Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0635855
Nº Convencional: JTRP00039883
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RP200612140635855
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 698 - FLS 119.
Área Temática: .
Sumário: I - Uma execução sustada não é ainda uma execução extinta e nada assegura que a mesma não venha a prosseguir em relação ao bem duplamente penhorado se, por exemplo, a penhora anterior for levantada por motivo diferente do cancelamento decorrente da venda.
II - O terceiro que se arroga proprietário dos bens mantém assim o interesse em ver definida a titularidade do direito invocado sobre os bens penhorados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B………., menor, representado pelo seu pai C………., deduziu embargos de terceiro por apenso aos autos de execução ordinária movidos por D………., SA contra E………. .
Como fundamento, alegou, em síntese, que os bens penhorados nos autos principais lhe pertencem, por os ter adquirido por remição na venda efectuada nos autos de execução …/99 que correram termos no mesmo tribunal e juízo.
Os presentes embargos foram indeferidos liminarmente, por despacho de fls. 47, que se transcreve:
“A execução constante dos autos principais foi sustada, ao abrigo do disposto no artº 871º do CPC, nos termos do despacho proferido a fls. 120 desses mesmo autos, em relação aos bens penhorados, constantes do auto de fls. 117-118, pelo facto de já se encontrarem penhorados à ordem dos autos de execução ordinária nº …/01.
Esse despacho foi proferido em 09.01.03 e notificado à mãe do embargante por ofício expedido em 10.01.03.
Assim sendo, razão alguma se descortina para que, em 20.01.03, tivessem sido deduzidos e dado entrada em juízo os presentes embargos, uma vez que, se alguma ofensa houve com a penhora dos referidos bens à posse ou propriedade dos mesmos por parte do embargante, essa ofensa deixou de subsistir, pois que a execução deixou de prosseguir quanto a eles.
Termos em que, pelo exposto, indefiro liminarmente a petição de embargos, uma vez que, na data em quês mesmos deram entrada em juízo, já não subsistiam os respectivos pressupostos, tendo o embargante já conhecimento desse facto (artº 354º do CPC)”.
Inconformado, o embargante recorreu, formulando, em síntese, as seguintes

Conclusões
1ª – O ora agravante, a par dos embargos de terceiro que deduziu nestes autos, deduziu outro incidente do mesmo jaez e com os mesmos fundamentos, no processo nº …/01 de .º Juízo Cível do T.J. de Santo Tirso.
2ª – A decisão que sustou a execução nunca foi notificada ao embargante mas antes à sua mãe, que é executada no processo principal e aqui embargada.
3ª – Logo por aqui se retira que o despacho recorrido é sustentado por um argumento que falha do ponto de vista fáctico, uma vez que refere que o agravante tinha conhecimento do despacho que sustou a execução, sem que este alguma vez tenha sido notificado para o efeito.
4ª – Por outro lado, à data da propositura dos embargos, esse despacho ainda não tinha transitado em julgado, o que só sucederia em 10.01.03, tendo a petição de embargos dado entrada em juízo em 17.03.03.
5ª – Mesmo que se pudesse considerar que, relativamente à decisão de fundo, o julgador a quo acertou na solução jurídica, nunca poderíamos condenar o agravante nas custas do incidente.
6ª – Uma vez que apenas posteriormente ao agravante deduzir os embargos de terceiro se deu uma circunstância superveniente que impedia o conhecimento dos embargos, que era o trânsito em julgado da decisão que sustou a execução.
7ª – O que o julgador poderia ter feito era, após o trânsito em julgado da decisão que sustou a execução, vir aos autos de embargos e extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide, sem quaisquer custas para o agravante, uma vez que não foi devido a facto a ele imputável que se verificou essa inutilidade.
8ª – Não obstante se ter penhorado a execução pela segunda vez, é nosso entendimento que o acto ofensivo subsiste porque a execução apenas é sustada após a realização da penhora, que se mantém, sendo este acto a razão pela qual se pode sustar a execução e que permite ao exequente reclamar o seu crédito pelo produto da venda dos bens penhorados, nos processo à ordem do qual se penhorou primeiro.
9ª – Por outro lado, os embargos deduzidos no processo …/01 apenas foram deduzidos contra a aí exequente e executada, pelo que a decisão já tomada nesses autos afecta a exequente dos presentes. Sem que ela tenha sido tida nem achada para tal.
10ª – A exequente não poderia ser citada para os embargos deduzidos no processo …/01, pois que na data em que foram propostos os embargos, ainda não tinha reclamado o seu crédito nesses autos.
11ª – A exequente vê frustrado o pagamento do seu crédito, sem que alguma vez tenha sido ouvida.
12ª – Os presentes embargos deverão ser recebidos e julgados, sob pena de a exequente requerer o prosseguimento da execução dos bens penhorados, desta feita sem que o agravante o possa impedir.

Os agravados não contra-alegaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*

II.
A questão a decidir é a seguinte (delimitada pelas conclusões da alegação do agravante - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC):
– Se devem prosseguir os embargos de terceiro deduzidos depois de a execução ter sido sustada nos termos do artº 871º do CPC.

Dispõe o artº 351º, nº 1 do CPC que “Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte da causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
Segundo o artº 354º do mesmo Diploma, “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Resulta do disposto naquele normativo que o juiz deve indeferir liminarmente a petição inicial de embargos de terceiro se esta não for apresentada em tempo ou houver outras razões para o indeferimento.
Caso não haja motivos para o indeferimento imediato, deve o juiz receber os embargos se os elementos de prova constantes dos autos forem suficientes para aferir da probabilidade séria da existência do direito do embargante; se tal não suceder, deve realizar as diligências probatórias necessárias e, de seguida, receber ou rejeitar os embargos em conformidade com a prova produzida.

No caso, o acto ofensivo do direito de propriedade invocado pelo embargante consiste na penhora efectuada na execução de que os presentes embargos são dependência.
Quando os embargos deram entrada em juízo, a execução encontrava-se sustada ao abrigo do artº 871º, nº 1 do CPC, ou seja, por pender execução anterior sobre os mesmos bens.
Entendeu, por isso, o Mº Juiz a quo que, à data de entrada dos embargos, já não subsistia qualquer ofensa ao direito invocado pelo embargante e, com esse fundamento, indeferiu liminarmente os embargos de terceiro.

Dispõe o artº 871º, nº 1 do CPC (na redacção anterior à entrada em vigor do DL 39/03 de 08.03, aqui aplicável) que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, sustar-se-á quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina.”
Como se vê, a nossa lei processual permite que sobre o mesmo bem incidam várias penhoras.
Diz Alberto dos Reis[1] que o que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.
Por isso, se o bem penhorado já estiver onerado com uma penhora anterior, susta-se a execução e concedem-se duas possibilidades ao exequente: a) reclamar o seu crédito no processo em que a penhora seja mais antiga, dentro do prazo fixado no nº 2 do artº 871º (nº 1 deste normativo); b) desistir da penhora relativa ao bem apreendido no outro processo e nomear outros bens em sua substituição (nº 3 do artº 871º).
Além disso, pode sempre o exequente reclamar o crédito e, simultaneamente, nomear outros bens à penhora, se for previsível a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito no outro processo, face ao montante da quantia exequenda e dos créditos ali reclamados.
Da economia do citado artº 871º resulta claramente que a penhora efectuada em segundo lugar (na execução sustada) se mantém até que ocorra uma das seguintes situações: a) desistência da penhora pelo exequente nos termos do nº 3; b) cancelamento da penhora nos termos dos artºs 888º do CPC 824º, nº 2 do CC por o bem ter sido vendido na execução onde estava penhorado em primeiro lugar.
No último caso, o exequente pode ter obtido a satisfação integral do seu crédito na execução que tem a penhora anterior, pelo que a execução que foi sustada ao abrigo do artº 871º, nº 1 será declarada extinta.
Àquelas situações acresce ainda a extinção da execução pelo pagamento voluntário do executado, que pode ocorrer em qualquer altura (artº 916º, nº 1 do CPC).
Enquanto não se verificar nenhuma das referidas situações, a penhora subsiste, o que significa que subsiste o acto ofensivo do direito de que se arroga o terceiro que embargou.
O que sucede é que há como que “paralisação” das consequências dessa ofensa, pois que o processo não avançará para as fases posteriores, designadamente, para a venda, enquanto estiver sustado.
Uma execução sustada não é ainda uma execução extinta (artº 919º, nº 1 do CPC) e nada assegura que a mesma não venha a prosseguir em relação ao bem duplamente penhorado se, por exemplo, a penhora anterior for levantada por motivo diferente do cancelamento decorrente da venda.
O terceiro que se arroga proprietário dos bens mantém assim o interesse em ver definida a titularidade do direito invocado sobre os bens penhorados.
Não há, por isso, fundamento para indeferir liminarmente os presentes embargos, devendo os autos prosseguir os seus termos: a menos que exista outro fundamento para indeferimento liminar, devem os embargos ser recebidos se os elementos probatórios constantes dos autos forem suficientes para tal ou devem ser ordenadas as diligências probatórias necessárias com vista ao posterior recebimento ou rejeição de acordo com a prova produzida.
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III.
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência:
- Revoga-se o despacho recorrido, devendo os autos prosseguir os termos adequados em conformidade com o acima exposto.
Sem custas.
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Porto, 14 de Dezembro de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Manuel Lopes Madeira Pinto
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha

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[1] Processo de Execução, II, 287.