Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0725547
Nº Convencional: JTRP00041174
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
LEGITIMIDADE
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
PRAZO
Nº do Documento: RP200803110725547
Data do Acordão: 03/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 267 - FLS 199.
Área Temática: .
Sumário: Tendo o autor sido notificado, ao abrigo dos arts 265º nº 2, 508º nº 1 a) e 325 e segs. do CPC, para suscitar o incidente de intervenção principal provocada de terceiro, para assegurar a legitimidade do réu, o requerimento apresentado para o efeito não deve ser indeferido com o fundamento de não ter sido observado o prazo para tal fixado judicialmente, uma vez que a intervenção podia ser deduzida a todo o tempo, enquanto não estivesse definitivamente julgada a causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 5547/2007-2 – AGRAVO (MAIA)

Acordam os juízes nesta Relação:

O recorrente B………., com residência em ………., ….., ………., em França, vem interpor recurso do despacho proferido no Tribunal Judicial da Maia, nos autos de processo ordinário, que aí instaurou contra os recorridos C………. e D………., residentes na Rua ………., n.os ..-.., ………., na Maia, intentando ver agora revogada a decisão da 1.ª instância que lhe indeferiu o pedido de intervenção de E………., sua ex-mulher e filha dos réus, como associada destes, assim se sanando a alegada excepção dilatória de ilegitimidade (com o fundamento invocado na decisão recorrida de que o pedido foi deduzido intempestivamente), alegando, para tanto, em síntese, que não concorda com tal interpretação, pois que o incidente, pese embora não tenha sido deduzido no prazo de 10 dias para que o ora recorrente foi convidado a fazê-lo noutra altura, sempre o poderia ser feito a todo o tempo “enquanto não estiver definitivamente julgada a causa”. Para além de que a decisão de rejeição do incidente se revela inútil “se olharmos na perspectiva das suas consequências e da tramitação subsequente”, pois que “os réus serão absolvidos da instância, por ilegitimidade, por não estar em juízo determinada pessoa, o que permitirá ao autor, até ao seu trânsito em julgado, chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325.º e seguintes do CPC (cfr. artigo 269.º, n.º 1 do CPC) ou, se a decisão tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado, renovando-se a instância extinta (cfr. artigo 269.º, nº 2 do CPC)” __ “considerando o disposto no artigo 265.º do CPC, que confere ao julgador um poder-dever de providenciar pelo andamento regular e célere do processo (n.º 1), de suprir a falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação (n.º 2), tudo em ordem ao conhecimento do mérito da causa, não parece ser razoável do ponto de vista do direito e justiça a rejeição da intervenção, considerando as consequências da decisão recorrida”. Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a decisão impugnada.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Meritíssimo Juiz sustentou o decidido.
Nada obsta ao conhecimento do recurso (sendo que a questão suscitada pelo recorrente do seu efeito suspensivo, se apresenta agora totalmente inócua, a partir do momento em que o mesmo subiu nos próprios autos; é que, embora se tenha atribuído ao recurso o efeito meramente devolutivo, como subiu de imediato e nos próprios autos, foi o mesmo que lhe tivesse sido atribuído efeito suspensivo; e o que preocupava o recorrente era o facto de poder, entretanto, ser proferida sentença de absolvição da instância no tribunal ‘a quo’, possibilidade que ficou, porém, definitivamente afastada por os autos ali terem deixado de estar até ser decidido o recurso).
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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) O recorrente B………. intentou em 11 de Dezembro de 1997, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra os agora recorridos C………. e D………., na qual peticiona que seja declarada nula, por simulação, a compra e venda efectivada em 19 de Junho de 1992 de um prédio que é seu e de E………., sua ex-mulher e filha dos réus __ esta em conluio com os pais, com a intenção de fugirem aos credores e de subtraírem o prédio aos bens do casal, ficando para a sua ex-mulher e prejudicando o autor (vidé douta petição inicial de fls. 2 a 6 dos autos, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido e, bem assim, o carimbo de entrada nela aposto).
2) Os réus contestaram em 16 de Fevereiro de 1998 e invocaram, além do mais, a ilegitimidade do autor por estar na acção desacompanhada da sua ex-mulher, formulando ainda contra ele um pedido reconvencional no montante de esc. 42.000.000$00 (quarenta e dois milhões de escudos) e juros (vidé a douta contestação de fls. 19 a 27, aqui igualmente dada por reproduzida na íntegra e a data de remessa aposta no envelope de fls. 40 dos autos).
3) Entretanto, tendo falecido o réu marido a 22 de Março de 2001, foram habilitados os respectivos herdeiros (vidé o assento de óbito de fls. 67 dos autos e a informação exarada a fls. 74).
4) Em 12 de Novembro de 2004 foi proferido despacho e nele formulado convite ao autor para, “no prazo de dez dias”, vir suscitar nos autos “o incidente de intervenção principal provocada de E………. __ artigos 265.º, n.º 2, 508.º, n.º 1, alínea a) e 325.º seguintes, todos do Código de Processo Civil” (vidé o douto despacho de fls. 96 a 100 dos autos, cujo teor aqui também dou por reproduzido integralmente).
5) Despacho que foi notificado ao ilustre mandatário do autor por ofício datado de 29 de Novembro de 2004 (vidé fls. 102 dos autos).
6) Aquele prazo de dez dias foi depois, a pedido do autor, prorrogado por mais dez dias, em despacho proferido a 21 de Dezembro de 2004 (vidé doutos requerimento de fls. 106 e decisão de fls. 109 dos autos).
7) Despacho que foi notificado ao ilustre mandatário do autor por ofício datado de 22 de Dezembro de 2004 (vidé fls. 110 dos autos).
8) Mas em 11 de Janeiro de 2005 o mesmo ilustre mandatário apresentou requerimento em que renunciava ao mandato (vidé o douto requerimento de fls. 112 a 113 dos autos).
9) Em 23 de Outubro de 2006, via ‘fax’, o autor juntou procuração a novo advogado (vidé fls. 129 e 130 dos autos).
10) E em 02 de Novembro de 2006 requereu, então, intervenção principal provocada da referida E………. (vidé os documentos de fls. 137 a 141 dos autos, aqui dados por reproduzidos).
11) Que lhe foi, no entanto, indeferida, por intempestiva, a 07 de Maio de 2007, conforme o douto despacho de fls. 167 a 171 dos autos.
12) Despacho que foi notificado ao ilustre mandatário do autor por ofício datado de 10 de Maio de 2007 (vidé fls. 173 dos autos).
13) Que dele interpôs o competente recurso em 24 de Maio seguinte, que foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo (vidé os doutos requerimento de fls. 174 e despacho de fls. 178 dos autos).
14) Tendo o mesmo sido remetido e dado entrada nesta Relação em 01 e 02 de Outubro de 2007, respectivamente, conforme documento e o carimbo de entrada aposto a fls. 214 dos autos.
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão deste Tribunal é a de saber se existe aqui motivo para rejeitar o suscitado incidente de intervenção __ por intempestivo, como vem decidido __ ou se há algo que permita admiti-lo __ como defende o recorrente __ e, assim, se o indeferimento exarado no despacho recorrido foi bem ou mal feito, de acordo ou ao arrepio das normas legais que o deveriam ter informado. É isso que, ‘hic et nunc’, se mostra em causa, como se vê das conclusões do recurso apresentado.
O douto despacho recorrido considerou que a dedução do incidente de intervenção principal provocada de E………. ocorreu para lá dos 10 dias que tinham sido dados ao autor B………. para o deduzir e, por isso, indeferiu-o por intempestivo.
E não parece que tenha feito mal, considerada só a economia do despacho ‘sub judicio’ e os seus estritos termos. É que, efectivamente, aquele prazo de 10 dias dentro do qual o autor foi convidado a deduzir o incidente, continuou a correr mesmo depois do seu ilustre advogado ter vindo aos autos comunicar que renunciava ao mandato, como estatui o artigo 39.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor”). Mas dessa parte do douto despacho __ que está correcta __ também o recorrente não discorda.
Ocorre que há outros aspectos do problema que o despacho recorrido não considerou. Com efeito, intempestiva é só a dedução do incidente a convite do Tribunal __ que, na verdade, fixou aquele prazo em dez dias. Mas esse prazo não contende, nem podia contender, com aqueloutro de que dispõe a parte para, se o entender, deduzir autonomamente a intervenção. E poderá fazê-lo, como estatui o artigo 322.º, nº 1, ‘ab initio’, ‘ex vi’ do artigo 326.º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, “a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa” (sublinhado nosso).
Pois que, efectivamente, conforme já fora decidido no processo __ nesse despacho de 12 de Novembro de 2004, em que foi formulado o convite ao autor para suscitar na acção “o incidente de intervenção principal provocada de E……….” (a fls. 96 a 100 dos autos) __, isso seria necessário para assegurar a legitimidade dos réus. E não do autor, diga-se aqui a propósito, como defendem os réus, pois a associação da interveniente será com eles e não com o autor, pois que, conforme se configura a acção, o seu interesse é igual ao dos réus e não ao do autor (este acusa-a de conluio é com aqueles). A propósito do litisconsórcio necessário, estabelece o artigo 28.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que se a lei ou o negócio exigirem a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. Mas, segundo o seu n.º 2, é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (sendo que, nos termos do mesmo n.º 2, “a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”).
E ao Tribunal, conquanto se convença que tem entre mãos um verdadeiro caso de litisconsórcio necessário, só restará, efectivamente, convidar a parte a suprir a falta, assim se sanando a situação (vidé os artigos 265.º, n.º 2 e 288.º, n.º 3 do Código de Processo Civil) ou, então, aceitar a dedução do incidente que a parte tenha feito de “motu proprio”. E isso poderá fazer-se mesmo nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado do despacho que, por aquele motivo, tiver julgado extinta a instância, a qual assim se renovará, nos termos do artigo 269.º do mesmo Código.
Ora, fazendo, desde já, a transposição deste regime jurídico para o caso ‘sub judicio’, temos que convir, salva melhor opinião, que o Mm.º Juiz ‘a quo’ não resolveu bem a questão no despacho recorrido.
Com efeito, estamos a tratar __ na versão do caso apresentada pelo autor __ de contrato de compra e venda simulado em que a interveniente também entrou, em conluio com os réus, seus pais, com a intenção de fugirem aos credores e de subtraírem o prédio aos bens do casal, ficando este para a interveniente, ex-mulher do autor, prejudicando-o. Assim, sempre se poderá dizer que a situação concreta das partes não fica definitivamente regulada sem a ex-mulher do autor presente na acção, nos termos do referido artigo 28.º, n.º 2 do Código Processo Civil, podendo, na verdade, a mesma sempre alegar que não foi parte na causa e que, por isso, pode intentar outras acções baseadas em factos idênticos, pois ela também é sujeita da relação jurídica subjacente (a eficácia da sentença proferida não se lhe estenderia).
Razão pela qual, pela própria natureza da relação jurídica aqui em causa, sem a ex-mulher do autor na acção, a decisão a obter pode não produzir, com carácter definitivo, o seu efeito útil normal. E daí falar-se em litisconsórcio necessário (veja-se o que se escreve no sumário do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de Fevereiro de 1993, in C.J., 1993, 1.º tomo, página 143, citado pelo Dr. Abílio Neto no seu Código de Processo Civil Anotado de 1997, na anotação 76 ao seu artigo 28.º, páginas 90 e 91: “Sempre que, por não intervirem certas pessoas, seja abalada a estabilidade que se procura e deseja, deixando aberta a porta à possibilidade de outros interessados na mesma relação jurídica suscitarem nova demanda, em que poderão obter decisão diferente, impõe-se o litisconsórcio como obrigatório”).
Como assim, num tal enquadramento fáctico e jurídico, bem não andou o Tribunal ‘a quo’ quando, depois de ter formulado aquele convite ao autor para fazer intervir na acção a sua ex-mulher, não aceitou a dedução do incidente pelo facto de ter entretanto decorrido o prazo fixado para o efeito, de 10 dias, depois prorrogado por outros 10, pois a intervenção podia ser deduzida a todo o tempo, pelo que tem o recorrente razão nas objecções que levanta ao douto despacho, havendo, por isso, que revogá-lo, admitindo o incidente e procedendo o recurso.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em dar provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e admitir a intervenção provocada de E………., nos termos requeridos.
Custas do incidente pelos réus.
Sem custas o recurso.
Registe e notifique.

Porto, 11 de Março de 2008
Mário João Canelas Brás
António Luís Caldas Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos