Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0630780
Nº Convencional: JTRP00038926
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: ARRENDAMENTO POR CURTO PERÍODO
Nº do Documento: RP200603090630780
Data do Acordão: 03/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - A vilegiatura é algo de transitório, de duração curta ou relativamente curta, por implicar a ideia de sair por algum tempo do local onde habitualmente se vive, a fim de mudar de ambiente, sempre com uma finalidade recreativa
II - Por isso, feito um arrendamento para vilegiatura, qualquer que seja o prazo de duração do contrato, o senhorio pode denunciá-lo, por se estar sob a alçada do art. 1054.º do C.Civil.
III - Aquilo que há a frisar não é o tempo pelo qual dura o contrato, mas sim o fim para que foi celebrado, que conduz a uma intermitência temporal, ligada à transitoriedade da utilização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B………. intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra C………., pedindo:
a)- Se decrete a resolução do contrato de arrendamento, seja por falta de pagamento das rendas, seja por falta de residência permanente;
b)- Se condene a Ré a despejar o imóvel locado, entregando-o livre e devoluto;
c)- e a pagar à A. todas as rendas vencidas até Junho de 2003, no montante de € 44,82 e as vincendas até efectiva entrega do locado, bem como a reconhecer à A. o direito a quaisquer rendas depositadas, autorizando o seu levantamento.
Alegou, resumidamente, que a Ré deixou de pagar as rendas referentes a todos os meses do ano de 2002 e aos meses de Janeiro a Junho de 2003, no valor de € 44,82. Por outro lado, pelo menos desde 2000, não dorme na casa arrendada, não confecciona nem toma aí as suas refeições, não recebe nela as pessoas amigas ou outras visitas, nem recebe correio ou telefonemas. Pelo menos desde essa data, a Ré tem a sua vida familiar e doméstica instalada e organizada numa moradia sita na R. ………., .., no Porto.
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A Ré contestou alegando que o arrendamento do locado, celebrado verbalmente em Junho de 1949 pelo então proprietário do imóvel e pelo marido da Ré, destinou-se à utilização de lazer, vilegiatura ou veraneio, como segunda casa a fruir aos fins de semana e nas férias, sendo que já então a Ré e seu marido viviam com residência permanente na sua morada actual. O locado apenas era utilizado em fins-de-semana e nas férias, o que a Ré continua a fazer, e desde o início do contrato era do conhecimento e obteve a concordância do senhorio.
Desde que morreu o locador que a Ré ficou sem saber a quem deveria pagar as rendas, pelo que se viu na necessidade de as depositar em nome dos herdeiros do locador e de notificar o cabeça-de-casal, D………., em acção com o n.º ../83, que correu termos pela ..º secção do ..º Juízo da Comarca de Vila Nova de Gaia, onde os depósitos foram julgados válidos e subsistentes, com trânsito em julgado. A Ré continua esse procedimento, porque nunca a informaram de quem era o proprietário do prédio, nem que o mesmo havia sido vendido.
Pediu a improcedência da acção.
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A A. respondeu, impugnando os factos articulados pela Ré quanto às características do arrendamento mas, para a hipótese de se provar essa factualidade, requereu, em alternativa, a ampliação da causa de pedir e do pedido, no sentido de, improcedendo o pedido inicial e, provando-se que se está perante um contrato de arrendamento de vilegiatura, se decretar a denúncia do alegado arrendamento para o termo do prazo da renovação, a ocorrer a 31 de Maio de 2004, com despejo do prédio locado e consequente entrega à A., livre de pessoas e de coisas, reconhecendo-se o direito desta às rendas depositadas, autorizando-se o seu levantamento.
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A Ré pronunciou-se pela inadmissibilidade da resposta, por entender não ter havido defesa por excepção; bem como, mesmo a entender-se pela sua admissibilidade, pela inviabilidade de ampliação da causa de pedir e pedido, visto que o articulado em causa não é réplica, só nesta esse procedimento sendo possível.

Por despacho de fls. 142 foi admitida a requerida ampliação do pedido.
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O processo foi saneado, condensado e instruído.
Teve lugar o julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
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II.
Recorreu a A., formulando as seguintes conclusões:
1.ª. A A., em ampliação, requereu a denúncia do contrato de arrendamento para o fim do prazo da renovação, bem como o direito às rendas depositadas e ao respectivo levantamento.
2.ª. Estes pedidos foram admitidos por despacho judicial.
3.ª. As rendas estão a ser depositadas à ordem do tribunal, em nome de herdeiros de E………., senhorio original.
4.ª. A A. adquiriu o prédio aos sucessores deste senhorio inicial.
5.ª. O direito de propriedade da A. integra o direito às rendas depositadas enquanto frutos jurídicos do prédio arrendado.
6.ª. Ao não se pronunciar quanto ao pedido do direito às rendas depositadas e ao seu levantamento, a sentença sofre de nulidade por essa omissão de pronúncia.
7.ª. Deve proferir-se decisão sobre esse pedido e no sentido de reconhecer o direito da A. às rendas depositadas e ao levantamento das respectivas quantias.
Por outro lado,
8.ª. O contrato sub judice corresponde a um arrendamento para habitação não permanente, destinado a lazer, vilegiatura, como segunda casa, a fruir aos fins-de-semana e durante as férias.
9.ª. Este arrendamento, estando excluído do princípio da prorrogação obrigatória e do regime vinculístico previsto para os arrendamentos de habitação permanente, pode ser livremente denunciado para o termo da sua renovação.
10.ª. À cessação do contrato de arrendamento em discussão nos autos aplica-se o regime geral da locação civil.
11.ª. Por isso, a denúncia do contrato de arrendamento não está subordinada à condição do senhorio necessitar do prédio para a sua habitação ou para nele construir a sua residência.
12.ª. Ao julgar improcedente o pedido de denúncia do arrendamento, a sentença também sofre de nulidade, porque a decisão está em oposição aos fundamentos de facto e de direito.
13.ª. A sentença é nula nos termos das disposições das alíneas d) e c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, por violação, entre outras, das disposições do n.º 2 do art. 660.º do mesmo diploma legal e art.s 1305.º e 1055.º do CC, al. b) do n.º 2 do art. 5.º e n.º 1 do art. 6.º do RAU.

A Ré respondeu, pedindo a confirmação do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos considerados provados na sentença:
1.º. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Espinho a 3 de Dezembro de 2001, a A. comprou a F………. o prédio urbano, para habitação, composto de casa de dois andares e quintal, sito à R. ………., nº ., ………., ………., descrito na Conservatória do Reg. Predial de V.N. de Gaia, sob o nº 1518 e inscrito na matriz predial sob o artigo 173, com registo de aquisição a seu favor pela inscrição G" (A).
2.º. E………. deu de arrendamento, por contrato verbal a G………. marido da R., o prédio id. em A (B).
3.º. A Ré vinha pagando aos anteproprietários a renda mensal de Esc. 500$00 ≈ € 2,49 (C).
4.º. A Ré tem a sua vida familiar e doméstica instalada e organizada na moradia sito na Rua ………., nº .., concelho e comarca do Porto (1.º).
5.º. Aí dormindo, tomando as refeições, recebendo as visitas, telefonemas e correspondência (1º-A);
6.º. O contrato id. em B) teve o seu início em 1949 (2.º).
7.º. O contrato id. em B) tinha como fim a utilização do imóvel para lazer, vilegiatura, como segunda casa a fruir aos fins-de-semana e durante os períodos destinados a férias (4.º).
8.º. Desde a data id. em 2º), a Ré e seu marido viviam, com residência permanente, na Rua ………., .., no Porto (5.º).
9.º A Ré, actualmente, continua a utilizar o imóvel id. em A) em fins-de-semana e em tempo de férias (6.º).
10.º. A factualidade referida em 4º) e 6º), ocorre e sempre ocorreu com o conhecimento e concordância do senhorio – E………. (7.º).
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III.
Questões suscitadas no recurso:
\ Nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre o pedido de reconhecimento do direito e de levantamento das rendas depositadas;
\ Liberdade de denúncia do contrato de arrendamento, atento o seu fim;
\ Nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.

A apelante afirma que na ampliação da causa de pedir e do pedido formulou o de reconhecimento do direito às rendas depositadas e ao seu levantamento.
É verdade que o fez, mas não se tornava necessário aludir à ampliação feita na resposta e admitida por despacho transitado, constituidor de caso julgado formal.
Com efeito, já na petição inicial havia pedido, sob C), in fine, o reconhecimento do seu direito a quaisquer rendas depositadas, autorizando-se o seu levantamento.
A improcedência do pedido principal não afasta a necessidade de conhecimento do referente a rendas, na medida em que, sendo a A. a actual dona do imóvel, por havê-lo comprado aos sucessores do primitivo senhorio, tem direito às rendas.
Face ao que, uma vez que a sentença se não pronunciou sobre esse pedido, encerra da nulidade prevista pela 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.
Desta forma, obedecendo à regra da substituição ao tribunal recorrido, contida no n.º 1 do art. 715.º do mesmo diploma legal, há que conhecer em conformidade.
No entanto, a A. não tem direito a todas as rendas depositadas.
Mostram-se juntos aos autos depósitos com início em Junho de 1997, referente à renda de Julho desse ano (fls. 105) e sucessivos, até Agosto de 2003 (fls. 32).
Ora, tendo a A. adquirido o prédio por escritura de 3.12.2001, só tem direito a levantar e fazer seus os depósitos referentes à renda desse mês de Dezembro de 2001 e seguintes.
É o que resulta da natureza e efeitos do contrato de compra e venda, previsto no art. 874.º e 879.º do CC. A propriedade, segundo essas normas, apenas se transmite com a celebração do contrato que, neste particular, porque se trata de bem imóvel, tem de ser celebrado por escritura pública – art. 875.º.
Daí que o pedido não possa ser satisfeito relativamente à totalidade dos depósitos, mas apenas aos referentes ao mês de Dezembro de 2001 e seguintes.

A apelante defende que atenta a finalidade do contrato de arrendamento se lhe não aplica a restrição imposta pelo art. 68.º/2 do RAU, que reproduz, em termos diferentes, o art. 1095.º do CC.
Refere Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 4.ª ed., pág. 396, que a renovação obrigatória (é disso que se trata) apenas se dá nos arrendamentos denominados vinculísticos (termo usado para acentuar a obrigatoriedade ou vinculação que se impõe ao senhorio quanto à projecção temporal do contrato). Mas não deixa de acentuar que os arrendamentos são quase todos vinculísticos, havendo apenas que ressalvar os previstos no art. 1083.º/1 do CC (actual art. 5.º/2 do RAU), nos quais o senhorio e o arrendatário gozam ambos da faculdade de denúncia, em pé de igualdade.
Temos, pois, que ver se o arrendamento em causa cabe nalguma das alíneas do n.º 2 do art. 5.º.
Os factos apontam, como se diz na sentença, para um contrato de arrendamento para habitação não permanente em praia e/ou lugar de vilegiatura, celebrado na vigência do Cód. de Seabra, nos termos depois previstos pelo artº 1083.º/2-b) do C.C e actualmente pelo artº 5.º/2-b) do RAU.
Por isso, em conformidade com o art. 6.º/1 do RAU, que corresponde parcialmente ao n.º 3 do art. 1083.º do CC, em vez de se lhe aplicar o regime geral do arrendamento urbano, mormente a norma que impõe a vinculação do senhorio à renovação do contrato (art. 68.º/2), aplica-se-lhe, em primeiro lugar, o regime geral da locação civil (art.s 1022.º a 1063.º do CC) e, depois, o disposto no RAU, com as devidas adaptações, quanto a natureza e fim do contrato (art.s 2.º e 3.º), deteriorações lícitas (art. 4.º), disposições gerais sobre renda (art.s 19.º a 21.º), subarrendamento (art.s 44.º a 46.º), disposições de arrendamento para habitação (art.s 74.º a 76.º), incomunicabilidade do arrendamento (art. 83.º), transmissão por divórcio (art. 84.º), transmissão por morte (art. 85.º), renúncia à transmissão do arrendamento (art. 88.º) e comunicação ao senhorio (art. 89.º) – o. c., págs. 142 a 144.
Daí que o contrato, findo o prazo do arrendamento, se renove por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei (art. 1054.º).
A RL, por acórdão de 25.10.1968, JR, 14.º-782, citado por Abílio Neto, CC Anotado, 11.ª ed., pág. 800, decidiu que o senhorio de uma casa de praia, arrendada com destino a ser habitada nas épocas balneares e fins-de-semana, pode fazer cessar o arrendamento no fim do prazo por que foi contratado desde que denuncie o contrato com a antecedência estabelecida no art. 1055.º do CC.
Mas será que a aqui verificada continuidade do contrato durante décadas lhe retira a característica de transitoriedade?
Parece ser essa a ideia decorrente do acórdão desta Relação de 28.11.85, CJ X, 5, 177 a 180. Aí se expende a posição de que a transitoriedade está ligada, por natureza, a arrendamentos de pequena duração, apesar de não haver limites mínimos. A tónica, segundo o aresto, assenta, mesmo nos casos de duração mais longa do contrato, que não exclui a sua transitoriedade, em a sua vida se encontrar perfeitamente balizada, tendo em atenção o fim a que se destinou o arrendamento, ou seja, a sua razão de ser, mesmo sem um termo certo. E nota que a alínea b) do n.º 2 do art. 1083.º não estabelece qualquer temporalidade máxima aos arrendamentos para fins especiais transitórios, embora os emparelhe aos arrendamentos por curtos períodos. O que permite extrair da lei que curto período não é o mesmo que fim especial transitório, embora um arrendamento por curto período implique sempre a ideia de transitoriedade.
Mas veicula o entendimento de que a temporalidade não pode ser excessiva, para que não se confunda com um contrato normal.
Segundo o mesmo acórdão, a renovação automática do contrato que se impõe aos senhorios na generalidade dos arrendamentos urbanos, constitui uma medida social destinada a defender os inquilinos, para lhes garantir a estabilidade da sua vida doméstica ou profissional, não ficando à mercê do decurso de um prazo de arrendamento.
Ora, é precisamente este elemento que não existe no caso sub judice. Atentas as características do contrato celebrado, não existe qualquer fundamento para lhe estender a necessidade de defesa de que deve beneficiar um arrendamento para habitação permanente do inquilino.
Por isso se nos afigura mais ajustada a posição expendida no acórdão da RL de 19.6.1986, CJ XI, 3, 132-133, que doutrinou no sentido de aos arrendamentos referidos na al. b) do n.º 2 do art. 1083.º, não interessar o prazo de duração do contrato, mas a finalidade da locação, que é, nomeadamente, a de utilização do prédio por curtos períodos durante o ano, em épocas balneares ou de vilegiatura, considerando que a expressão «curtos períodos» se refere à duração da utilização da casa e não ao prazo contratual do arrendamento.
Se só nos arrendamentos vinculísticos é que o senhorio não pode resolver o contrato nos termos gerais, ficando vinculado a casos taxativamente enumerados na lei, como não pode denunciá-lo no seu termo de duração senão também em condições legalmente fixadas, porque se prorrogam automaticamente se o arrendatário não fizer uso em tempo da sua livre faculdade de denúncia (Pinto Furtado, Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, 2.ª ed., 119, citado por Aragão Seia, o. c., 132), e sendo o arrendamento em análise, para fins de veraneio e lazer, não vinculístico, parece admissível a denúncia pelo senhorio, dado que a situação em causa se inclui na previsão excepcional da alínea b) do n.º 2 do art. 5.º do RAU.
Na realidade, o n.º 1 do art. 5.º não se aplica a estes arrendamentos para habitação ocasional ou transitória do arrendatário, por oposição aos arrendamentos para residência permanente.
Neste tipo de arrendamentos, ou não é necessária denúncia, porque sendo pela época de praia, das termas, da neve ou pelo período de férias, se estipula logo o termo do contrato, que corresponde a uma dessas épocas, entendendo-se que a denúncia se efectuou por acordo no momento da celebração do contrato; ou fixando-se um prazo que abrange várias daquelas épocas e que pode ser renovado automaticamente se nenhuma das partes o denunciar, a denúncia pode fazer-se para o termo do prazo inicial ou de qualquer renovação – Aragão Seia, o. c., 137.
Tem todo o fundamento que um arrendamento para vilegiatura não esteja coberto pela mesma protecção do arrendamento para habitação permanente, na medida em que estão em causa locais que as pessoas apenas utilizam em certas épocas e períodos, para se afastarem da sua residência permanente e gozarem algum tempo de repouso.
Galvão Telles escreveu que a vilegiatura é algo de transitório, de duração curta ou relativamente curta, por implicar a ideia de sair por algum tempo do local onde habitualmente se vive, a fim de mudar de ambiente, sempre com uma finalidade recreativa – ibid.
Por isso, feito um arrendamento para vilegiatura, qualquer que seja o prazo de duração do contrato, o senhorio pode denunciá-lo, por se estar sob a alçada do art. 1054.º - ibid.
Reafirmamos que aquilo que há a frisar não é o tempo pelo qual dura o contrato, mas sim o fim para que foi celebrado, que conduz a uma intermitência temporal, ligada à transitoriedade da utilização.
Como diz o Autor que vimos citando, mesmo local, pág. 138, o carácter marcadamente excepcional torna indispensável que do título do contrato conste uma cláusula alusiva ao regime de vilegiatura. Ora, é a própria Ré, ao defender-se como o fez, alegando que o locado nunca foi para residência permanente mas para ser utilizado apenas nas férias e fins-de-semana, com conhecimento e concordância do senhorio, que trouxe aos autos essa finalidade de vilegiatura do contrato, cobrindo-o com o regime excepcional de possibilidade de denúncia.
O mesmo Autor, citando Pereira Coelho, l.c., diz que este refere que a substituição de ‘habitação por curtos períodos’ por ‘habitação não permanente’ no texto legal, veio consagrar a jurisprudência formada na legislação anterior, que entendia que arrendamentos ‘para habitação por curtos períodos’, na al. b) do n.º 2 do art. 1083.º, tanto eram os arrendamentos a que se marcava um curto período de vigência, como aqueles em que, embora o contrato tivesse sido celebrado por prazo normal, se estipulava que o arrendatário não teria residência permanente no local arrendado, mas só o utilizaria por curtos períodos de tempo. E assim, entendia-se que tanto a uns como a outros se não aplicava o art. 1095.º do CC. Nessa medida, o mesmo Prof. afirmava que a alínea b) tinha natureza interpretativa (art. 13.º do CC), aplicando-se aos arrendamentos anteriores a 15.11.1990.
À eficácia deste raciocínio não obsta o facto de se tratar de arrendamento celebrado na vigência do CC de Seabra, porque a lei, quanto a esta matéria, dispõe directamente sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento, abstraindo dos factos que lhe deram origem, por isso que se entende que abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor – 2.ª parte do n.º 2 do art. 12.º do CC.
Ainda se podia pretender que, porque é possível o arrendatário, face às exigências da vida moderna, ter duas residências permanentes, em diferentes localidades, era esse o caso. Todavia, para que essa situação seja admissível, é necessário que ambas sirvam, com paridade, para a instalação da vida doméstica, com sentido estável, habitual e duradouro – ibid. 360 -, o que, manifestamente, não é o caso, atenta a finalidade do arrendamento para vilegiatura.
Há que fazer referência ao disposto no art. 2.º/1-b) da Lei 55/79, de 15.9 (actual art. 107.º/1-b) do RAU, com alargamento do prazo para 30 anos e por referência ao art. 69.º/1 do mesmo diploma), que dispõe que «O direito de denúncia do contrato de arrendamento facultado pela alínea a) do n.º 1 do art. 1096.º do Código Civil também não poderá ser exercido pelo senhorio quando se verifique qualquer das seguintes circunstâncias: Manter-se o inquilino na unidade predial há vinte anos, ou mais, nessa qualidade».
Esta norma aparece manifestamente conexionada com o regime de denúncia dos arrendamentos vinculísticos, pelo que não pode ter aplicação nos que não beneficiam da correspondente protecção legal.
Na verdade, não está em causa um prédio em que o inquilino habite em termos de centralidade de vida doméstica, mas uma casa de vilegiatura. Ora, o que se pretende com a norma em causa, é a protecção do direito à habitação, enquanto exigência da dignidade humana e como direito fundamental de natureza social – art. 65.º/1 da Constituição. Circunstancialismo que não ocorre com uma casa de utilização esporádica.
Na sentença, ao dizer-se que se aplica o regime geral da locação civil e, citando Pereira Coelho, RLJ 125, pág. 260, que nada impede que tais arrendamentos possam ser livremente denunciados pelo senhorio findo o prazo do contrato ou da respectiva renovação, nos termos do disposto no artº 1055º, do C.Civil, solução que vale mesmo quanto aos arrendamentos anteriores a 15 de Novembro de 1990, pois a nova lei, que concedeu ao senhorio um tal direito de denúncia, dispõe directamente sobre o conteúdo da resolução locativa independentemente do contrato de arrendamento em que a mesma solução se originou - cfr. artº 12º, nº 2, 2ª parte, do C. Civil; ao mesmo tempo, que «nos arrendamentos dos prédios urbanos, em conformidade com a regra geral estabelecida no artº 1095º, do C.Civil, o senhorio não goza do direito de denúncia, considerando-se o contrato renovado se não for denunciado pelo arrendatário nos termos do artº 1055º, do C.Civil», regra que «comporta excepções, concretamente as enumeradas no artº 1096º,do C.Civil, segundo o qual o senhorio pode denunciar o contrato, para o termo do prazo ou da renovação, quando necessite do prédio para sua habitação ou para nele construir a sua residência, ou quando se proponha ampliar o prédio ou construir novos edifícios em termos de aumentar o número de locais arrendáveis - cfr. alíneas a) e b) do seu nº 1» e que «a denúncia do contrato de arrendamento exige o requisito de necessidade. A necessidade tem de ser real e actual, não se confundindo como uma maior comodidade e deve corresponder a uma intenção séria de fixar nela residência - cfr. a este propósito AC da RL de 01-03-1988, in c.j. 88, tomo 2, pág.53» e ainda que «dos autos, não resulta provado, por parte da A. (art.º 342, nº 1, do C.Civil), tal requisito de necessidade. Por outro lado, não logrou, igualmente, provar (artº 342º, nº 1, do C.Civil) qualquer uma das situações atrás descritas», pelo que «o pedido de denúncia por parte do senhorio deverá, igualmente, improceder», a sentença cometeu uma segunda nulidade, desta feita reportada à alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, na medida em que considera tratar-se de excepção ao regime vinculístico do arrendamento, para, depois, lho aplicar.
Por isso, constatando essa nulidade e cumprindo o art. 715.º/1 do CPC, há que admitir a denúncia do contrato pela A.
Por força do art. 6.º/1 do RAU, são aplicáveis as disposições dos art.s 1026.º (prazo supletivo de duração do contrato) e 1055.º (antecedência da denúncia).
Sendo a renda paga mensalmente, o prazo de duração do contrato é mensal, pelo que bastava à A. a comunicação da denúncia com a antecedência mínima de dez dias – al. d) do n.º 1 do art. 1055.º.
Face ao exposto, julga-se a apelação procedente e declarando-se nula a sentença, mas decidindo de mérito, nos termos do art. 715.º/1 do CPC, declara-se eficaz a denúncia operada pela A., para valer para o fim do mês seguinte ao trânsito em julgado deste acórdão, decretando-se o despejo do prédio identificado nos art.s 1.º e 4.º da p.i. e condenando-se a Ré a entregá-lo à A., livre de pessoas e coisas, nessa data, reconhecendo-se, ainda à A. o direito a perceber as rendas depositadas pela Ré, a partir de Dezembro de 2001, autorizando-se o seu levantamento.

Custas em ambas as instâncias pela Ré.

Porto, 9 de Março de 2006
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira