Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0130239
Nº Convencional: JTRP00030028
Relator: ALVES VELHO
Descritores: LITISCONSÓRCIO
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200103150130239
Data do Acordão: 03/15/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 947/99-2S
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART298 N1 ART296 N1 ART295 N2 ART27.
Sumário: I - Demandada uma pluralidade de réus em litisconsórcio voluntário, é livre a desistência da instância relativamente a qualquer deles, independentemente da aceitação dos que já tenham apresentado contestação.
II - A aceitação da desistência a que alude o n.1 do artigo 296 do Código de Processo Civil é, em caso de litisconsórcio voluntário, limitada ao interesse na causa do litisconsorte relativamente ao qual a desistência opera a extinção da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. - No Tribunal Cível da Comarca do......., “........ FÁBRICA DE CONFECÇÕES, LDA.” intentou acção declarativa condenatória, com processo ordinário, contra as sociedades comerciais “G........, LDA.”, “J..........” M........”, pedindo a condenação das RR. a pagar-lhe esc. 5 286 638$00 e juros vincendos, nos termos e em função das responsabilidades que a final sejam atribuídas.
Fundamentando a sua pretensão, a A. alegou que contratou com a 1ª Ré o transporte, entrega e recebimento do preço de mercadorias destinadas à 3ª Ré (cláusulas FOB e CAD ou COD), sendo que não sabe se esta pagou as mercadorias ou se, como foi informada, a 2ª Ré teve intervenção como transportadora por conta da 1ª Ré, uma vez que com elas não contactou e que «apenas, por mera cautela, demanda a 2ª e 3ª RR, de modo a que nestes autos se esclareça se houve pagamento, se sim quem pagou a quem e, se não, quem deverá cumprir perante a A.».
Contestaram a 1ª e a 2ª RR.
Goradas duas tentativas de citação da 3ª Ré, a A. apresentou requerimento de desistência da instância, no seguimento do qual foi imediatamente proferida decisão julgando válida a desistência e extinta a instância relativamente à “M..........”.
Dessa decisão reclamou e agravou a Ré “J.................”.
O recurso acabou por ser admitido e, na alegação que ofereceu a Agravante pede a anulação e revogação da decisão, ao abrigo das seguintes conclusões:
1. A agravada recorre à figura do litisconsórcio voluntário (art. 27º CPC) para chamar aos autos o vendedor da mercadoria e os pretensos transportadores da mesma;
2. Dois dos RR., incluindo a Agravante, já tinham contestado quando a Agravada veio desistir da instância quanto ao comprador;
3. Não foi obtido o consentimento dos restantes RR. para tal desistência que soía por força do art. 296º-1 CPC;
4. Ao considerar válida a desistência nessas condições, o M.mo Juiz violou essa disposição legal e cometeu a nulidade prevista no art. 668º-1-d) CPC.
A Agravada respondeu, defendendo o julgado.
O Ex.mo Juiz manteve a decisão impugnada.
2. - Os elementos de facto relevantes para o conhecimento do objecto do recurso e, por isso, a considerar são os que já se deixaram enunciados.
3. - A questão única a resolver é apenas a de saber se, demandada uma pluralidade de RR. em litisconsórcio voluntário, é livre a desistência da instância relativamente a qualquer deles, independentemente da aceitação dos que tenham já apresentado a sua contestação.
A lei não prevê expressa e especialmente a hipótese.
A resposta, porém, tem de extrair-se da disciplina emergente da conjugação de disposições como as dos art.s 295º-2, 296º-1, 298º e 27º, todos do CPC.
Delas se colhe que a desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara, que depende de aceitação de réu após o oferecimento da contestação, acrescentando-se que, no caso de litisconsórcio voluntário, é livre a desistência individual, limitada ao interesse de cada um na causa.
No litisconsórcio necessário, a acção pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados, podendo sê-lo por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade.
Do conjunto normativo resulta, desde logo, que a desistência é livre quando não tenha repercussão nos interesses ou responsabilidades dos restantes litisconsortes.
Nem poderia ser de outra forma, uma vez que tal regra é mera consequência do princípio de que a pluralidade de partes é facultativa, de que o tribunal pode decidir de forma não coincidente quanto aos vários interessados, ou seja, que se está perante «uma acumulação de acções» em que cada um dos consortes goza de independência de actuação relativamente aos demais compartes (A. VARELA, J. M. BEZERRA e S. NORA, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 162 e ANSELMO DE CASTRO, “Lições”, II, 1964, pp. 746).
Ora, afigura-se-nos que não há razões que levem a interpretar restritivamente o preceituado no n.º 1 do art. 298º entendendo a referência à desistência aí contida como limitada à desistência do pedido.
Na verdade, o que se pretende com a aceitação do réu, quando a desistência seja declarada posteriormente à contestação, é impedir que o autor disponha da relação jurídica processual, extinguindo-a, depois de se ter afirmado o contraditório, aproveitando-se, eventualmente, da actividade do réu para sanar ou corrigir erros ou posições que tomou e privando este de ver decidida a lide em conformidade com os contornos que tomou após a sua contestação (A. DOS REIS, “Comentário”, 3º, pp. 470).
Mas, assim sendo, esses motivos impeditivos não são invocáveis relativamente a réus demandados como litisconsortes, por exclusiva iniciativa do autor.
Com efeito, existem relações jurídicas independentes ou autónomas, com a inerente repercussão nas relações processuais, passíveis de serem lidadas em acções separadas, com pedidos não necessariamente coincidentes, donde que a contestação de qualquer dos consortes, impedindo a livre desistência da instância relativamente à quota-parte do interesse que lhe diz respeito, não deva repercutir-se na quota-parte dos demais por forma a impedir a livre desistência, sob pena de negação dos supra aludidos princípios por que se rege o regime de litisconsórcio voluntário, que têm como consequência a possibilidade de serem «diversas as vicissitudes da instância» em relação a cada um dos litisconsortes (A. DE CASTRO, ob. e loc. cit.).
- Em conclusão, entende-se, e julga-se, que a aceitação da desistência a que alude o n.º 1 do art. 296º é, em caso de litisconsórcio voluntário, limitada ao interesse na causa do litisconsorte relativamente ao qual a desistência opera a extinção da instância, conforme resulta do preceituado no n.º 1 do art. 298º.
Improcedem, consequentemente, as conclusões da alegação da Agravante.
4.1 - Termos em que se decide negar provimento ao agravo e condenar a Recorrente nas custas.
Porto, 15 de Março de 2001
António Alberto Moreira Alves Velho
Camilo Moreira Camilo
Estevão Vaz Saleiro de Abreu