Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10004/09.2TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIME DE INFRAÇÃO A REGRAS DE CONSTRUÇÃO
CONDUTA CULPOSA
PERIGO CONCRETO
CAUSALIDADE ADEQUADA
NEXO DE IMPUTAÇÃO
Nº do Documento: RP2013103010004/09.2TDPRT.P1
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REENVIO DO PROCESSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para a verificação do crime de infracção a regras de construção, p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a) e nº 2, agravado nos termos do artigo 285º, todos do Código Penal, não basta apurar se a conduta culposa dos arguidos de eventual infração de regras de construção é causa da verificação de um perigo concreto para a vida, e da ocorrência da morte da vítima em questão.
II – É necessário apurar ainda se para essa verificação e essa ocorrência possam ter concorrido outras causas por se tratar de facto relevante para decidir do nexo de imputação objetiva, bem assim para determinação da medida concreta da pena (e até de eventual responsabilidade civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr10004/09.2TDPRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso do douto acórdão da 2ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia que a condenou, pela prática de um crime de infração de regras de construção, «p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a), e nº 2, agravado nos termos do artigo 285º, todos do Código Penal, por referência ao artigo 6º, nº 6, e anexo 1, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29 de Outubro, e ao artigo 10º, nº 1, da Portaria nº 101/96, de 3 de abril», na pena de dez meses de prisão, substituídos por trezentos dias de multa, à taxa diária de cinco euros.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«I - A arguida B… foi condenada como autora material de um crime p. e p. pelos artigos 277º, n.º 1. al. a) e n.º 2 e remissão ao artigo 285º,todos do C.P., por referência ao artigo 6º, n.º 6 e Anexo 1, n.ºs 1 e 3 do D.L. 273/2003, de 29.10 e ao artigo 10º, n.º 1 da Portaria 101/96, de 03.04;
II - O n.º6 do art 6.º do DL 273/2003 não existe, pelo a Arguida não poderá ser condenada com base numa norma inexistente, pelo que deveria ter sido absolvida;
III - DL 273/2003 de 29.10 não prevê a responsabilização dos técnicos de higiene e segurança no trabalho, categoria profissional da arguida;
IV - A descrição das funções da arguida, indica expressamente que, no âmbito das suas funções de Técnica de Higiene e Segurança no trabalho cabia-lhe auxiliar a equipa de obra [directores, adjuntos e encarregados) […] na prevenção e análise de riscos, na definição de procedimentos de segurança adequados aos risco e na verificação e implementação na obra das medidas de segurança.”;
V - Conforme o já referido anteriormente a arguida recorrente foi condenada pelo tribunal recorrido, como autora material de um crime p. e p. pelos artigos 277°, n.º 1. al. a) e n.º 2 e remissão ao artigo 285°, todos do C.P. por referência ao artigo 6°, n.º 6 e Anexo 1, nºs 1 e 3 do D.L. 273/2003, de 29.10 e ao artigo 10°, n.º 1 da Portaria 101/96, de 03.04.
VI - Analisando o acórdão condenatório, entende a recorrente, no seu modesto parecer, que os elementos de prova constantes do processo, corretamente apreciados, segundo as regras da experiencia, impunham decisão diferente quanto à matéria de facto.
VII - O julgador ao apreciar livremente a prova, ao procurar atingir a verdade material, deve observância às regras da experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controlo (cfr Ac, do Tribunal Constitucional 1165/98 de 19 de Novembro, BMJ 461, 93).
VIII - Visto o acórdão recorrido, à luz da citada jurisprudência, este enferma de vício que resulta do texto conjugado com as regras da experiência comum,
IX - No entender da aqui recorrente a douta sentença julgou mal a matéria de facto porque considerou provado, no ponto 14 da matéria de facto que "No local não existia qualquer indicação de perigo ou de proibição de passagem"
X- Elemento este essencial para o preenchimento do tipo legal do crime pelo qual a arguida recorrente foi condenada pelo tribunal recorrido.
XI- Considerou-se provado este facto, sem o apoio dos indispensáveis elementos de prova, cometendo-se assim um erro notório de apreciação da prova.
XII - Tal matéria encontra-se erradamente julgada, porquanto, da prova produzida em audiência de julgamento não é possível afirmar, sem qualquer margem para dúvidas, que o facto supra referido resulte como provado.
XIII - Quanto aos factos provados, o tribunal recorrido baseou a sua fundamentação, em parte, nas declarações prestadas Arguida B… e nos depoimentos, de várias testemunhas, incluindo a testemunha C… e D…, desempenhando estas testemunhas funções de fiscalização na obra onde ocorreu o acidente;
a) Quanto ao depoimento da Arguida:
XIV - No que toca ao depoimento da Arguida, o tribunal recorrido limita-se a indicar que a mesma confessou parcialmente os factos de que vinha pronunciada, não fazendo uma exposição, ainda que concisa dos motivos que fundamentaram a convicção do tribunal.
XV - Ao longo seu depoimento, a Arguida esclareceu o tribunal, que no dia do acidente existiam indicações de caminhos de circulação permitida e indicação de proibição de passagem nos acessos ao local do acidente, conforme consta da ata de audiência de julgamento do dia 18 de Abril de 2012, nas declarações prestadas entre as 11 h29m e 16s e com fim 11 h39m e 22s, mais concretamente no entre os 00:02: 18 e os 00:03:24 da gravação);
XVI - Ao não levar em consideração o depoimento da arguida, nesta parte, o tribunal recorrido erradamente julgou a prova produzida.
XVII - Caso o tivesse feito, tal resultaria na inexistência do ponto 14 da matéria de facto, o que implicaria a absolvição da arguida.
b) Quanto ao depoimento das testemunhas:
XVIII - Quanto ao depoimento de C…, o tribunal recorrido considerou que o mesmo depôs de forma livre e credível quanto às formas possíveis de aceder ao local.
XIX - Esta testemunha dúvidas não teve, que à data dos factos, existia sinalização de proibição de passagem no acesso ao local onde se verificou o acidente.
XX - A mesma testemunha confirmou, ainda, a existência de fitas delimitadoras que impediam a circulação, de quem quer que fosse, na zona do acidente, conforme depoimento constante da ata de audiência de julgamento do dia 09 de Maio de 2012, nas declarações prestadas entre as 11h18m e 24s e com fim 11hh49m e 12s, mais concretamente no entre os 10m17s e os 19m18s da gravação.
XXI - Quanto ao depoimento de D…, o tribunal recorrido considerou que o mesmo depôs de forma livre e convincente quanto aos acessos possíveis de se aceder ao local em causa.
XXII - Esta testemunha, no seu depoimento também confirmou a existência de um sinal de proibição de passagem na porta do interior do edifício que dava acesso ao local do acidente.
XXIII - A testemunha esclareceu o tribunal da localização exata onde se encontravam as fitas delimitadoras que vedavam o acesso de pessoas ao local onde se verificou o acidente, tendo confirmado a sua existência antes da ocorrência do mesmo(o depoimento consta da ata de audiência de julgamento do dia 09 de Maio de 2012, nas declarações prestadas entre as 12h01 m e 9s e com fim 12h17m e 8s. mais concretamente no entre os 05m29s e os 14m da gravação).
XXIV - O trabalho desempenhado por estas testemunhas na obra em causa, era fiscalizar a segurança da obra e, consequente implementação no terreno do plano de segurança, conhecendo bem o trabalho desempenhado pela arguida.
XXV - Nunca foi imputada à arguida pelos seus superiores hierárquicos qualquer violação das funções que desempenhava. Sendo estas testemunhas ficais do trabalho da arguida, impunha-se valorar de forma diferente do que fez o tribunal recorrido, o que as mesmas constataram do trabalho da arguida.
XXVI - No Processo Penal vigora o Princípio da livre apreciação da prova, contudo, a mesma não pode, nos termos da jurisprudência do Tribunal Constitucional, ser " ... arbitrária, discricionária ou caprichosa." (Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 1165/98 de 19 de Novembro; BMJ, 461, 93).
XXVII - O tribunal recorrido não considerou como provado o supra referido depoimento da arguida, apesar de haver prova consistente da sua veracidade, prestada por entidades que no dia-a-dia acompanhavam o trabalho desempenhado pela arguida, violando assim, a decisão recorrida este princípio consagrado no Código do Processo Penal.
XXVIII - O tribunal recorrido, ao julgar como julgou não submeteu a um exame crítico, toda a prova produzida em audiência de julgamento.
XXIX - Não o fez quanto à referida prova testemunhal nem quanto à prova documental, com prejuízo para a aqui recorrente.
c) Quanto à prova documental:
XXX - O tribunal recorrido deu como "provado que só após o acidente foram implantadas novas medidas de segurança com vista a assegurar os riscos de queda de objetos que consistiram, designadamente[...] na criação uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização", não tendo em conta que se tratou de uma medida como excecional (pag. 289 destes autos).
XXXI - O correto enquadramento excecional das medidas de delimitação, referidas no documento, confirma que não houve, por parte da arguida recorrente qualquer violação dos seus deveres profissionais, nem do plano de segurança.
XXXII - Principalmente tendo em consideração que, como supra referido, o local do acidente estava com acesso delimitado e sinalizado como sendo de acesso proibido.
XXXIII - Estamos assim, perante uma contradição insanável quanto à prova produzida, nomeadamente, pelas testemunhas supra referidas e o ponto 14 da matéria considerada provada no doutro acórdão, que foi incorretamente julgado.
XXXIV - O tribunal recorrido ao decidir como decidiu violou a alínea c) do n.º 2 art. 410.° do C.P.P.- existindo um erro notório na apreciação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, nomeadamente, as declarações prestadas pela arguida e dos depoimentos das testemunhas C… e D….
XXXV - Ao considerar-se corretamente a referida prova testemunhal. a decisão do tribunal recorrido, quanto ao ponto 14 da matéria de facto provada, terá de ser no sentido de "No local existia indicação de perigo e de proibição de passagem".
XXXVI - Devendo também dar-se como provado o ponto 2. da matéria de facto não provada, referida na contestação da arguida B…: "que o local onde se verificou o acidente estava vedado".
XXXVII - Impugna-se assim a decisão sobre o ponto 14 da matéria de facto dada como provada.
XXXVIII - O supra citado ponto 14 da matéria de facto é fundamental para a responsabilidade penal da arguida, dado que nos termos das regras de experiência comum, caso tivessem sido respeitadas as indicações de segurança constantes na obra, o acidente fatal não teria ocorrido.
XXXIX- Nos termos da prova supra referida, a conduta da Arguida B… foi no sentido de assegurar o cumprimento exigível das normas de segurança, fazendo constar da porta de acesso ao local do acidente a proibição de passagem, bem como colocando fitas a proibirem a circular pelo acesso exterior, cumprindo assim, as suas responsabilidades profissionais de auxiliar a equipa de obra, na prevenção de riscos e na implementação na obra das medidas de segurança, não praticando assim o crime pelo qual foi condenada pelo tribunal recorrido.
XL - Pelo que, foram assim violados os artigos 127.° e 410 nº2 c), ambos do Código do Processo Penal.»

E… veio também interpor recurso do douto acórdão da 2ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia que o condenou, pela prática de um crime de infração de regras de construção, «p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a), e nº 2, agravado nos termos do artigo 285º, todos do Código Penal, por referência ao artigo 6º, nº 6, e anexo 1, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29 de outubro, e ao artigo 10º, nº 1, da Portaria nº 101/96, de 3 de abril», na pena de dez meses de prisão, substituídos por trezentos dias de multa, à taxa diária de oito euros.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:
«1.º O presente Recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do Douto Acórdão proferido nos presentes autos que condenou o Recorrente E… como autor material de um crime p. e p. pelos artigos 277.º, n.º 1. al. a) e n.º 2 e remissão ao artigo 285.º, ambos do C.P., por referência ao artigo 6.º n.º 6 e Anexo 1, n.ºs 1 e 3 do D.L. n.º 273/2003, de 29/10 e ao artigo 10.º, n.º 1 da Portaria n.º 101/96, de 03/04.
2.ºO Tribunal a quo considerou como provada factualidade que, no humilde entender do aqui Recorrente, não deveria ter sido valorada.
3.º Assim, a matéria de facto foi erradamente avaliada, com prejuízo para o Recorrente.
4.º Tendo em conta os meios probatórios documentais constantes do processo, os depoimentos das Testemunhas em audiência de julgamento e a fundamentação de facto do Douto Acórdão, a Decisão Recorrida teria de ser obrigatoriamente diferente.
5.º O Tribunal a quo desconsiderou factos que foram coerente e consistentemente referidos por diversas testemunhas, o que não se afigura razoável, baseando a sua convicção apenas no depoimento das testemunhas de Acusação, tendo inclusive desabonado prova documental inequívoca junta aos autos e prova testemunhal coincidente com esta.
6.º Muitas foram as contradições entre os depoimentos das Testemunhas e entre alguns destes e a prova documental junta aos autos, pelo que se gera inevitavelmente “dúvida razoável”. Isto é, se muitos dos factos que o Douto Acórdão dá como provados permanecem obscuros, a prova que resulta não tem força suficiente para sustentar a condenação do Recorrente, existindo uma inadmissível prova dúbia, uma não-prova.
7.º Deste modo, e salvo o devido respeito, a Douta Decisão a quo violou as alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P.: está patente uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, bem como erro notório na apreciação da prova, pretendendo-se a reapreciação da prova gravada.
8.º O Tribunal a quo violou também o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., pois que não se pode confundir este princípio com apreciação arbitrária da prova, e muito menos com a mera impressão gerada no espírito do Julgador pelos diversos meios de prova ou com a clara dúvida que se gera, fruto da contradição entre os diversos testemunhos e entre alguns destes e a prova documental.
9.º A Douta Decisão recorrida viola também o disposto no art.º 355.º do C.P.P. uma vez que não valem em julgamento provas que não tiverem sido produzidas em audiência. Ora, se foram dados como provados factos sobre os quais paira a dúvida, não podia o Tribunal a quo tê-los considerado. Ao fazê-lo, cai no âmbito da proibição de valoração da prova, consagrada naquele artigo do C.P.P..
10.º O Douto Acórdão recorrido, face às contradições da prova e respectivas dúvidas suscitadas, viola, naturalmente, o n.º 2 do art.º 32.º da C.R.P. – princípio do in dubio pro reo, já que o Recorrente, in casu, deveria ter sido absolvido.
11.º Assim sendo, resumem-se as contradições de prova no seguinte:
Da leitura das conclusões do Inquérito de Acidente de Trabalho da A.C.T. (fls. 159 a 160), temos que: “Considerando os elementos e factos disponíveis conhecidos não é possível concluir de um modo sustentado sobre o qual ou quais as causas mais próximas que terão estado na base do acidente. Mesmo assim,… Poderá dizer-se que na base do acidente estiveram como causas mais próximas: Falhas ao nível da avaliação dos riscos, associadas à falta de organização das zonas de circulação de pessoas e ainda em conjugação, ao nível de falhas em matéria de formação e informação quanto a movimentação manual e mecânica de cargas, eventualmente associadas a alguma, eventual, falha humana.”
12.º Ora, o Inquérito da A.C.T. nada prova, pois é totalmente inconclusivo relativamente às causas do acidente: não consegue afirmar com um grau de certeza razoável os motivos que estão na origem do acidente e até se “inventam” hipóteses para possíveis causas do acidente, quando se pretende uma avaliação isenta e rigorosa sobre as razões do sinistro. Dizer-se que “não é possível concluir de um modo sustentado sobre o qual ou quais as causas mais próximas que terão estado na base do acidente” é inconclusivo, mas aceitável. Comentar-se que “Mesmo assim,… Poderá dizer-se (…)” é tecer suposições erróneas, que em nada contribuem para o apuramento da verdade fáctica subjacente ao sinistro, culminando na sua não-prova.
13.º Parecendo-nos plausível, tendo por base as regras de experiência comum e o posicionamento do Homem Médio, pode ter ocorrido uma “falha humana”, suscitando-se uma eventual responsabilidade por parte dos trabalhadores que manuseavam os rolos de impermeabilização. Vejamos:
14.º Na Decisão Instrutória consta que: “Mais ficou ainda apurado que (…) Quando o impermeabilizador F… retirava mais um rolo e o pretendia pousar na cobertura, deixou-o escapar, entrando em rolamento sobre si mesmo, progredindo ao longo do declive, galgando o murete de protecção do telhado com cerca de 20 m, e acabou por atingir o sinistrado na cabeça, que nesse momento passava no local. O F… tentou ainda apanhar (segurar) o rolo, mas devido ao dispositivo de segurança que o prendia ter desbloqueado não conseguiu (…).”
15.º Atentando no Relatório de Acidente de Trabalho do Empreiteiro (fls. 78 a 82, no ponto 4 de fls. 78), temos: “4. Descrição do Acidente – Durante o acondicionamento dos rolos de tela no cume da “shed” nos trabalhos de impermeabilização, subitamente um dos rolos escapou-se das mãos do trabalhador que os acondicionava, originando prontamente a sua rolagem no plano inclinado para a periferia da laje, vencendo pela velocidade adquirida a barreira existente (murete de betão) precipitando-se de cerca de 10 metros de altura indo atingir um trabalhador que por azar circulava no local.”
16.º No mesmo documento, no ponto 7 de fls. 80, concluiu-se que: “A queda do rolo foi motivada pelo acidental escorregamento das mãos do trabalhador que gerou, pela inclinação da laje (shed) de 26º, um movimento acelerado de rodagem, motivando o galgamento da orla (rodapé) do murete de bordadura.”
17.º Mais se refere no artigo 48.º do Pedido de Indemnização Cível/Acusação das Assistentes que: “Em segunda linha são responsáveis os dois trabalhadores que retiravam os rolos da grua – G… e F… – e ainda o gruísta – H… – por terem retirado o rolo do meio da linga e o terem desprendido do gancho da grua, sem que previamente tivessem a acautelado a sua imobilização e colocação no telhado, como naturalmente se exigia, a fim de evitar a queda desse rolo.”
18.º Também o Relatório de Averiguação do Perito da I…, a fls. 87, refere que: “- o gruísta H… como se encontrava em plano superior ao shed vê que o trabalhador que descarregava os rolos ao pousá-lo na cumeeira deixou escapar um das mãos e o rolo começa a rolar, galgando o murete de protecção do shed, este com 20 cm de altura, e caindo ao solo foi embater no sinistrado que ali caminhava. (…) Pelo que se constata o trabalhador da J… que deixou escapar o rolo das mãos não é devidamente identificado no relatório do acidente feito pela K… no entanto pelo que se depreende das declarações prestadas pelas testemunhas, terá sido o Impermeabilizador de 2.ª F… que deixou cair o rolo.”
19.º E a fls. 90, consta que: “Factos Provados – Factos Apurados – Aquele rolo tela de impermeabilização pesa 40 kg e terá fugido das mãos de um funcionário da J…, Lda – F…, Impermeabilizador que o desprendia da grua de serviço. Os rolos estavam a ser descarregados na cumieira e o F… deixou escapar um desses rolos das mãos e este rola pelo telhado devido à inclinação acentuada e ultrapassa o murete da barreira de protecção e atinge o sinistrado que passava pelo local para se dirigir a outro ponto da Obra. (…) Apurou-se que a Firma J…, Lda foi a responsável pelo acidente e dado que tem apólice de Responsabilidade Civil Geral – L… – ………, o sinistro deverá ser remetido a reembolso.”
20.º Ainda a fls. 102, aquando das declarações da Testemunha H…, lemos que: “A pedido dos homens dos trabalhos de impermeabilização transportava um conjunto de rolos de tela asfáltica na grua, coloquei-os na cumieira da shed, enquanto um dos 2 trabalhadores descarregava o material, o outro trabalhador segurava no material. Acontece que um dos rolos que o trabalhador estava a descarregar no momento em que este o pousava na cumieira escorregou-lhe das “mãos”. Vi o rolo, rolar pela shed, até ao ponto em que na cabine da grua onde me encontrava, deixei de ver como e onde caiu. Só me percebi que poderia ter havido qualquer problema porque vi um dos 2 trabalhadores a correr na cobertura.”
21.º No despacho de arquivamento, a fls. 203, relata-se que: “(…) No momento em que retirava mais um rolo e procurava pousar na cobertura, o impermeabilizador F… deixou-o escapar, levando o rolo a entrar em rolamento sobre si mesmo e progredindo ao longo do declive e depois de galgar o murete de protecção do telhado, com cerca de 20 cm de altura, foi atingir o sinistrado na cabeça, na altura em que passava por baixo. O F… ainda procurou apanhar o rolo mas não o conseguiu por o dispositivo de segurança que o prendia ter bloqueado e imediato ao ser esticada a linha de vida que o segurava (…)”
22.º Ora, se o facto provado n.º 18 da Douta Sentença Recorrida é: “No momento em que os dois trabalhadores retiravam mais um rolo, um dos rolos caiu sobre o telhado, entrando em rolamento sobre si mesmo, progredindo ao longo do declive, galgando o batente aludido no ponto 13) dos factos provados e acabou por atingir o sinistrado M… na cabeça, que nesse momento passava no local.”, embora não se densifique, resulta patente a possibilidade de existência de erro humano: o escorregamento acidental das mãos do trabalhador F…, que manuseava o rolo.
23.º Assim, não se entende como se pôde responsabilizar o aqui Recorrente por estes factos.
24.º Esta vertente de “falha humana” não foi correctamente analisada em julgamento: existe clara contradição entre a prova documental e alguma da prova testemunhal – aliás é bom de ver que as Testemunhas G… e F… (os trabalhadores que procediam aos trabalhos em cima do telhado) não quiseram comprometer-se, respondendo de forma evasiva ou atrapalhada às questões ou “fechando-se em copas”.
25.º Aliás, as declarações que ambos prestam em sede de Relatório de Averiguação do Perito da I… são expressão disso mesmo:
a) Declarações de G…, a fls. 98 - “(…) no momento em que estavam a ser retirados os dois últimos rolos, um deles sem, que fosse possível prever, deslizou em diagonal pela placa avançando o rebordo desta, com uma altura de 10 cm, caindo no solo.”
b) Declarações de F…, a fls. 99 - “(…) no momento em que estavam a ser retirados os dois últimos rolos, um deles sem, que fosse possível prever, deslizou em diagonal pela placa avançando o rebordo desta, com uma altura de 10 cm, caindo no solo. Devido a estar preso com os dispositivos de segurança necessários para o desempenho desta tarefa, concretamente linha de vida, JRG e arnês, ao tentar apanhar o rolo situação que provou um esticou, bloqueando de imediato que os prendia (…)”
26.º Efectivamente, os depoimentos de G… e F… estão envoltos em grande ansiedade e nervosismo, comportamento típico de quem tem algo a esconder e se sente culpado, em nada contribuindo para testemunhos credíveis. Porém, a gravação não mente e as contradições e as inverdades são facilmente apuráveis. 27.º Estabelece-se no PTRE n.º 10 (verso de fls. 285), no item “Acções de Prevenção/Protecção - lesões musculo-esqueléticas” que: “Os trabalhadores não devem movimentar cargas superiores a 30 kg.”, sendo que cada rolo de impermeabilização possui 40 kg, conforme resulta designadamente do facto provado n.º 2 do Douto Acórdão: “(…) foi atingido por um rolo de tela de impermeabilização que caiu do telhado do dito edifício, com cerca de 40 kgs,(…)” e do Relatório de Averiguação do Perito da I…, a fls. 90: “Factos Provados – Factos Apurados – Aquele rolo tela de impermeabilização pesa 40 kg(…)”.
28.º Ora, facilmente se constata que cada rolo só pode ser descarregado por dois trabalhadores em simultâneo, ajudando-nos, neste particular, a Testemunha H… quando afirma peremptoriamente que pousava, através da grua, um conjunto de rolos de impermeabilização (em média, dez de cada vez), na cumeeira do telhado e enquanto um trabalhador segurava nos rolos, o outro tirava-os da grua[1].
29.º O facto provado n.º 17 da Douta Decisão: “(…) cabendo a cada um dos referidos trabalhadores retirá-los um a um do meio da linha (…)” também o revela: dúvidas não restam de que foram incumpridas, pelos trabalhadores, regras procedimentais patentes no Plano de Segurança e PTRE 10 da obra, sem que o aqui Recorrente tivesse disso conhecimento – os trabalhadores carregavam sozinhos rolos de 40 kg!
30.º Acontece, porém, que G… e F… afirmam o contrário[2], ou seja, que pegavam os dois nos rolos. De facto, este discurso é-lhes muito conveniente: não esqueçamos que estes trabalhadores foram constituídos arguidos no presente processo e depois, inexplicavelmente, não foram pronunciados em sede de decisão instrutória.
31.º Ora, se nos esforçarmos por tentar visualizar os trabalhos de descarregamento dos rolos, socorrendo-nos das regras de experiência comum, chegamos inevitavelmente à conclusão de que a versão da Testemunha H… é a mais coerente: Se dez (ou mais) rolos são pousados através de uma grua na cumeeira de um telhado, será, naturalmente, necessário ficar alguém a segurá-los, sob pena de todos eles rolarem pelo telhado; enquanto uma outra pessoa os recolhe e os coloca, fora da grua, na dita cumeeira, a aguardar que sejam necessários para efectuar os trabalhos de impermeabilização propriamente ditos. Logicamente que, carregando um rolo de 40 kg sozinho, o trabalhador teria mais probabilidade de o deixar cair… E ainda que os trabalhadores carregassem os rolos os dois (um de cada lado), isso significava deixar todos os rolos em desequilíbrio na cumeeira do telhado… como, aliás confessa F…[3].
32.º Não se concedendo outro raciocínio, mas ainda assim, este aspecto teria permanecido na dúvida, o que não sucedeu, tendo o depoimento da Testemunha H… sido completamente desconsiderado pelo Douto Tribunal a quo.
33.º Atentemos noutra contradição: a Testemunha G… refere que tiravam os rolos das “correntes”[4] da grua enquanto a Testemunha F… refere “cinta”[5].
34.º Ora, no Inquérito de Acidente de Trabalho da A.C.T., no ponto 8.3 de fls. 154, refere-se que: “Os rolos de tela eram transportados, até ao local pela grua, utilizando-se para a lingagem, uma linga têxtil” e pela observação das fotografias n.º 5, 6 e 7, a fls. 158, claramente se vê tratarem-se de correntes. De facto, relativamente a um simples dispositivo, ninguém se entende…
35.º Mais: a Testemunha G… afirma terminantemente que nenhum dos dois trabalhadores tinha tocado no rolo que caiu (este ainda se encontrava pousado no telhado, não tendo ainda sido retirado da grua), quando um pouco adiante diz “Pegámos naquele rolo”[6]. Por sua vez, a Testemunha F… assegura que um dos rolos que estava solto (já pousado pelo trabalhador no telhado, fora da grua) é que caiu, mas mais adiante afirma também que não tinham ainda pegado no rolo que caiu, tendo este deslizado…[7]
36.º Ora, a Douta Sentença considera como provado no facto n.º 18: “No momento em que os dois trabalhadores retiravam mais um rolo, um dos rolos caiu sobre o telhado (…)”, não densificando este facto, limitando-se a referir que “caiu sobre o telhado”…
37.º Outra incoerência: a propósito da colocação/retirada dos guarda-corpos, a Testemunha G… refere que existiam guarda-corpos, mas não sabe quem os mandou retirar, nem consegue afirmar com certeza quando isso ocorreu[8]; enquanto a Testemunha F… refere que nunca viu guarda-corpos e mais à frente no seu depoimento refere que acha que havia guarda-corpos no início…[9]
38.º Pelo supra exposto, claro fica que existiu um escorregamento acidental do rolo das mãos do trabalhador F… Todos os documentos mencionados, produzidos nos dias seguintes ao acidente, bem como as declarações prestadas à data, são muito mais credíveis por serem baseadas em “memória fresca”, com um diminuto desfasamento temporal dos factos. Declarações estas que estão em contradição com os depoimentos comprometidos em audiência de julgamento das duas testemunhas. No mínimo, uma vez mais, se gera a dúvida de saber como caiu efectivamente o rolo, logo nada poderia ter sido assente sobre esta matéria.
39.º O Tribunal a quo deu também como provado o facto de os rolos serem depositados em cima do telhado “aos pares” (facto provado n.º 17), baseando a sua convicção apenas no depoimento da Testemunha G… (quando referiu, a título de exemplo que “vinham dois rolos”), desconsiderando por completo que logo de seguida a mesma testemunha refere “nós levámos onze”[10] e chega mesmo a referir que “nunca vinham dois (…) vinham sempre ou 10 (…)”[11]; uma vez mais o Tribunal a quo desvaloriza o depoimento de testemunhas que informam que cada carregamento tinha uma média de dez/onze rolos, por exemplo F… afirma que transportavam 11 rolos[12] e H… declara que a grua levava “aí uns 10 rolos”.[13]
40.º Refira-se outra contradição decorrente dos depoimentos das testemunhas G… e F…, contrastando com H…: Os dois primeiros afirmam que o terceiro (gruísta) não tinha visibilidade sobre o telhado (local de descarregamento)[14], quando mais à frente a Testemunha F… já hesita e diz “não sei especificar bem”[15]. Sucede que H… veementemente assegura que tinha visibilidade sobre o telhado, não tendo apenas visibilidade sobre o solo[16], corroborando as suas declarações no Relatório de Averiguação emitido pelo Perito da I… a fls. 87.
41.º Face a toda a firmeza e coerência que H… imprime no seu discurso, não entende o aqui Recorrente a desconsideração do seu depoimento, não podendo o Tribunal a quo ter dado como provada a factualidade constante no n.º 16: “(…) uma vez que o mesmo não tinha visibilidade do local.”
42.º Acresce que, está estabelecido no ponto 7 do PTRE 10 (fls. 286) item “Mão-de-obra directa”, que os trabalhos de impermeabilização deveriam ser executados por uma “equipa de 3 (três) trabalhadores”.
43.º Considerando que cada trabalhador só poderia carregar 30kg e cada rolo pesava 40kg, tinha de haver obrigatoriamente um trabalhador a segurar/estabilizar os rolos em cima da cumeeira e os outros dois a procederem ao descarregamento efectivo dos mesmos. Ou seja, só com três trabalhadores em cima do telhado as condições de segurança para a execução dos trabalhos de impermeabilização estariam asseguradas.
44.º Ora, como é bom de constatar, este requisito foi também incumprido: estavam somente dois trabalhadores a executar os trabalhos em cima do telhado, como resulta claro da prova produzida em audiência.[17] É por demais evidente que as testemunhas G… e F… diriam sempre, como disseram, que tinham descarregado os dois o rolo da grua; contudo, ainda assim, estariam em incumprimento do PTRE, que indica uma equipa de três pessoas em cima do telhado.
45.º Esta factualidade é secundada pelo Inquérito de Acidente de Trabalho da A.C.T., no seu ponto 8.5, a fls. 154: “Operações em curso no momento do acidente - Os dois trabalhadores adstritos às operações de revestimento /isolamento do telhado, sobre o telhado e em equipa, procediam à recepção dos últimos rolos necessários para o isolamento daquela última parte do telhado (shed).” bem como pelos elementos fotográficos n.º 5, 6 e 7 do Inquérito, a fls. 158, em que estão visíveis apenas dois trabalhadores em cima do telhado, aquando da simulação da recepção dos rolos.
46.º Ainda a factualidade provada n.º 16 confirma este incumprimento da norma do PTRE: ”(…) os dois trabalhadores que se encontravam no telhado (…)”.
47.º Em consequência, fica manifestamente abalado o depoimento das testemunhas G… e F…, cujas declarações, em seu próprio benefício e temendo ainda alguma responsabilização no processo, estão feridas de subjectividade e falsidade.
48.º Acresce a tudo o exposto que todos os trabalhadores tiveram formação, a nível da segurança, ministrada pela arguida B… pelo que o comportamento dos mesmos é inadmissível: sabiam que estavam a incumprir as normas do PTRE n.º 10; estavam a executar os trabalhos só os dois, quando deviam estar três trabalhadores; sabiam que não podiam carregar um rolo de 40 kg sozinhos e sabiam que não existiam na altura guarda-corpos colocados; enfim…a sua conduta é claramente negligente e revela indubitavelmente falha humana grave no acidente em causa, sem que para essa falha tenha contribuído, sob qualquer forma, o aqui Recorrente.
49.º Tendo existido, por parte dos trabalhadores, infracção às normas de segurança pré-estabelecidas, não pode ser imputada qualquer responsabilidade decorrente deste incumprimento ao aqui Recorrente.
50.º Da análise do PTRE n.º 10 (fls. 284 a 287) com facilidade se retira que todos os riscos inerentes às tarefas de Isolamento e Impermeabilização estão contemplados no mesmo, numa perspectiva de garantia das condições de segurança de todos os trabalhadores, bem como de anulação/prevenção de eventuais riscos. Nomeadamente:
“2.2.2 – Coberturas
Antes do início desta tarefa serão tomadas em consideração os seguintes aspectos:
- Assegurar acessos adequados à cobertura através de escadas torre ou escadas de madeira com guarda-corpos;
- Antes do início dos trabalhos, deve ser efectuada a verificação das protecções periféricas;
- Verificação e colocação de protecção colectiva em falta; (…)
NOTA: - Em todas as coberturas sempre que possível, serão colocadas protecção colectiva em toda a periferia, com os respectivos guarda de protecção. No caso de serem removidos devido ao trabalho a executar, os trabalhadores devem dispor de protecções individuais anti-queda, nomeadamente arnês de segurança ligado a um ponto sólido ou a linha de vida. As protecções devem ser retiradas gradualmente e somente nas zonas a impermeabilizar. (…)
NOTA: Todos os colaboradores afectos a estas actividades deverão receber formação / informação relativamente a este procedimento específico e (…)” (Cfr. verso de fls. 284 e fls. 285)
51.º Se ficou demonstrado que o batente/murete existente na estrutura do edifício “não se destinava a evitar a queda de objectos” (facto provado n.º 13), conclui-se inevitavelmente que o guarda-corpos é a peça fundamental de segurança capaz de reter o rolo, conforme consta do facto provado n.º 11 do Douto Acórdão: “Tal “guarda-corpos” protegia quer a queda dos trabalhadores que trabalhavam no telhado, quer a queda de objectos a partir desse local”.
52.º No facto provado n.º 8 da Douta Decisão recorrida refere-se que: “(…) constava um “guarda-corpos” com rodapé, que em data não apurada, mas antes da conclusão da obra foi sendo retirado gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos, porque com ele colocado não era possível concluir os mesmos.” Porém, da prova produzida em audiência de julgamento, não se conseguiu apurar quem mandou retirar (ou quem retirou) os guarda-corpos e quando foram estes retirados.
53.º Uma coisa é certa: foram retirados antes do tempo e nada o faria prever. Até porque o Recorrente desconhecia que tinham sido iniciados os trabalhos de impermeabilização e só foi disso informado no dia do acidente, por causa deste[19], dado que não se encontrava permanentemente em obra e era avisado das situações através trabalhadores que lá se encontravam em permanência.
54.º Logo, se o que está estabelecido no PTRE 10 é que: “As protecções devem ser retiradas gradualmente e somente nas zonas a impermeabilizar.” facilmente se afere que esta norma foi incumprida.
55.º O Recorrente desconhecia também que os guarda-corpos haviam sido retirados antes dos referidos trabalhos em concreto. Isto é: o descarregamento dos rolos de impermeabilização não implica a retirada das protecções periféricas. Somente aquando da efectiva impermeabilização do telhado e na fase final da mesma é que seria necessário retirar os guarda-corpos paulatinamente, à medida que fosse sendo colocado o remate final (última fiada de tela).
56.º Da observação das fotografias juntas ao processo, facilmente se constata esta factualidade, o que não foi, uma vez mais, correctamente aferido pelo Tribunal a quo.
57.º Pertinente seria que os guarda-corpos tivessem sido mantidos no local até pela função de “confiança” que transmitem: se algum rolo escorregasse ficaria retido neles.
58.º Uma vez que apenas consta do facto provado n.º 8 da Douta Decisão recorrida que: “Dessas medidas, inicialmente constava um guarda-corpos com rodapé, que em data não apurada, mas antes da conclusão da obra foi sendo retirado gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos, porque com ele colocado não era possível a sua conclusão.”, resta apurar de quem foi a infeliz ideia de retirar e/ou mandar retirar a totalidade dos guarda-corpos antes dos trabalhos de impermeabilização em concreto e antes dos trabalhos de remate final. Quando e em que fase foram retirados os guarda-corpos é imprescindível para a descoberta da verdade material.
59.º Deste modo, com o devido respeito, concluímos que o Tribunal a quo desconsiderou por completo o depoimento de todas as Testemunhas, acerca deste assunto, tendo considerado como provados os factos n.º 20: “A arguida B… sabia que os “guarda-corpos” tinham sido retirados do local onde estavam a ser realizados os trabalhos de impermeabilização.” e n.º 21: “Os arguidos sabiam que, na execução da obra, se estavam a realizar trabalhos de impermeabilização.”, pelo que enferma, o Douto Acórdão, do vício de insuficiência da matéria provada para a decisão e erro notório na apreciação da prova, consagrados nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P..
60.º Ainda assim, o facto de se considerar provada a factualidade n.º 21 não implica que o Recorrente tivesse sido avisado da retirada efectiva do guarda-corpos e do dia em que ocorreriam os trabalhos de impermeabilização. Até porque, existindo várias frentes de obra, estes trabalhos são descontínuos e estavam suspensos por um período considerável de tempo. Este facto também não foi densificado. É ainda de referir que o facto provado n.º 20 só à arguida B… diz respeito.
61.º Não ignoramos o facto provado n.º 9: “Nesse plano de segurança inicialmente constava no item “identificação de riscos” que não foram encontrados riscos de queda de objectos a partir do telhado.”. Efectivamente, não foram identificados riscos especiais a nível de queda de objectos do telhado, porque estava prevista a colocação de guarda-corpos a tempo inteiro e a sua retirada só aquando dos remates finais da tela. Precisamente para cumprir a sua missão é que os guarda-corpos são constituídos por três tábuas horizontais: as duas superiores para evitar quedas em altura e a inferior (rodapé) para evitar a queda de objectos, conforme ficou provado sob o facto n.º 11[20] e se pode observar nas fotografias juntas aos autos.
62.º Pertinente se acha também apurar a imprevisibilidade do infeliz sinistro. A Testemunha N… refere[21] peremptoriamente a imprevisibilidade da queda do rolo na diagonal, o que é corroborado pelo Relatório do Perito da I… e pelos depoimentos das Testemunhas G… e F…[22], em que ambas afirmam: “(…)um deles sem, que fosse possível prever, deslizou em diagonal pela placa(...)”.
63.º Acontece que o Inquérito de Acidente de Trabalho da A.C.T. no seu ponto 8, a fls. 154, refere que o trabalhador “foi colhido por um rolo de tela asfáltica que caiu do telhado, na perpendicular do local onde naquele, preciso, momento se encontrava.”, o que é contraditório com o referido pelas três Testemunhas supra referidas. A credibilidade do referido Inquérito da A.C.T. fica, mais uma vez, abalada e esta questão, salvo o devido respeito, mereceria melhor atenção por parte do Tribunal a quo, até pelas questões de direito que implica.
64.º Cumpre salientar também que, ao longo dos trabalhos, existiram diversas advertências, por parte da Coordenação de Segurança (na pessoa do Recorrente), relativamente a incumprimento de procedimentos na obra, prova expressa de que o aqui Recorrente estava atento a todos os pormenores da obra[23].
65.º Outras questões que importava apurar com clareza são: se o local do acidente era ou não local de passagem? E se o trabalhador sinistrado incumpriu indicações de proibição de passagem?
66.º Efectivamente, aquando do descarregamento dos rolos de impermeabilização não era previsível que o trabalhador sinistrado, ou qualquer outro, se encontrasse naquele perímetro. Inexplicavelmente, o trabalhador encontrava-se naquela zona vedada à circulação, para cujo acesso foi necessário transpor uma porta anti-pânico, com um sinal de proibição de passagem aposto (da parte de dentro), conforme se pode apurar da prova produzida.[24]
67.º Deste modo, salvo o devido respeito, não é verídica a factualidade descrita no n.º 2 do Douto Acórdão recorrido: “(…) numa zona de passagem adstrita a vários locais de trabalho existentes no interior da obra (…)”, pelo que nunca poderia ter sido, esta, dada como provada.
68.º Não se consegue descortinar o que estaria o trabalhador a fazer naquele local, uma vez que não era zona de trabalhos, mas sim local de entulho, e inexistiam quaisquer bebedouros ou casas-de-banho a que se tivesse, eventualmente, deslocado. Aliás, o facto provado n.º 23 assim o refere: “não existiam na altura quaisquer trabalhos a decorrer.” [25]
69.º Os trajectos da obra estavam assinalados com setas verdes e naquele local estas não existiam, naturalmente, conforme referido em audiência de julgamento.[26] Este facto deveria ter sido convenientemente apurado.
70.º Embora este evento tenha tido o desfecho trágico que o Recorrente profundamente lamenta, o trabalhador não deixa de ter a sua quota de responsabilidade no fatídico acontecimento. Também este facto deveria ter sido densificado pelo Tribunal a quo. Ninguém sabia o que o trabalhador estava a fazer naquele local…[27]
71.º Saliente-se que, como é do conhecimento geral, em contexto de obra nem sempre (e infelizmente) as regras de segurança são seguidas escrupulosamente, existindo sempre situações de incúria por parte dos executantes das tarefas, embora os responsáveis pela segurança sejam incansáveis em alertar para os riscos.
72.º Com o devido respeito, também não corresponde à verdade o facto provado n.º 14 (“No local não existia qualquer indicação de perigo ou de proibição de passagem”), pelo que não poderia ter sido dado como assente. Como facilmente se pode observar nos elementos fotográficos juntos aos autos, nomeadamente Docs. n.º 9, 11 e 12 juntos com a Contestação do Recorrente, cotejados com os Depoimentos de O…[28], C…[29], P…[30], D…[31] e B…[32] temos que: a referida porta anti-pânico está tapada por uma rede verde, na parte exterior, o que significa, obviamente, que o seu acesso estaria vedado; para além de, na parte interior, ter o sinal de passagem proibida. Ora, esta porta anti-pânico só abre, naturalmente, para fora e para deslocar-se àquele local o trabalhador poderia transpor a referida porta ou contornar toda a escola. Sucede que as regras de experiência comum indicam-nos que ocorreu uma situação de “facilitismo”, que culminou em tragédia: o trabalhador, estando a executar tarefas no interior do edifício, utilizou a porta, transpondo o sinal de proibição de passagem existente, bem como arredando a rede verde que a envolvia.
73.º Como é sobejamente por todos conhecido, numa obra, existe uma luta diária entre a “segurança” e a “produção”. Ou seja, existem prazos de execução que necessitam de ser cumpridos e muitas vezes os executantes não avisam os profissionais da segurança da realização de certos trabalhos, ou realizam-nos quando estes estão ausentes, propositadamente, a fim de “escaparem” ao uso das medidas de segurança previstas.
74.º Consideramos, assim, que, salvo melhor opinião, mal andou, o Tribunal a quo, ao não dar “qualquer credibilidade às testemunhas que afirmaram que no local existiam fitas a delimitar o local ou que na porta existia um sinal de proibição de passagem”[33].
75.º Cumpre ainda salientar que as medidas adicionais que foram implementadas após o acidente já estavam preconizadas no Plano de Segurança e no PTRE 10. Certo é também que, como é genericamente sabido, sempre que ocorre um acidente com a natureza do presente sinistro, até por uma questão psicológica, são sempre tomadas medidas adicionais. Neste caso, as medidas foram impostas pela A.C.T., embora o batente/murete não seja uma medida de segurança de raiz, adequada a evitar a queda de objectos, foi considerado, após o acidente, como meio suplementar.
76.º Se o Tribunal a quo dá como não provada a factualidade relativa à delimitação do local do acidente[34], por existirem claras contradições entre os depoimentos das diversas testemunhas, por maioria de razão, não entende o aqui Recorrente que o mesmo trato não tenha sido adotado no que concerne a toda matéria controvertida acima explanada.
77.º Pelo exposto, considera o aqui Recorrente provados os seguintes factos:
1. Não existiu qualquer falha na elaboração do plano de segurança da obra - todos os possíveis riscos se encontravam previstos no Plano de Segurança e no PTRE;
2. Não existiu qualquer falha ao nível da avaliação de riscos, nomeadamente no que se refere a riscos especiais de queda de objectos do telhado, uma vez que estava prevista a colocação de guarda-corpos a tempo inteiro, só sendo retirados aquando dos remates finais da tela;
3. Não existiu qualquer falha em matéria de formação e informação quanto a movimentação manual e mecânica de cargas, dos trabalhadores em obra;
4. Existiu claramente falha humana por parte dos trabalhadores que manuseavam os rolos. Houve o escorregamento acidental de um rolo das mãos do trabalhador F…, devido a evidente negligência;
5. Cada rolo de impermeabilização devia ser manuseado por dois trabalhadores, pois que pesa 40 kg e o peso máximo a carregar por um trabalhador sozinho é de 30 kg;
6. O trabalhador F… manuseava sozinho o rolo que caiu;
7. Deveria estar em cima do telhado uma equipa de três trabalhadores, sendo que se encontravam a trabalhar apenas dois trabalhadores: G… e H…;
8. O trabalhador H… tinha visibilidade sobre as operações de descarregamento dos rolos no telhado, pousando conjuntos de dez ou onze rolos na cumeeira do telhado;
9. O local do acidente não era local de passagem, era local de entulho e não continha nenhum bebedouro ou casa de banho;
10. No local do acidente não decorriam quaisquer trabalhos no solo;
11. Existia um sinal de proibição de passagem aposto na porta anti-pânico, que o trabalhador transpôs para aceder ao local do acidente;
12. O local de trabalho do trabalhador sinistrado era dentro do edifício;
13. As zonas de passagem/trajectos da obra estavam assinaladas com setas verdes, logo não existiu qualquer falha associada à falta de organização das zonas de circulação de pessoas;
14. Existiu responsabilidade no acidente por parte do trabalhador sinistrado, pois auto-colocou-se em risco (ao encontrar-se em local proibido);
15. A retirada do guarda-corpos foi decisiva no acidente;
16. A retirada do guarda-corpos foi prematura, uma vez que ocorreu logo com o descarregamento dos rolos e se previa que apenas fossem retirados gradualmente e somente aquando da impermeabilização da última fiada de tela (remates finais);
17. O Recorrente não foi avisado do início dos trabalhos de impermeabilização nem da retirada dos guarda-corpos;
18. O acidente foi imprevisível;
19. Não existiu qualquer omissão de acção nem negligência por parte do Recorrente;
20. A adopção de medidas adicionais de segurança após o acidente foi imposta por solicitação da A.C.T..
78.º Por parte da Coordenação de Segurança (representada pelo aqui Recorrente) foram escrupulosamente cumpridas e acauteladas todas as obrigações inerentes à sua actividade. Pelo que não existiu, in casu, qualquer falha ao nível do Plano de Segurança em obra ou PTRE 10 em vigor em obra.[35] [36]
79.º Não existiu, pois, violação de qualquer dever de cuidado a que o Recorrente estivesse vinculado. Nem muito menos nexo de imputação objectiva entre a eventual violação do dever objectivo de cuidado e o resultado típico.
80.º Aqui chegados, cabe-nos chamar também à colação o princípio da confiança: cada pessoa pode legitimamente esperar que os outros tenham cumprido as suas funções de modo diligente, respeitando os seus próprios deveres de cuidado, sucessivamente, sem que tenham que responder pelas faltas de outrem.
81.º Como nos ensina o Prof. Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, p. 646 e 648: “Ninguém terá em princípio que responder por faltas de cuidado de outrem, antes se pode confiar em que as outras pessoas observarão os deveres que lhes incumbem”. Por isso, “nesta acepção é correcto afirmar que o princípio da confiança encontra o seu fundamento material no princípio da auto-responsabilidade de terceiros; as outras pessoas são também seres responsáveis; se se comportam descuidadamente, tal só poderá afectar, antes de tudo, a sua própria responsabilidade. Dito por outras palavras: como regra geral não se responde pela falta de cuidado alheio, antes o direito autoriza que se confie que os outros cumprirão deveres de cuidado. Desta perspectiva o princípio da confiança é exactamente o correspectivo do princípio da auto-responsabilidade”. Assim, cada um espera que o outro cumpra a respectiva norma objectiva de cuidado.
82.º Nem tão pouco se pode configurar a comissão de crime por negligência. Para que isso sucedesse seria necessário que, ao nível da tipicidade objectiva, se verificasse a violação objectiva de um dever de cuidado por parte do agente, que ocorresse um resultado típico e que houvesse um nexo de imputação objectiva/causalidade entre a violação do dever objectivo de cuidado e o próprio resultado típico que permitisse excluir a imputação, nos casos em que o comportamento lícito alternativo não tivesse evitado o resultado.
83.º Por outro lado, torna-se necessário que haja previsibilidade objectiva do resultado típico, e, in casu, estamos perante factores de completa imprevisibilidade, que um Homem Médio jamais conseguiria conjecturar. Isto porque, a avaliação de riscos que é feita a priori baseia-se em conhecimentos adquiridos ou em probabilidades conhecidas, sendo que as medidas preventivas, designadamente os elementos de protecção estipulados e a formação, nem sempre conseguem eliminar o risco de acidente.
84.º Desta forma, resulta que para se determinar a existência de negligência numa situação concreta é necessário, em primeiro lugar, apurar qual deveria ser o comportamento devido para se evitar o resultado, ou seja: apurar o dever a que o agente, segundo as circunstâncias, está obrigado (dever objectivo de cuidado), estabelecendo o necessário nexo de imputação do resultado à violação desse dever, e verificar se, segundo as circunstâncias do caso, o agente podia ter cumprido esse dever (dever subjectivo de cuidado).
85.º Perante o crime em apreço, o que importa apurar é se existiu inobservância de norma legal, regulamentar ou técnica que ao Recorrente coubesse observar, no âmbito das funções de coordenação de segurança da obra. Assim, impõe-se indagar, através de um juízo de prognose póstuma se era previsível e deveria ser previsto pelo Recorrente que pudesse vir a ocorrer o perigo/resultado em causa nos autos. A resposta é, claramente, negativa: quer a tipicidade objectiva quer a subjectiva se encontram por preencher, daí que nenhuma responsabilidade poderá ser assacada ao aqui Recorrente, nem tampouco em resultado da inexistência de qualquer omissão de acção. Todas as normas legais, regulamentares ou técnicas foram escrupulosamente observadas.
86.º Ainda que assim não fosse, teríamos de obter “a comprovação de que, se acção esperada tivesse tido lugar, o resultado não se teria produzido seguramente, ou pelo menos, atenta a insegurança de comprovação de processos causais hipotéticos, com uma probabilidade que roça a certeza”. (in Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, pg. 695). Ora, a “acção esperada” seria a de manutenção dos guarda-corpos até aos remates finais e o Recorrente em nada contribuiu para a retirada dos mesmos.
87.º O ora Recorrente nunca deveria sequer ter sido interveniente no presente processo, nem a título de arguido, nem de acusado, nem de pronunciado e muito menos de condenado. Aliás, a ser chamado, o que não se concede, muitos outros intervenientes em obra deveriam ter sido chamados ao presente processo, como acima se focou[37].
88.º O Tribunal a quo, ao dar como provados os factos descritos, violou o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., como se disse em 8.º.
89.º No caso sub judicio e como ficou demonstrado supra, muitos dos factos dados como provados no Douto Acórdão não têm correspondência com os depoimentos prestados em audiência de julgamento nem com a documentação junta aos autos. Todos estes elementos de prova não podem ser desconsiderados e são decisivos para a formação da convicção do Julgador.
90.º Por outro lado, ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal a quo violou ainda o disposto no n.º 1 do art.º 355.º do C.P.P. como se mencionou em 9.º.
91.º A prova produzida, quanto muito, poderia fazer brotar no Tribunal a quo uma “dúvida razoável” relativamente aos factos. E perante a falta de prova segura, deve vingar o princípio in dubio pro reo, o que determina por si só a absolvição do arguido. Nestes termos, ao ter sido o Recorrente alvo de condenação, viola-se o princípio constitucionalmente consagrado no n.º 2 do art.º 32.º da C.R.P..
92.º Deste modo, e salvo o devido respeito, a Douta Decisão a quo violou as alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P.: está patente uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, bem como erro notório na apreciação da prova, pretendendo-se a reapreciação da prova gravada.
93.º Inexistindo prova cabal, isenta de dúvidas, que permita assegurar que o Recorrente cometeu tal crime, deve o mesmo ser absolvido.
94.º Se assim não se entender, o que não se concede, sempre se dirá que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção adequadas ao caso em concreto, devendo levar-se em linha de conta que, de acordo com o disposto no art.º 40.º do C.P., a pena não pode nunca ultrapassar a medida da culpa. Deste modo, a pena aplicada ao aqui Recorrente tem-se por excessiva e desproporcionada; e, a manter-se, o que não se acha plausível, deverá ser reduzida ao mínimo legalmente admissível.»

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, onde alega, por um lado, que a referência no douto acórdão recorrido ao (inexistente) nº 6 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29 de outubro, configura um mero erro de escrita que pode/deve ser corrigido, nos termos do artigo 380º, nº 1, b) e nº 2, do Código de Processo Penal; e, por outro lado, que nesse acórdão se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do Código de Processo Penal), no que se refere à verificação do nexo de causalidade entre a infração das regras de construção em causa e a produção da morte da vítima, designadamente por não se ter apurado se a presença dos guarda-corpos que foram retirados (não se sabendo por quem, em que circunstâncias e se o tinham sido com o consentimento dos arguidos) teria evitado o acidente; e se o rolo que atingiu a infeliz vítima foi, ou não, desligado do gancho da grua, por quem, em que circunstâncias e por que razão, sendo a sua queda devida, ou não, a alguma violação de qualquer regra legal, regulamentar ou técnica de segurança. Entende, por isso, que deve determinar-se o reenvio (parcial) do processo para novo julgamento, quanto a essa questão, nos termos do artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Em resposta a este parecer, o arguido e recorrente E… exprimiu a sua concordância com o reenvio parcial do processo para novo julgamento, pelos motivos aí indicados, alegando, porém, que a prova produzida impõe, de qualquer modo, a conclusão de que o acidente em causa não resultou de uma sua conduta culposa.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões das motivações dos recursos, as seguintes:
- saber se a arguida deve ser absolvida por não existir o nº 6 do artigo 6º do Decreto - Lei nº 273/2003, a que se alude na parte decisória do douto acórdão recorrido;
- saber se no douto acórdão recorrido se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do Código de Processo Penal, pelas razões indicadas no douto parecer do Ministério Público junto desta instância;
- saber se, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada no douto acórdão recorrido, pelas razões indicadas na motivação de cada um dos recursos (sendo certo que estas razões não podem configurar insuficiência da matéria de facto para a decisão, nos termos do nº 2, a), do Código de Processo Penal, ou erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do mesmo número, uma vez que os vícios apontados não resultam do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum);
- saber se no douto acórdão recorrido se verifica violação do princípio in dubio pro reo;
- saber se a pena em que o arguido e recorrente E… foi condenado é excessiva e desproporcional, face aos critérios legais.

III – É o seguinte o teor da fundamentação do douto acórdão recorrido:

«(…)
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO ---
MATÉRIA DE FACTO PROVADA ---
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos (com exclusão das conclusões, das argumentações, das inocuidades, do direito, das menções aos meios de prova e das repetições de factos):---
1) No dia 2 de Junho de 2009 o sinistrado M…, com a categoria de trolha por conta da sociedade Q…, Lda., com sede em …, Fafe, que tinha sido contratada pelo consórcio S…, mediante contrato de sub-empreitada celebrado em 02.12.2008, para fazer trabalhos de trolha, encontrava-se a fazer uns trabalhos de trolha nas obras de remodelação que decorriam no interior da Escola …, sita na …, em Vila Nova de Gaia.-
2) Cerca das 9.45 horas, quando o mesmo circulava junto do edifício escolar com cerca de 10 metros de altura, numa zona de passagem adstrita a vários locais de trabalho existentes no interior da obra, foi atingido por um rolo de tela de impermeabilização que caiu do telhado do dito edifício, com cerca de 40 Kgs, que o atirou ao chão e o deixou inanimado.---
3) Como consequência directa e necessária da queda do rolo sobre a vitima o sinistrado M… sofreu várias lesões, as quais foram causa directa da sua morte ocorrida no dia 07.07.2009.---
4) A certificação das condições de segurança da obra estavam a cargo do Consórcio T…, Lda./U…, Lda. nomeado pelo dono da obra.---
5) O arguido E… prestava serviços para o Consórcio T…, Lda./U…, Lda. e, à data dos factos, era coordenador de segurança e de saúde na referida obra, cabendo-lhe a promoção e verificação do cumprimento do plano de segurança e saúde e a validação técnica do desenvolvimento do plano de segurança e saúde e dos planos de trabalho de riscos especiais.---
6) À data dos factos a arguida B… era funcionária da K…, Limitada que foi contratada pela entidade executante e a mesma exercia na referida obra as funções de Técnica de Higiene e Segurança no Trabalho, cabendo-lhe auxiliar a equipa da obra (directores, adjuntos e encarregados), concretamente, na prevenção e análise de riscos, na definição de procedimentos de segurança adequados aos riscos e na verificação e implementação na obra das medidas de segurança.---
7) Na obra existia um plano de segurança e saúde e também um plano de trabalho de riscos especiais validados pelo coordenador, o arguido E…, que mereceu parecer favorável do dono da obra, tendo deles conhecimento a arguida B….---
8) Dessas medidas, inicialmente, constava um “guarda-corpos” com rodapé, que em data não apurada, mas antes da conclusão da obra foi sendo retirado gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos, porque com ele colocado não era possível concluir os mesmos.---
9) Nesse plano de segurança inicialmente constava no item “identificação de riscos” que não foram encontrados riscos de queda de objectos a partir do telhado.---
10) Os arguidos sabiam que o “guarda-corpos” teriam que ser retirados com o avanço dos trabalhos de impermeabilização para que fosse possível a sua conclusão.---
11) Tal “guarda-corpos” protegia quer a queda dos trabalhadores que trabalhavam no telhado, quer a queda de objectos a partir desse local.---
12) Após o acidente foram implantadas novas medidas de segurança com vista a assegurar os riscos de queda de objectos que consistiram, designadamente, no aumento do referido batente até aos 20 cms, no afastamento no mínimo de 2 metros dos materiais e equipamentos da periferia da cobertura, no seu armazenamento na zona do caleiro, na utilização de retalhos de tela nos trabalhos de “remate da tela” a realizar na bordadura da cobertura, na retirada gradual do batente e na criação uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização.---
13) No local existia uma barreira arquitectónica na bordadura da laje do telhado que consistia num batente inicialmente de 20 cm que, com o revestimento, a sua altura ficou reduzida pelo menos de cerca de 8 cm.---
Tal batente não se destinava a evitar a queda de objectos.---
14) No local não existia qualquer indicação de perigo ou de proibição de passagem.---
15) Os trabalhos de impermeabilização da cobertura estavam a cargo da Firma “J…, Lda.” e nela trabalhavam dois operários seus, G… e F….---
16) Os rolos de impermeabilização eram poisados na cobertura pelo gruista H… através de sinalização gestual que os dois trabalhadores que se encontravam no telhado lhe faziam, uma vez que o mesmo não tinha visibilidade do local.---
17) Os rolos eram depositados aos pares sobre a cumeira da cobertura, cabendo a cada um dos referidos trabalhadores retirá-los um a um do meio da linha sem que esta fosse “desligada” do gancho da grua.---
18) No momento em que os dois trabalhadores retiravam mais um rolo, um dos rolos caiu sobre o telhado, entrando em rolamento sobre si mesmo, progredindo ao longo do declive, galgando o batente aludido no ponto 13) dos factos provados e acabou por atingir o sinistrado M… na cabeça, que nesse momento passava no local.---
19) No momento da queda do rolo não estavam colocados os “guarda-corpos” para permitir a conclusão dos trabalhos de impermeabilização.---
20) A arguida B… sabia que os “guarda-corpos” tinham sido retirados do local onde estavam a ser realizados os trabalhos de impermeabilização.---
21) Os arguidos sabiam que, na execução da obra, se estavam a realizar trabalhos de impermeabilização.---
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22) A arguida B… deu formação de acolhimento e formação especifica para os trabalhos de impermeabilização aos respectivos trabalhadores.---
23) No local por onde a vitima circulava aquando da queda do rolo, para além dos trabalhos de impermeabilização do telhado, não existiam na altura quaisquer outros trabalhos a decorrer.---
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24)A arguida é licenciada em segurança no trabalho.---
Encontra-se desempregada desde o inicio de Dezembro de 2011.---
Vive com a irmã em casa pertencente aos seus pais.---
Sustenta-se com algumas poupanças e com o apoio financeiro da sua mãe e dos seus pais.---
25) O arguido é licenciado em engenharia civil.---
Trabalha desde 20.04.20112 na fiscalização de obras, auferindo o salário ilíquido de € 1.650,00 por mês.---
Vive sozinho.---
26) Os arguidos não têm antecedentes criminais.---
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2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA ---
Não se provaram todos os demais factos do requerimento de abertura de instrução por remissão da pronúncia, da contestação da arguida B… e da contestação do arguido E…, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.---
Deste modo, não se provou nomeadamente:---
§1. (Do req. de abertura de instrução por remissão da pronúncia)---
- que a platibanda na periferia se tivesse sido elevada pelo menos à altura de 20 cm garantiria a prevenção dos riscos de queda de materiais a partir do telhado;---
- que o rolo que atingiu o sinistrado M… foi desprendido do gancho da grua sem que previamente se tivesse acautelado a sua imobilização e colocação no telhado;---
- que se o rolo não tivesse sido desprendido do gancho não teria escapado das mãos do trabalhador.---
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§2. (Da contestação da arguida B…)---
- que o local onde se verificou o acidente estava vedado.---
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§3. (Da contestação do arguido E…)---
- que todos os trabalhadores foram advertidos para o facto de o local em que se deu a queda do rolo não ser local de passagem.---
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3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO---
I- Dos Factos Provados---
§1. No que concerne aos factos provados o tribunal alicerçou-se nas regras de experiência comum, em conjugação com o conjunto da prova produzida, nomeadamente:---
A) Nas declarações prestadas em audiência pelos arguidos:---
1º B… que confessou parcialmente os factos de que vinha pronunciada e informou o tribunal das suas condições pessoais.---
2º E… que confessou parcialmente os factos de que vinha pronunciado e informou o tribunal das suas condições pessoais.---
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B) Nos depoimentos prestados em audiência pelas seguintes testemunhas:---
1º O…, inspector do trabalho que se deslocou ao local no dia seguinte ao acidente, tendo elaborado o relatório constante a fls. 149 e ss. e deposto de forma livre, isenta e convincente quanto àquilo que presenciou no local e ao modo como acedeu à zona onde ocorreu o acidente.—
2º G…, trabalhador que na altura executava os trabalhos de impermeabilização, tendo deposto de forma isenta e credível quanto às circunstâncias em que se deu a queda do rolo.---
3º F…, trabalhador que na altura executava os trabalhos de impermeabilização, tendo deposto de forma livre e convincente quanto ao circunstancialismo que envolveu a queda do rolo.---
4º H…, manobrador da grua que transportava os rolos de tela para o telhado onde ocorriam os trabalhos de impermeabilização, tendo deposto de forma livre e credível quanto ao modo como tais rolos eram retirados da grua e colocados no telhado.---
5º P…, gestor de segurança na obra, que se deslocou ao local logo que ocorreu o acidente, que depôs de forma isenta e credivel quanto às funções exercidas pela arguida.---
6º C…, fiscal de segurança na obra a cargo do dono da obra, tendo se deslocado ao local logo após o acidente, tendo deposto de forma livre e credível quanto ás formas possíveis de se aceder ao local.---
7º N…, coordenador da zona centro e norte do consórcio, que se deslocou ao local no dia do acidente, tendo relatado o que viu de forma isenta e credível.---
8º D…, técnico fiscal da construção civil, que se encontrava na obra no momento do acidente, que descreveu de forma livre e convincente os acessos possíveis de se aceder ao local em causa.---
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No teor dos seguintes documentos:---
1º No relatório de autópsia de fls. 39-41 quanto à morte de M….---
2º No documento de fls. 52-58 no que concerne ao contrato de sub-empreitada aludido no ponto 1) dos factos provados.---
3º No relatório de acidente de fls. 78-82 e no inquérito de acidente de trabalho de fls. 149-201 no que concerne ao estado do local aquando do acidente.---
4º No plano de segurança de fls. 284-287 e no aditamento de fls. 288-291 quanto à factualidade constante nos pontos 7), 8), 9) e 12) dos factos provados.---
5º Nas fotografias de fls. 644-648 que retractam o local aquando do acidente.---
6º Nos certificados de registo criminal de fls. 539 e 540 quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido.
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II- Dos Factos Não Provados---
1. Quanto aos factos não provados do req. de abertura de instrução por remissão da pronúncia importa referir que nenhuma testemunha confirmou a factualidade dada como não provada.---
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§2. Relativamente aos factos não provados da contestação da arguida B… há que salientar que atentas as contradições entre os depoimentos das várias testemunhas ouvidas em audiência de julgamento quanto ao facto do local estar vedado o tribunal não deu qualquer credibilidade às testemunhas que afirmaram que no local existiam fitas a delimitar o local ou que na porta existia um sinal de proibição de passagem. Note-se que caso existisse essa delimitação não teria sido necessário após o acidente aditar ao plano de segurança uma nova medida que consistiu na criação de uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização (cfr. documento de fls. 288-291).---
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§3. No que concerne aos factos não provados da contestação do arguido E… cumpre assinalar que nenhuma testemunha confirmou a factualidade dada como provada. Refira-se que as testemunhas G…, F… e H…, trabalhadores na obra, não corroboraram a factualidade em causa, tendo as duas primeiras testemunhas relatado circunstancialismo diverso.---
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO ---
1. ENQUADRAMENTO JURIDICO-PENAL---
Os arguidos vêm pronunciados pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo artigo 137º, em concurso aparente com o crime p. e p. pelos artigos 277º, n.º 1. al. a) e n.º 2 e remissão ao artigo 285º, todos do C.P., por referência ao artigo 6º, n.º 6 e Anexo 1, n.ºs 1 e 3 do D.L. 273/2003, de 29.10 e ao artigo 10º, n.º 1 da Portaria 101/96, de 03.04.---
Dispõe o artigo 137º do Código Penal que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.---
Porém, para que o comportamento negligente seja criminalmente relevante não basta que a sua punição se encontre expressamente prevista na lei penal, antes se exige a produção de um resultado típico (lesão ou colocação numa situação de perigo concreto de um bem jurídico criminalmente tutelado) – é o primeiro pressuposto dos crimes negligentes.---
O artigo 15º do Código Penal define a conduta negligente da seguinte forma: “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”.---
Prevê-se na al. a) a chamada negligência consciente e, na al. b), a inconsciente.—
Segundo a norma referida, a conduta negligente consiste na omissão, por parte do agente, de um dever objectivo de cuidado ou diligência, ou seja, que o agente tenha omitido “aqueles deveres de diligência a que, segundo as circunstâncias e os seus conhecimentos e capacidades pessoais, era obrigado, e que em consequência disso, não previu – como podia – aquela realização do crime (negligência inconsciente), ou, tendo-a previsto, confiou em que ela não teria lugar (negligência consciente) – Cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, pág. 421.---
Relativamente à violação do dever objectivo de cuidado (segundo pressuposto dos crimes negligentes), há que atender a duas vertentes: uma interna, que consiste em ter o agente uma percepção de que, com a omissão de (ou com) determinada conduta, põe em perigo determinados bens jurídicos; e uma vertente externa, ou seja, a consciência por parte do agente de que um seu comportamento exterior (ou uma omissão) poderá evitar a produção do resultado tipico.---
Poder-se-á, assim, reconduzir o dever objectivo de cuidado a dois elementos: a previsibilidade e a evitabilidade.---
Porém, “não basta esta omissão de dever objectivo de diligência, sendo ainda necessário que ela se complete com o elemento subjectivo da negligência, que verdadeiramente a caracteriza como elemento da culpa: o ser capaz de prestar a diligência devida “ (terceiro pressuposto dos crimes negligentes) – cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Ed. AAFDL, pág. 122.
Já foram referidos, sinteticamente, três dos pressupostos dos crimes negligentes: a verificação de um evento (resultado), a violação objectiva do dever de cuidado e a imputação subjectiva. Resta, pois, o problema da imputação objectiva.---
De facto, a acção (ou omissão) que contrarie esse dever de cuidado ou diligência tem de ser a causa do resultado, só podendo esse resultado ser imputado objectivamente ao agente quando teve precisamente como pressuposto especifico a violação desse dever (quarto pressuposto dos crimes negligentes).---
Como é sabido, o nosso Código Penal adoptou, quanto à imputação objectiva do agente, a teoria da causalidade adequada, segundo a qual “para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta: é necessário que, em abstracto, a acção seja idónea para causar o resultado (…) que este seja uma consequência normal típica daquele” – Cfr. Eduardo Correia, in Direito Criminal, I, pág. 257.---
No caso em apreço e atenta a qualidade dos arguidos – responsáveis pela segurança e prevenção de riscos – a sua responsabilidade penal deve aferir-se dentro do contexto e previsão do disposto no artigo 277º do Código Penal.---
Tal preceito legal prevê, para além do mais, a punição de quem, no âmbito da sua actividade profissional, infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação ou conservação e criar perigo para a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado.---
O tipo incriminador positiva três situações distintas: acção dolosa e perigo doloso (n.º1), acção dolosa e perigo negligente (n.º 2) e acção negligente (n.º3).---
Com tal normativo procura-se garantir a segurança em determinadas áreas de actuação humana e o regular funcionamento de serviços fundamentais contra comportamentos susceptíveis de colocar em perigo a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado (Cfr. Paula Ribeiro de Faria no Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Vol. II, pág. 911 e ss.e na Jurisprudência v. g. os Acs- da Rel. Do Porto de 03.07.2002, Col. Jur. Ano XXVII, Tomo 4, Pág. 197 e da Rel. De Coimbra de 29.01.2003, Col. Jur. Ano XXVIII, Tomo 1, pág. 45).---
Trata-se de um crime de perigo concreto resultante da acção ou omissão do agente, consoante o mesmo tenha o dever funcional de agir de determinada maneira e omita o cumprimento desse dever.---
No caso, não restam dúvidas de que ao arguido enquanto coordenado de segurança e de saúde a obra, incumbia-lhe a promoção e verificação do cumprimento do plano de segurança e saúde e a validação técnica do desenvolvimento do plano de segurança e saúde e dos planos de trabalho de riscos especiais.---
E à arguida B… no âmbito das suas funções de Técnica de Higiene e Segurança no Trabalho cabia-lhe auxiliar a equipa da obra (directores, adjuntos e encarregados), concretamente, na prevenção e análise de riscos, na definição de procedimentos de segurança adequados aos riscos e na verificação e implementação na obra das medidas de segurança.---
Ora, da factualidade apurada, resulta de forma inequívoca que estamos perante uma violação das normas de segurança aquando das obras de impermeabilização do telhado.---
De facto, foi omitida a implementação de medidas básicas de segurança quanto à queda de objectos a partir do telhado durante a execução dos trabalhos de impermeabilização.---
Com efeito, dúvidas não podem suscitar-se que não foram tomadas as devidas providências para evitar o acidente aqui em causa, uma vez que, a retirada do guarda-corpos (que evitaria a queda de objectos a partir do telhado) era previsível e devia ter sido previsto atenta a natureza dos trabalhos (aliás, os próprios arguidos sabiam que os mesmo teriam que ser retirados para a conclusão dos trabalhos) e, por isso, devia implicar que fossem tomadas as medidas de prevenção na zona onde se deu a queda do rolo no sentido de se vedar a passagem daquela zona térrea enquanto a colocação dos rolos se mantivesse.---
À imputada omissão por parte dos arguidos terá de corresponder, necessariamente, a obrigação legal (mesmo que de carácter regulamentar ou técnico) de o fazer.---
O regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto n.º 41 821, de 11.08 estabelece que no trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo e se, tais soluções não foram praticáveis os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção (artigo 44º).---
De acordo com a Portaria n.º 101/96, de 03.04 (diploma que regulamenta as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dos estaleiros temporários ou móveis) os trabalhadores devem dispor de protecção colectiva contra a queda de objectos ou, se isso não for tecnicamente possível, ter o acesso interdito às zonas perigosas (artigo 10º, n.º 1).---
O regime jurídico do enquadramento da segurança do trabalho foi objecto de regulamentação através do D.L. 155/95, de 01.07 que entretanto foi revisto pelo D.L. n.º 273/2003, de 29.10 que preceitua que o plano de segurança e saúde (que foi elaborado pela arguida e validado pelo arguido) deve concretizar os riscos evidenciados e as medidas preventivas a adoptar, tendo em consideração, nomeadamente, a identificação das situações susceptíveis de causar riscos e que não puderam ser evitadas em projecto, bem como as respectivas medidas de prevenção e a delimitação, acessos, circulações horizontais e verticais e permanência de veículos e pessoas (artigo 6º, n.º 2, al. f) e Anexo 1, n.ºs 1 e 3).---
Ora, no caso em apreço, está provado que na obra existia um plano de segurança e saúde e também um plano de trabalho de riscos especiais validados pelo coordenador, o arguido E…, que mereceu parecer favorável do dono da obra, tendo deles conhecimento a arguida B…. Dessas medidas, inicialmente, constava um guarda-corpos com rodapé, que em data não apurada, mas antes da conclusão da obra foi sendo retirado gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos, porque com ele colocado não era possível concluir os mesmos. Nesse plano de segurança inicialmente constava no item “identificação de riscos” que não foram encontrados riscos de queda de objectos a partir do telhado. Os arguidos sabiam que o guarda-corpos teria que ser retirado com o avanço dos trabalhos de impermeabilização para que fosse possível a sua conclusão. Tal guarda-corpos protegia quer a queda dos trabalhadores que trabalhavam no telhado, quer a queda de objectos a partir desse local. No local existia uma barreira arquitectónica na bordadura da laje do telhado que consistia num batente inicialmente de 20 cm que, com o revestimento, a sua altura ficou reduzida pelo menos de cerca de 8 cm. Tal batente não se destinava a evitar a queda de objectos. No local não existia qualquer indicação de perigo ou de proibição de passagem.---
Provado ficou ainda que só após o acidente foram implantadas novas medidas de segurança com vista a assegurar os riscos de queda de objectos que consistiram, designadamente, no aumento do referido batente até aos 20 cms, no afastamento no mínimo de 2 metros dos materiais e equipamentos da periferia da cobertura, no seu armazenamento na zona do caleiro, na utilização de retalhos de tela nos trabalhos de “remate da tela” a realizar na bordadura da cobertura, na retirada gradual do batente e na criação uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização.---
Daqui resulta que a conduta lesiva dos arguidos traduziu-se numa omissão do dever de cuidado que ao caso cabia (atento o local onde se realizavam os trabalhos de impermeabilização, a natureza da actividade e os meios utilizados) e que consistiu numa falha ao nível da avaliação dos riscos de queda de objectos a partir do telhado onde se realizavam os trabalhos de impermeabilização, associados à falta de organização das zonas de circulação de pessoais na área de influência dos trabalhos de impermeabilização com a consequente violação das regras de segurança exigíveis aos arguidos atentas as funções que cada um deles desempenhava na obra (artigos 9º, 11º, 12º, 17º, 19 e 20º do D.L. n.º 273/2003, de 29.10).---
Importa agora saber se esta omissão da acção é adequada a evitar o resultado (no caso a morte de M…).---
Ora, tanto pela teoria da causalidade adequada como principio do incremento do risco pode asseverar-se que o resultado foi causado pela conduta omissiva dos arguidos.---
A conduta exigível aos arguidos era a de avaliarem todos os riscos de queda de objectos a partir do telhado onde se realizavam os trabalhos de impermeabilização e organizarem as zonas de circulação de pessoais na área de influência dos trabalhos de impermeabilização.---
Comparada esta conduta com a concreta actuação dos arguidos, já que, entre outras medidas de segurança, não foi criada uma zona delimitada de circulação na área de influência dos trabalhos de impermeabilização e, se tal zona tivesse sido devidamente delimitada a vitima H… não teria, com grande probabilidade, circulado no local onde ocorreu a queda do rolo de tela que o atingiu.---
Assim, a conduta dos arguidos fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido.---
Temos de concluir, pois, que a conduta dos arguidos é punida nos termos do artigo 277º, n.º 1. al. a) e n.º 2 e 285º, ambos do Código Penal.---
*****
2. ESCOLHA E MEDIDA DA PENA ---
§1. O referido crime é cominado, em abstracto, com a pena de 40 dias a 6 anos e 8 meses de prisão.---
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§2. Nos termos do artigo 40º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º1). Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.---
As finalidades da punição são, pois, as consideradas no citado artigo 40º do Código Penal: protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade. Estas finalidades são complementares no sentido de que não se excluem materialmente, havendo sempre que encontrar um justo equilíbrio na sua ponderação (cfr. Ac. do S.T.J de 10-12-1997, Proc. n.º 916/97, 3ª secção).-
Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.---
E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade (Ac. do S.T.J. de 4-7-1996, Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 225).---
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente: entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do S.T.J. de 15-10-1997, Proc. n.º 589/97, 3ª secção).---
É também esta, em síntese, a lição do Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).---
Dando concretização aos vectores enunciados, o n.º 2 do artigo 71º do Código Penal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.---
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§3. Assim, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, será feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção - artigo 71º, n.º1 do Código Penal).---
Serão igualmente tidas em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor dos agentes ou contra eles.---
*
Em desfavor dos arguidos e como circunstâncias agravantes da conduta dos arguidos importa considerar:---
1º O grau de ilicitude dos factos mostra-se relevante atenta a natureza dos bens jurídicos violados;---
2º O grau de culpa dos arguidos é acentuado atenta a intensidade da negligência.---
*
A favor dos arguidos releva a confissão parcial da apurada conduta, a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção familiar.---
A favor do arguido E… milita ainda a sua inserção laboral.---
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As circunstâncias de prevenção especial para ambos os arguidos apresentam pouco relevo para ambos os arguidos atenta a ausência de antecedentes criminais.---
As circunstâncias de prevenção geral são acentuadas dado o elevado alarme social que suscita no seio da comunidade e atenta a frequência em que acidentes na construção civil vêm ocorrendo entre nós.---
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Tudo devidamente ponderado, afiguram-se-nos necessárias e adequadas as seguintes penas parcelares:---
A) Arguida B…: 10 (dez) meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [artigos 43º e 47º ambos do Código Penal].
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B) Arguido E…: 10 (dez) meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 [artigos 43º e 47º ambos do Código Penal].---
(…)»
IV 1. Vem a arguida e recorrente alegar que deverá ser absolvida por não existir o nº 6 do artigo 6º do Decreto - Lei nº 273/2003, a que se alude na parte decisória do douto acórdão recorrido, e não poder, pois, ser condenada com base numa norma inexistente.
È óbvio, porém, como bem se refere no douto parecer do Ministério Público junto desta instância, que estamos perante um lapso manifesto, como indubitavelmente se depreende da leitura da fundamentação do douto acórdão recorrido. A referência que nesta se faz ao nº 6 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29 de Outubro, deve entender-se como relativa ao nº 2 desse artigo.
Nos termos do artigo 380º, nº 1, b), e nº 2, deve proceder-se à correção desse lapso no douto acórdão recorrido

IV 2. – Vem o Ministério Público junto desta instância alegar que se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (nos termos do artigo 410º, nº 2, a), do Código de Processo Penal), no que se refere à verificação do nexo de causalidade entre a infração das regras de construção em causa e a produção da morte da vítima, designadamente por não se ter apurado se a presença dos guarda-corpos que foram retirados (não se sabendo por quem, em que circunstâncias e se o tinham sido com o consentimento dos arguidos) teria evitado o acidente; e se o rolo que atingiu a vítima foi, ou não, desligado do gancho da grua, por quem, em que circunstâncias e por que razão, sendo a sua queda devida, ou não, a alguma violação de qualquer regra legal, regulamentar ou técnica de segurança.
Vejamos.
É orientação uniforme da jurisprudência a de que é oficioso o conhecimento dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (assim, o acórdão do plenário das sessões criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95).
O crime por que os arguidos forma condenados, de infração de regras de construção, p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a), e nº 2, do Código Penal, por referência ao artigo 6º, nº 2, e anexo 1, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29 de outubro, e ao artigo 10º, nº 1, da Portaria nº 101/96, de 3 de abril, configura um crime material (ou de resultado) e de perigo concreto, que supõe (nos termos gerais do artigo 10º, nº 1, do Código Penal) a verificação de um nexo de imputação objetiva entre a infração de uma das regras em causa (legais, regulamentares ou técnicas, no caso em apreço relativas ao planeamento, direção ou execução de construção) e a ocorrência desse perigo concreto.
No caso em apreço, e uma vez que o crime é agravado pela morte de pessoa, nos termos do artigo 285º, também do Código Penal, esse nexo de imputação objetiva há-de verificar-se, também, entre a violação das referidas regras e a ocorrência desse resultado (ver. nesse sentido, Manuel Cavaleiro de Ferreira. Lições de Direito Penal, I, Verbo, 1985, Lisboa, pgs. 201 a 203).
Podermos estar perante uma causalidade cumulativa, concausalidade ou concorrência de causas, ou seja, a concorrência conjunta de cursos causais que em separado não seriam suficientes para a produção do resultado. Para saber se nestes casos o agente responsável pela ocorrência de uma dessas causas concorrentes pode ser responsabilizado pela ocorrência do resultado, impõe-se a análise das várias teorias relativas à imputação objetiva que têm sido propostas pela doutrina.
De acordo com a teoria da condição ou da equivalência, todas a condições que contribuem para a produção do resultado têm o mesmo valor, sendo causa em sentido jurídico-penal toda a condição que não pode ser suprimida sem que desapareça o resultado (fórmula da conditio sine qua non). À luz desta teoria, qualquer das causas concorrentes seria condição sine qua non da produção do resultado: sem ela este não teria ocorrido.
No entanto, esta teoria foi, desde há muito, superada pela doutrina e pela jurisprudência, que criticaram o exagero e as desigualdades (o célebre exemplo de escola da morte de um hemofílico por efeito de um golpe que nunca provocaria a morte de uma pessoa que não sofra dessa doença) a que pode conduzir e o pressuposto puramente naturalista de que parte. A causalidade humana não se confunde com a causalidade física. Só se justifica a imputação objetiva quando estamos perante condutas que representam o domínio de forças naturais pela vontade humana (ver, entre outros, Manuel Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, Parte Geral, I, Verbo-U.C.P., Lisboa, 1982, pgs. 248 a 252, e Eduardo Correia, Direito Penal, I, Livraria Almedina, Coimbra, 1971, pgs.253 a 257).
Com reacção a essa teoria, teve grande acolhimento na doutrina e na jurisprudência a teoria da causalidade adequada. Para esta teoria, causa em sentido jurídico-penal é apenas aquela ação humana que se traduz numa condição que, em conformidade com a experiência comum, é em abstrato adequada à produção do resultado, quando este é uma consequência normal e típica dessa ação (ver, entre outros, Manuel Cavaleiro Ferreira, op. e loc. cits., e Eduardo Correia, op. cit., pgs. 257 a 266).
Esta teoria encontra ainda algum acolhimento na doutrina portuguesa atual (assim, Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pgs. 301 a 308). E pode considerar-se refletida na redação do artigo 10º, nº 1, do Código Penal quando, a propósito da comissão por ação e por omissão, se alude à «ação adequada» a produzir o resultado e à «ação adequada a evitá-lo».
À luz desta teoria, poderia fazer-se o seguinte raciocínio.
Ao contrário da teoria da equivalência das condições, a teoria da causalidade adequada distingue, de entre as várias condições (todas aquelas sem as quais não se produz o resultado), as que são causa (adequada) desse resultado. Em caso de causas cumulativas, poderá dizer-se que qualquer delas poderá ser condição de produção do resultado, mas nenhum deles será, por si só, causa dessa produção (só em conjunto o serão). A situação é semelhante à do exemplo de escola das duas doses de veneno, ministradas por duas pessoas diferentes que actuam independentemente uma da outra, que só em são conjunto (e não isoladamente) provocam, a morte. A ação de cada uma das pessoas que ministra cada uma das doses será condição, mas não causa (adequada) da morte da vítima.
No entanto, também já tem sido defendido, no âmbito desta teoria, que se verifica um nexo de causalidade adequada quando uma condição não é a única a contribuir para a produção do resultado, mas aumenta a possibilidade de ocorrência do mesmo de modo não irrelevante (ver Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, tomo I, tradução castelhana da 2ª edição alemã, Editorial Civitas, Madrid, 1997, pg. 360).
Mas mais do que a teoria da causalidade adequada, tem tido acolhimento recente na doutrina a teoria da conexão do risco, ou teoria do incremento do risco (ver,
entre outros, Claus Roxin, op. cit., pgs. 342 e segs., e Problemas Fundamentais do Direito Penal, tradução portuguesa, Vega, Lisboa, 1986, pgs. 145 a 168 e 235 a 272; Hans Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, tradução castelhana da 3ª edição alemã, Bosch, Barcelona, 1981, vol. I, pgs 391 e segs., e vol. II, pgs. 805 e segs; e Günter Jakobs, Derecho Penal, Parte General, tradução castelhana da 2ª edição alemã, Marcial Pons - Ediciones Jurídicas S.A., Madrid, 1997, pgs. 250 e segs.; e, entre nós, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I – Questões Fundamentais; A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pgs. 331 e segs.). Para esta teoria, haverá imputação objetiva do resultado à conduta do agente quando este, com a sua ação, tenha criado um risco não permitido, ou tenha aumentado um risco já existente, e que esse risco tenha conduzido à produção do resultado concreto.
À luz desta teria, pode dizer-se que se verificará um nexo de imputação objetiva em casos de causalidade cumulativa e em relação a qualquer das causas, pois cada uma das ações, embora não seja causa única de produção do resultado, incrementou o risco dessa produção. Assim se verificará no exemplo de escola de um camionista que, ao ultrapassar um ciclista que conduzia embriagado, por não respeitar a distância regulamentar, o faz tombar, sendo este resultado consequência quer da embriaguez, quer da inobservância de tal regra de ultrapassagem (assim, Claus Roxin, Problemas Fundamentais…, cit., pgs. 256 a 261; e Güntther Jakobs, op, cit, pg. 278). Ou também no caso de um atropelamento causado por um veículo que, conduzindo em excesso de velocidade, o provocou para se desviar de outro que não respeitou a regra da prioridade; situação em que também são duas condutas não permitidas (o excesso de velocidade e o desrespeito pelas regras de prioridade) a produzir o resultado, sendo que cada uma delas incrementou o risco dessa produção (assim, Günther Jakobs, op. cit., pg. 278).
De todas estas considerações se retira que não basta apurar se a conduta culposa dos arguidos de eventual infração de regras de construção é causa da verificação de um perigo concreto para a vida, e da ocorrência da morte da vítima em questão, sem apurar se para essa verificação e essa ocorrência possam ter concorrido outras causas. Este facto não deixa de ser relevante para decidir a respeito do nexo de imputação objetiva em causa, para além de sempre ser relevante para efeitos de determinação da medida concreta da pena (assim como de eventual responsabilidade civil, que não está nesta sede em apreço).
O doutro acórdão recorrido considerou provados factos de onde resulta que os arguidos violaram regras de construção que foram causa da verificação de perigo concreto para a vida e da ocorrência da morte da vítima (sendo certo que a questão de saber se a prova produzida impõe, a este respeito, decisão diferente será objeto de análise ulterior).
Resta, porém, saber, se para a verificação desse perigo, e para a ocorrência dessa morte, não terão concorrido outras causas.
O Ministério Público considera, no seu douto parecer, que importará apurar se para tal não terá contribuído a retirada de guarda-corpos que teriam evitado esse perigo e essa ocorrência.
A este respeito, consta do elenco dos factos considerados provados no douto acórdão recorrido que das medidas tomadas em execução do plano de segurança e saúde e do plano de trabalhos de riscos especiais «inicialmente constava um “guarda-corpos” com rodapé, que, em data não apurada, mas antes da conclusão da obra, foi sendo retirado gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos, porque com ele colocado não era possível concluir os mesmos» (ponto 8); que os «arguidos sabiam que o “guarda-corpos teria que ser retirado como avanço dos trabalhos de impermeabilização para que fosse possível a sua conclusão» (ponto 10); que «tal “guarda-corpos” protegia quer a queda dos trabalhadores que trabalhavam no telhado, quer a queda de objectos a partir desse local» (ponto 11); que a «arguida B… sabia que os “guarda-corpos” tinham sido retirados do local onde estavam a ser realizados os trabalhos de impermeabilização» (ponto 20); e que os «arguidos sabiam que, na execução da obra, se estavam a realizar trabalhos de impermeabilização» (ponto 21).
Consta da fundamentação jurídica do douto acórdão recorrido o seguinte:
«Com efeito, dívidas não podem suscitar-se que não foram tomadas as devidas precauções para evitar o acidente aqui em causa, uma vez que a retirada do guarda-corpos (que evitaria a queda de objectos a partir do telhado) era previsível e devia ter sido prevista atenta a natureza dos trabalhos (aliás, os próprios arguidos sabiam que os mesmos teriam que ser retirados para a conclusão dos trabalhos) e, por isso, devia implicar que fossem tomadas as medidas de prevenção na zona onde se deu a queda do rolo no sentido de se vedar a passagem daquela zona térrea enquanto a colocação dos rolos se mantivesse».
Ou seja, considerou o douto acórdão recorrido que o “guarda-corpos” em questão poderia evitar a queda do rolo que originou a morte da vítima, mas que essa retirada era necessária para a conclusão dos trabalhos, que essa necessária retirada era para os arguidos previsível e que, por isso, a estes cabia implementar medidas de segurança para além da existência desse “guarda-corpos” e contando com essa necessária retirada, designadamente, a proibição de trânsito na zona onde ocorreu o acidente.
Alega, a este respeito, o arguido e recorrente E… que os guarda-corpos em questão foram retirados prematuramente e que essa retirada prematura não era previsível, uma vez que o descarregamento dos rolos de impermeabilização não implica a retirada das proteções periféricas. Somente aquando da efetiva impermeabilização do telhado, e na fase final da mesma, é que seria necessário retirar ao guarda-corpos, paulatinamente, à medida que fosse sendo colocado o remate final. Assim, saber quando e em que fase foram retirados os guarda-corpos será imprescindível para a descoberta da verdade material.
Afugura-se-nos que, neste aspeto, assiste razão ao Ministério Público e ao arguido e recorrente.
Em primeiro lugar, será necessário apurar com precisão (o que não resulta do elenco dos factos provados e não provados constante do douto acórdão recorrido) se a presença do referido “guarda-corpos” era, ou não, suficiente para evitar a queda do rolo, tendo em conta que este pesava cerca de 40 quilos (ponto 2, parte final, do elenco dos factos provados).
Por outro lado, é essencial saber se a retirada desse “guarda-corpos” era, ou não, necessária para a conclusão dos trabalhos no momento exato dessa retirada. Se tal não for provado, pode concluir-se que essa retirada também configura uma violação culposa das regras de segurança da construção em apreço, que terá contribuído causalmente para a verificação do perigo concreto para a vida e para a ocorrência da morte da vítima, facto que se reveste de óbvia relevância na perspetiva da imputação objetiva desses resultados (e também da própria determinação da medida das penas a aplicar, enquanto reflexo do grau de gravidade das consequências da conduta dos arguidos).
Ora, a este respeito, do douto acórdão recorrido consta apenas que o “guarda-corpos” em questão foi «sendo retirado gradualmente, de acordo com o avanço dos trabalhos, porque com ele colocado não era possível concluir os mesmos».
Não basta, porém, apurar que essa retirada se deu «gradualmente e de acordo com a conclusão dos trabalhos» para daí extrair que essa retirada era necessária para a conclusão desses trabalhos. Importa saber, concretamente, em que fase é que tal retirada se deu, para, depois, num juízo conclusivo, se apurar se essa retirada era necessárias, ou, como alega o arguido e recorrente, prematura.
Por outro lado, no douto acórdão recorrido foi considerado provado, apenas, que a arguida sabia da retirada dos “guarda-corpos” em causa (ponto 20) e que os arguidos sabiam que se estavam a realizar trabalhos de impermeabilização (ponto 21). Nada se diz (nem no elenco dos factos provados, nem no elenco dos factos não provados), a respeito do facto de o arguido (e não só a arguida) saber, ou não, da retirada desses “guarda-corpos”. Também não se diz se, para além do conhecimento do facto pela arguida, essa retirada se deu, ou não, com o consentimento dela e do arguido. Factos que, pelas razões indicadas, são decisivos para apurar se o acidente se ficou a dever apenas à conduta culposa dos arguidos que no douto acórdão recorrido serve de base à condenação destes (independentemente da questão de saber se a prova produzida impõe, a este respeito, decisão diferente, questão que será objeto de análise ulterior), ou se foi também devida a outras causas que não lhe são subjetivamente imputáveis.
Uma dessas outras causas poderá ser, para além da eventual retirada indevida dos referidos “guarda-corpos”, a eventual conduta negligente dos trabalhadores que manuseavam o rolo que caiu e veio a atingir a malograda vítima. A este respeito, alega o Ministério Público junto desta instância, no seu douto parecer, que importará saber se esse rolo foi, ou não, desligado do gancho da grua (por quem, em que circunstâncias e por que razão), e se a sua queda será devida, ou não, a alguma outra violação de qualquer regra legal, regulamentar ou técnica de segurança.
Ora, deve atender-se a que a questão do eventual desligamento do rolo do eixo da grua foi já objeto da decisão probatória do douto acórdão recorrido. Na verdade, consta de elenco dos factos não provados o facto de esse rolo ter sido «desprendido da gancho da grua sem que previamente se tivesse acautelado a sua imobilização e colocação no telhado» e «que se o rolo não tivesse sido desprendido do gancho não teria escapado das mãos do trabalhador» (ver 2. §1.). Da ausência de prova a este respeito devem retirar-se as devidas consequências (a eventual ausência de responsabilidade dos trabalhadores em causa, que poderá ser analisada noutra sede), sendo que não estamos perante uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. O reenvio do processo para novo julgamento sobre esta questão implicaria, uma inadmissível reapreciação de uma questão já decidida (se foi bem decidida é questão que poderá ser analisada em recurso, mas a outro título).
Quanto à eventualidade de se verificarem, por parte dos trabalhadores que manuseavam o rolo que caiu e atingiu a infeliz vítima, outras infrações a regras de segurança dos trabalhos em causa, invoca o arguido e recorrente a circunstância de esse manuseamento se efetuar apenas com um trabalhador, ou mesmo apenas com dois trabalhadores. No entanto, não pode dizer-se que se verifique, a este respeito, no douto acórdão recorrido, insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. Do elenco dos factos provados consta que os rolos eram retirados por dois trabalhadores. Saber se a prova produzida impõe a este respeito decisão diferente (como alega o arguido e recorrente) é questão que será analisada ulteriormente. E saber se as regras de segurança aplicáveis impunham, de qualquer modo, a intervenção de mais um trabalhador, como alega o arguido e recorrente, também é questão que será analisada ulteriormente. De qualquer modo, não se nos afigura que a factualidade relativa ao manuseamento do rolo em questão considerada provada (e não provada) no douto acórdão recorrido seja insuficiente para a decisão nele tomada.
O mesmo poderá dizer-se da outra questão invocada nas motivações dos dois recursos em apreço: saber se no local existia, ou não, qualquer indicação de perigo ou de proibição de passagem. No douto acórdão recorrido considera-se que não (ponto 14 do elenco dos factos provados). Tal basta para a decisão que foi tomada. Saber se a prova produzida impõe decisão diferente é questão que será analisada ulteriormente.
Assim, deve ser determinado, nos termos do artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal, o reenvio parcial do processo para novo julgamento, onde deverão ser decididas as questões de saber se a presença do “guarda-corpos” a que se faz referência no douto acórdão recorrido teria, ou não, evitado a queda do rolo que veio a atingir a infeliz vítima; em que fase dos trabalhos foi retirado tal “guarda-corpos” e se essa retirada era, ou não, necessária para conclusão dos trabalhos; e se essa retirada se deu, ou não, com o consentimento da arguida e com o consentimento do arguido, sendo a responsabilidade penal dos arguidos reapreciada em função do que a esse respeito vier a ser decidido.
Fica, assim, por ora, prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas nas motivações dos recursos em apreço.

V - Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em determinar a correção do douto acórdão recorrido, determinando que onde nele se faz referência ao nº 6 do Decreto - Lei nº 273/2003, de 29 de outubro, deva considerar-se tal referência como relativa ao nº 2 do mesmo artigo.
Acordam ainda em determinar, nos termos do artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal, o reenvio parcial do processo para novo julgamento, onde deverão ser decididas as questões de saber se a presença do “guarda-corpos” a que se faz referência no douto acórdão recorrido teria, ou não, evitado a queda do rolo que veio a atingir a infeliz vítima; em que fase dos trabalhos foi retirado tal “guarda-corpos” e se essa retirada era, ou não, necessária para conclusão dos trabalhos; e se essa retirada se deu, ou não, com o consentimento da arguida e com o consentimento do arguido; sendo a responsabilidade penal dos arguidos reapreciada em função do que a esse respeito vier a ser decidido.

Notifique.

(processado em computador e revisto pelo signatário)

Porto, 30/10/2013
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo
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[20] “Tal “guarda-corpos” protegia quer a queda dos trabalhadores que trabalhavam no telhado, quer a queda de objectos a partir desse local.”
[21] Registo 20120509114956_711897_65309, minuto 00:01:41
[22] G… a fls. 98 e F… a fls. 99
[23] Veja-se, a título de exemplo, no tocante aos guarda-corpos, o ponto 4.6 da Acta de Reunião de Segurança n.º 28/09/Seg., de 27/04/2009, junta com a Contestação do ora Recorrente como Documento n.º 2: “Verificou-se na visita de Coordenação de Segurança que forma retirados os Guarda Corpos na zona do Auditório, Corpo A. Estes devem ser imediatamente repostos.” e ponto 4.2 da Acta de Reunião de Segurança n.º 30/09/Seg., datada de 11/05/2009, Documento n.º 4 da Contestação do Recorrente: “Verificou-se durante a visita de Coordenação de Segurança da existência de um guarda corpos mal colocado e executado, no patamar superior da escada de ferro, no Corpo B. A Fiscalização solicitou a intervenção da Entidade Executante de modo a solucionar o problema.”
[24] E…: registo 20120418110730_711897_65309, minuto 00:01:26; B…: registo 20120418112916_711897_65309, minutos 00:01:11 e 00:03:08; P…: registo 20120509104659_711897_65309, minuto 00:12:00 e 00:21:17.
[25] E…: [registo 20120418105424_711897_65309, minuto 00:11:37]; B…: registo 20120418111613_711897_65309, minuto 00:10:02 e registo 20120418112916_711897_65309, minuto 00:04:04; F…: registo 20120418123652_711897_65309, minuto 00:08:08; C…: registo 20120509111823_711897_65309, minuto 00:18:59.
[26] B…: registo 20120418112916_711897_65309, minuto 00:02:20; H…: registo 20120418125036_711897_65309, minuto 00:06:52; C…: registo 20120509111823_711897_65309, minuto 00:10:25.
[27] Vejam-se os depoimentos de P…: registo 20120509104659_711897_65309, minutos 00:10:43, 00:21:19 e 00:23:09: “Efectivamente ainda hoje estou com a incógnita em saber porque é que aquele trabalhador estava naquele local, quando o seu local de trabalho era no interior do edifício, a sua profissão era trolha e naquela zona exterior, naquele momento não havia qualquer espécie de trabalho, no momento. De tal modo que a porta que dava acesso para essa área estava fechada. Não houve…nem cheguei a saber nunca qual a razão. Lá não havia sanitários, lá não havia pontos de água para beber, que pudesse ser necessário. Nunca soube qual a razão que levou aquele senhor a ir àquela zona de trabalho, que não tinha mais ninguém. (…) Aquele local está interdito (…) A tarefa dele era no interior” e B…: Eles faziam zonas de trabalhos e depois aquilo estava parado durante muito tempo, íamos para outra zona de trabalho. Aquela zona estava completamente parada. Eu própria perguntei ao chefe de equipa dos trabalhadores: “Diga-me, por favor – que eu dava-me muito com ele – diga-me por favor, o que é que os trabalhadores estão ali a fazer?” E ele disse-me: “Não sei”. (…) Ele era trolha, mas nem sequer estava naquela zona de trabalho, ele estava noutra zona da obra completamente diferente com a equipa. O próprio chefe da equipa não sabe o que é que ele estava ali a fazer. Não havia casas de banho ali, não havia passagens para trabalhos. Eu não consigo perceber. Nem eu, nem ninguém, não há ninguém ali que me diga, que eu perguntei na altura, o que é que o trabalhador estava ali a fazer.
[28] registo 20120418114232_711897_65309, minuto 00:07:42
[29] registo 20120509111823_711897_65309, minutos 00:10:00, 00:17:00 e 00:19:38
[30] registo 20120509104659_711897_65309, minuto 00:13:44
[31] registo 20120509120109_711897_65309, minutos 00:02:00, 00:04:30 e 00:13:17
[32] registo 20120418113921_711897_65309, minuto 00:00:00; registo 20120418111613_711897_65309, minuto 00:09:42 e registo 20120418112916_711897_65309, minuto 00:05:19.
[33] Vide o Douto Acórdão recorrido, II - Dos Factos Não Provados, §2.
[34] Vide Acórdão, II- Dos Factos Não Provados, §2.
[35] E…: registo 20120509124611_711897_65309, minuto 00:00:01
[36] Saliente-se que as funções de planeamento, direcção ou execução da obra pertencem ao Empreiteiro, sabendo à Coordenação de Segurança verificar as condições de segurança já previstas.
[37] Vejam-se as Declarações Finais da Arguida B…: Registo 125225, minuto 00:00:30.