Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0130224
Nº Convencional: JTRP00031488
Relator: COELHO DA ROCHA
Descritores: CESSÃO DE ARRENDAMENTO
SOCIEDADE
TRANSFORMAÇÃO
Nº do Documento: RP200103010130224
Data do Acordão: 03/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CIV OLIVEIRA AZEMÉIS
Processo no Tribunal Recorrido: 637/99
Data Dec. Recorrida: 07/14/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
DIR COM - SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional: RAU90 ART91.
CCIV66 ART1027.
CSC86 ART130 N1 N3.
Sumário: Não há cessão de posição contratual de um contrato de arrendamento quando a sociedade arrendatária altera a designação da firma e do objecto da sociedade, mantendo-se, no entanto, no âmbito da mesma sociedade (sempre com a mesma matricula na Conservatória do Registo Comercial e com o mesmo número de contribuinte).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em 1.7.1998, no -º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, Manuel......., casado, residente na R....., de ......., como administrador da herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de Graziela..., ocorrido em 8.7.1993, instaurou acção declarativa de condenação (despejo), com processo comum sob a forma ordinária, contra "S...., Lda", sediada na Rua....., da mesma cidade,
pedindo, ao abrigo do disposto no art. 64º, 1 b) e f), do RAU,
- se decrete o despejo do rés-do-chão do prédio inscrito na matriz urbana no art. 93 e omisso à Conservatória, onde a Ré se encontra sediada, que lhe foi dado de arrendamento,
- com a sua restituição ao Autor, livre de pessoas e bens, e no mesmo estado em que o encontrou,
porquanto
a Graziela (tia do A) e seus antepossuidores o adquiriram por usucapião, e como sua dona, em 1.10.1980, por documento escrito (cfr. a fls 10), pela renda de 12.000$00 mensais, e "destinando-se ao comércio da arrendatária", que, de início se traduzia na venda de loiças artísticas, vidros, bijutarias, livros artesanato e artigos para brindes, e agora está afecto a loja de venda de vestuário e bordados, por outrem, a quem a Ré cedeu a sua posição contratual, sem consentimento e autorização do senhorio.
Apresentou contestação "Am...., Lda", que anteriormente usava "S....., Lda", demandada pelo A
Invoca e explica que da matrícula de "S....., Lda", sediada na Rua....., em ......, da Conservatória do Registo Comercial desta cidade, facilmente verificaria o A que a sociedade usa, desde Novembro de 1992, outra firma "ut doc. de fls 38-45; facto que bem conhece.
Discrimina todas as alterações acontecidas, em tal lapso de tempo, quanto a sócios, firma e objecto da sociedade, publicitadas pelo Registo
Apenas dentro da lei, aconteceram tais alterações, da competência exclusiva dos sócios da sociedade, cuja alteração de nome apenas carecia de aprovação do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, e com que o senhorio nada tem a ver nem carecia de autorizar, mantendo-se o mesmo contrato e sociedade.
Por isso, não houve qualquer cessão de posição contratual.
E do documento escrito junto, se evidencia que o local arrendado se destina ao "comércio" em geral, que não a qualquer fim específico.
Daí que primeiramente estivesse afecto às loiças artísticas....; depois, entre Novembro de 1992 e Outubro de 1993, a comércio de pássaros e rações; e doravante até hoje, a comercialização de vestuário e bordados - com inteiro conhecimento e consentimento do A, que tem um estabelecimento comercial na mesma Rua e em frente ao da Ré.
E também não há qualquer violação do fim do contrato - art 1 027º, CC.
Sempre teria ocorrido a caducidade do direito de o invocar - art. 65º-1, RAU.
Subsidiariamente, porém,
a Ré discrimina obras no arrendado, que computa na cifra de 3.000.000$00; que reivindica, por pedido reconvencional do Autor; caso a acção não improceda.
Houve resposta do A,
- não aceitando a legitimidade da contestante sociedade, que não demandou;
- por ser facto continuado, inexiste caducidade do direito de pedir a resolução;
- insubsistentes são as obras que indica a Ré sociedade.
Conclui pela procedência da acção e improcedência da reconvenção.
Admitiu-se o pedido reconvencional.
Proferiu-se saneador-sentença:
- onde se legitimou a posição processual da contestante "Am......, L.da", em vez da demandada "S....., Lda", por inexistência da excepção arguida pelo A (na resposta) de ilegitimidade, dado a sociedade já não ter a firma como foi identificada, "ut" matrícula da Conservatória do Registo Predial, e a modificação subjectiva da instância acontecer, na permissão legal do art. 270º, CPrC (existência de acto "inter vivos" na relação substantiva em litígio):
e
- considerando-se estarem assentes os factos necessários à decisão; que sancionou a improcedência da acção, absolvendo-se a Ré dos pedidos;
- tendo-se por prejudicado o conhecimento
- da excepção da invocada caducidade do direito à resolução do contrato
- e do pedido reconvencional (art. 660º-2, CPrC).
Inconformado o A, interpôs recurso; em cuja alegação, conclui:
1.-O A alegou factos na sua petição inicial (itens 22 a 25), suficientes para integrar, por parte da Ré, a violação do disposto na alínea c), do art. 1038, CC;
2.-factos esses aos quais o Juiz "a quo" atendeu.
3.-Acresce que a R cedeu a sua posição contratual, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, violando o disposto no art. 334º, CC.
4.-pois a R nunca obteve autorização do senhorio, para poder ceder a sua posição contratual.
5.-Tão pouco, a R comunicou ao senhorio, dentro do prazo legal, ou posteriormente, a cessão da posição contratual.
6.-Violou, assim, o disposto no art 1038º, f) e g), citado.
7.-O M.mo Juiz "a quo", ao não se pronunciar sobre estas questões, violou tais disposições legais e, bem assim, o disposto na alínea d), 1, art. 668º, CPrC.
Contra-alegando, a Ré bate-se pela confirmação do julgado.
O Senhor Juiz considera "inexistir qualquer nulidade da sentença recorrida, por daí constar a apreciação de todas as questões que, no momento, cumpria e se podia apreciar, sob pena de manifesta contradição".
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Factos assentes:
-A).-Por contrato escrito, outorgado, em 1.10.1980, Graziela...... (como senhoria) declarou arrendar a "S....., Lda" (como inquilina), que aceitou, o rés-do-chão do prédio inscrito na matriz urbana no art.--, omisso à Conservatória, sito na Rua......., da cidade de ......; pelo prazo de um ano, renovável, a começar em 1.10.1980, mediante o pagamento da renda mensal de 12.000$00, em casa do senhorio, no 1º dia útil do mês anterior, ao que dissesse respeito; destinando-se o arrendado a "comércio da arrendatária, não podendo esta sublocar, ou ceder por qualquer outra forma os direitos de arrendamento, sem consentimento por escrito do senhorio, e devidamente reconhecido". Todas as obras interiores de conservação e limpeza são da obrigação da inquilina e as benfeitorias que fizer, sem autorização do senhorio, ficam pertencendo ao prédio, não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização. A parte arrendada deverá ser entregue ao senhorio, findo o contrato, em bom estado de conservação.... A 2ª outorgante fica autorizada a realizar as obras necessárias no quarto de banho..... Feito em triplicado, levando o exemplar destinado à Secção de Finanças (que recebeu, conforme carimbo no documento junto a fls 10 está aposto, de 7.1.1981) os selos devidos.
-B).-A Graziela faleceu, em 8.7.1993; e ainda não se procedeu à partilha dos seus bens.
-C).-A sociedade "S......, Lda" foi constituída por escritura pública, de 11.9.1980, no Cartório Notarial de ....., tendo por outorgantes Marcial...... e Manuel Julião......, tendo por objecto o comércio de loiças artísticas, vidros, bijutarias, livros, artesanato e artigos para brindes (fls 47, 48 cláusula 4ª, ss).
-D).-Por escritura notarial de ......., em 6.6.1986, Marcial...... cedeu a sua quota na sociedade a Manuel Julião......, Rui...... e Paula...... (fls 53 ss).
-E).-Por escritura outorgada em 9.11.1992, estes cessionários cederam as suas quotas na sociedade a José...... e Ilídio...... (fls 57 e ss).
-F).-Tendo estes José...... e Ilídio......, na mesma escritura, alterado a firma da sociedade de "S......., Lda" para " O P......, Lda" (fls 62).
-G).-E alterado o objecto da sociedade para venda de pássaros, de produtos para alimentação e artigos similares (fls 62, cláusula 3ª).
-H).-Por escritura notarial de ......, em 18.1.1993, Ilídio...... cedeu a sua quota a Maria Angélica...... (fls 64 ss).
-I).-Por escritura de ......, em 12.10.1993, José...... e a Maria Angélica cederam as suas quotas na sociedade a Avelino...... e a Maria Helena...... (fls 69 ss).
-J).-Tendo estes cessionários, na mesma escritura, alterado o pacto social, mudando a firma para "Ans......, Lda".
-L).-E alterado o objecto da sociedade, para a comercialização de vestuário e bordados (cláusula 3ª, fls 73).
-M).-Os actos referidos de C) a L) encontram-se registados na matrícula nº --- /--- da Conservatória do Registo Comercial de ..... "ut" documento junto a fls 39-46, cujo teor na íntegra se perfilha e para o qual remetemos.
-N).- Sendo a sociedade dotada de personalidade colectiva, portadora de cartão de identificação de pessoa colectiva com o nº ----- ( documentos referidos).
As partes invocam e aceitam, como não impugnam, os elementos documentais juntos aos autos, quer com a petição inicial quer com a contestação, e não põem em causa no seu teor os actos que eles, respectivamente, consignam.
Daí que reconheçam elas os beneficiários de tais actos jurídicos.
Entre o mais, consta dos factos assentes o teor da cláusula 3ª do contrato de arrendamento (fls 10), em que as partes acordam entre si que a parte do prédio arrendado "se destina a comércio da arrendatária".
Sabemos que, por imperativo legal do art. 1 038º-1, c), CC, é obrigação do locatário, não aplicar a coisa a fim diverso daquele a que ela se destina;
Fixado contratualmente, no caso, o fim do contrato, era e é o locado, para o exercício do comércio. Não mais; mas somente.
Claramente, decorre do art. 3º, do RAU, em consonância com o art. 1 027º, CC, que a vinculação de um contrato de arrendamento a um determinado fim, terá de resultar das cláusulas do contrato e das respectivas circunstâncias. De contrário, e salvo o disposto no art. 3º-2, do RAU (art. 1 086º-2, CC), poderá o locatário aplicar o locado a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza.
E o arrendamento urbano para o comércio existe, quando o arrendatário toma o prédio de arrendamento, para fins directamente relacionados com uma actividade comercial, seja uma actividade de mediação nas trocas ou circulação de riqueza (Pereira Coelho, Arrendamento, 1988, 41); afinal, de intermediário entre a produção e o consumo, com intuito especulativo.
Outro sentido da expressão "arrendamento destinado a comércio" não pode extrair-se; por ser o que caberia a um declaratário normal (art,s 236º e 238º, CC).
Daí que se tenha por irrelevante qualquer mudança no modo como é utilizado o locado, no tempo e objecto de comércio, desde que no contrato não esteja prevista uma determinada vinculação a um específico fim.
E no caso "sub judice" este não estava previsto.
Assim, irreleva, no caso, o facto de a sociedade Ré,
-enquanto usou a firma "S......, Lda" ter tido como objecto social o comércio de loiças artísticas, vidros, bijutarias, livros, artesanato e artigos para brindes;
-quando usou a firma "O P......, Lda", ter comercializado pássaros e produtos para a sua alimentação;
-e, hoje, usando a firma "Ans......, Lda", comercializar vestuário e bordados.
A cláusula contratual aberta ao "comércio" em geral, não restritiva a fim específico, assim lho consentia.
Não poderá falar-se, pois, com relevância, de tradição da loja primitiva e desvirtuamento das seguintes.
Consignado no contrato de arrendamento ajuizado que o exercício da actividade a exercer tem por finalidade (qualquer ramo de) o comércio, é sinal de que a arrendatária é livre de desenvolver qualquer ramo de negócio comercial no arrendado.
A Ré sociedade podia, como o fez, utilizar o arrendado para outro negócio, dos já apontados, sem necessidade de obter autorização do A/senhorio.
Daí que este, por aí e com este fundamento, não tenha direito à resolução do arrendamento, previsto no nº 1, b), do art. 64º, do RAU, por não ter violado o art. 1038º, c), CC.
Ainda que não conhecendo especificamente a 1ª instância deste fundamento (itens 22-25 p. i.), e incorrendo, por isso, em nulidade - art 668º,1, d), CPrC - não deixará este Tribunal "ad quem" de tal conhecer, nos termos em que o acaba de fazer.
Diz-se na sentença recorrida, entre o mais, que "os sócios da sociedade a quem foi o prédio arrendado, efectuaram diversas operações lícitas de transmissão (onerosa) das respectivas quotas e, usando igualmente da faculdade legal, alteraram a designação da firma e do objecto da sociedade, SEMPRE no âmbito da MESMA SOCIEDADE (sempre com a mesma matrícula na Conservatória do Registo Comercial e com o mesmo nº de contribuinte).
E não se poderá dizer que a primitiva locadora, e agora os seus herdeiros, disso não tivessem conhecimento, ou que não lhes fosse oponível, dado que todos esses actos efectuados, sobre a mesma sociedade, foram objecto de inscrição na respectiva matrícula da CRCom."
"Apesar da cessão de quotas e alteração da firma social,
-a sociedade continua a ser a mesma,
-mantém a mesma personalidade jurídica,
-é, consequentemente, titular dos mesmos direitos e obrigações - incluindo os decorrentes do contrato de arrendamento - porque se mantém «intocável» na sua identidade".
Plenamente de acordo com o que se acaba de transcrever.
A sociedade demandada e Ré, após as alterações apontadas e provadas, que sofreu, continua a ser a mesma; como o mesmo é o contrato que a constituiu.
O nosso direito positivo assim o comprova.
Para a sociedade por quotas - e têmo-lo como afloramento de princípio geral para as demais - alterações que com maior verosimilhança poderiam afectar a identidade da sociedade constituem simples alterações do contrato da mesma sociedade: mudança do objecto social, prorrogação da sociedade, transferência da sede para o estrangeiro; bem ainda no caso da transformação da sociedade - com toda a amplitude de sentido que a lei o consente, e máxima alteração que uma sociedade pode sofrer - é mudado o tipo de sociedade, e isso envolve necessariamente a substituição integral do tipo do contrato.
«As sociedades constituídas segundo um dos tipos enumerados no art. 1º-2, CSC, podem adoptar, posteriormente um ou outro desses tipos, salvo proibição da lei ou do contrato», "ut" art. 130º-1, ibidem.
Este normativo não deixa qualquer dúvida, quanto à possibilidade de a sociedade transformada não ser dissolvida.
Di-lo expressamente o seu nº 3 " A transformação de uma sociedade, nos termos dos nº anteriores, não importa a dissolução dela, salvo se assim for deliberado pelos sócios".
A regra do normativo mantém incólume a ideia afirmada, e justifica-a, de que a sociedade mantém a sua identidade, apesar da transformação.
Dir-se-á assim que a alterabilidade não encontra limites "ratione materiae", a não ser em leis imperativas, mesmo para a unanimidade dos sócios.
Neste caso, alterabilidade contrapõe-se a mudança de identidade..
A sociedade cujo contrato é alterado, permanece a mesma; o contrato alterado é ainda o mesmo contrato.
Procedendo, no decorrer do tempo, a alterações separadas, pode atingir-se em certo momento a completa reformulação do contrato inicial. Como no caso, as alterações sucessivas (e não importará que aconteçam num só momento, sobre todo o contrato) não inquinam, face à lei vigente, a realidade de que o contrato e a sociedade são os mesmos.
É a consagração da teoria da identidade ou da continuação da personalidade jurídica da sociedade transformada, já defendida na legislação anterior por António Caeiro, in Temas de Direito das Sociedades, pág. 229 e ss.
Por isso, assim, também poder-se-á dizer que as alterações objectivas correm parelhas com as alterações subjectivas, sabido que a mudança total dos sócios não altera a identidade das sociedades; como assim, pela modificação da natureza jurídica desta, apenas decorre uma alteração do contrato, decorrente da substituição do objecto.
Daí que à verificação de alterações do contrato de sociedade se imponha a sua formalização por escritura pública, instrumento revestido de fé pública. Isto porque interessam elas a todos os sócios e ao público em geral, quer para a eventualidade de ingresso na sociedade quer para a futura entrada em relações com a sociedade, na simples qualidade de terceiros.
Somente o CSC é que veio estabelecer, entre nós, um regime jurídico específico e adequado para o instituto da transformação das sociedades, que - segundo Pupo Correia, in Direito Comercial, 1999, pág. 567 - "consiste na modificação do tipo legal adoptado anteriormente pela sociedade, a qual continua a existir, mas sob um novo tipo. Assim se manifesta a genérica susceptibilidade de o ente societário sofrer modificações, até muito profundas, sem perder a sua identidade".
Sustenta-se que é a teoria da personalidade jurídica que melhor explicará a permanência da identidade duma dada sociedade em certas alterações tão graves da sua estrutura como é a transformação da sociedade (ainda que de certo tipo em sociedade de tipo diferente).
A transformação da sociedade será assim uma simples mutação no substracto da pessoa colectiva, não repercutível na personalidade social (G, Ferri, Le societá, 1971, pág 665).
Assim, a justificação da permanência social da continuação da sociedade, na sua identidade fundamental, através da transformação ou alteração do pacto social, ao presente, melhor se espelhará com a unitarização legal.
Refira-se, singelamente ainda, que as sociedades, além doutros, têm de inscrever-se no ficheiro central das pessoas colectivas, a cargo do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, sendo-lhes atribuído um número nacional de identificação sequencial de nove dígitos, ficando ainda obrigados à posse de cartão de identificação válido (art.s 9, 10,23 e 55, do Dec Lei nº 144/83). Como ainda a tal instituto cabe o registo de denominações; e cumprindo-lhe mais latamente assegurar o respeito pelos princípios da "exclusividade" e da "verdade" tanto das "firmas" como das "denominações sociais".
Daí que as escrituras de constituição de sociedades...de modificação de firmas ou denominação, de alteração de objecto... não possam ser lavradas sem a apresentação pelos interessados do certificado emitido pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas da admissibilidade da respectiva firma ou denominação (art. 37, ibidem).
Patentes são as várias alterações sofridas pela sociedade Ré, ente jurídico, com direitos e obrigações, independente dos seus sócios; quer relativamente a estes, quer quanto à firma quer quanto ao fim.
Em si mesma, porém, a sociedade continua a mesma, pelas razões que atrás se deixaram expostas.
Assim, o fundamento da acção que a A invoca da cessão da posição contratual para outrem, com previsão na alínea f), do art. 1 038º, CC não se verifica no caso.
Em seu entender (da apelante), teria sido a Ré demandada "S......, Lda" (item 17), que teria efectuado a cessão da sua posição no locado da A à "Am......, Lda" (que refere no item 18), sem consentimento por escrito do senhorio, devidamente reconhecido (item 19-21, todos da p. i.).
Verdade é porém, que tais circunstâncias alegadas não há sequer provadas, que permitam consubstanciar tal invocação de direito.
Confrontados com a matrícula da sociedade "S......e, Lda" (fls 29-45), na Conservatória do Registo Comercial de......, nº---/-----, nela se pode ler:
«Sociedade nº ----.
Firma – S......, Lda
Número de identificação de pessoa colectiva : --------
Apresentação --/----- - averbamento - - alterada firma "O P......, Lda"
Ap. -- /----- - Av. 2 - alterada .- firma "Am......., Lda"
E depois segue todo o relato discriminado dos actos jurídicos seguintes, respeitantes à sociedade em causa, nas diversas alterações quanto ao objecto, sócios e firma, que os factos atrás assentes denotam.
Na sequência e confronto de tudo quanto fica referido, podemos tirar a ilação de que a sociedade que contratou com a Graziela, tia falecida do A, é a mesma que ali se encontra hoje; é a mesma pessoa colectiva/sociedade que contratou com aquela, apesar de hoje ter sócios, firma e objecto diferentes.
Sem dúvida que na vida própria da sociedade Ré não interfere a senhoria A
Só aos seus sócios cabe deliberar sobre os seus específicos problemas sociais, em conformidade com a lei e que mereçam a aprovação registral, se for caso disso ("ratione materiae").
Sobre tal, enquanto terceiro, o A não tem que se sentir beliscado.
Antes, tem de aceitar a legitimação da Ré sociedade, enquanto evolutiva, e os parâmetros legais lho consentem.
Para situações jurídicas diferentes, necessariamente que decorrerão consequências diferentes.
Se, no caso, não ocorre trespasse, não ocorre cessão de posição contratual do locado, não pode o A/senhorio extrair e beneficiar de efeitos que destes institutos decorrem.
Antes, à situação jurídica ocorrida, no caso, se tem de amoldar; dela não podendo tirar mais ou outros efeitos jurídicos que não os que daí "ex lege" decorrem.
A valorar, somente os factos tidos por provados e articulados pelas partes, com as ilações que dentro deles se comportam - art. 664º, CPrC.
Só porque, primitivamente, a sociedade funcionava com a firma "S......, Lda" e agora a mesma sociedade (como decorre do que expusemos) comercializa com a firma "Ans......., Lda" é motivo para que o A invoque como fundamento da acção de despejo uma cessão de posição contratual, para cuja verificação não invoca pressupostos seus consubstanciadores.
Antes, dos factos assentes e inerentes à vida da sociedade, de uma só e a mesma sociedade - nº ---- - sempre com a mesma matrícula comercial nº ---- / -----; e sempre com o mesmo número de identificação de pessoa colectiva - ---------, decorre que, no caso, tal instituto jurídico não ocorre.
A pessoa colectiva que contratou com a Graziela, tia falecida do A, em 1980', é a mesma que ali se encontra hoje - a sociedade nº----, não obstante os seus sócios, firma e objecto terem com o decurso do tempo sofrido alterações.
Factos estes internos e da vida da sociedade modificados, a coberto e no regime vigente e positivo do CSC; com os quais a senhoria nada tem a ver, por a eles ser alheia.
Na sua impugnação do julgado defende o A/apelante que " o que existiu entre a Ré e a sociedade que actualmente se encontra a ocupar o locado foi uma cessão de posição contratual".
Será assim ?
Consiste esta figura da cessão da posição contratual, no negócio pelo qual um dos outorgantes, em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático, transmite a terceiro, com o conhecimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advierem desse contrato (art. 424º-1, CC e A Varela, Das Obrigações em Geral, II, pág 347).
Dos factos provados não resulta que a sociedade tenha renunciado aos seu arrendamento, para propiciar a outrem (que não ela mesma) um novo contrato desse tipo com o senhorio.
Bem se diz "a quo" que o que, no caso, ocorre, foi que os sócios da sociedade a quem foi o prédio arrendado, efectuaram diversas operações lícitas de transmissão (onerosa) das respectivas quotas e, usando igualmente da faculdade legal, alteraram a designação da firma e do objecto da sociedade, SEMPRE no âmbito da MESMA SOCIEDADE.
Consequentemente, e pelo exposto, não é de subscrever, por falta de factos e de ilações decorrentes da matéria factual provada, a qualificação jurídica deste invocado fundamento de causa de pedir na acção.
Na verdade, o senhorio nada pode fazer quanto à situação assim criada pela sociedade arrendatária. Esta actuou licitamente, no quadro das circunstâncias desenhadas, sem que haja violação alguma ao contrato de arrendamento por sua parte, por inexistirem os dois fundamentos da causa de pedir, invocados pela A
Apesar da alteração do objecto social, sempre a mesma sociedade se tem dedicado ao comércio (apontado como o fim do contrato de arrendamento); e apesar das alterações dos sócios e firma, a sociedade arrendatária persiste a mesma, pois jamais se dissolveu (art. 130º-3, CSC).
Há, pois, identidade ou continuação da personalidade jurídica da sociedade transformada. Esta, com nova firma, não constitui uma sociedade diferente e distinta da que adoptava a firma anterior, arrendatária do rés-do-chão. É titular dos mesmos direitos e obrigações, incluindo os decorrentes do contrato de arrendamento, porque se mantém "intocável" na sua identidade.
O instituto do abuso do direito por parte da Ré sociedade arrendatária não ocorre, pois, no caso, que prima pela ausência de factos articulados e provados que o preencham.
As alterações a que a sociedade Ré procedeu ao longo dos 18 anos de vida são perfeitamente normais, naturais, possíveis e lícitas na vida das sociedades, por regulamentadas no CSC e constarem do registo comercial, e para lhes ser dada a publicidade devida, conforme atrás já expusemos.
Não se pode pois, inquinar a actuação da Ré sociedade, em qualquer das vertentes previstas no art. 334º, CC, nomeadamente por ter excedido os limites impostos pela boa fé. Usando do direito , não se mostra que dele tenha abusado.
Da omissão do conhecimento de tais questões "a quo", impunha-se que "ad quem" acontecesse, o que se faz, e na forma que fica expressa; se bem que elas não possam proceder.
Não será até descabido dizer-se que, desde o início do contrato de arrendamento (1.10.1980) até à data da propositura da acção (1.7.1998) jamais o senhorio pôs em causa o ramo de comércio que a sociedade arrendatária, sucessiva e diferentemente, no locado aí foi desenvolvendo - loiças, pássaros e vestuário - ainda que sempre emitindo recibos de renda em nome da firma primeira "S......, Lda" (doc. fls 11; itens 17 p i e 20 contestação); não obstante a publicidade advinda da sua matrícula na Conservatória respectiva local, e da vivência do quotidiano, facultar o conhecimento intuível de que a sociedade arrendatária até à data da propositura da acção, alterara a firma ou denominação social umas duas vezes, para "O P......, Lda", em 9.11.1992, e para "Ans......., Lda", em 12.10.1993.
Bem se poderá dizer que o comportamento passivo anteriormente tido pela exercente Autor/senhorio contradiz o exercício da posição jurídica que ora é tomada na acção, pedindo o despejo da inquilina /sociedade arrendatária.
Na óptica e hermenêutica perfilhadas, bem se poderá dizer ("ut" art. 664º, CPrC), que o exercitar desta acção, em tais circunstâncias por parte da senhoria, traduzirá um "venire contra factum proprium".
Não ocorrem, pois, os factos-fundamento que integram a causa de pedir desta acção resolutiva do contrato de arrendamento, não tendo a sociedade arrendatária/Ré que comunicar à senhoria A as alterações sociais a que procedeu; nem esta tinha, por ser terceiro, que nelas consentir.
Na medida do exposto, improcedem as conclusões da alegação do recurso.
Termos em que se decide:
-da nulidade da sentença recorrida, pela omissão de pronúncia das questões que devia ter conhecido, e não conheceu (art. 668º-1 d), CPrC);
Porém, não deixando de conhecer do objecto da apelação (art. 715º-1, ib),
-julgar esta improcedente por não provada
-e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela A /apelante.
Porto, 1 de Março de 2001
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos