Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0633469
Nº Convencional: JTRP00039385
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: REMESSA A CONTA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CONTRATO
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP200607050633469
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 679 - FLS. 16.
Área Temática: .
Sumário: I- O impulso processual que incide sobre as partes, nos termos do artº 264º, nº1, do CPC não quer significar que estas tenham de promover, momento a momento, todos os termos do processo. O impulso destes, salvo quando dependente de iniciativa da partes - por o processo não poder prosseguir sem que as mesmas pratiquem certo acto, juntem certo documento, etc. - pertence ao juiz.
II- Embora a remessa dos autos à conta, nos termos do artº 51º, nº2, al. c), do CCJ, seja ofício da secretaria, tal pressupõe a notificação do autor ou exequente para a prática de algum acto ou junção de algum elemento sem o qual os autos não podem prosseguir, ou, pelo menos, a sua notificação para requerer ou dizer o que se lhe oferecer com a advertência da aludida remessa.
III- Assim, a omissão do impulso processual conducente à remessa à conta (cit. artº 51ºCCJ), fazendo funcionar a sanção dessa remessa, só ocorre quando a paragem do processo deva ser removida por impulso das partes, e já não quando essa paragem ocorre por causa que o tribunal possa e deva, nos termos do artigo 265º, nº1 do Código de processo Civil, remover.
IV- Daqui que, tendo as partes acordado em audiência de julgamento na suspensão da instância, decorrido o prazo da suspensão não deve o Juiz aguardar passivamente que as partes requeiram o prosseguimento dos autos, antes deve, ele próprio, fazê-los prosseguir de imediato.
V- A função do artº 801º, nº2, CC é, perante o incumprimento de uma das partes num contrato sinalagmático, proporcionar à outra parte uma opção entre duas alternativas:
a)- exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento, que naturalmente abrangerá todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação pela outra parte (interesse contratual positivo), mantendo-se, porém, a sua própria obrigação;
b)- obter a resolução do contrato, cuja eficácia retroactiva lhe permite liberar-se da sua obrigação, acrescida de uma indemnização, que, neste caso, se limita aos danos derivados da não conclusão do negócio (interesse contratual negativo).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No …º Juízo Cível da Comarca de Gondomar, J.M.V. – B…….., S.A., com sede na Rua ……, n.º ….., ……, Gondomar, intentou acção declarativa de condenação com processo sumário contra C…….. E MULHER D………, residentes na Travessa …….., …./….., Valongo.

Pede:
Que seja declarado resolvido o contrato celebrado entre ambos e, em consequência, sejam os réus condenados a pagar-lhe o preço dos bens vendidos, no montante de €3436,15, bem como a indemnização no montante de € 6717,81, deduzindo-se no montante global em dívida o crédito reconhecido no artº 13º da p.i., no montante de €1538,98.

Alega:
Que celebrou com os réus o contrato junto a fls. 5 dos autos, pelo qual os réus se obrigaram a comprar 3000Kg de Café Torrié lote Real em fracções mínimas mensais de 30 Kg, contrato esse que os réus não cumpriram, sendo que não tendo os réus comprado mais café desde Setembro de 2001 a autora notificou-os em 17 de Maio de 2002 de que resolvia o contrato, reclamando o pagamento das quantias em dívida.

Regularmente citados, os réus contestaram, nos termos de fls. 50 e seguintes, alegando, em síntese, que quem incumpriu o contrato celebrado foi a autora, por ter deixado de fornecer o café nos termos acordados.
Na resposta, a autora mantém a posição vertida na petição inicial quanto ao incumprimento do contrato por parte dos réus.
Mais efectuou a redução do pedido inicial para a quantia de €6535,00, em face da restituição do equipamento efectuada pelos réus em 26.02.03, que a autora aceitou, pelo que o valor do equipamento tem de ser reduzido, redução essa admitida no despacho de fls. 64.
Foi proferido despacho saneador, no qual foi seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.

Aberta a audiência de discussão e julgamento, os mandatários das partes requereram a suspensão da instância, “nos termos do artº 279º, nº4 do C.P.Civil”, o que foi deferido pelo prazo de 30 dias, conforme despacho de fls. 115, no qual se consignou que findo este prazo “deverá a autora vir informar nos autos se foi concretizado, ou não, o projectado acordo”, do que as partes foram logo notificadas ( fls. cits.).

Porque nada foi informado sobre se o acordo teve, ou não, lugar, foram os autos remetidos à conta (fls. 117).
A Autora requereu que tal remessa fosse dada sem efeito (fls. 130), o que foi indeferido por despacho de fls. 133.

Inconformada com esta decisão, veio a Autora dela agravar (fls. 136), tendo sido admitido o recurso nos termos de fls. 140.
Apresentou a autora/agravante alegações de recurso, que remata com as seguintes

CONCLUSÕES:
“1. A requerimento das partes (para efeito de tentarem alcançar um acordo) o Tribunal determinou a suspensão da instância pelo prazo de trinta dias.
2. Nenhuma das partes veio aos autos comunicar que as negociações se haviam frustrado e requerer a cessação da suspensão em apreço;
3. A factualidade referida no número antecedente é irrelevante, porquanto tal suspensão cessou «ope legis» no fim do prazo (artº 276º, nº1, c) , 279º e 284º,1,c) do CPC);
A actuação processual que, a seguir, se impunha, derivava da acção directa do Tribunal, designadamente a marcação de nova data para a audiência final;
5. As partes - e nomeadamente a ora agravante - não devem, por conseguinte, ser responsabilizadas pelo facto de os autos terem «persistido» suspensos por falta de tal impulso processual do Tribunal;
6. Não deviam, portanto, os autos ter sido remetidos à conta, como foram, com custas pela Agravante, nos termos do disposto no artigo 52º, 1 do CCJ, devendo a mesma, por isso, ser declarada sem qualquer efeito.

Requerimento
Termos em que se requer a V. Exª. Venerandos, por ser de direito e de justiça, se revogue o douto Despacho recorrido e se anule, consequentemente, a conta de custas elaborada com que a Agravante foi indevidamente onerada”.

Não houve contra-alegações e o Mmº Juiz a quo nada disse.
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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo a base instrutória merecido as respostas de fls. 163.

Foi por fim proferida sentença, julgando-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
- Foi declarado resolvido o contrato celebrado entre as partes, por incumprimento culposo dos réus;
- Foram réus condenados no pagamento à autora da quantia de € 5.178,83, a título de indemnização, acrescida dos juros de mora vincendos, calculados sobre aquela quantia, desde a citação, à taxa anual legal, e até efectivo e integral pagamento.
No mais, foram os réus absolvidos.

Inconformados com o sentenciado, vieram os Réus recorrer, apresentando alegações que terminam com as seguintes

“CONCLUSÕES:
1. Na sua petição inicial, a Autora formula três pedidos, quais sejam, o pedido de declaração da resolução do contrato celebrado com os Réus, o pedido de condenação dos Réus no pagamento dos bens vendidos e o pedido de condenação dos Réus a pagarem à Autora uma indemnização de 20% do valor do café prometido e não adquirido.
2. Estatui o artigo 801º nº 2 do Código Civil, que tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor pode resolver o contrato e se já tiver realizado a sua prestação exigir a restituição dela por inteiro.
3. Optando a Autora pela resolução contratual tinha efectivamente direito à restituição dos equipamentos vendidos, tendo os Réus cumprido com esse pedido, ao proceder à restituição desses bens que a Autora aceitou.
4. A Recorrida, no seu petitório inicial, pretende obter indemnização pelo interesse contratual positivo.
5. Pois que, o dano que invoca, traduz-se no lucro líquido que auferiria se o contrato fosse integralmente cumprido.
6. Nesta hipótese, a Recorrida resolveria o contrato e, obteria todo o interesse e vantagens económicas que o mesmo lhe proporcionaria se fosse cumprido, sendo certo que, a parte contrária nada receberia.
7. Deste modo, a indemnização que os Recorrentes foram condenados a pagar tem por base uma disposição contratual nula, porque contraria uma disposição legal de carácter imperativo - o artigo 801°. Nº 2, do Código Civil.
8. Nulidade, essa que, expressamente se invoca, pois que na verdade, a Recorrida não pode cumular a indemnização pelo interesse contratual positivo, com a indemnização pelo interesse contratual negativo, como o faz.
9. Tais indemnizações não são cumuláveis, sendo que, ao pretender resolver o contrato a Recorrida, opta necessariamente, pela indemnização do interesse contratual negativo.
10. Logo, nesta parte, não pode ser dado provimento à pretensão da Recorrida, pois, caso contrário, esta não cumpriria com a sua parte e teria todo o proveito contratual, apesar da resolução.
11. A douta sentença recorrida, viola entre outros a disposição normativa contida no artigo 801º nº 2 e 808º do Código Civil e enferma também de nulidade nos termos do artigo 668ºnº 1 alineas b) e c) do C.P.C.

Termos em que deve ser revogada a douta sentença recorrida, exclusivamente na parte em que condena os Recorrentes a pagarem à Recorrida a indemnização de 5.178.83 €, substituindo-a por douto Acórdão que os absolva desse pedido”.

Contra-alegou a autora, pugnando pela manutenção da sentença, com a improcedência da apelação.

Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a resolver são as seguintes - apreciando os recursos em conformidade com o artº 710º, nº1 do CPC, começando pelo agravo e conhecendo, depois, da apelação:

NO AGRAVO (FLS. 133 E 152 E VERSO):
Se, tendo decorrido o prazo (de 30 dias) da suspensão da instância --requerida em audiência de julgamento--, por acordo das partes sem ter havido qualquer informação nos autos por banda das mesmas partes, deviam os autos ser remetidos à conta, com custas a cargo da autora, ou, ao invés, se devia o Mmº Juiz, sem mais, designar data para a audiência final.

NA APELAÇÃO:
Consequências da resolução do contrato operada pela autora: da possível cumulação de indemnização pelo interesse contratual positivo com a indemnização pelo interesse contratual negativo ( direito da autora à indemnização - de 20%-- “do valor do café prometido e não adquirido” , ut cláusula 9ª do contrato de fls. 5).

II. 2. FACTOS PROVADOS:

No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos:
1. No exercício do seu comércio de venda, por grosso, de cafés, bebidas espirituosas e outros produtos, a autora celebrou com os réus, no dia 08 de Julho de 1997, o contrato junto a fls. 5 dos autos, com o conteúdo ali referido.
2. Os réus compraram e pagaram, desde Julho de 1997 até Setembro de 2001, 928 quilos de café, reconhecendo-lhes a autora, por via disso, uma bonificação de € 1538,98.
3. os réus deixaram de comprar café à autora desde Setembro de 2001.
4. Todos os equipamentos fornecidos pela autora foram-lhe devolvidos pelos réus.
5. No dia 17 de Maio de 2002 foi enviada carta aos réus dando-lhes notificação de que se resolvia o contrato e se lhes reclamava o pagamento daqueles bens de equipamento e da indemnização liquidada em conformidade com o prevenido no contrato, sendo tal carta devolvida com indicação de não reclamada.
6. Desde o início da vigência do contrato, mensalmente, deslocava-se um inspector de vendas da autora ao estabelecimento dos réus, fornecendo as quantidades de café encomendadas.

III. O DIREITO:

Vejamos, então, as questões suscitadas.

AGRAVO (Fls. 133 e 152 e verso):

A questão consiste, como vimos supra, em saber se, tendo decorrido o prazo (de 30 dias) da suspensão da instância requerida-- em audiência de julgamento-- por acordo das partes sem ter havido qualquer informação nos autos por banda das mesmas partes, deviam os autos ser remetidos à conta, com custas a cargo da autora, ou, ao invés, se devia o Mmº Juiz, sem mais, designar data para a audiência final.
Apreciemos.

O despacho que determinou a suspensão da instância consta da Acta de audiência de julgamento de fls. 115 e reza assim:”Atenta a factualidade exercida pelas partes, nos termos do disposto no artº 279º, nº4 do C.P.C., suspendo a instância pelo acordado prazo de 30 dias, findos os quais deverá a autora vir informar nos autos se foi concretizado, ou não, o projectado acordo.
Notifique”.
Por sua vez, a remessa dos autos à conta efectuada por ter decorrido o aludido prazo sem qualquer “impulso” da autora, ocorreu ao abrigo do disposto no artº 51º, nº2, al. b) do CCC.
Finalmente, o despacho em crise é do seguinte teor (fls. 183):
“Atentos os termos em que foi requerida e decretada a suspensão da instância, a fls. 115, ficou acometido à autora o ónus de, findo o respectivo prazo, impulsionar os autos, impulso que não se verificou.
Termos em que não foi cometida qualquer irregularidade pela secção em remeter o processo à conta, pelo que se indefere a requeria anulação da conta de fls. 122.”.

Vejamos, então, se assiste razão à Srª Juiza.
Cremos que não, salvo o devido respeito.

A suspensão da instância foi decretada ao abrigo do disposto nos arts. 276º, nº1, al. c) e 279º, nº4.
Prevê-se, com efeito, no nº 4 do artº 279º do CPC a possibilidade de as partes acordarem na suspensão da instância por prazo não superior a seis meses.
Como refere Lebre de Freitas, in CPC Anotado, em anotação ao aludido artigo, data do Projecto de CPC da Comissão Varela a proposta da admissibilidade da suspensão da instância por acordo, que o juiz não poderia recusar quando as partes a requeressem pela primeira vez (artº 232-3).
O referido acordo de suspensão da instância constitui um modo de disposição da tutela jurisdicional, como tal emanado do princípio dispositivo, sendo o subsequente despacho do juiz meramente homologatório.
Portanto, dúvidas não há de que às partes assistia o direito a ver suspensa a instância pelo prazo (de 30 dias) que solicitaram.

Como vimos, o pedido de suspensão da instância foi efectuado no intuito de se procurar, durante esse período da suspensão, um acordo quanto ao mérito da causa.
Tal desiderato, porém, não foi pelas partes alcançado.

Duas perguntas se impõem, então, desde logo:
1ª- Impunha-se às partes - em especial à autora - informar o tribunal da ausência de acordo, decorrido o aludido prazo de 30 dias?
2ª- Quais as consequências no caso de tal informação informação não ter lugar?

Quanto à primeira pergunta, a resposta parece-nos óbvia: embora não fossem as partes obrigadas a informar o tribunal da falta de acordo, tinham, mais não fosse, até por razões deontológicas, o dever de o fazer.
Com efeito, não só se deixou consignado na acta de audiência (fls. 115) que a autora deveria, findos os aludidos 30 dias, informar nos autos “se foi concretizado, ou não, o projectado acordo”, como ainda, mesmo que nada tivesse sido consignado em acta a tal respeito, tal dever de informação já resultaria, desde logo, do designado princípio da cooperação plasmado no artº 266º CPC - dever este que recai sobre “os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes”, as quais devem “cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
Sobre o dever de cooperação, pode ver-se o que escreveu o Prof. M. Teixeira de Sousa, na ROA, 1995, págs. 32 ss.

Já no que concerne à segunda pergunta, discordamos do entendimento da Mmª Juiza sobre as consequências da omissão de informação da autora sobre o estado do (desejado?) “acordo…”.
Com efeito, não nos parece que o simples decurso do prazo concedido pelo tribunal para as partes lograrem o pretendido acordo, sem que ocorra a transacção, tenha como consequência a remessa, sem mais, dos autos à conta nos termos do disposto no artº 51º, nº2, al. b) CCJ (“processos parados por mais de cinco meses por facto imputável às partes”).

Efectivamente, se é certo que um dos princípios processuais civis a levar em conta é o do dispositivo, contemplado no artº 264º do CPC.
E como corolário ou consequência deste princípio do dispositivo, o processo não só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido - princípio do pedido--, como, da mesma forma, só prossegue desde que tal impulso se mantenha.
No entanto, entram aqui em cena, também, os princípios contemplados no artº 265: “poder de direcção do processo e princípio do inquisitório”.
Deste normativo resulta que o juiz tem o poder-dever de providenciar pelo andamento regular e célere do processo, “sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto por lei à partes”.
Ora, não vemos onde esteja “especialmente imposto por lei” o ónus da aqui autora requerer o prosseguimento dos autos - mais precisamente a designação da data da audiência de discussão e julgamento, pois era nessa fase que os autos se encontravam aquando da suspensão da instância--, sob pena de os autos não prosseguirem e serem remetidos à conta decorrido o prazo previsto na al. b) do nº 2 do artº 51º do CCJ.
Pelo contrário, é a nova filosofia do CPC que impõe a remoção oficiosa de todos os impedimentos ao prosseguimento dos autos.
Como se escreveu no Ac. da Rel. de Lisboa, de 12.03.1975, Bol. M.J., 247º-216, segundo o disposto no artº 264º, nº1, do CPC, compete às partes o impulso processual. Mas isto não significa que estas tenham de promover, momento a momento, todos os termos do processo. O impulso destes termos, salvo quando dependentes de iniciativa da partes - por o processo não poder prosseguir sem que as mesmas pratiquem certo acto, juntem certo documento, etc. - pertence ao juiz.
Assim não seria, portanto, v.g., no caso de uns autos executivos estarem na fase do cumprimento do artº 864º CPC e tal só não ocorrer porque ao exequente cabia o ónus de praticar actos sem os quais, como é sabido, a execução não podia prosseguir, como seria o caso do registo da penhora e junção de anúncios necessários à venda.

Ora, no caso sub judice, a audiência de julgamento já tinha sido declarada aberta pela Mmª Juíza, razão porque não vemos que se justificasse tamanha sanção sobre a autora, isto é, deixar os autos pararem durante vários meses para depois serem, simplesmente, remetidos à conta com custas pela autora.

Cremos que a posição mais correcta, e que emerge dos aludidos princípios processuais, seria, ou notificar as partes para informarem o estado das diligências tendentes à transacção, ou, simplesmente, decorridos os 30 dias da suspensão da instância, designar logo nova data para o julgamento.
É que - repete-se - nada faltava juntar aos autos (por banda das partes) para que a audiência de julgamento fosse designada. Pelo que nos parece que não podia nem devia ser remetido o processo à conta, imputando inércia à autora no impulso processual, pois esta nada mais tinha a fazer para que os autos pudessem e devessem prosseguir.

Não olvidamos o “convite” - pois não nos parece mais do que isso, atenta a expressão “deverá a autora”, sem referência a qualquer cominação em caso de incumprimento - referido na acta de fls. 115.
No entanto, impor-se-á ainda anotar que no que tange ao princípio da eventualidade ou da preclusão, há que ter em conta que, a mais do tempero e maleabilidade que, episodicamente, caracterizava a versão do CPC, saída da reforma do 1985, este princípio encontra-se ainda mais atenuado no actual Código de Processo Civil revisto (cfr., v.g., artº 486º, nºs 4 a 6).
E como ensinam A. Marques dos Santos, Lebre de Freitas e outros, in Aspectos do Novo Processo Civil 1997, 34, “o procedimento demasiado ritualizado e com efeitos preclusivos não permite atingir a justiça que se procura através do processo”.

A entender-se que os autos deveriam ser remetidos à conta, nos termos em que o foram, então parece que se imporia que fosse aberta conclusão ao juiz-- caso entendesse, portanto, que o supra aludido impulso era incumbência da Autora --, para, pelo menos, ordenar a notificação da Autora para requerer o que se lhe oferecesse, sem prejuízo do disposto no artº 51º do CCJ. Não é essa, afinal, a prática judicial nos casos em que se entenda que há necessidade de o autor ou exequente promover o andamento dos autos? Quem não conhece o despacho tabelar “aguarde que algo seja requerido sem prejuízo do disposto no artº 12º do CCJ” (hoje artº 51º)?
Não olvidamos que a remessa dos autos à conta é ofício da secretaria (cfr., Ac. STJ, in BMJ nº 95º/180). Mas tal remessa pressupõe a notificação do autor ou exequente para a prática de algum acto ou junção de algum elemento sem o qual os autos não podem prosseguir, ou, pelo menos, a sua notificação para requerer ou dizer o que se lhe oferecer com a advertência da remessa dos autos à conta nos termos do aludido normativo do Código das custas Judicias.
O que não pode é o autor ou exequente ser surpreendido com uma conta de custas para pagar por virtude da remessa dos autos à conta nos termos da mesma disposição do Cód. das Custas, quando de nada foi notificado e o prosseguimento dos autos não dependia da prática por banda dele de qualquer acto ou diligência. A não se entender assim, teríamos uma clara violação dos aludidos princípios processuais, em especial do dispositivo - na sua correcta versão, dentro do espírito do actual CPC - e da cooperação.

Parece óbvio que se não deve afirmar que os autos pararam por inércia da autora, isto é, que tal paragem se deveu a “facto imputável” àquela ( ut artº 51º, nº2, al. b) do CCJ).
E “importa distinguir entre a paragem do processo por causa que o tribunal possa e deva, nos termos do artigo 265º, nº1 do Código de processo Civil, remover, e aquela que deva ser removida por impulso das partes.
Só neste último caso, sendo de concluir pela referida omissão de impulso processual, é que deverá funcionar a sanção de remessa do processo à conta,...” ( Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 1997, Almedina, pág. 222).
O autor acabado de referir indica como justificativo da remessa dos autos à conta ao abrigo do citado artº 51º-2-b) “o caso, por exemplo, da omissão de apresentação de documentos, incluindo o do registo da penhora, ou o da acção que seja obrigatória”. O que bem se compreende e aceita, pois nessas situações o processo não pode prosseguir sem esse impulso da parte.
Porém, como vimos, não é o caso que ora nos ocupa: nada tem a parte (autora) de fazer ou juntar aos autos de que esteja dependente o andamento do processo. Daqui que ao juiz incumbisse apenas e só determinar que os autos prosseguissem, designando (nova) data para a audiência de julgamento.

Ou antes, se quisermos: dispõe o artº 284º, nº1, al. c) do mesmo Código que “a suspensão cessa” “…quando tiver decorrido o prazo fixado”. Daqui parece concluir-se que estando decorrido o referido prazo de 30 dias durante o qual a instância foi declarada suspensa, se impunha mesmo à Mmª Juíza, em estrita obediência do normativo acabado de citar, que decretasse a cessação da suspensão da instância e ordenasse o prosseguimento dos autos ( marcando nova data de julgamento), sem curar de saber se as partes haviam ou não efectuado transacção (ver neste sentido o Ac. da RP, in Col. Jur., XVIII, t. II, apág. 187 (relator Araújo de Barros).

Não tinha era a autora que ser penalizada por não ter requerido o prosseguimento dos autos. É que a paralisia processual entretanto ocorrida não lhe pode ser imputada (nem à outra parte), uma vez que nada obstava a que os autos prosseguissem, bastando que assim o determinasse a Mmª Juíza.

Perante o explanado se conclui que não foi correcta a decisão de remessa dos autos à conta nos termos do disposto no artº 51º, nº2, al. c) do CCJ, pelo que deverá ser declarada sem efeito tal remessa e subsequente oneração da autora nas respectivas custas.

Procedem, assim, as conclusões do agravo.


APELAÇÃO:
Consequências da resolução do contrato operada pela autora: da possível cumulação de indemnização pelo interesse contratual positivo com a indemnização pelo interesse contratual negativo ( direito da autora à indemnização - de 20%-- “do valor do café prometido e não adquirido”, ut cláusula 9ª do contrato de fls. 5).

Antes de mais, deve anotar-se que os apelantes não impugnam a matéria de facto, pois não questionam a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não alveja razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).

Não vamos aqui discorrer acerca da qualificação do contrato celebrado entre as partes, pois, não só estas aceitam a qualificação jurídica e regime aplicável constantes das sentença, como nos parece que nesse segmento nada há a censurar.

Apreciemos, então, a questão suscitada.

Quanto ao direito de resolução do contrato por banda da autora, cremos não haver dúvidas a tal respeito.
Com efeito, ambas as partes convencionaram (contrato de fls. 5 -- cfr. cláusula 9ª) que se os 2ºs outorgantes - ora réus - “por facto culposo, não efectuarem compras de café durante 3 meses, ou não realizarem um mínimo trimestral de compras de 90Kg de café – em 2 trimestres seguidos ou interpolados – ou não pagarem duas quaisquer facturas vencidas no prazo de 8 dias a contar dos seus vencimentos”, assistia à 1ª outorgante – ora Autora - “o direito a resolver o contrato, reclamar indemnização equivalente a 20% do valor do café prometido e não adquirido, bem como a restituição dos bens ou pagamento do seu preço” .
E a resolução do contrato em questão vem prevista, de facto, no art. 24º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 118/93, de 13 de Abril.
E sem dúvida que, atento o incumprimento contratual por parte dos réus, assistia à autora o direito à resolução do contrato - como bem se demonstra na sentença.
É que, atento o disposto no art. 30.º do citado DL n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 118/93, de 13 de Abril, o contrato pode ser resolvido por qualquer das partes a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.
Ora, como se escreve na sentença, “No caso sub judice, as partes convencionaram que, não só a falta de compra por parte dos Réus das quantidades de café mencionadas na alínea A) dos factos provados, mas também a falta de pagamento do preço das compras efectuadas constituía fundamento de resolução do contrato por parte da Autora.
Ora, como resulta provado (alínea C)) os réus deixaram de comprar café à autora desde Setembro de 2001.
Existe, deste modo, incumprimento das obrigações contratualmente assumidas por parte dos Réus, não tendo a presunção de culpa que sobre os mesmos recai – art. 799.º do Código Civil – sido ilidida, pelo que essa falta de cumprimento deve reputar-se culposa.
É, pois, de afirmar o direito de resolução do contrato por parte da autora.”.

Com efeito, ao contrário do disposto para a responsabilidade extracontratual, (cfr. artº 483º, nº1 do CC), na responsabilidade contratual há uma presunção de culpa contra o devedor inadimplente. Ou seja, presume-se a ausência de causas de excusa. A presunção de culpa do artº citado 799º é, na realidade, uma presunção de ilicitude.
Ou seja, perante a falta de cumprimento, presume-se que:
o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir - ilicitude;
o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura - culpa.
E, como dissemos já, não ilidiram os réus, de facto, a presunção de culpa que sobre ele impendia.

Assente o direito da autora à resolução do contrato, vejamos, então, a questão objecto da apelação: saber se a autora tinha direito à indemnização que lhe foi arbitrada, em consequência daquela resolução contratual.
Clausulou-se, como vimos (clª 9ª), que, em caso de resolução do contrato por falta de pagamento por parte dos réus, a autora teria direito a uma indemnização de 20% do valor do café prometido e não adquirido.

Como resulta dos factos provados, os réus, não só devolveram à autora todos os equipamentos que esta lhes forneceu, como também já pagaram o café que lhe adquiriram (928 Kg) desde 1997 até 2001 ( als. B) e E) dos factos provados - fls. 169).
É, então, apenas e só, a aludida indemnização (de 20% do valor do café prometido e não adquirido) que aqui está em causa.

Cremos que assiste razão aos apelantes.
Com efeito, o que pretende a autora é ser ressarcida do chamado “interesse contratual positivo” ou de “cumprimento”, o que se nos afigura incompatível com a destruição do contrato (operada pela resolução), antes pressupondo a sua manutenção. Com efeito, para a aludida destruição contratual operada, v.g., pela resolução protege-se apenas o “interesse contratual negativo” ou de “confiança”, equivalendo, então, a indemnização ao prejuízo que o credor não teria sofrido caso o contrato não tivesse sido celebrado.
É certo que, caso se tratasse de pedido de indemnização pelo valor de bens adquiridos pela autora, v.g., com vista à exploração do estabelecimento dos réus ou por despesas feitas durante tal exploração, estávamos no domínio do chamado interesse contratual negativo, o designado “dano da confiança”, pois se tratava de indemnização de danos que se não teria caso o negócio não tivesse sido celebrado (visava-se, então, colocar o credor na situação em que estaria caso o contrato não se tivesse celebrado).
Mas não é o caso, pois em causa está apenas o chamado interesse contratual positivo, o “interesse no cumprimento” ( Cessão da Posição Contratual, Mota Pinto, pág. 457), ou seja, aquele que resultaria para o credor do cumprimento do contrato ( Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7º ed., págs. 93 e segs.)e 106 a111.

É que, como ensina o mesmo Prof. Antunes Varela (ob. cit.) “O credor tem de optar ou pela resolução do contrato (com a possível indemnização do interesse contratual negativo) ou pela manutenção dele (com direito, nesse caso, à indemnização do interesse contratual positivo”.
Efectivamente, cremos ser francamente maioritária a posição da doutrina - com que concordamos inteiramente-- no sentido de que a função do artº 801º, nº2, CC é, perante o incumprimento de uma das partes num contrato sinalagmático, proporcionar à outra parte uma opção entre duas alternativas:
- exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento, que naturalmente abrangerá todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação pela outra parte (interesse contratual positivo), mantendo-se, porém, a sua própria obrigação;
- obter a resolução do contrato, cuja eficácia retroactiva lhe permite liberar-se da sua obrigação, acrescida de uma indemnização, que, neste caso, se limita aos danos derivados da não conclusão do negócio (interesse contratual negativo)
Neste sentido, Galvão Telles, Obrigações, pp. 80 e 463-464, Antunes Varela, ob. e loc. cits., Almeida Costa, Obrigações, p. 966, Mota Pinto, ob. cit., a pág. 412, nota (1), Ribeiro de Faria, Obrigações, II, pp. 434-435 (embora, é certo, com alguma hesitação), e Brandão Proença, A Resolução do contrato no direito civil. Do enquadramento e do regime, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, pp. 183 segs.-- em contrário do defendido por Vaz Serra, Baptista Machado e Ana Prata, cfr. obs. e estudos referidos por Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. II, 1ª ed., a págs. 256-259.

Assim sendo, portanto, como ensina o prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 2ª ed., pág. 103, “tornando-se a prestação impossível por causa imputável ao devedor, ou tendo-se a obrigação por definitivamente não cumprida, se a obrigação se inserir num contrato bilateral, pode o credor preferir a resolução do contrato à indemnização correspondente à prestação em falta”.
Foi o que fez a autora: optou pela resolução do contrato. O que lhe acarreta as consequências plasmadas supra.

Portando, no caso sub judice, não vemos que a indemnização peticionada corresponda àquele interesse contratual negativo, não se vislumbrando onde é que a peticionada indemnização corresponde a um prejuízo efectivo que a autora teria sofrido caso não celebrasse o contrato: os equipamentos fornecidos pela autora já lhe foram vendidos (desconhecendo-se se dali resultou prejuízo para ela…) e o café comprado pelos réus está pago. É certo que não compraram as quantidades acordadas, e daí que se sinta a autora prejudicada. Mas exigir indemnização por esse facto equivaleria a…. ficcionar um cumprimento que não existiu.
E não se vê que outro prejuízo não teria sofrido a autora/credora caso não celebrasse o presente contrato. Os autos não o demonstram e a autora não o alega e …. prova.
O que a autora pretende é, afinal, ser ressarcida do lucro líquido que auferiria se o contrato fosse integralmente cumprido. Teríamos, então, a recorrida, com a resolução do contrato, a obter todo o interesse e vantagens económicas que o mesmo contrato lhe proporcionaria se fosse cumprido, ao passo que a outra parte na relação contratual (os apelantes) nada receberiam.
Não pode ser!
Assim, portanto, nesta parte, a aludida cláusula (9ª) não pode vingar, uma vez que contraria uma disposição contratual de carácter imperativo - o artº 801º, nº2 do CC.

Atento o exposto, procedem as conclusões das alegações da apelante - o que acarretará necessariamente a revogação do sentenciado na parte em que condenou os réus no pagamento à autora da supra apontada quantia indemnizatória de 5.178,83 € e juros de mora (como consequência da resolução do contrato e por aplicação do estatuído na referida cláusula contratual).


CONCLUINDO:
O impulso processual que incide sobre as partes, nos termos do artº 264º, nº1, do CPC não quer significar que estas tenham de promover, momento a momento, todos os termos do processo. O impulso destes, salvo quando dependente de iniciativa da partes - por o processo não poder prosseguir sem que as mesmas pratiquem certo acto, juntem certo documento, etc. - pertence ao juiz.
Embora a remessa dos autos à conta, nos termos do artº 51º, nº2, al. c), do CCJ, seja ofício da secretaria, tal pressupõe a notificação do autor ou exequente para a prática de algum acto ou junção de algum elemento sem o qual os autos não podem prosseguir, ou, pelo menos, a sua notificação para requerer ou dizer o que se lhe oferecer com a advertência da aludida remessa.
Assim, a omissão do impulso processual conducente à remessa à conta (cit. artº 51ºCCJ), fazendo funcionar a sanção dessa remessa, só ocorre quando a paragem do processo deva ser removida por impulso das partes, e já não quando essa paragem ocorre por causa que o tribunal possa e deva, nos termos do artigo 265º, nº1 do Código de processo Civil, remover.
Daqui que, tendo as partes acordado em audiência de julgamento na suspensão da instância, decorrido o prazo da suspensão não deve o Juiz aguardar passivamente que as partes requeiram o prosseguimento dos autos, antes deve, ele próprio, fazê-los prosseguir de imediato.
A função do artº 801º, nº2, CC é, perante o incumprimento de uma das partes num contrato sinalagmático, proporcionar à outra parte uma opção entre duas alternativas:
a)- exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento, que naturalmente abrangerá todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação pela outra parte (interesse contratual positivo), mantendo-se, porém, a sua própria obrigação;
b)- obter a resolução do contrato, cuja eficácia retroactiva lhe permite liberar-se da sua obrigação, acrescida de uma indemnização, que, neste caso, se limita aos danos derivados da não conclusão do negócio (interesse contratual negativo).

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da
Relação do Porto em:
Conceder provimento ao agravo e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, dando sem efeito a remessa dos autos à conta nos termos do artº 51º, nº2, al. b) do CCJ e inerentes consequências para a Autora/Agravante;-------------
Julgar procedente a apelação, revogando a sentença na parte em que condena os Réus/Apelantes no pagamento à autora/apelada da indemnização ali arbitrada, absolvendo os réus desse pedido.

Sem custas do agravo, sendo as da apelação a cargo da apelada.

Porto, 5 de Julho de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves