Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1618/08.9TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
AVALIAÇÃO FISCAL
RELEVÂNCIA
ARRENDATÁRIO COMERCIAL
PRESSUPOSTOS DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201302191618/08.9TJPRT.P1
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - O CIMI, ou a avaliação fiscal do mesmo resultante, pode ser considerado na avaliação do prédio expropriado, mas apenas como um critério entre muitos outros, como o inculca a norma do art° 28° n°1 CExp, nas suas diversas alíneas, ou os n°s 2 a 4 do art° 26° CExp.
II - Impugnando o recurso o montante atribuído a título de indemnização pelo encerramento temporário da empresa, não devem considerar-se, para tal efeito, como base de cálculo, os resultados líquidos do balanço global do ano de 2007, por se tratar do ano em que ocorreu a DUP; igualmente se não devem considerar os balancetes mensais dos meses anteriores à DUP, por integrarem mera escrita particular da empresa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Rec.1618/08.9TJPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha; decisão de 1ª Instância – 18/10/2012. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de expropriação por utilidade pública nº1618/08.9TJPRT, do 1º Juízo (1ª Secção) Cível da Comarca do Porto.
Expropriante – B….., SRU, …, S.A.
Expropriados – C…… e mulher D……, E…… e mulher F……, G….. e mulher H….., I…… e mulher J…… e K….. e mulher L…….
Interessados – M……, Ldª (arrendatária) e N….., S.A. (credor hipotecário).

Por deliberação do Conselho de Administração da Expropriante, de 31/08/2007, publicada no D.R. nº180, IIs., de 18/9/07, em execução dos Decretos Regulamentares nºs 54/85, de 12/8, 14/94 de 17/6, e 11/00 de 24/8 e D-L nº 104/2004 de 7 de Maio (artº 14º), foi declarada a urgência da expropriação, com posse administrativa imediata, de um prédio sito na freguesia da Sé, concelho do Porto, denominada parcela nº 18, relativa à reabilitação urbana da Unidade de Intervenção do Quarteirão das Cardosas, como prédio urbano, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº 683º (Sé), inscrito na matriz sob o artº 2344, localizado na Praça de Almeida Garrett, nºs 20 e 21.
Na decisão arbitral, relativa ao citado edifício, os árbitros avaliaram-na, de acordo com o disposto no artº 28º C.Exp., levando em conta o valor do solo da parcela e do construído (benfeitorias) e atribuíram por unanimidade ao referido prédio expropriado o valor de € 411 000, valor do solo e construção, como atrás referido; à interessada arrendatária, que desenvolvia no prédio actividade de restauração, foi atribuída a indemnização de € 554 000, soma dos sub-cálculos referentes a lucros cessantes, pagamentos a pessoal inactivo, perdas temporárias de clientela, deterioração de equipamentos e indemnização pelo diferencial de renda.
Por decisão judicial de 7/8/08, foi adjudicada a parcela em questão à Expropriante.
Após recurso da decisão arbitral, promovida pela Expropriante e pelos Expropriados, foi produzida prova pericial, concluindo com a apresentação de um laudo unânime, subscrito portanto por todos os cinco peritos indicados pelo tribunal e pelas partes, que entendeu ser a parcela de valorizar no total indemnizatório de € 415 928, através de uma média ponderada de três valores, dois deles com base no “método do custo” e um terceiro com base no “método do rendimento”; a indemnização à arrendatária foi avaliada em € 419.028, correspondente a diferencial de rendas, encerramento temporário, perda de clientes e mudança e deterioração de equipamentos ou existências.
Promovidas alegações finais, foi proferida sentença, na Comarca do Porto, na qual se julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos Expropriados proprietários, assim condenando a Expropriante a pagar aos Expropriados proprietários a quantia de € 415 928,00 e à Interessada arrendatária a quantia de € 419 028, quantias actualizadas de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, publicados pelo INE, com exclusão da habitação, até à data da sentença.
De tal decisão vem interposto recurso de apelação, por parte dos Expropriados e da Interessada.

Conclusões do Recurso:
I – Quanto aos Expropriados:
A – O valor patrimonial tributável fixado pelo Estado para o prédio expropriado foi de € 571 000.
B – Tal valor corresponde normalmente a 85% do valor de mercado.
C – Sendo que a justa indemnização devia ter sido fixada em € 671.000.
D – A douta sentença recorrida violou o artº 23º nºs 5 e 6 CExp.
E – Apesar das reclamações dirigidas aos Srs. Peritos que, estranhamente, não fixaram a justa indemnização tendo em conta tais parâmetros.
F – Não se compreendendo que o Estado, para efeitos fiscais, fixe um valor patrimonial tributável e, em sede de expropriação, pague um valor inferior a este.
II – Quanto à Arrendatária:
A – Os srs. Peritos não levaram em consideração o exercício final de 2007 (data da DUP) na fixação da indemnização, que é, pelo menos, o triplo da indemnização fixada em face do critério socorrido.
B – Sendo que, para tal cálculo, nada melhor do que se socorrerem das declarações fiscais feitas pela arrendatária ao fisco, para efeitos de IRC.
C – Apesar das reclamações deduzidas.
D – E do facto de a Recorrente ter oferecido como prova toda a contabilidade da Recorrente, até 2007 inclusive.
E – Sendo certo que os srs. Peritos se basearam, vá lá saber-se porquê, nas declarações fiscais de 2005.
F – Que jamais poderiam reflectir uma justa indemnização como critério, já que, para além do mais, toda a zona envolvente do prédio expropriado e a respectiva artéria estiveram sujeitos a longas intervenções de obras do Metro do Porto.
G – Que dela afastaram veículos, pessoas e turistas, como foi e é público e notório.
H – Nunca tal exercício de 2005 poderia ter sido elegido como critério de fixação da justa indemnização.
I – E que a douta sentença igualmente não ignorou.
J – Violando o artº 30º nº4 do Código das Expropriações.
K – E não venham os srs. Peritos no laudo de peritagem dizer que não atenderam aos elementos contabilísticos posteriores a 2005 por não se encontrarem no processo.
L – Além de não corresponder à verdade, toda a contabilidade da Arrendatária Recorrente foi oferecida como elemento de prova no processo.
M – Tendo inclusivamente a decisão arbitral logrado obter tais elementos, como resulta dos autos.

Por contra-alegações, a Expropriante contraria o fundamento das alegações dos Expropriados e Interessada arrendatária.

Factos Julgados Provados em 1ª Instância
1. Por deliberação do conselho de administração da “B….., S.A.”, publicada no DR ¾ ii série, de 18 de Setembro de 2007, foi declarada a utilidade pública e atribuído o carácter urgente da expropriação da parcela nº 18, correspondente ao prédio urbano, sito na Praça …., nºs .. e …, freguesia da Sé, concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2344 e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 683/20031023, em que são expropriados, na qualidade de proprietários, C…… e mulher D….., E…… e mulher F….., G….. e mulher H….., I….. e mulher J….., K….. e mulher L…… e, na qualidade de arrendatária, a firma “M….., Ldª” e interessado, na qualidade de credor hipotecário, o “N….., S.A.”.
2. O citado prédio é uma edificação característica de finais do séc. XVII, com paredes de granito resistentes, pavimentos e caixilharia em madeira, as paredes laterais são de meação com os edifícios contíguos. A cobertura é a quatro águas, com estrutura de madeira revestida a telhas cerâmicas e com as demais características constantes da Vistoria “Ad Perpetuam Rei Memoriam” (doc. junto a fls. 125 a 129, aqui dado por inteiramente reproduzido).
3. O aludido prédio situa-se na baixa da cidade do Porto, em zona central de comércio e serviços, no quarteirão das Cardosas, um dos mais emblemáticos e importantes quarteirões do centro da cidade, em virtude da presença do Palácio das Cardosas na sua fachada norte, fazendo a transição do centro histórico da cidade e a “Avenida”.
4. Fica próximo das redes de transportes urbanos de âmbito metropolitano e suburbano (estação ferroviária de S. Bento, rede de metro e autocarros dos S.T.C.P.) e de vários equipamentos públicos e privados, entre os quais a Câmara Municipal do Porto, ofertas de serviços culturais e de lazer.
5. O arruamento que serve o prédio dispõe de todas as infra-estruturas urbanísticas, estando classificado, segundo o Plano Director Municipal do Porto, publicado no D.R. nº 206, I Série B, de 6 de Setembro de 2000, em Áreas Históricas e o solo da parcela é classificado como solo apto para construção (art. 25, nº2, al. a), da Lei nº 168/99, de 18/09).
6. O prédio encontra-se em regime de propriedade horizontal, é composto por 5 pisos, águas furtadas e por uma anexo, com três pisos, inexistindo qualquer área livre no logradouro, sendo que o acesso aos pisos superiores se faz pelo r/ch.
7. O edifício principal tem configuração rectangular alongada, com uma frente de 4 metros e uma área coberta em planta com 53m2/piso e 41m2 das águas furtadas, ascendendo a área bruta total de 306m2.
8. O anexo tem uma área de implantação de 163m2 (incluindo a zona de transição), perfazendo um área bruta de 489m2.
9. O r/ch do edifício e do anexo encontra-se ocupado com o estabelecimento comercial, destinado a restauração, denominado “O….”, apresentando bom estado de conservação; o primeiro andar dos dois edifícios serve de apoio ao referido estabelecimento e também apresentava bom estado de conservação.
10. O restante prédio, incluindo as fachadas das traseiras, a cobertura, as escadas interiores e os pisos 2º, 3º, 4º e águas furtadas não têm condições de habitabilidade, devido ao seu deficiente estado de conservação.
11. À data da DUP o prédio encontrava-se arrendado à firma “M….., Ldª”, com sede na Praça …., ../.., no Porto, pela renda mensal de 971 euros (cfr. relatório pericial, junto a fls. 545 a 561, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
12. A entidade expropriante, no dia 31 de Agosto de 2007, deliberou tomar posse administrativa do prédio expropriado, - cfr. fls. 36 a 46.
13. Dão-se por reproduzidos todos os restantes documentos juntos aos autos.

Fundamentos
Em função das conclusões apresentadas pelos Recorrentes/Expropriados e Interessada, as questões que o recurso suscita são as de saber:
- se o valor indemnizatório a fixar aos proprietários deveria levar em conta o valor patrimonial tributável fixado pelo Estado, devendo a justa indemnização ascender a € 671 000;
- se se deveria ter levado em conta, na indemnização à arrendatária, as benfeitorias incorporadas, o pagamento da renda mensal dada como provada e os resultados apresentados ao Fisco, para efeitos de IRC, no ano de 2007, por se tratar da data da DUP, o que tudo considerado elevaria a indemnização fixada para o triplo do valor.
Vejamos então.
I
Começando pela indemnização fixada aos proprietários.
Por necessária ordenação de raciocínio, lembraremos aqui o disposto na norma do artº 24º D.-L. nº 104/2004 de 7 de Maio (diploma que regula as “disposições gerais sobre reabilitação urbana”), nos seus diversos números, e sob a epígrafe “indemnização”:
“1 – No cálculo do montante das indemnizações seguem-se os critérios previstos nos artigos 23º e seguintes do Código das Expropriações, com as especificidades constantes do presente artigo.”
“2 – O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública e deve corresponder ao valor real e corrente dos imóveis expropriados no mercado, sem contemplação das mais-valias resultantes da reabilitação da zona de intervenção e do próprio imóvel.”
“3 – Quando esteja em causa a expropriação de edifícios ou construções e respectivos logradouros, a justa indemnização deve corresponder ao valor da construção existente, atendendo-se designadamente aos elementos referidos no nº1 do artigo 28º do Código das Expropriações e ao valor do solo com os edifícios ou construções nele implantados”.”
“4 – Para os efeitos do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 28º do Código das Expropriações, na expropriação de edifícios ou fracções com contratos de arrendamento anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro, na redacção em vigor, o valor a considerar é o das rendas a valores de mercado e não o das efectivamente recebidas pelo expropriado.”
Ora, salvo o respeito devido pela necessidade de regulamentação das requalificações de áreas urbanas históricas, normalmente as áreas centrais das grandes cidades, em Portugal, algo que consiste num facto notório que nem nos caberia comentar, parece que este normativo, no que tange a fixação da “justa indemnização”, nos casos de expropriação de edifícios em zonas urbanas a requalificar, pouco ou nada adianta, salvo o muito e devido respeito, relativamente à lei geral das expropriações, considerados ainda os atinentes normativos constitucionais.
Sabe-se aliás, como ideia geral, que a justa indemnização a que se reportam os artºs 62º C.R.P., e 23º C.Exp. representa a expressão particular da indemnização por actos lesivos de direitos e pelos danos causados a outrem – não visará, desta forma, compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém do acto expropriativo, que forçadamente o priva do uso e fruição de um bem.
O artº 23º nº1 C.Exp., na densificação do conceito de “justa indemnização”, estabelece o princípio da ressarcibilidade do prejuízo causado pela intervenção forçada na esfera patrimonial do expropriado, prejuízo que, no caso do proprietário e dos interessados sem direito a indemnização autónoma, não pode ser inferior ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou com o seu destino possível, numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, atentas as circunstâncias e condições de facto nessa data existentes (Dr. Perestrelo de Oliveira, Código Anotado, Coimbra, 2ª ed., pg. 87). O artº 23º nº1, em conjugação com o nº5, remetem para o critério do valor venal do bem expropriado, mas temperado por uma situação não passada ou presente, mas simplesmente de normalidade económica de mercado.
Ora, é o indicado justo valor do bem que se procura atingir no processo expropriativo, vistos os seus sucessivos passos.
Como visto, o único critério que, a esse respeito, coloca os expropriados em condições de igualdade com os não expropriados, é o do valor de mercado do terreno, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo (ut Prof. Alves Correia, Revista Decana, 134º/233). O valor de mercado em sentido normativo afasta-se de um mero valor resultante do jogo da oferta e da procura, para o corrigir em função de exigências de justiça, seja reduzindo aquele (pela especial ponderação do interesse público), seja majorando-o, devido à natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo.
Outra interpretação, que não levasse em conta estas condicionantes seria inconstitucional, por violar o princípio da igualdade – artº 204º C.R.P.
Ora, encarar as avaliações fiscais urbanas como critério orientador da fixação do montante indemnizatório não apenas se afasta dos critérios legais supra expostos, como também, à luz dos mesmos critérios, constituiria um condicionamento, para mais ou para menos, da avaliação que não se poderia aceitar. Fixado valor tributário do bem, estaria fechada a discussão sobre o valor do mesmo, designadamente para quaisquer outros fins de intervenção do Estado ou das entidades públicas.
Tal fixidez não é de aceitar - o CIMI, ou o que da sua aplicação resultou em concreto, pode ser, é certo, considerado na avaliação do prédio expropriado. Todavia, desde logo na avaliação do valor dos edifícios, trata-se apenas de um critério entre muitos outros, como o inculca a norma do artº 28º nº1 CExp, nas suas diversas alíneas, ou dos nºs 2 a 4 do artº 26º CExp.
De resto, como se assinalou no Ac.R.C. 12/7/2011, in www.dgsi.pt, nº 1495/08.0YBCVL.C1, relatado pelo Desemb. Alberto Ruço, “os valores fiscais tendem a ser mais elevados que os resultantes do Código das Expropriações, pois no nº1 do artº 39º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis refere-se que “o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao custo médio de construção por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação, fixado em 25% daquele custo”, esta aliás a percentagem máxima do Código das Expropriações, e que pode ser ou não ser atingida.
Ignora-se, de resto, nos presentes autos, qual o iter avaliativo que se seguiu, para efeitos de fixação do valor tributário.
A construção jurídica que visse neste comportamento das entidades públicas uma forma de venire contra factum proprium padeceria de um artificialismo patente, pois não apenas são diversos os instrumentos jurídicos e legais aptos para a avaliação, como são diversos os fins que visam e naturalmente diversas as abordagens às matérias, as quais, obedecendo a regras, não possuem uma fixação aritmética prévia, de outro modo aparecendo excrescente a intervenção judicial.
Cumpre finalmente salientar que o “aproveitamento económico normal”, no cerne do conceito de justo valor indemnizatório por expropriação, e nos termos do “justo valor”, em sentido normativo, antes considerado, é preenchido conceptualmente por elementos que, primacialmente, se encontram na posse dos peritos, quer pela observação que fazem do local, quer pelos conhecimentos técnicos que possuem e que não são próprios do jurista – neste sentido, A.R.P. 4/11/04 Col.V/165 e Drs. Goucha Soares e Sá Pereira, Código das Expropriações, 1982, pg. 90.
No caso concreto, cumpre até dar nota de que todos os cinco peritos (incluindo aqueles que foram indicados pelas partes) subscreveram o laudo e os critérios de avaliação nele seguidos.
Acresce ainda que, salvo excepções devidamente fundamentadas, a avaliação é a prova rainha do processo de expropriação e, relativamente ao acórdão arbitral, possui a vantagem de ser efectuada em momento ulterior do processo, no qual a discussão dos factos, mais avançada, permite uma dilucidação mais completa da matéria em causa, acrescendo ainda o facto de nela intervirem um total de cinco peritos, ao contrário dos apenas três árbitros, na fase respectiva.
Frise-se o escrúpulo do laudo unânime, que partiu de três parâmetros de avaliação do valor do solo e das construções, para, obtendo a respectiva média, e justificando o resultado, fixar o valor proposto ao tribunal.
Igualmente se deve constatar que o valor atingido pelo laudo é muito semelhante ao que resultava já do acórdão arbitral (€ 415 928 vv. € 411.000).
Por todo o exposto, e salvo o merecido respeito pelo teor das doutas alegações de recurso, deverão as mesmas improceder, nesta parte.
II
Vejamos agora se se deveria ter levado em conta, na indemnização à arrendatária, as benfeitorias incorporadas, o pagamento da renda mensal dada como provada e os resultados apresentados ao Fisco, para efeitos de IRC, no ano de 2007, por se tratar da data da DUP, o que tudo considerado elevaria a indemnização fixada para o triplo do valor.
A questão das benfeitorias não nos parece adequadamente enfocada, com o devido respeito, designadamente se por tal se entendem as obras que a Interessada arrendatária realizou nas instalações do estabelecimento que explorava, a fim de o adaptar à exploração de cafetaria: na verdade, do total atribuído a título de “indemnização pela mudança e deterioração de existências”, a verba de € 15 000 foi atribuída para compensar “as obras necessárias à adaptação das novas instalações”, assim se cobrindo a previsão indemnizatória a que alude o disposto no artº 30º nº4 CExp, nada mais se podendo exigir a uma “justa indemnização” que cubra a mudança para novas instalações.
As rendas mensais que a Interessada pagava à data da DUP encontram previsão indemnizatória no montante atribuído a título de “indemnização pelo diferencial de renda”.
Finalmente, a mais relevante questão de saber se os peritos omitiram uma avaliação que levasse em conta o valor do exercício final de 2007 (data da DUP).
A questão prende-se com a verba atribuída a título de indemnização do encerramento temporário da empresa - € 6 114, para o laudo, € 27 699, para o acórdão arbitral.
O laudo invoca que os elementos relativos ao exercício de 2005 são os únicos completamente disponíveis no processo. De resto, mais justificam, sendo a DUP datada de Setembro de 2007, não poderia o laudo considerar o exercício completo de 2007.
O acórdão considerou um lucro anual de € 55 398; contrariamente, o laudo levou em linha de conta o valor dos resultados operacionais de 2005, referenciados a fls. 372 - € 12 228,25.
O acórdão reportou-se aos “elementos constantes do processo”, mas não esclarece que elementos são esses, em boa verdade – também não se retira das doutas alegações de recurso a concretização das páginas ou dos elementos do processo que invoca, nem pudemos apreciar que outros elementos existissem, para lá dos que ficaram disponibilizados de fls. 368 a 377.
De todo o modo, retira-se das doutas alegações que o objectivo da Interessada arrendatária seria que fossem levadas em linha de conta os resultados líquidos de 2007, por apenas nessa data a rentabilização do estabelecimento ter melhorado, e não antes.
Todavia, o facto de a DUP ter ocorrido em Setembro de 2007, e ser a essa referida data que se deve reportar a indemnização a atribuir nos presentes autos, implica que não se possa considerar o global da actividade económica da Interessada arrendatária, no ano de 2007, tal como consta das declarações que fizeram fé para efeitos de cálculo, v.g., de IRC. Qualquer cálculo ponderado que se reportasse à globalidade desse ano implicaria necessariamente a consideração de um período de tempo (do mês de Setembro em diante) que não pode valer para efeitos do cálculo da atribuição indemnizatória.
Por outro lado, os documentos constantes do processo, como o balancete de Junho de 2007, configuram-se como documentos particulares da escrita da empresa, como tal de muito menor valor probatório que os balanços anuais.
Como assim, não estando em causa para a Interessada o cálculo com base no apurado no ano de 2006, não há dúvida de que o laudo se houve dentro dos elementos de análise e apreciação que o processo continha, de apreciação segura e de maior valor probatório, sendo que fundamentou os respectivos cálculos, ao contrário, com o devido respeito, daquilo que consta do acórdão arbitral.
Como assim, também neste particular segmento indemnizatório, merece a douta sentença plena confirmação.

Resumindo a fundamentação:
I – O CIMI, ou a avaliação fiscal do mesmo resultante, pode ser considerado na avaliação do prédio expropriado, mas apenas como um critério entre muitos outros, como o inculca a norma do artº 28º nº1 CExp, nas suas diversas alíneas, ou os nºs 2 a 4 do artº 26º CExp.
II – Impugnando o recurso o montante atribuído a título de indemnização pelo encerramento temporário da empresa, não devem considerar-se, para tal efeito, como base de cálculo, os resultados líquidos do balanço global do ano de 2007, por se tratar do ano em que ocorreu a DUP; igualmente se não devem considerar os balancetes mensais dos meses anteriores à DUP, por integrarem mera escrita particular da empresa.

Decisão que se toma neste Tribunal da Relação, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição:
Na improcedência do recurso de apelação interposto pelos Expropriados e pela Interessada arrendatária, confirmar integralmente a douta sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 19/II/2013
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa (vencido nos termos de declaração que junto)
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DECLARAÇÃO DE VOTO

De acordo com o n.° 2 do art.° 26.° do CExp, as avaliações fiscais a considerar para o efeito de determinação do valor de mercado, real e corrente, do bem expropriado são as dos prédios vizinhos. No entanto, e apesar de não o dizer o legislador, caso o prédio expropriado tenha sido objecto de avaliação fiscal, por maioria de razão deve ser considerada a avaliação fiscal do próprio prédio expropriado. Com efeito, o actual Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (ClMl), aprovado pelo Decreto-Lei n° 287/2003, de 12 de Novembro, para entrar em vigor a 1 de Dezembro de 2003 (logo, já vigente à data da DUP) refere no seu no preâmbulo que o sistema de avaliações até então vigente (Códigos da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei n° 442-C188, de 30 de Novembro, e da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n°45104, de 1 de Julho de 1963) conduziu a “distorções e iniquidades, incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno e, sobretudo, a uma situação de sobretributação dos prédios novos ao lado de uma desajustada subtributação dos prédios antigos”. Refere ainda que, com o CIMI, “pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discncionariedade do avaliador”. Foi intenção declarada pelo legislador criar um sistema simples e menos oneroso, que permitisse uma rapidez muito maior no procedimento de avaliação. Daí o recurso a factores rígidos, complementados com zonamentos municipais específicos, correspondentes a áreas uniformes de valorização imobiliária, a que são aplicados, quanto a prédios urbanos, coeficientes iguais para todos os imóveis situados em cada zona homogénea do município, podendo variar conforme se trate de edifícios destinados a habitação, comércio, indústria ou serviços (art.° 42.° do CIMI). Embora tratando-se de filosofia algo diversa daquela que enforma o C.Exp., voltada para o valor real e corrente dos bens em situação normal de mercado, pode dizer-se é comum a ambos os diplomas a preocupação do legislador de fazer coincidir o valor dos prédios urbanos — num caso, o valor tributável, no outro o valor de substituição atribuído ao expropnado — com o respectivo valor de troca em situação normal de mercado. De tal sorte que, quando o Estado avalia patrimonialmente um imóvel para efeitos tributários, tal equivale a reconhecer que o imóvel é susceptível de ser transaccionado, no mínimo, pelo valor atribuído. Quando outras razões não existam, porque não se presume que o Estado deliberadamente sobreavalie o património imobiliário no intuito de delapidar o contribuinte, aumentando artificialmente a colecta.
Por aqui se vê que não é congruente por parte do Estado, ou de outro ente público interessado na respectiva receita fiscal, avaliar, num dado momento, o prédio urbano num determinado valor e pretender, posteriormerite, vê-lo adjudicado por valor inferior. A menos que a tal conduza algum concreto circunstancialismo ocorrido após a avaliação, designadamente relacionado com vicissitudes imprevistas do funcionamento do mercado ou com o estado de conservação do prédio, que a factualidade assente não reflecte.
Pelo exposto, assistindo razão aos recorrentes propnetários ao reagir contra a avaliação do prédio expropriado por valor inferior ao valor patrimonial tributável atribuído — anteriormente à DUP - para efeitos fiscais, de € 571.000, atribuir-lhes-ia tal valor indemnizatório.

João Carlos Proença de Oliveira Costa