Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0820331
Nº Convencional: JTRP00041142
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: CONTESTAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO COMPROVATIVO
Nº do Documento: RP200803040820331
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 266 - FLS 220.
Área Temática: .
Sumário: Tendo o réu apresentado contestação, logo protestando juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias, como veio efectivamente a fazer, mostra-se cumprido o determinado pelo art. 486º-A do CPC, nomeadamente pelo seu nº 3, não havendo justificação para o desentranhamento daquele articulado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

O recorrente B………., residente na Rua ………., n.º …...º, no Porto vem interpor recurso do douto despacho proferido no Tribunal Judicial da comarca de Valongo, nos autos de processo ordinário que aí correm termos, instaurados contra si pelos ora recorridos C………. e D………., residentes na ………., n.º …, ….., ………., na Maia, intentando ver agora revogada a decisão da 1.ª instância que determinou o desentranhamento da contestação e do pedido reconvencional que apresentara na acção (com o fundamento aduzido no douto despacho recorrido de que “a taxa de justiça foi paga em momento posterior à prática do acto – apresentação da contestação”), alegando, para tanto e em síntese, que não concorda com esse entendimento, pois que, na verdade, “estando em causa o articulado da contestação, como no caso dos autos, a falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial desde logo não implica a recusa pela secretaria da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dez dias subsequentes à prática do acto”, pelo que não havia motivo para proceder àquele desentranhamento, pois o recorrente provou ter feito o pagamento nos dez dias e juntou o correspondente documento comprovativo disso mesmo. Para além do mais, “o advérbio de modo ‘prévio’, empregue no n.º 2 do artigo 486.º-A do Cód. Processo Civil, tem a ver com uma questão de sintaxe e não com um dever jurídico-processual ou uma obrigação jurídica propriamente dita e imposta por lei”; (…) “quer significar apenas que a autoliquidação da taxa de justiça deve ser liquidada pela parte em momento anterior ao da junção da peça processual, por contraposição ao regime previsto anteriormente, onde só após a apresentação das peças processuais em juízo, as guias para esse efeito eram levantadas na secretaria judicial pela parte” __ “mas nunca, em circunstância alguma, pretendeu o legislador, com o emprego da palavra ‘prévio’ no n.º 1 do artigo 150.º-A e n.º 2 do artigo 486.º-A do Código de Processo Civil, dizer que caso a taxa de justiça inicial seja liquidada pela parte posteriormente à remessa aos autos da respectiva peça processual, isso determine o desentranhamento da peça processual em causa”. Como tal, “deve o agravo ser julgado procedente (…) e, em consequência, deverá ser revogado o despacho de fls. 127 e substituído por outro que mantenha a contestação do réu nos presentes autos e ordene o prosseguimento dos mesmos”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mm.º Juiz ordenou a subida dos autos.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.
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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) Os recorridos C………. e D………. intentaram em 28 de Novembro de 2005 a presente acção declarativa, com processo ordinário, que tomou o n.º …../05.8TBVLG, contra o ora recorrente B………., que foi distribuída ao ..º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, e onde é pedido que ao Réu seja atribuída a culpa pela resolução de um certo contrato promessa de compra e venda __ resolução ocorrida a 5 de Setembro de 2005 __ e condenado a entregar-lhes o valor do sinal em dobro, que perfaz um quantitativo global de 17.000,00 (dezassete mil euros) e juros (vidé a douta petição inicial de fls. 2 a 7 dos autos, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).
2) O Réu foi citado em 25 de Janeiro de 2006 e veio a apresentar a sua contestação, acompanhada de pedido reconvencional para fazer seu o valor do sinal recebido, em 6 de Março de 2006, via ‘fax’, pelas 23,44 horas, protestando juntar no prazo de 10 dias comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial (vidé os documentos de citação de fls. 25 a 28 e o douto articulado a fls. 29 a 47 dos autos, cujos teores aqui também dou por reproduzidos na íntegra).
3) Tal comprovativo foi enviado ao tribunal em 16 de Março de 2006, via ‘fax’, pelas 18,43 horas, conforme os documentos de fls. 79 e 80 dos autos.
4) Comprovando o respectivo talão de multibanco a transacção efectuada em 16 de Março de 2006, às 17,23 horas, por um depósito de 244,75 (duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) __ (vidé fls. 82 dos autos).
5) Mas por douto despacho de 30 de Junho de 2006, foi ordenado que o Réu procedesse ao pagamento da multa a que se reporta o artigo 486.º-A, n.º 3 do Código de Processo Civil, de resto, a requerimento dos Autores (vidé a douta decisão de fls. 90, no seguimento do requerimento de fls. 89 dos autos).
6) O Réu apresentou, então, o requerimento de fls. 93 a 96 dos autos, no qual solicitava que fosse entendido não ter que pagar a referida multa, pois que juntara em 10 dias o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da respectiva contestação e pedido reconvencional.
7) Mas por douto despacho datado de 13 de Julho de 2006 foi revogado o despacho referido no ponto 5) desta matéria e ordenado o desentranhamento da contestação e do pedido reconvencional (cfr. o mesmo a fls. 127 dos autos, cujo teor aqui igualmente dou por reproduzido na íntegra).
8) O Réu interpôs recurso desse despacho em 28 de Julho de 2006, que foi admitido em 30 de Novembro seguinte, para “subir imediatamente, uma vez que a retenção do mesmo o tornaria absolutamente inútil, nos próprios autos e com efeito suspensivo” (vidé os doutos requerimento de fls. 162 e despacho de fls. 166 dos autos, aqui também dados por reproduzidos integralmente).
9) Que foi remetido e deu entrada nesta Relação a 9 de Janeiro de 2008, conforme o documento e o carimbo de entrada aposto a fls. 191 dos autos.
10) Entretanto, a 17 de Julho de 2006 havia o Réu já pago a multa a que se reportava o douto despacho de fls. 90 dos autos, referido supra no ponto 5) desta matéria, também no valor de 244,75 (duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) __ (vidé a respectiva guia de pagamento, que agora constitui o documento de fls. 149 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão deste Tribunal é a de saber se havia motivo bastante para ordenar o desentranhamento da contestação e pedido reconvencional apresentados pelo Réu, ora recorrente, pelo pagamento alegadamente tardio que fez da taxa de justiça respectiva __ como vem decidido __ ou se há algo que a tal obste __ como defende agora o visado __ e, portanto, se esse desentranhamento ordenado no douto despacho recorrido foi bem ou mal feito, de acordo ou ao arrepio das normas legais que o deveriam ter informado. É isso que, “hic et nunc”, está em causa, como se vê das conclusões do recurso apresentado.
O douto despacho recorrido é do seguinte teor: “Vistos os autos com mais cuidado, constata-se não haver lugar à condenação em multa prevista no art.º 486.º-A, n.º 3 do CPC, uma vez que o R. juntou atempadamente o comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
O vício apontado pelo A. verifica-se – a taxa de justiça foi paga depois de praticado o acto, veja-se a data da apresentação da contestação e a data impressa no talão de Multibanco junto a fls. 82 –, porém, a consequência para essa conduta não é efectivamente a prevista no artigo 486.º-A, n.º 3 mas antes o desentranhamento da respectiva peça processual (arts. 486.º-A, 463.º, 467.º, n.º 5 do Código de Processo Civil).
Nesta medida, revoga-se o despacho proferido a fls. 90, que condenou o réu no pagamento da multa a que alude o art.º 486.º-A do C.P.C. e determina-se o desentranhamento da contestação, uma vez que a taxa de justiça foi paga em momento posterior à prática do acto – apresentação da contestação.”
E, a propósito desta matéria, estatui o artigo 486.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (foi aditado pelo artigo 6.º do Decreto-lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro) que o réu deverá juntar à contestação o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, conforme prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do Código das Custas Judiciais. A formulação do referido n.º 1 do artigo 486.º-A é a do artigo 467.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, para que aquele remete: “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial”. Este o primeiro passo num percurso que aqui intentamos demonstrar.
Segundo passo: se não juntar logo com a contestação aquele documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, ainda o réu poderá fazê-lo __ isto é, tanto pagar a taxa, como juntar o documento comprovativo __, sem quaisquer penalidades, “no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação”, nos termos do n.º 3, “ab initio”, do mencionado artigo 486.º-A.
Terceiro passo: se decorridos esses 10 dias ainda o não tiver feito, é a vez da secretaria entrar em acção: “notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC” (n.º 3, “in fine”, daquele artigo 486.º-A).
Quarto passo: se, uma vez findos os articulados, ainda assim o não tiver feito, é a vez do juiz actuar, “convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 10 UC”, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 486.º-A.
Quinto passo: finalmente, e “se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação” (n.º 6 do normativo 486.º-A, que vimos a seguir e a citar).
Este o percurso que, salva melhor opinião e sem veleidades didácticas __ só a necessidade de decidir o recurso __, teremos de seguir, pois o quadro legal é este que expressamente deixamos transcrito e dele não podemos afastar-nos (é, porém, desde logo, para notar, a este propósito e como se alcança desse regime legal, que o legislador, tendo plena consciência do quão gravoso seria para o réu ver desentranhada a contestação que tivera o cuidado de deduzir __ mais gravoso do que o seria para o autor, que sempre poderia apresentar nova petição inicial __, não deixou de prever uma série de mecanismos sucessivos para evitar esse desfecho e só findos todos eles, quando se pudesse entender que o desleixo do réu não deixaria margem para dúvidas, é que teria lugar o desentranhamento do articulado: no mesmo sentido, vidé o Dr. Lopes do Rego, no seu “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2.ª edição, 2004, Almedina, volume I, a páginas 412 e 413).

Ora, passando já ao caso “sub judicio” e adiantando razões, cremos bem que não poderá manter-se o douto despacho recorrido que, como facilmente se constata, queimou algumas etapas e rapidamente chegou ao desentranhamento da contestação, por supostamente ter sido paga a taxa de justiça respectiva fora da época adequada para o fazer __ e, por isso, tal desentranhamento não poderá subsistir na ordem jurídica.
Com efeito, o réu, agora recorrente, deduziu a sua contestação e formulou pedido reconvencional em 06 de Março de 2006, via ‘fax’, pelas 23,44 horas, logo aí protestando juntar, no prazo de 10 dias, comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial (vidé o douto articulado a fls. 29 a 47 dos autos). E esse comprovativo foi enviado ao tribunal em 16 de Março de 2006, via ‘fax’, pelas 18,43 horas, conforme os documentos de fls. 79 e 80 dos autos, comprovando o respectivo talão de multibanco a transacção efectuada em 16 de Março de 2006, às 17,23 horas, para um depósito de 244,75 euros (vidé fls. 82 dos autos).
Portanto, o assunto ficou logo ali sanado e haveria era que passar à frente no processado da acção. Realmente, de acordo com os passos acima referidos, ficámos logo pelo segundo: caso não junte com a contestação aquele documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, ainda o réu poderá fazê-lo __ isto é, tanto pagar a taxa, como juntar o documento comprovativo __, sem quaisquer penalidades, “no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação”, nos termos do n.º 3, “ab initio”, do mencionado artigo 486.º-A.
Ora, foi precisamente isso que o réu fez.
E daí que nem devesse ter sido proferido o despacho de fls. 90 dos autos, em 30 de Junho de 2006 (a requerimento de fls. 89 dos autores), a ordenar que o réu procedesse ao pagamento da multa a que alude o n.º 3 do artigo 486.º-A do Código de Processo Civil __ sendo que tal despacho veio mesmo a ser dado sem efeito a 13 de Julho de 2006 (a fls. 127 dos autos), pelo que, em bom rigor, deve ser-lhe devolvido o valor da multa que acabou por pagar em 17 de Julho de 2006, ainda sem saber da revogação do despacho que a fixara, num montante de 244,75 euros, conforme a respectiva guia de pagamento de fls. 149 dos autos __, como não foi correcto ordenar o desentranhamento da contestação e do pedido reconvencional.
Até lá, mesmo dando-se por cumprido o terceiro passo (se decorridos os 10 dias ainda o não tivesse feito, a secretaria “notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC”, segundo aquele artigo 486.º-A, n.º 3, “in fine”), ainda faltaria cumprir o quarto passo (se, findos os articulados, o réu o não tiver feito, o juiz profere despacho “convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 10 UC”, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 486.º-A). E só então, finalmente, se poderia enveredar pelo passo seguinte, o quinto (“se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação”, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo 486.º-A) __ (vidé os doutos acórdãos desta Relação do Porto de 28 de Junho de 2007, publicado pelo ITIJ, com a referência n.º 0732615, de 18 de Setembro de 2007, publicado pelo ITIJ, com a referência n.º 0722858 e de 07 de Janeiro de 2008, publicado pelo ITIJ, com a referência n.º 0755285).
Terá impressionado o despacho recorrido __ e já antes os próprios autores, que o requereram __ a existência do adjectivo ‘prévio’, empregue no artigo. Mas ele não poderá significar um pagamento anterior à prática do acto: ‘in casu’, a apresentação da contestação. Se assim fosse, então não teria qualquer lógica o sistema previsto nos sucessivos números do artigo 486.º-A em apreço. Se havia que pagar antes a taxa de justiça, como entender os sucessivos prazos dados ao visado para vir ainda ao processo pagar e juntar o documento comprovativo do pagamento? Pois que esses prazos sucessivos não são só para juntar ao processo tal documento, mas também para proceder ao próprio pagamento, como ali se refere: “para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido” (n.º 3); “convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta” (n.º 5).
A expressão ‘prévio pagamento da taxa de justiça’ tem antes que ver com o novo sistema de autoliquidação da mesma, introduzido no Código das Custas Judiciais pelo Decreto-lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, em contraponto ao regime anterior de liquidação por guia pela secretaria a seguir à apresentação do articulado respectivo, levantamento dessas guias e seu posterior pagamento pela parte (veja-se, a propósito, o que se escreveu no preâmbulo desse Decreto-lei n.º 324/03: “Por outro lado, volta a ser consagrada a regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito” – sublinhado nosso)
Com aquela interpretação do Tribunal da 1.ª instância, toda a sucessão de actos e prazos que consta dos vários números do normativo em apreço (486.º-A do Código de Processo Civil) cairia simplesmente por terra e passaríamos logo ao seu nº 6, desentranhando a peça processual. Mas não foi isso que o legislador manifestamente pretendeu, quando instituiu todo um regime de actos e prazos sucessivos para evitar o desentranhamento do articulado e permitir a apreciação posterior da questão de mérito trazida ao processo.
Motivo pelo qual, num tal enquadramento fáctico e jurídico, tem agora o recorrente razão nas objecções que levanta ao trabalho do Meritíssimo Juiz ‘a quo’, havendo, por isso, que alterar o decidido, revogando-se o despacho da 1.ª instância e procedendo o recurso. É o que se decidirá.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida.
Não são devidas custas.
Registe e notifique.

Porto, 04 de Março de 2008
Mário João Canelas Brás
António Luís Caldas Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos