,41 (AH).
Em alimentação, calçado e vestuário e demais despesas quotidianas, o Requerido despende quantia não concretamente apurada (AI).
O Requerente por vezes solicita, a pelo menos um seu conhecido, empréstimo de dinheiros, que vai depois amortizando (AJ).
Até cerca de ano e meio após a Requerente completar a maioridade, altura em que já frequentava a Universidade, o Requerido manteve o pagamento mensal de € 124,70 àquela, a título de alimentos (AL).

Fundamentos
A questão colocada pelos presentes recursos cinge-se a conhecer do bem fundado da fixação de uma quantia de alimentos, a cargo do Requerido, e a favor da Requerente, ou do respectivo montante; incidentalmente, deve conhecer-se da questão relativa ao momento a partir do qual se devem considerar devidos os alimentos, se a partir da dedução do pedido na Conservatória respectiva (13/7/07), se a partir da propriamente dita “entrada da acção em juízo” (6/9/07) – artº 2006º C.Civ.
Vejamos pois.
I
O fim da menoridade não consta entre as causas de cessação da obrigação de prestação de alimentos, a que se reporta o artº 2013º C.Civ. (o dever de alimentos não cessa, de facto, automaticamente, com a maioridade – cf. Ac.R.C. 5/4/05 Col.II/16)
A obrigação alimentar geral norteia-se pelo estritamente necessário ao sustento, habitação e vestuário do alimentando (artº 2003º nº1).
Quanto à ideia de proporcionalidade a que alude o artº 2004º nº1 C.Civ. inculca que o vinculado a alimentos não deve apenas entregar ao alimentando o indispensável, mas mais deve ver diminuído o seu nível de vida para assegurar ao alimentando nível de vida idêntico ao seu, o que constitui o conceito de alimentos paritários (cf. Castro Mendes, L`Obligation Alimentaire, cit. in Ac.R.L. 11/1/94 Col.I/85). O índice primário em que se deve atentar é o que respeita ao nível de vida do devedor, sem prejuízo dos demais itens a que alude o artº 2016º nº3 C.Civ.
A norma do artº 1880º não visa a regulação do poder paternal, dado que os filhos maiores ou emancipados a ele não estão sujeitos, mas estende de forma especial aos pais, relativamente aos seus filhos maiores ou emancipados, algumas das obrigações que tipicamente se englobam no poder/dever paternal dos pais e referidas no artº 1878º nº1. A obrigação, co-natural da obrigação de alimentos que impende sobre os ascendentes, é de excluir nos casos em que, por culpa grave do filho, tal formação se não haja completado (Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores, pg. 113).
A obrigação alimentar geral norteia-se pelo estritamente necessário ao sustento, habitação e vestuário do alimentando (artº 2003º nº1).
Já o “sustento” a que alude o artº 1878º nº1 interpreta-se usualmente como abrangendo não só a alimentação, mas ainda as despesas com assistência médica e medicamentosa, deslocações, divertimentos e outras quaisquer (“dinheiro de bolso”), desde que inerentes à satisfação das necessidades da vida quotidiana, correspondentes à condição social do alimentado (cf. Vaz Serra, Revista Decana, 102º/262 e Ac.R.E. 15/X/87 Bol.370/636).
Os alimentos traduzem-se normalmente pela entrega de uma quantia em dinheiro, pelo devedor ao alimentando, nos termos do artº 2005º C.Civ. Trata-se de uma relação estruturalmente obrigacional, o que, p.e., também nos permite caracterizar a obrigação como de natureza pecuniária, para efeitos do disposto no artº 774º C.Civ.
Nos termos dos artºs 551º nº1 e 2012º, a pensão alimentar é, de sua natureza, variável, podendo ser reduzida ou aumentada consoante as alterações que se verifiquem seja nas necessidades do alimentando, seja nos recursos do alimentante; essa alteração pode verificar-se em qualquer altura – com efeito, os alimentos são sempre proporcionados quer aos meios daquele que houver de prestá-los, quer à necessidade daquele que houver de recebê-los (artº 2004º nº1 – esta necessidade é caracterizada por factores marcadamente subjectivos, como a idade, a doença ou o estatuto sócio-económico), podendo tais circunstâncias sofrer alterações, ao longo do tempo.
Se se verificar incompatibilidade entre os meios económicos do obrigado a alimentos e as necessidades do alimentando, ponderou-se no Ac.S.T.J. 17/2/81 Bol.304/428 a necessidade de lançar mão do estatuído no artº 335º nº1 C.Civ., onde se preceitua que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”
Esta cedência “na medida do necessário” poderá encontrar obstáculos de cariz constitucional, designadamente quando colida com o direito a um mínimo de subsistência. Se tomarmos como parâmetro o valor do salário mínimo nacional, a retirada ao obrigado a alimentos de qualquer percentagem desse rendimento pode tornar constitucionalmente legítimo o sacrifício do alimentando, mas apenas desde que este esteja em condições de suprir carências através de prestações da Segurança Social (cf. artº 63º nº3 C.R.P. e Ac.R.C. 12/10/99 Col.IV/28).
É porém duvidoso que o salário mínimo nacional corresponda a um mínimo individual de subsistência.
No pº nº546/01 do Tribunal Constitucional, que conduziu à prolação do Ac. T.C. nº 177/02 (disponível em tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), o Primeiro Ministro de então sustentou que, para a Constituição, o salário mínimo representava a garantia de uma "retribuição mínima pelo trabalho desenvolvido", imposta pelo princípio da justiça, não tendo natureza de "prestação de carácter assistencialista" nem reflectindo um critério de "garantia do rendimento mínimo, adequado e necessário a uma existência condigna"; a querer encontrar um critério de aferição desse mínimo, seria mais adequado recorrer aos que são utilizados no domínio dos regimes de segurança social ou para a fixação do rendimento mínimo garantido.
O Ac. T. C. de 8/6/05, publicado no Diário da República, II série, de 5/8/05, considerou inconstitucional a interpretação da lei (no caso, o artº 189º O.T.M.) que conduza a que o alimentante se veja privado do necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais.
Aos alimentos, seja qual for o tipo ou a natureza do processo em que forem fixados, é aplicável o disposto no artº 2006º C.Civ., segundo o qual os alimentos são devidos desde a proposição da acção (ou do requerimento para alteração dos alimentos), salvo fixação ou acordo prévios entre as partes.
A ponderação dos alimentos devidos deve ser efectuada com base nos elementos constantes do processo e reportar-se ao valor exigível à data da sentença e não à data da propositura da acção.
II
Sobre o caso em concreto:
Pese embora o muito maior número de despesas provadas, mensalmente a cargo do Requerido, incluindo as despesas englobadas na comunhão de vida com terceira, atentaremos, sobre o mais, nos seguintes factos:
- as despesas anuais da Requerente, com inscrição e propinas, atingem € 1.720, sendo € 125 mensais e fixos;
- os transportes públicos ascendem a € 27,10/mês, fora a deslocação até ao transporte, por veículo automóvel;
- os livros jurídicos essenciais (códigos comentados e tratados vários, sempre exigidos mais que um por disciplina, e com a dificuldade rectius proibição actual do acesso público à fotocópia), ascendem, hoje por hoje, a valores francamente mais elevados que os livros e outro material exigidos noutros cursos de formação académica superior, sem esquecer que a exigência deve ser multiplicada pelo actual maior número de disciplinas, designadamente semestrais, e respectivos docentes;
- à Requerente não pode ser censurada a escolha de ensino numa escola privada (cujo ensino é livre de preferir), sendo que, por igual, nesta altura, ser-lhe-ia de difícil concretização a mudança de curso, nomeadamente com o necessário esforço acrescido das “cadeiras” complementares;
- naturalmente que a Requerente despende quantias em vestuário e alimentação, eventualmente em despesas médicas não cobertas pelo SAMS;
- tem direito ao seu dinheiro de bolso, isto é, aquele que visa a aquisição de alimentos não estritamente essenciais, lanches, pequenas lembranças para os amigos, festas de confraternização, miudezas necessárias (cf. S.T.J. 23/9/97 Bol. 469/563);
- como rendimentos, possui um subsídio trimestral, descontado no vencimento de seu pai, no valor de € 64,77 e presta serviço, no Verão, num bar de praia, o que ainda abona o respectivo inconformismo com a sua situação económica;
- vive com sua mãe, que possui despesas mensais com água, electricidade e TV Cabo;
- sua mãe possui, de rendimentos, a renda da locação de espaços, em sua casa, que pode variar, no total, entre € 300 e quantias superiores, em épocas balneares;
- os rendimentos da senhora com quem o Requerido faz comunhão de vida, são quase inteiramente consumidos em empréstimo à habitação;
- o Requerido aufere pensão de reforma, no valor líquido pouco superior a € 1 200; paga de empréstimo para aquisição de habitação € 114,17;
- tem como encargos a amortização de diversos empréstimos pedidos e o valor de um “cartão combustível”.
- porém, todos estes encargos devem ceder, na medida do necessário, em face da obrigação alimentar a sua filha – como atrás se escreveu “o vinculado a alimentos não deve apenas entregar ao alimentando o indispensável, mas mais deve ver diminuído o seu nível de vida para assegurar ao alimentando nível de vida idêntico ao seu, o que constitui o conceito de alimentos paritários”.
