Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
67/10.3IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: RGIT
CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADO
PREJUÍZO DE VALOR IGUAL OU SUPERIOR A 15.000€
Nº do Documento: RP2013091867/10.3IDPRT.P1
Data do Acordão: 09/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O crime de fraude fiscal apenas será qualificado se, para além da ocorrência de, prelo menos, duas das suas circunstâncias agravativas, as mesmas forem aptas a causar um prejuízo ou a diminuição de vantagens tributárias no valor de, pelo menos, 15.000€.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 67/10.3IDPRT.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No Tribunal Judicial de Matosinhos, 2º Juízo Criminal, procedeu-se ao julgamento em processo comum e perante tribunal singular, dos arguidos:
1º - “B…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º .., …, em …, com o NIPC ………, representada até 9 de Maio de 2007 pelo arguido C… e após essa data por D… e E…;
2º - F…, divorciado, nascido em 25 de Julho de 1968, na freguesia …, concelho da Maia, filho de G… e de H…, titular do B.I. n° ……..;
3º - “I…, Lda.”, com sede na Rua …, n° …, .° frente, em …, Porto, com o NIPC ………, representada pelo arguido J…; e
4º - J…, nascido em 19 de Julho de 1951, na freguesia …, concelho de Celorico de Basto, filho de K…, titular do C.C. n° …………, residente na Rua …, …, ….-… …, Maia,
Aos referidos arguidos foi imputada a prática de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelo art. 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 05-06).
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida a seguinte decisão condenatória (transcrição):
Nestes termos e pelos fundamentos aduzidos, o tribunal decide:
a) Condenar o arguido J…, como co-autor, na forma consumada, de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses;
b) Condenar a arguida “I…, Lda.”, como co-autora, na forma consumada, de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euro), perfazendo a multa global de € 6.750,00 (seis mil, setecentos e cinquenta euro);
c) Condenar a arguida “B…, Lda.”, como co-autora, na forma consumada, de um crime de fraude (fiscal) qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT (Lei n.º. 15/2001, de 05.06), na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 120,00 (cento e vinte euro), perfazendo a multa global de € 18.000,00 (dezoito mil euro);
d) Condenar cada um dos arguidos referidos nas alíneas a) a c) deste dispositivo no pagamento das custas do processo fixando-se a taxa de justiça em 3 UC para cada um”.
Inconformada com a sua condenação, a arguida “B…, Lda.” recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as conclusões seguintes (transcrição):
“1ª.Conforme consta dos autos, os factos de que a arguida vem acusada foram praticados por um sócio e gerente que nada tem que ver com a actual gerência, em período anterior à actual gerência e foi esta gerência e não a outra que deu toda a colaboração às autoridades tributárias e que cumpriu com o pagamento dos impostos que a autoridade tributária apurou e ainda com todos os acréscimos legais a que estava obrigada.
Dito isto,
2ª Considerou o Tribunal “a quo” que o quantitativo diário da pena de multa considerou “(…) os elementos disponíveis sobre a situação económica das arguidas – relevando actividade regular e consistente da B…, incluindo com lucro, e a inactividade total da I…, ainda que seja sociedade por quotas”.
3ª Tal situação é penalizadora pois que a arguida B… que pagou tudo o que resultou da investigação das autoridades tributárias e acréscimos, que tem actividade regular, e terá tido lucro, tem um quantitativo diário de pena de multa superior à sociedade I… que emitiu as facturas em causa em data posterior à sua cessação de actividade – como resulta provado -, pelas quais auferiu um rendimento – ainda que o valor do mesmo não tenha sido apurado – e que sai beneficiada pelo facto de não ter qualquer actividade.
4ª. O pagamento pela recorrente do montante de € 18.000,00 de multa corresponde a cerca de 32% do valor da vantagem patrimonial por ela obtida e que foi apurada pela autoridade tributária,
5ª. Vantagem patrimonial essa que já foi restituída a quem de direito!
6ª. A avaliação da situação económica da recorrente pelo Tribunal a quo não especifica a que ano se refere: se ao ano da prática dos factos, se ao ano transacto, se ao ano actual.
7ª. Em 2011 o lucro da arguida recorrente foi de € 24.399,00 antes de impostos e depois de impostos cerca de € 13.142,00 (treze mil cento e quarenta euros), representado € 18.000,00 de condenação um valor que ultrapassa largamente o valor do lucro do ano transacto.
8ª. No ano de 2012, a recorrente não espera sequer ter esse lucro!
Acresce que,
9ª A actual conjuntura do mercado, a crise vivida pelo sector empresarial, aliada ao incumprimento por parte de alguns clientes da recorrente e à condenação da arguida no pagamento de € 18.000,00, poderá colocar em causa o futuro da empresa.
10ª. A condenação da recorrente surge apenas e só porque o Tribunal a quo não procedeu ao correcto enquadramento dos factos de que aquela vinha acusada.
11ª. O Tribunal a quo afirmou que “(…) o artigo 103º, nº. 2 do RGIT não se aplica ao crime de fraude fiscal qualificado previsto no artigo 104º do RGIT (ou às alíneas b) a f) do nº. 3 do RJIFNA), e, por conseguinte, que se mantém a responsabilidade criminal mesmo que o valor da vantagem patrimonial associada seja inferior a € 15.000,00”.
12ª. E concluiu que, “(…) devem os arguidos ser condenados com referência a todos os valores provados e não apenas quanto aos valores das declarações fiscais que excedem a quantia de € 15.000,00.”
Porém,
13ª. O artigo 104º, n.º 1 do RGIT refere que “os factos previstos no artigo anterior (…)” sem impor qualquer limitação ao número do antigo 103º que deverá ser tido em conta - é a própria lei que remete para o corpo de todo o artigo 103º do RGIT, incluindo o seu número 2 que limita a existência de fraude qualificada à vantagem patrimonial ilegítima quando for superior a € 15.000,00.
14.ª E o artigo 103º, n.º 3 do RGIT estabelece que “para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”
15ª. No caso em apreço, o Tribunal a quo deu como provado que a vantagem patrimonial ilegítima em sede de IVA da sociedade arguida recorrente foi no ano de 2005, correspondente a:
- 1º trimestre - € 6.108,89;
- 2º trimestre - € 3.828,76;
- 3º trimestre - € 4.097,66;
- 4º trimestre - € 5.318,05, e em sede de IRC de € 26.713,49.
Já no ano de 2006, o Tribunal a quo deu como provado que a vantagem patrimonial ilegítima em sede de IVA da sociedade arguida recorrente foi, no ano de 2006, correspondente a:
- 1º trimestre - € 2.762,27;
- 2º trimestre - € 563,62;
- 3º trimestre - € 499,04;
- 4º trimestre - € 631,26, e em sede de IRC de € 6.180,05.
16ª. Assim, e de acordo com o previsto no artigo 103º, nº. 2 e 3 do RGIT, apenas a vantagem patrimonial ilegítima obtida na declaração de IRC do ano de 2005 se enquadra no crime de fraude fiscal qualificada, porquanto todas as outras declarações apresentam valores muito inferiores a € 15.000,00 sendo contra-ordenações.
17ª. A condenação da arguida relativamente a apenas uma declaração de IRC de 2005 no montante de € 26.713,49 deveria respeitar uma especial atenuação da pena quer quanto ao número de dias (conforme aconteceu), mas também quanto ao quantitativo diário da pena de multa, a qual nunca poderia ser superior à que foi aplicada à sociedade co-arguida I….”

Respondeu o MP junto do Tribunal recorrido, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Nesta Relação, o Ex.º Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do parcial provimento do recurso, por entender que a “fraude simples ou qualificada só assume dignidade penal quando a conduta do agente se mostre idónea a obter uma vantagem patrimonial ilegítima igual ou superior a € 15.000,00 euros, nos termos do art. 103º, n.º 2, do RGIT”. Daí que a arguida/recorrente apenas possa ser condenada relativamente à declaração apresentada à Administração Fiscal referente ao ano de 2005, uma vez que só nesse caso a vantagem fiscal ilegítima (no valor de € 26.713,49) se reporta a um valor superior a 15.000,00 euros.
Considerou todavia o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto que “… o quantitativo da taxa diária das multas fixadas para cada uma das sociedades arguidas (…) se mostra adequado e razoável, face à situação económica e financeira e aos encargos que cada uma delas suporta (…)”.
E concluiu que “… as restantes condutas dos arguidos são susceptíveis de integrar a prática de contra-ordenação, de falsificação e viciação de documentos fiscalmente relevantes, da previsão do art. 118º do RGIT, pelo que, nessa parte, devem os autos prosseguir para julgamento, por convolação daquelas condutas de crimes em contra-ordenações.”

Cumprido o disposto no art. 417º, 2 do CPP, a recorrente respondeu, aceitando a qualificação do Ex.º Procurador-Geral Adjunto relativamente aos factos dados como provados, mas pugnando pela aplicação de uma taxa diária da multa bastante inferior ao que foi aplicado.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto (transcrição):
“(…)
Factos provados.
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão da causa e com exclusão de conclusões e conceitos jurídicos:
a) A “B…, Lda — adiante apenas designada por “B…” — é sujeito passivo de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, e é tributada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) pelo exercício da actividade de “cedência temporária de trabalhadores” (CAE …..).
b) O arguido C… foi gerente da “B…” desde a data de constituição da sociedade até ao dia 9 de Maio de 2007, data em que renunciou à gerência (que passou a ser exercida por D… e por E…).
c) A “I…, Lda.” — adiante apenas designada por “I…” — é tributada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) pelo exercício da actividade de “construção de edifícios” (CAE …..) desde 5 de Agosto de 1999, tendo cessado para efeitos de IVA em 31 de Agosto de 2007.
d) O arguido J… é gerente da “I…” desde a data de constituição da sociedade.
e) A “I…” não possuiu trabalhadores inscritos na segurança social, não celebrou qualquer contrato de trabalho nos anos de 2005 e de 2006 e tem o alvará de construção cancelado desde 31 de Janeiro de 2005.
f) Contudo, durante o exercício dos anos de 2005 e de 2006, a “I…” emitiu as seguintes facturas em nome da empresa “B…” que, segundo a descrição nelas inscrita, respeitam a “recuperação de peças, triagem e recuperação de peças, serviços prestados de manutenção e horas da responsabilidade da B…”, e sem que nelas sejam especificados os trabalhos realizados, nem sejam referidos contratos, orçamentos ou autos de medição:




g) Nenhuma das mencionadas facturas corresponde a serviços efectivamente prestados à “B…”, pois a “I…” não prestou à “B…” os serviços indicados nas facturas.
h) Consequentemente, a utilização por parte da “B…” das aludidas facturas teve como consequência a dedução indevida de IVA, o empolamento dos custos, e a diminuição da matéria tributável, para efeitos de IRC, que implicaram a obtenção de vantagem patrimonial.
i) Assim, a “B…”:
a. em sede de IVA, ao fazer constar o imposto suportado nas facturas sabendo que elas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, obteve as seguintes vantagens patrimoniais:
i. -Em 2005:
1. 1º 1ºtrimestre — 6.108,89€;
2. 2ºtrimestre — 3.828,76€;
3. 3°trimestre — 4.097,66€;
4. 4ºtrimestre — 5.318,05€;
ii. -Em 2006:
5. 1ºtrimestre — 2.762,27€;
6. 2°trimestre — 563,62€;
7. 3°trimestre — 499,04€;
8. 4ºtrimestre — 63 1,26€;
b. E, em sede de IRC (em que a vantagem patrimonial corresponde ao imposto que deixou de ser pago, por força dos custos indevidamente declarados):
ii. Em 2005: 26.713,49€;
iii Em 2006: 6.180,05€.
j) Assim, nos exercícios do ano de 2005 e do ano de 2006, a “B…” obteve ilegitimamente as vantagens patrimoniais acima indicadas,
k) Tendo a obtenção dessas vantagens patrimoniais sido, conscientemente, facultada pelo arguido J… e pela arguida “I…”.
l) O arguido C… actuou sempre com o propósito, conseguido, de obter para a sociedade por si representada, a arguida “B…”, benefícios económicos que sabia serem ilegítimos, à custa da diminuição do património do Estado, e ainda de utilizar as importâncias monetárias correspondentes pelo menos em proveito da arguida “B…”, não obstante saber que tais quantias não lhe pertenciam, nem à sociedade arguida, mas sim ao Estado.
m) O arguido J… e a arguida “I…”, por aquele representada, tinham igual conhecimento e propósito, tendo concretamente atuado com a intenção de que a sociedade B… obtivesse os aludidos benefícios patrimoniais com a utilização das ditas faturas sem correspondência com serviços prestados.
n) Todos os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, em acção conjunta e concertada, tendo perfeito conhecimento de que as suas condutas não eram permitidas.
o) A arguida “B…” já regularizou a sua situação tributária através de declarações fiscais rectificativas e do pagamento integral dos montantes de imposto acima referidos (IVA e IRC dos anos de 2005 e de 2006) e acréscimos legais.
Outros factos provados
p) Quanto à arguida “B…”:
a. Fatura cerca de € 1.300.000,00 anuais;
b. Tem lucro de pelo menos € 50.000,00 anuais;
c. Tem cerca de 70 trabalhadores.
q) Quanto à arguida “I…”:
d. Está inativa.
r) Quanto ao arguido J…:
a. Está reformado;
b. Reside sozinho em casa arrendada, sendo a renda mensal de € 6,00;
c. Tem dois filhos maiores de idade;
d. Tem a 4ª classe;
e. Não tem antecedentes criminais.
i. Factos não provados.
Não se provaram os seguintes factos relevantes:
O arguido C… locupletou-se dos valores referidos nos factos provados em benefício do seu património pessoal e em detrimento da sociedade por si representada na altura.
Motivação
(…)”.
2.2. Matéria de Direito
Apenas a arguida “B…, LDA” recorreu da decisão condenatória, insurgindo-se fundamentalmente contra a medida da pena de multa aplicada, embora com o fundamento de que as condutas que isoladamente consideradas não causaram um prejuízo igual ou superior a € 15.000,00 não podiam ter sido consideradas como integrando a prática do crime de “fraude fiscal qualificada” por que foi condenada. Pugna assim, e em suma, por uma medida concreta da pena de multa mais benevolente.
Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a tese segundo a qual só integravam o crime de fraude fiscal qualificada as condutas que, isoladamente, causassem um prejuízo igual ou superior a €15.000,00, defendendo que (i) tal qualificação jurídica deve ser tomada em conta e “(…) daí que a arguida/recorrente apenas possa ser condenada relativamente à declaração apresentada à Administração Fiscal referente ao ano de 2005, uma vez que só nesse caso a vantagem fiscal ilegítima (no valor de € 26.713,49) se reporta a um valor superior a 15.000,00 euros”; (ii) os efeitos do recurso, nessa parte mais favoráveis, devem estender-se aos arguidos não recorrentes; (iii) apesar disso, deve manter-se o quantitativo diário da pena de multa fixada no Tribunal “a quo” e, (iv) relativamente às condutas cujo prejuízo fiscal foi inferior a 15.000,00 euros, devem convolar-se os crimes em contra-ordenações e prosseguir os autos com vista à punição de tais condutas.
Tendo em conta as conclusões da recorrente e o parecer do Ex.º Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, o objecto do recurso é o seguinte: (i) saber se o crime de fraude fiscal agravada ocorre (ainda) relativamente a cada uma das condutas que não tenha causado um prejuízo igual ou superior a 15.000,00 euros e, (ii) na negativa, quais as consequências de tal entendimento na esfera jurídica da recorrente e dos demais arguidos a quem a procedência do recurso possa aproveitar.
Apreciaremos assim as duas questões.
(i) Fraude fiscal agravada
A decisão recorrida entendeu que os arguidos cometeram um único crime de fraude fiscal agravada e, por isso, condenou-os com referência a todos os valores provados e não apenas aos valores das declarações fiscais que igualavam ou excediam a quantia de 15.000,00 euros.
Como deu conta o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto no seu douto parecer, a questão em causa tem tido respostas diferentes da jurisprudência. Concordando com a tese da sentença recorrida, pode ver-se o acórdão da Relação de Guimarães, de 18 de Maio de 2009, proferido no processo 352/02.8IDBRG.G1.
Em sentido contrário, podem ver-se os acórdãos desta Relação, de 23-03-2011, proferido processo 70/05.5IDAVR.P1 e de 16-03-2011, proferido no processo 65/05.9DAVR.P1. No acórdão de 23-03-2011, relatado pela mesma relatora deste processo, defendeu-se, em concreto, o seguinte:
“(…) Os termos da questão estão claramente colocados na decisão recorrida:
“(…) Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se o já enunciado n.º 2 do art. 103° do RGIT que estabelece a não punibilidade das condutas fraudulentas, quando a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a €15.000, vale nos casos em que a fraude é qualificada (entendimento que parece ser o perfilhado pelos arguidos).”

Na análise da questão, a decisão recorrida ponderou o seguinte:
“A este propósito, a doutrina tem-se pronunciado no sentido da validade, no âmbito do art. 104°, daquele limite (assim, Cfr. Susana Aires de Sousa, in Ob. Cit., pág. 118 e Isabel Marques da Silva in Regime das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, n.º 5, Almedina, pág. 156), entendendo que a exigência de valor mínimo da vantagem patrimonial ilegítima decorre da própria definição do crime como «fraude qualificada», isto é, como mera qualificação do crime fiscal base de fraude. A fraude qualificada só assume dignidade penal quando a vantagem patrimonial ilegítima conseguida pelo agente em detrimento do património do Estado for igual ou superior àquele montante.
Já em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/05/2009, proferido no processo nº. 352/02.8IDBRG. Ali, como argumento, avança-se que a realidade prevista na punição da fraude qualificada, por ser mais gravosa do que a que vem enunciada no tipo fundamental da fraude simples, é dela dissociável, concluindo, deste modo, por excluída a exigência da obtenção, com a fraude, de um valor mínimo de beneficio patrimonial ilegítimo.
Pensada a questão e sopesados os argumentos avançados pela doutrina e pela Jurisprudência conhecida (mormente o citado Acórdão), considera o Tribunal que foi efectivamente intenção do legislador manter, na punição da fraude qualificada, a exigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima, conclusão que decorre da própria qualificação do crime fiscal base de fraude e que, assim, exige a verificação de todos os elementos essenciais deste e ainda as circunstâncias especiais que têm por efeito a agravação da penalidade aplicável. Deste modo, para que exista crime de fraude qualificada devem mostrar-se preenchidos, primeiramente, todos os elementos do crime de "fraude simples" tipificado no art. 103° do RGIT, incluindo a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima de valor pelo menos igual a € 15.000.”
Que dizer?
Quando os factos foram cometidos, o art. 103º do RGIT (texto inicial da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho) tinha seguinte redacção:
“Artigo 103.º (Fraude)
1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 7500.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
A Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, procedeu a várias alterações do RGIT, nomeadamente ao citado art. 103º, cuja redacção passou a ser a seguinte:
“Artigo 103.º (Fraude)
1 - (…)
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.
3 - (…)”
O artigo 104º manteve-se inalterado, com a seguinte redacção:
“Artigo 104.º (Fraude qualificada)
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.”

Como se refere na sentença recorrida, a questão controvertida é a de saber se a alteração do art. 103º, n.º 2 do RGIT, descriminalizando as condutas cuja vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a 15.000 €, se aplica (também) aos crimes de fraude qualificada ou apenas aos crimes de fraude simples.
O acórdão citado pelo Ministério Público neste recurso, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 18-05-2009, no processo n.º 352/02.8IDBRG.G1, entendeu que “o limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, não é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT, nomeadamente quando o agente utiliza facturas ou documentos equivalentes na execução do crime”
Trata-se, contudo, de uma posição isolada, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
ISABEL MARQUES DA SILVA, reconhecendo que a questão é controversa, considera que “embora o art. 104º seja “estranhamente mudo” sobre este aspecto”, o regime previsto no n.º 2 do art. 103º do RGIT (fraude fiscal simples) “deve valer também para a fraude qualificada a exigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima, sendo essa exigência decorrente da própria definição do crime fiscal base da fraude, exigindo para a verificação de todos os elementos deste e ainda de circunstâncias especiais, que têm por efeito a agravação da penalidade” – RGIT, Cadernos IDEF, 5, 2ª Edição, pág. 164.
SUSANA AIRES DE SOUSA, em Os crimes Fiscais, Coimbra Editora, 2009, pág.118, citando em seu apoio (ainda) GERMANO MARQUES DA SILVA, em Notas sobre o Regime Geral das Infracções Tributárias, Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo II, 2001, pág. 64, é da mesma opinião: «Uma outra questão importante é a de saber se o n.º 2 do artigo 103.º que estabelece a não punibilidade das condutas fraudulentas quando a vantagem ilegítima for inferior a € 7500 vale nos casos em que a fraude é qualificada. A nosso ver a resposta só pode ser no sentido da validade, no âmbito do artigo 104.º daquele limite. A fraude qualificada só assume dignidade penal quando a vantagem patrimonial ilegítima, conseguida pelo agente em detrimento do património do Estado, for igual ou superior àquele montante».
NUNO POMBO, em Fraude Fiscal, Almedina, 2007, pág. 215, defende igual opinião: «Refira-se por último que o legislador, pela técnica usada no desenho da norma incriminadora, veio permitir que se instalasse a dúvida quando a saber se a efectiva punição, tal como se estabelece para o crime de fraude simples, pressupõe a pretensão de ser auferida vantagem patrimonial igual ou superior a 15.000 €. Com efeito, o artigo 104.º sobre este aspecto, é estranhamente mudo. Parece-nos todavia, que a melhor solução, em homenagem mais ao espírito do instituto do que aos elementos literais disponíveis, será a que advoga dever ser tomado em conta o limite de que depende a respectiva punição. A qualificação opera-se pela recepção de circunstâncias modificativas agravantes e deve traduzir-se não no alargamento das situações puníveis mas, como acontece, num endurecimento das respectivas penas».
SIMAS SANTOS e JORGE DE SOUSA, em Regime Geral das Infracções Tributárias, 2ª Edição, 2008, pág. 737, anotação 3 ao art. 104º, consideram também aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada o valor “referência” da vantagem patrimonial ilegítima, quando referem: “A falsificação ou viciação, ocultação, destruição, inutilização ou recusa de entrega, exibição ou apresentação de livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária, pelo agente, bem como o uso por este daqueles elementos, sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro, por parte das entidades empregadoras, dos trabalhadores independentes e dos beneficiários que visem a liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias de valor igual ou superior a € 7500, não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber, caso em que será a aplicável [als. d) e e) do n.º 1 e 3]”. Este entendimento supõe que as condutas a que alude o art. 104º, 1, als d) e e) causem diminuição de receitas fiscais de valor superior ao do liminar da “punibilidade” previsto no artigo anterior.
Por seu turno, o acórdão da Relação de Coimbra, de 19-01-2011, proferido no processo n.º 1036/06.3TAAVR.C1, entendeu que “o limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT”.
Também o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão de 16/03/2011, proferido no recurso n.º 65/05.9IDAVR.P1, entendeu que “o crime de fraude fiscal apenas será qualificado se, para além da ocorrência de, pelo menos, duas das suas circunstâncias agravativas, as mesmas forem aptas a causar um prejuízo ou a diminuição de vantagens tributárias no valor de, pelo menos, €15.000”
A nosso ver, é este o melhor entendimento, por diversas razões: literais, sistemáticas (lógicas) e teleológicas.
Em primeiro lugar, existem alguns aspectos literais a impor tal leitura, como seja a referência, no art. 104º, aos “factos previstos no artigo anterior”. Um dos factos previstos no artigo anterior é precisamente o previsto no n.º 2, segundo o qual não há punibilidade quando o montante da vantagem patrimonial ilegítima for “inferior a 15.000 €”. Se tivesse havido intenção de punir a fraude qualificada, independentemente do valor da vantagem ilegítima, a remissão deveria ter excluído o n.º 2.
Outro aspecto literal decorre da expressão usada no n.º 2 do art. 104º: “fraude”. Na verdade, o n.º 2 do art. 104º começa por dizer que “a mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante (…)”. Ao falar em fraude, está certamente a referir-se a uma fraude punível, ou seja, que tenha causado uma diminuição de receitas de valor superior a 15.000 €, já que abaixo desse valor o comportamento é punível e qualificado apenas como contra-ordenação e não como “fraude” fiscal (art. 118º do RGIT).
Para além desta referência aos factos previstos no art. 103º, sem excluir o n.º 2 e utilizando a expressão “fraude”, há elementos sistemáticos relevantes. A técnica legislativa de agravar a moldura penal dos crimes, através de circunstâncias qualificativas, traduz sempre uma remissão para o crime simples (género), destacando um especial modo de realização (espécie). O crime qualificado é assim, por definição, aquele que contém todos os elementos do crime simples, com a particularidade de ser cometido em determinadas circunstâncias.
Finalmente, a circunstância qualificativa a que se refere o n.º 2 do art. 104º decorre do facto de o crime de fraude simples ser cometido através da “utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes”. Esta incriminação especial resultou da utilização em larga escala de “facturas falsas” (ISABEL MARQUES DA SILVA, ob. cit. pág. 164, “… processos que invadiram os tribunais portugueses…”) e, portanto, de se ter querido combater uma forma especialmente em voga de cometer o crime de fraude fiscal. Não se vê qualquer razão especial para que o crime de fraude fiscal cometido através de facturas falsas ou documentos equivalentes deva ser punido, mesmo que a vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a € 15.000. Toda a criminalidade fiscal visa combater a fuga ao pagamento de obrigações tributárias e, por isso, o bem jurídico comum é a obtenção das receitas fiscais devidas, elevado à categoria de bem jurídico penalmente relevante, por se tratar de um bem comum da maior importância para o ordenamento da sociedade. O direito tributário tem mecanismos próprios para executar as dívidas fiscais e não tem sentido, nos dias de hoje, criminalizar o incumprimento das obrigações pecuniárias. Por isso, o legislador recorre ao direito penal para punir as obrigações acessórias, através das quais se podem ocultar ou alterar as futuras obrigações pecuniárias. É certo que pune a violação de obrigações acessórias, mas a razão de ser da punição dessas obrigações é sempre evitar a frustração do recebimento das receitas tributárias. Daí que o valor do prejuízo fiscal tenha, no direito penal tributário, tão grande relevância, sendo em função desse valor que, afinal, se demarca o crime da contra-ordenação (cfr. art. 118º do RGIT). A existência de um determinado valor do prejuízo fiscal (vantagem patrimonial ilegítima), a demarcar o crime da contra-ordenação, significa que o legislador entende que os prejuízos mais pequenos não devem ser criminalizados, qualquer que seja a obrigação acessória que tenha sido frustrada e qualquer que seja o meio utilizado para tal. Atenta a finalidade da punição (visando sempre o cumprimento de obrigações pecuniárias), não faria sentido que o prejuízo fiscal fosse irrelevante para criminalizar a conduta, mas já fosse bastante para recortar o tipo de crime qualificado pelo meio utilizado. Se fosse essa a intenção do legislador, teria criminalizado com total autonomia a conduta em causa, o que não fez neste caso. Ou seja, as razões que levaram o legislador a estabelecer, no n.º 2 do art. 103º, um limiar da punibilidade como crime, tanto se verificam quando o crime seja cometido através da utilização de facturas falsas, como quando seja cometido através da celebração de um negócio jurídico simulado, pois está sempre em causa evitar comportamentos que visem obter vantagens patrimoniais fiscalmente ilícitas.
É certo que se o meio utilizado for crime autonomamente punível – falsificação ou burla, por exemplo – nada obstará à sua punição, desde que o prejuízo causado seja inferior a 15.000 €.
Tal decorre, sem dúvida, do disposto no n.º 3 do art. 104º do RGIT, quando refere que não haverá punição autónoma, excepto se as condutas que integrarem o crime de fraude fiscal forem punidas mais gravemente (“os factos previstos nas alíneas d) e e) … não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber”). Por isso, se a conduta do arguido não for punível, por força do disposto no art. 103º, 2 do RGIT, nada obsta a que a mesma seja punível se couber noutro tipo de ilícito, v.g. o crime de falsificação de documentos.
(…)”
Continuamos a pensar que o entendimento exposto no acórdão citado é o correcto e, portanto, a decisão ora recorrida não pode manter-se, na medida em que considerou que havia um só crime de fraude fiscal qualificada, abrangendo todas as condutas, mesmo aquelas em que o prejuízo causado foi inferior a 15.000,00 euros.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, verifica-se que apenas relativamente ao IRC do ano de 2005 ocorreu um prejuízo superior a € 15.000,00 (alínea i) da matéria de facto). Em todos os demais casos o prejuízo causado foi inferior e, portanto, a respectiva conduta não integra a prática do crime de fraude fiscal agravado (qualificado) imputado aos arguidos na acusação.
(ii) Consequências da procedência deste segmento do recurso, relativamente à recorrente e aos arguidos a quem a procedência do mesmo possa aproveitar.
Importa agora extrair as consequências do aludido entendimento.
A primeira consequência é, desde logo, a de que a ilicitude do crime de fraude fiscal agravada é substancialmente menor. Deixa de haver um somatório de factos (que o acórdão integrou sob uma única resolução criminosa) e passa a existir apenas um facto: a declaração de IRC do ano de 2005 (cfr. al. j) da matéria de facto).
Por outro lado, a arguida/recorrente já regularizou a situação tributária (al. o) da matéria de facto).
Deste modo, justifica-se que as penas aplicadas a todos os arguidos sejam modificadas, na medida em que a limitação do recurso a uma parte da decisão (incluindo a parte relativa a cada arguido – art. 403º, e) do CPP) não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida – art. 403º, 3 do CPP.
Tendo em conta a menor ilicitude do facto e a circunstância de já estar regularizada toda a situação tributária, impõe-se que as penas sejam fixadas no seu limite mínimo.
O crime de fraude fiscal cometido pelos arguidos é punível com uma pena de prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e de 240 a 1200 dias de multa para as pessoas colectivas – art. 104, n.º 1 e 2 do RGIT.
Tendo o arguido J… sido condenado na pena de (1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sem qualquer condição, deverá o mesmo ser condenado na pena mínima, isto é, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período.
A arguida I… foi condenada na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €15,00 (quinze euro), perfazendo a multa global de € 6.750,00 (seis mil, setecentos e cinquenta euro). Assim, deve a pena de multa passar a ser de 240 dias, à mesma taxa diária, no montante global de €3,600 (três mil e seiscentos euros).
A arguida/recorrente “B…” foi condenada na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 120,00 (cento e vinte euro), perfazendo a multa global de € 18.000,00 (dezoito mil euros), tendo-lhe sido aplicada a atenuação especial da pena prevista no art. 73º, 1 al. c) do CP, por ter reposto a verdade fiscal e ter pago os impostos em falta. Dada a referida atenuação especial da pena, os limites mínimo e máximo da respectiva moldura penal oscilam entre os 10 e 800 dias de multa. Justifica-se assim que, pelas mesmas razões, lhe seja aplicada a pena mínima, isto é, a pena de 10 dias de multa (mínimo legal - art. 73º, n.º 1 al. c) do C. Penal).
Relativamente à taxa diária da multa, a mesma corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00 (art. 15º, 1 do RGIT), a qual deve ser encontrada mediante a ponderação da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.
Provou-se que a recorrente “B…” factura € 1.300.000,00 euros anuais, tem um lucro de, pelo menos, € 50.000,00 anuais e tem cerca de 70 trabalhadores. Deste modo, a taxa diária de € 120,00, fixada na decisão recorrida, mostra-se claramente ajustada à capacidade económica da recorrente.
Nestes termos, impõe-se conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida quanto às penas aplicadas às arguidas e condená-las:
a) O arguido J… como autor de um crime de fraude fiscal agravada, previsto e punido nos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
b) A arguida “I…, LDA”, como autora de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 15,00, ou seja, a multa global de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros).
c) A arguida “B…, LDA”, como autora de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos artigos 103º, 1, 104º, 1 e 2 do RGIT e 73º, 1, c) do C.P (atenuação especial), na pena de 10 dias de multa à taxa diária de € 120,00, perfazendo a multa global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
Relativamente às condutas dos arguidos que se traduziram em declarações cujo valor não foi superior a € 15.000,00 (quinze mil euros), deverá ser entregue ao MP certidão de todo o processo, para os fins tidos por convenientes, designadamente para efeitos do disposto no art. 118º do RGIT, sendo que a tramitação do procedimento contra-ordenacional é da competência da Administração Tributária (art. 67º do RGIT), cabendo recurso para os tribunais tributários da decisão que aplique a coima (art. 80º e seguintes do RGIT).
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:
a) Revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou que as condutas traduzidas em declarações fiscais de valor igual ou inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros) integravam a prática de um crime de fraude fiscal agravada.
b) Condenar, nos termos acima expostos, cada um dos arguidos pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal agravada, previsto e punido nos termos dos artigos 103º, 1, a) e 104º, 1 do RGIT.
c) Condenar o arguido J… como autor de um crime de fraude fiscal agravada, previsto e punido nos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
d) Condenar a arguida a arguida “I…, LDA” como autora de um crime de fraude fiscal agravada, previsto e punido nos artigos 103º, 1 e 104º, 1 e 2 do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), na pena de 240 dias de multa à taxa diária de € 15,00, ou seja, a multa global de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros).
e) Condenar a arguida “B…, LDA” como autora de um crime de fraude fiscal agravado previsto e punido nos termos dos artigos 103º, 1, 104º, 1 e 2 do RGIT e 73º, 1, c) do CP (atenuação especial) na pena de 10 dias de multa à taxa diária de € 120,00, perfazendo a multa global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
g) Ordenar se extraia e entregue ao MP certidão de todo o processo (incluindo deste acórdão), para os fins tidos por convenientes, relativamente aos factos imputados aos arguidos que não foram considerados como integrando o crime de fraude fiscal qualificada.
Sem custas.

Porto, 18/09/2013
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando