Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0515934
Nº Convencional: JTRP00038686
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: PEDIDO CÍVEL
RESPONSABILIDADE CIVIL
FACTO ILÍCITO
Nº do Documento: RP200601110515934
Data do Acordão: 01/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I- Nos termos do art. 377º/1 do CPP, a sentença, ainda que absolutória, pode condenar o arguido em indemnização civil, se o pedido decorrer da verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, previstos no art. 483º do C. Civil
II- Se o arguido for absolvido de um crime de burla, por falta de dolo, tal absolvição não obsta à condenação no pedido cível fundado nos mesmos factos, no caso de se verificarem todos os requisitos do art. 483º do C. Civil, uma vez que a obrigação de indemnizar aqui prevista não é afastada se o arguido tiver agido negligentemente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO
1- No Tribunal Judicial de Miranda do Douro, no processo acima referido, foi o arguido B......, devidamente identificado nos autos, acusado e julgado pela prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada, p. E p. Pelo art. 218.º-1 do CodPenal
Feito o julgamento, foi o arguido absolvido da prática do crime de burla qualificada e foi julgado improcedente o pedido de indemnização cível formulado pelos demandantes C....... e D......, quanto aos danos patrimoniais e danos não patrimoniais alegados, e absolver o demandado B........ do mesmo.

2- Inconformados, recorreram os demandantes cíveis, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
Na sentença recorrida entende-se que no caso dos autos não se verifica o requisito relativo ao dolo genérico, porque da acusação não se fez constar que o arguido agiu livre, consciente e voluntáriamente e sabia que a sua conduta era proibida por lei, razão porque o absolveu por considerar inexistir dolo genérico.
Ao invés do sacramental respeito pela forma que exigiria que aquelas expressões ou equivalentes constassem da acusação, a lei basta-se com que o dolo genérico seja aferível do contexto e do teor da peça acusatória;
Da acusação consta e resulta que a actuação do arguido foi livre, consciente e voluntária com a imputação ao arguido dos factos constantes designadamente dos artºs 2º, 3º, 4º, 8º, 11º e 12º da peça acusatória;
Quanto ao outro requisito, ou seja, saber o arguido que a sua conduta era proibida por lei, este requisito está preenchido face ao constante do artº 15º do requerimento de acusação que refere: "agiu o arguido com intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, que concretizou através do engano dos queixosos sobre factos que astuciosamente provocou, tendo determinado estes a praticar actos que causaram, a cada um, um prejuízo de esc. 7.000.000$00 (sete milhões de escudos)"
O enriquecimento ilegítimo é uma conduta proibida por lei;
A acusação crime na qual consta a imputação da intenção de enriquecimento ilegítimo, foi deduzida num processo penal;
A douta sentença ao decidir pela absolvição do arguido interpretou erradamente a matéria de facto e os preceitos legais aplicáveis e violou o disposto no artº 385º do CodProcPenal.;
A ausência da indicação de elementos subjectivos - dolo genérico - é uma nulidade relativa;
Esta nulidade é sanável dado que não se enquadra em nenhuma das elencadas no artº 119.º do C.P.P.;
Sendo uma nulidade sanável e não tendo sido arguida, tem de considerar-se sanada, por força do disposto nos artºs 120º e 121º do C.P.P.;
Ao não ter assim decidido a decisão recorrida violou as disposições que invoca – artºs 283º, nº 3, ais. a) e b), 120º, nºs 1 e 3, al. c) do C.P.P. -, como violou também o artº 122º, do CodProcPenal. e também, em consequência, os artºs 217º, nº 1 e 218.º, no 1, ai. a) do CodPenal.;

3. Por despacho de fls 525 o recurso foi admitido mas apenas quanto ao pedido cível, por os demandantes cíveis não se terem constituido assistentes

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a audiência de discussão e julgamento.
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FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :
1. C....... e D...... conheceram o arguido, no Verão de 2000, que se apresentou como pessoa empreendedora de vários negócios com sucesso financeiro, que trabalhava para cidadãos árabes e que estes pretendiam investir em Portugal.
2. No decurso do convívio amistoso entre C...... e D....... e o arguido, este, no início do mês de Outubro do ano de 2000, deslocou-se a casa de C......, propondo àqueles a compra, por ele e por aqueles, de terrenos bem localizados para posteriormente procederem à venda dos mesmos a uns seus patrões árabes, sendo o lucro distribuído, tendo C..... e D.... aceite tal proposta.
3. Pelo arguido foi dito ao C..... e D.... que se tratava de um negócio lucrativo, pois os seus patrões árabes pretendiam adquirir grandes extensões de terreno em Portugal, para aqui investirem.
4. Para melhor convencer C..... e D..... da seriedade da sua proposta, o arguido pediu-lhes que tentassem averiguar quem estaria interessado em vender grandes áreas de terreno.
5. Na sequência desta conversa, C.... chegou a apresentar propostas para compra de terrenos em ..... e da Quinta da ...., em Mogadouro, mas que não mereceram, apesar do aparente entusiasmo, qualquer resposta do arguido.
6. Dias depois, C..... e D...... foram confrontados pelo arguido com a possibilidade de aquisição, pelos três, de um terreno em ....., Bragança, propriedade de E......, tratando o arguido dos documentos necessários.
7. Combinaram, o arguido, C..... e D....., encontrarem-se em Bragança para se deslocarem a Vale de Nogueira a fim de, estes últimos, conhecerem o dito terreno.
8. Na sequência do combinado, o arguido levou C...... e D...... a Vale de Nogueira e aí, na presença destes, propôs ao seu proprietário a aquisição do referido terreno.
9. O proprietário desse terreno, desde logo aceitou vender o terreno, mas referiu ter de falar antes com os filhos.
10. C...... e D...... mais se convenceram da viabilidade do negócio proposto pelo arguido.
11. No dia 20 de Outubro de 2000, apareceu o arguido em casa de C......, dizendo que tinha fechado o negócio por 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) pedindo a entrega do dinheiro do sinal por conta do preço, que pagariam no acto da escritura. Assim, entregou C...... um sinal de 14.000.000$00 (catorze milhões de escudos), por cheque da sua conta nº. 5721273332, depositando D...... na conta do C......, a sua comparticipação no sinal do preço, 7.000.000$00 (sete milhões de escudos).
12. Para tranquilizar C..... e D......, o arguido elaborou e assinou juntamente com aqueles, um Acordo de compra e um Contrato de Entendimento, onde se dá conta da entrega dos 14.000.000$00 e da celebração de um acordo para realizar futuros negócios.
13. O arguido levantou o cheque no dia 23.10.2000 e integrou, no seu património, o dinheiro titulado por esse mesmo cheque, altura a partir da qual foi mantendo contactos esporádicos com C...... e D......, intercalados com impossibilidade de ser contactado, tendo sempre em vista protelar a efectivação do negócio, bem como a restituição da quantia que, para esse efeito, lhe tinha sido entregue por aqueles.
14. O negócio nunca se realizou e a quantia entregue por C...... e D...... ao arguido nunca foi devolvida.
15. Agiu o arguido com intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, que concretizou através do engano de C...... e D...... sobre factos que astuciosamente provocou, tendo determinado estes a praticar actos que causaram, a cada um, um prejuízo patrimonial de 7.000.000$00 (sete milhões de escudos).
16. O arguido não possui antecedentes criminais.
17. O demandado foi acolhido na casa dos demandantes C...... e D...... com toda a simpatia e amabilidade. e aproveitando-se disso, enganando-os, causando-lhes graves prejuízos.
18. Os demandantes ficaram muito aborrecidos e humilhados por uma pessoa em que depositavam muita confiança.
19. Sendo desembolsados de quantia tão elevada, os demandantes têm desde o dia do levantamento do dinheiro, andado nervosos e preocupados, passam muitas noites sem dormir.
20. E tais quantias correspondiam ao valor das suas economias de longos anos de trabalho, o que lhes causa um enorme desgosto e transtorno a nível económico.
21. Pois desde essa data deixaram de poder contar com esse dinheiro, para outros negócios ou necessidades.
22. O que também lhes tem causado enormes desgostos e preocupações, assim como o facto de diariamente pensarem que não mais irão recuperar o dinheiro que lhes pertencem.
23. C...... é casado e tem dois filhos, respectivamente, de 22 e 13 anos de idade.
24. C...... é comerciante e a sua mulher exerce a profissão de cabeleireira.
25. C...... vive em casa própria.
26. D...... é solteiro e vive com os pais.
27. D...... exerce a profissão de jardineiro e aufere mensalmente cerca de € 400, 00.

O direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhcer das questões ali sucitadas.
Embora o recurso seja restrito ao conhecimento da matéria do pedido cível formulado pelos ofendidos, é no entanto claro que pode haver parcial coincidência entre a matéria cível e a matéria criminal, desde logo quanto à existência dos pressupostos do pedido cível. Dito de outro modo, a existência de um crime determina sempre (no caso de haver danos derivados desse crime) a existência de responsabilidade cível, isto é, a verificação dos pressupostos relativos à responsabilidade por actos ílicitos.
A sentença agora recorrida, depois de fixados os factos, teceu considerações sobre a caracterização do elemento subjectivo do crime de burla para concluir, em resumo, que, e citamos «No caso concreto, apenas se deu como provado o chamado dolo específico, ou seja, a “intenção de”, o arguido, “obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. Mas, o tipo legal do crime de burla exige, para além desse dolo específico, o dolo genérico, isto é, uma das modalidades de dolo: directo, necessário ou eventual. (...). Do teor da douta acusação ressalta que a mesma não contém os elementos relativos ao dolo genérico, isto é, não consta daquela “que o arguido tenha agido livre, consciente e voluntáriamente sabendo que a sua conduta era proibida por lei” (...). Nos termos do art. 283º., nº. 3, al. b) do Código de Processo Penal é elemento essencial da acusação, a indicação dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (... ) existindo no caso em apreço, o dolo específico –a “intenção” do agente de conseguir, através da sua conduta, um enriquecimento ilegítimo próprio ou alheio, que se extrai dos factos dados como provados, mas não se provando o dolo genérico, numa das modalidades constantes do art. 14º. do Código Penal, falta um dos elementos subjectivos do crime de burla, sem o qual o mesmo se não verifica»
Num estranho apego ao valor encantatório das fórmulas, conclui portanto a sentença pela inexistência do dolo genérico, dada a falta da sua descrição na acusação pública, e daí conclui pela inexistência de um dos pressupostos do crime acusado.
Depois, quanto ao pedido cível, conclui a sentença, em resumo : «Para que exista a obrigação de indemnizar é necessário que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, ou seja, o facto voluntário do agente, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao lesante, o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano. O Assento nº. 7/99, de 17.06.99, publicado no Diário da República, 1ª. Série-A, nº. 179, de 03.08.99 diz que: “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no art. 377º., nº. 1 do Código de Processo Penal ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extra-contratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade contratual.” No caso concreto, constata-se que entre o arguido/demandado e os ofendidos/demandantes civis existiu um negócio relativo à compra de um terreno (...) e foi esse negócio que determinou a obrigação cambiária, a emissão e entrega de um cheque no valor de 14.000.000$00 /€ 69.831,71 para sinal e por conta do preço. Ora, o pedido de indemnização cível tinha como fundamento o facto ilícito criminal da burla. (...) Não se tendo provado o crime desaparece a responsabilidade extra-contratual ou aquiliana. E fica apenas de pé um caso de responsabilidade meramente contratual.
Apesar de o presente recurso ser restrito à matéria cível, o tribunal de recurso não está impedido de conhecer da existência, ou não, dos pressupostos relativos à responsabilidade por factos ílicitos, ainda que o arguido haja sido absolvido da prática do crime por se haver considerado faltar um dos elementos subjectivos do crime acusado, desde que dos factos plasmados na sentença resulte a verificação daqueles pressupostos. E sem entrar na apreciação das considerações da sentença quanto à verificação do elemento dolo genérico e à sua não descrição no texto da acusação, diremos que a sentença, dada aquela veneração pelas fórmulas, que muitas vezes impede a justa apreciação dos casos, conclui contraditóriamente que a falta do dolo genérico no crime impede a verificação da responsabilidade civil por factos ílicitos.
Nos termos do art. 483.º-1 do CCivil, são pressupostos (cumulativos) da responsabilidade civil aquiliana ou por factos ilicitos: (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjectiva do facto ao agente e (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O primeiro elemento pressupõe um facto voluntário violador de um dever geral de abstenção ou uma omissão que viola um dever juridico de agir , isto é, um facto objectivamente controlável pela vontade (excluindo-se assim os casos de força maior ou por circunstâncias fortuitas).
O segundo elemento (ilicitude) consiste na violação de direitos subjectivos (reais, de personalidade, familiares), de leis que protegem interesses alheios, particulares ou colectivos (vg. a prática de crimes, a ofensa de normas estradais, contraordenacionais, de construção, de ordem profissional, etc., desde que esses interesses caibam no ãmbito de previsão da norma violada e sejam objecto da sua tutela), --- exprimindo a ilicitude fundamentalmente um juizo de reprovação e prevenção.
O dano é a perda sofrida por alguèm em consequência do facto, seja o dano real (morte, lesões, amolgadelas) ou o dano patrimonial (dano emergente e lucro cessante, isto é, as despesas feitas, a reparação do veiculo, os beneficios que se perdem no futuro)
Finalmente, é necessário que o facto seja em abstracto ou em geral causa do dano (ou uma das causas), isto é, que este dano seja uma consequência normal ou tipica daquele, tendo em conta as circunstâncias reconheciveis por uma pessoa normal ou as efectivamente conhecidas do lesante.
Vejamos agora, em síntese, os factos que a sentença deu como provados e que digam respeito à verificação, ou não, daqueles pressupostos.
O arguido apresentou-se aos demandantes cíveis como pessoa empreendedora de vários negócios com sucesso financeiro, que trabalhava para cidadãos árabes e que estes pretendiam investir em Portugal e na sequência do convívio que se estabeleceu propôs àqueles a compra comum de terrenos bem localizados para posteriormente procederem à venda dos mesmos a uns seus patrões árabes, sendo o lucro distribuído pelos três e para melhor convencer C...... e D...... da seriedade da sua proposta, o arguido pediu-lhes que tentassem averiguar quem estaria interessado em vender grandes áreas de terreno; certo dia os demandantes cíveis, depois de se deslocarem a um terreno que deveria ser adquirido pelos três, e convencidos da viabilidade do negócio, fram poe este abordados dizendo que tinha fechado o negócio por 30.000.000$00, pedindo a entrega do dinheiro do sinal por conta do preço, que pagariam no acto da escritura a assim, entregou C...... um sinal de 14.000.000$00, por cheque da sua conta bancária, depositando D...... na conta do C......, a sua comparticipação no sinal do preço, 7.000.000$00; para tranquilizar aqueles, o arguido elaborou e assinou juntamente com aqueles, um Acordo de compra e um Contrato de Entendimento, onde se dá conta da entrega dos 14.000.000$00 e da celebração de um acordo para realizar futuros negócios; depois; o arguido levantou o cheque e integrou no seu património o dinheiro titulado por esse mesmo cheque; agiu o arguido com intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, que concretizou através do engano de C...... e D...... sobre factos que astuciosamente provocou.
Ora, resulta dos factos que o arguido, através de engano, criou nos demandantes cíveis a convicção de que iriam ser parceiros em negócios viáveis e lucrativos, conseguindo assim que estes lhe entregassem a quantia de Esc 14.000.000$00, que o arguido fez sua. A entrega desta quantia ao arguido não foi derivada da execução (cumprimento) do contrato ou da prática de qualquer acto relacionado com um contrato. O arguido quis pura e simplesmente apropriar-se da dita quantia, sendo a existância de uma associação entre ele e os lesados um mero artificio para os convencer a entregar aquele montante.
Nos termos do n.º 1 do art. 377.º do CodProcPenal «a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a fundar-se fundado...». Mas a indemnização de perdas e danos é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, como resulta do disposto nos arts 129.º do CodPenal e 72.º do CodProcPenal, estando apenas excluídos da apreciação em sede penal os casos fundados em responsabilidade contratual, como resulta do acordão fixador de jurisprudência nº. 7/99 (antigo assento ), de 17.06.99 (DR, 1ª. Série-A, nº. 179, de 03.08.99) que diz «Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no art. 377º., nº. 1 do Código de Processo Penal ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extra-contratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade contratual.» Ou seja: o citado n.º 1 do art 377.º do CosProcPenal só pode funcionar quando esteja em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual, mas já não quando se configura um caso de responsabilidade civil contratual. (Ac. STJ de 10 de Dezembro de 1996; CJ, Acs. STJ, IV, tomo 3, 202).
Portanto, por força do que se dispõe neste último normativo o juiz, apesar de absolver o arguido da acusação contra ele deduzida, deve condená-lo na indemnização civil, desde que o respectivo pedido, formulado com base nos factos da acusação, seja fundado, e, assim, procedente. E essa condenação deve o juiz proferi-la, quer a obrigação derive de facto ilícito extracontratual, quer se funde no risco, quer tenha por fonte violação de um qualquer direito subjectivo, seja ele um direito pessoal, seja antes um direito de crédito. (Ac. RP de 19 de Novembro de 1997; CJ, XXII, tomo 5, 227; no mesmo sentido, entre outros: Ac. STJ de 20 de Maio de 1999, proc. n.º 77/99-3., SASTJ, n.º 31, 88; Ac. STJ de 12 de Janeiro de 2000, proc. 599199-3; SASTJ, n.º 37, 61). Isto é, verificados os pressupostos da responsabilidade por factos ílicitos (ou pelo risco, em alguns casos), deve ser arbitrada inedemnização desde que, naturalmente, os factos constitutivos da causa de pedir do pedido de indemnização civil estejam provados e sejam factos integrantes do objecto do processo crime. De outro modo, como se escreveu no Ac. STJ de 10 de Janeiro de 2001 (proc. n.º 3580/00-3., SASTJ, n.º 47, 64) «não pode a condenação ter por base factos diferentes dos imputados, e, de entre estes, os factos provados - embora insuficientes para a condenação pelo crime, determinando a absolvição deste - têm de se mostrar suficientes ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, única que, por força do princípio da adesão, pode estar em causa no processo penal »
No caso em apreço estão perfectibilizados todos os pressupostos da indemnização civil por factos ílicitos. A conduta do arguido, não suportada em qualquer contrato, traduziu-se num acto de pura extorção patrimonial, criminalmente punível não fosse o excessivo escrúpulo formalista da sentença recorrida, provocando uma situação de enriquecimento injusto do seu património, traduzindo-se o prejuízo dos ofendidos na privação da quantia que desembolsaram
Sendo assim, o pedido cível é procedente
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos :
I- Revoga-se a sentença recorrida na parte respeitante à absolvição cível e, em consequência, julga-se procedente e provado aquele pedido, condenando-se assim o arguido B...... a pagar aos ofendidos C...... e D...... as seguintes quantias:
- quantia global de € 94.511,93, cabendo individualmente a cada um dos demandantes o valor de € 47.255,97, acrescida dos juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento, contados desde a dedução do pedido cível e sobre Euros 69.831,71.

II- Sem custas

Porto, 11 de Janeiro de 2006
Jaime Paulo Tavares Valério
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira
José Manuel Baião Papão