- não se encontra em causa, de qualquer forma, o mínimo individual de subsistência, a que a lei alude, para a pessoa do Requerido.
Desta forma, em conclusão, considerando já a quantia que é deduzida ao vencimento do Requerido, para entrega directa à Requerente, vistos os encargos da mãe da Requerente, da própria Requerente e os gastos normais desta, consideramos judiciosa a fixação de alimentos a que se procedeu em 1ª instância, no montante mensal de € 175, apto a compensar a Requerente do que tem que gastar, pelo menos, a nível de material escolar, vestuário, alimentação e dinheiro de bolso, num conceito de alimentos paritários que aqui adoptamos, e considerando que, para um tal efeito, os rendimentos do pai da Requerente são superiores, dir-se-ia claramente superiores, aos rendimentos da mãe da Requerente, mas não olvidando algumas despesas que, na pessoa do Requerido, devem ser enfatizadas, como o acompanhamento psiquiátrico, consabidamente frequente, caro e, por isso mesmo, não comparticipado em seguros de saúde.
III
Serão os alimentos devidos a partir do mês de Julho de 2007 (data da entrada do processo na Conservatória respectiva) ou a partir de Setembro (data da remessa dos autos a tribunal)?
A sentença recorrida optou pela segunda solução.
O elemento teleológico de interpretação do artº 2006º aponta no sentido de que o legislador seguiu a caminho intermédio de não considerar a situação de carência no período anterior à sua manifestação em juízo, nem a considerar apenas quando o tribunal a consagrou definitivamente.
Na sugestiva formulação de P. de Lima e A. Varela, Anotado, V/artº 2006º/nota 2, “comprovando-se em juízo a situação de carência do autor, o demandado de algum modo podia e devia contar com a sua obrigação de supri-la, desde a data em que soou a campainha de alarme que é a proposição da acção”.
Ora, “propor a acção”, em matéria de alimentos a filhos maiores, é uma noção complexificada, desde a entrada em vigor do D.-L. nº272/2001 de 13 de Outubro que, no seu artº 5º nº1 al.a) atribuiu também às Conservatórias do Registo Civil competência para o processamento de tais pedidos, continuando a atribuir, porém, ao tribunal, a competência decisória no caso de as partes não chegarem a acordo na Conservatória.
É assim evidente que o elemento histórico, concorrente à interpretação, se torna decisivo para que, em conjugação com a teleologia legal, se considere o pedido formulado na data da entrada do pedido na Conservatória – artº 9º nº1 C.Civ., e em verdadeira “interpretação extensiva”.
Foi nessa data que soou a “campainha de alarme” a que aludiam os consagrados autores citados.
Procede, apenas nessa parte, a alegação subordinada.

Resumindo a fundamentação:
I – A ideia de proporcionalidade a que alude o artº 2004º nº1 C.Civ. inculca que o vinculado a alimentos não deve apenas entregar ao alimentando o indispensável, mas mais deve ver diminuído o seu nível de vida para assegurar a esse alimentando nível de vida idêntico ao seu, o que constitui o conceito de alimentos paritários.
II – O “sustento” a que alude o artº 1878º nº1 ex vi artº 1880º C.Civ. interpreta-se usualmente como abrangendo não só a alimentação, mas ainda as despesas com assistência médica e medicamentosa, deslocações, divertimentos e outras quaisquer (“dinheiro de bolso”), desde que inerentes à satisfação das necessidades da vida quotidiana, correspondentes à condição social do alimentado.
III – Considerando já a quantia que é deduzida ao vencimento do Requerido, para entrega directa à Requerente, vistos os encargos da mãe da Requerente, da própria Requerente e os gastos normais desta, consideramos judiciosa a fixação de alimentos no montante mensal de € 175, apto a compensar a Requerente maior do que tem que gastar, pelo menos, a nível de material escolar, vestuário, alimentação e dinheiro de bolso (artº 1880º C.Civ.).
IV – Por interpretação extensiva, considerando os elementos histórico e teleológico de interpretação do artº 2006º C.Civ., deve considerar-se equivaler à “proposição da acção” a entrada do pedido na competente Conservatória do Registo Civil.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso independente interposto e, nessa parte, confirmar a decisão recorrida.
Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado apenas quanto ao momento a partir do qual são devidos os alimentos concedidos, que se fixa agora em 13/7/2007, no mais julgando improcedente o dito recurso subordinado.
Custas na proporção de vencido, sem prejuízo do Apoio Judiciário concedido.

Porto, 26/V/09
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa