Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031685
Nº Convencional: JTRP00030968
Relator: ALVES VELHO
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
FORMA ESCRITA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200101110031685
Data do Acordão: 01/11/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG178
Tribunal Recorrido: T J FAFE 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 151/97
Data Dec. Recorrida: 07/18/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: LAR88 ART3 ART35 N5 ART36.
CPC95 ART287.
Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1999/02/23 IN CJ T1 ANOXXIV PAG121.
Sumário: I - Desde 1 de Julho de 1989, é sempre exigível a forma escrita em todos os contratos de arrendamento rural, mesmo que sejam ao agricultor autónomo e qualquer que tenha sido a data da sua celebração.
II - A exigência de junção de um exemplo desse contrato, ou a alegação de a omissão de redução do contrato a escrito ser imputável à parte contrária, é aplicável a todas as acções referentes a arrendamentos rurais, designadamente às acções de preferência intentadas pelo arrendatário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. - No Tribunal Judicial da Comarca de Fafe (1º Juízo),
JOAQUIM... e mulher, MARIA... intentaram contra ABÍLIO... e mulher, MARIA SOUSA... e ARMINDO... e mulher ROSALINA... acção declarativa, com processo ordinário, para preferência, pedindo:
- A declaração e reconhecimento do contrato de arrendamento rural ao agricultor autónomo existente entre os 1ºs RR e os AA. sobre os prédios identificados na petição inicial;
- O reconhecimento aos AA. do direito de preferência na venda dos referenciados prédios;
- A declaração de substituição dos 2ºs RR. compradores na titularidade desses prédios, tomando os AA. a posição que aqueles ocupam; e
- A declaração de cancelamento de quaisquer registos sobre os prédios objecto da acção operados após a celebração da compra e venda.
Fundamentando a sua pretensão, os AA. alegaram, em síntese, que, desde 1966, habitam a casa e trabalham os campos e terrenos de mato identificados na petição, mediante o pagamento de metade da respectiva produção, tendo os 1ºs RR. vendido aos 2ºs os bens arrendados antes de decorrido o prazo para os AA. se pronunciarem sobre a notificação para preferir que o R. Abílio lhes fez.
Contestaram apenas os RR. compradores, além do mais por excepção, pedindo a extinção da instância e a improcedência da acção, quer porque não está junto aos autos exemplar do contrato de arrendamento nem se imputa a falta à outra parte, quer porque quando o A. enviou a carta a declarar a vontade de preferir já o direito exercitado tinha caducado.
Proferiu-se, então, despacho em que foi declarada extinta a instância, com fundamento na omissão de junção de exemplar do contrato de arrendamento e de alegação de que a falta era imputável à parte contrária e nos art.s 3º-1 e 3 e 35º-5 do Regime de Arrendamento Rural.
Agravaram os AA., pedindo a revogação do despacho impugnado, para o que formularam estas conclusões:
1 – Os AA. alegaram factos com vista à comprovação da não exigibilidade da apresentação de um exemplar de um contrato de arrendamento,
2 – Tais factos contêm o fundamento pelo qual os AA. não podiam imputar à parte contrária a falta de tal documento, pelo que tal facto não carece de ser expressamente alegado;
3 – Tais factos não foram, como não podiam ser, impugnados pelos RR. contestantes, que os não conheciam, nem podiam conhecer;
4 – Em conformidade, não estão reunidos os requisitos para extinção da instância;
5 – O M.mo Juiz entendeu não se pronunciar sobre tais factos, pelo que a decisão recorrida violou o disposto no art. 668º-1-d) CPC, além do art. 35º-5 do DL n.º 385/88.
Os Agravados responderam, sustentando e desenvolvendo a posição vertida na contestação e o Ex.mo Juiz manteve a decisão.
2. - Os elementos de facto a considerar, por relevantes, para o conhecimento do objecto do recurso são os que seguem:
- Datada de 13/9/96, e recebida pelos destinatários em 16 do mesmo mês, o R. Abílio enviou aos AA. uma carta, comunicando-lhes pretender «vender os prédios que lhe dei de arrendamento» e notificando-os que o pretendente era o R. Armindo, «sendo o preço de 15 500 000$00, a pagar no acto da escritura, que terá lugar no prazo de 15 dias a contar de hoje. Como V.ªs Ex.ªs, face à lei, gozam do direito de preferência, ainda os notifico para, no prazo de oito dias a contar da data da recepção desta carta , dizerem se pretendem exercer tal direito na venda dos ditos prédios, sob pena de caducidade do mesmo direito»;
- O R. respondeu, comunicando estar interessado na aquisição dos ditos prédios pelo preço proposto, por carta datada de 24/9/96 e recepcionada em 27 do mesmo mês;
- A escritura de compra e venda dos prédios em causa, em que figuram como vendedores os 1.ºs RR. e como comprador o R. Armindo, foi celebrada em 27/9/96. - Os prédios descritos nessa escritura de compra e venda correspondem ao que os AA. identificam como tendo-lhes sido dados de arrendamento, para os cultivarem directamente, em 1966, por José..., então seu dono, um dos antecessores, como senhorio, do R. Abílio....
3. - A questão a solucionar é a de saber se nesta acção de preferência há lugar à exigência de instrução da acção com um exemplar do contrato de arrendamento rural.
3. 1. - O art. 35º-5 do Dec.-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (LAR) veio estipular que nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária.
Trata-se de um preceito de natureza processual, que se traduz num pressuposto específico das acções referentes a arrendamentos rurais ou a que esteja subjacente a existência desses contratos – como sucede na preferência - para que os efeitos desses contratos possam ser invocados em juízo ou prosseguir as acções que neles se fundem.
Criou-se uma nova causa de extinção da instância, a juntar às previstas no art. 287º CPC (ARAGÃO SEIA e COSTA CALVÃO “Arrendamento Rural”, 2ª ed., pp.18).
Assim, em regra, intentada a acção para exercício do direito de preferência na venda de prédio arrendado, nos termos previstos noa art.s 28º e 35º-1 da LAR, impende sobre o arrendatário-preferente instruir a petição inicial com um exemplar do contrato ou alegar logo que falta de formalização do contrato é imputável à outra parte, sob pena de ter de ver aplicada a sanção de extinção do processo.
3. 2. - Sustentam os Agravantes que a junção da apresentação do contrato não lhes era exigível, quer porque não era obrigatória a celebração sua escrita, quer porque o senhorio Abílio nunca os notificou para tal efeito, não podendo, por isso, este R. ou o comprador Armindo invocar a nulidade, nem os Agravantes podiam imputar ao Abílio a falta de redução a escrito por o contrato ter sido celebrado com o José... em 1966.
Como já resulta do que se deixou escrito, não lhes assiste razão.
Sendo embora certo que à data do início de vigência do contrato (1966) o mesmo não estava sujeito a forma escrita, pois vigorava, então, o regime da Lei n.º 2114, de 15-06-62, regime que se manteve no domínio do Código Civil, após sucessivos avanços e recuos - que aqui, por irrelevantes para o caso, não interessa analisar - de que a matéria foi objecto na vigência dos Dec.-Lei n.º 201/75, Lei n.º 76/77 e Lei n.º 76/79, encontra-se presentemente estabelecida a obrigatoriedade de atribuição da forma escrita ao contrato em causa desde 1 de Julho de 1989.
Com efeito, o art. 3º da LAR impõe a obrigatoriedade, de redução a escrito dos contratos de arrendamento rural, ainda que ao agricultor autónomo.
Por outro lado, o seu art. 36º-1 e 3 determina que a lei, onde se inclui, por expressa referência, aquele art. 3º, se aplique aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, relegando especificamente para 1 de Julho de 1989 o início da aplicabilidade das normas referentes à exigência de forma e às consequências da sua inobservância.
De concluir, pois, que, perante a clara eficácia retroactiva das enunciadas normas, é hoje, e desde 01-07-89, sempre exigível a forma escrita em todos contratos de arrendamento ao agricultor autónomo, qualquer que tenha sido a data da sua celebração (cfr. ob. cit, 171 e ss. e Ac. RL, 23-2-99, in CJ XXIV-1º, 121).
3. 3. - O que está em causa neste processo não são questões relativas à validade do contrato, sua invocabilidade e consequências mas, tão só, sublinha--se, a sobredita sanção de carácter estritamente processual.
Invoca-se um contrato em vigor que estava sujeito à forma escrita, donde que os AA. só podiam livrar-se da declaração de extinção da instância processual alegando que a omissão era imputável aos RR.
Para tanto, bem podiam os AA. ter lançado mão da faculdade prevista no n.º 3 do art. 3º da LAR, notificando o senhorio para a redução do contrato a escrito, colocando-se em condições de, em caso de recusa, poderem fazer recair sobre aquele as consequências do incumprimento da forma, designadamente adquirindo a possibilidade de alegar que a falta lhe era imputável.
A tanto não obstava, nem obsta, a transmissão da posição contratual do locador decorrente das sucessivas transmissões do prédio.
Tal modificação subjectiva não tem qualquer reflexo no cumprimento do desígnio legal quanto à exigência da forma: - Enquanto o contrato estiver em vigor a obrigação de lhe conferir a forma tornada obrigatória mantém-se, radicando-se a respectiva legitimidade em quem, a cada momento, detiver a qualidade de locador.
É que o contrato subsiste o mesmo desde 1966, não sofrendo qualquer alteração apenas pelo facto da (posterior) redução a escrito do respectivo clausulado.
3. 4. - Aplicando o regime legal enunciado ao caso concreto, dir-se-á que pressupondo o exercício do direito de preferência que o contrato esteja em vigor no momento da alienação dos prédios arrendados e não se extinguindo o vínculo contratual por via dessa alienação, já que apenas se transmite a posição do locador, então, se o contrato não estava anteriormente reduzido a escrito, o que aos ora Agravantes se impunha, para satisfazer o requisito processual e evitar a sanção de extinção da instância, era notificar o actual senhorio para aquele efeito e, a partir daí, proceder em conformidade com a posição da outra parte.
4. - Não merece, consequentemente, censura a decisão impugnada, a qual dada a natureza exclusivamente processual da questão, apesar da parcimónia na fundamentação, não enferma da nulidade imputada, pois conheceu da questão que tinha de conhecer e que precedia e prejudicava quaisquer outras, designadamente a das repercussões da omissão da forma na validade e efeitos do contrato, questões que, como se escreveu atrás, e ora se repete, não interferem com o pressuposto processual criado pelo n.º 5 do art. 35º da LAR (DL n.º 385/88).
5. - Termos em que se decide negar provimento ao agravo e condenar os Recorrentes nas custas.
Porto, 11 de Janeiro de 2001
António Alberto Moreira Alves Velho
Camilo Moreira Camilo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha