Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0850591
Nº Convencional: JTRP00041127
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: EXAME MÉDICO
MEIOS DE PROVA
FICHA CLÍNICA
RECUSA
Nº do Documento: RP200803100850591
Data do Acordão: 03/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 332 - FLS 59.
Área Temática: .
Sumário: I - O titular da informação médica existente em qualquer centro de saúde público ou privado é propriedade da pessoa a que respeitam, sendo aquele um mero depositário.
II - Não se podem negar a enviar para o Tribunal tais elementos qualquer unidade de saúde, desde que a esta solicitados, de acordo com a pretensão do seu proprietário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Corre termos, no .º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, sob o nº…/06, a acção declarativa, na forma ordinária, tanto quanto parece, emergente de acidente de viação, na qual figuram, como A., B………., e como R., a Companhia de Seguros C………., S.A..
Naquele processo foi solicitado a D………., S.A., proprietária do D1………., o envio de cópia dos relatórios médicos e demais documentação relativa ao A., que ali esteve internado e recebeu tratamento.
Na sequência daquela solicitação veio aquela sociedade apresentar um requerimento no qual, invocando a Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde, no qual conclui: “assim, dado o aludido regime especial, fortemente restritivo, e a fim de ser possível cooperar, em ordem aos fins visados, solicita-se o obséquio de ser enviado à exponente o médico (que até pode ser o I.M.L.), escolhido pelo titular da informação, a quem possa promover a entrega da cópia integral da ficha clínica do sinistrado em questão”.
Este requerimento foi indeferido por despacho de 26-2-07, na sequência do que a requerente foi notificada para juntar as fichas clínicas do A, sob pena de multa. Despacho no qual vem consignado que o A., notificado para se pronunciar, “veio dizer que entende que os seus registos clínicos podem e devem ser juntos aos autos”.
Escreve-se na fundamentação daquela decisão: “nos presentes autos discute-se a eventual ocorrência de um sinistro estradal em que alegadamente o autor teria padecido várias lesões que lhe teriam determinado internamento hospitalar e vários tratamentos médicos, bem como incapacidade temporária para o trabalho e incapacidade permanente parcial.
Ora, cabe ao Tribunal apreciar estas questões, devendo para tanto apreciar todos os elementos de prova necessários e disponíveis.
O autor requereu que fosse oficiado a várias entidades, entre elas “D………., S.A.”, as suas fichas clínicas, o que foi determinado por despacho de fls 233 e seguintes.
Contudo, este interveniente acidental não enviou as fichas clínicas do autor que tem em seu poder, alegando só o poder fazer a médico indicado pelo sinistrado. Parece-nos, todavia, não lhe assistir razão.
Com efeito, o escopo subjacente à Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro, invocada pelo interveniente acidental, não é a de impedir aos Tribunais o livre acesso a informações clínicas das partes e que as próprias requerem como meio de prova na acção, mas direcciona-se apenas para relações directas e imediatas entre o paciente e o seu médico.
Assim, tais elementos de prova devem ser enviados para o processo e não para um médico, pois é ao Tribunal que caberá analisá-los e ponderá-los, como a qualquer outro elemento de prova, designadamente a pericial que se venha a efectuar pelo Instituto de Medicina Legal, com vista a uma boa apreciação da causa”.
Inconformada, a sociedade D………., S.A., interpôs recurso.
Conclui assim:
-ao ser instada pelo Tribunal para a apresentação de elementos clínicos relativos ao A., a recorrente solicitou que ao titular da informação de saúde pretendida fosse pedida a indicação da identificação de um médico de sua confiança pessoal, com habilitação própria, a fim de tais elementos lhe serem imediatamente disponibilizados;
-a Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro veio definir o conceito de informação de saúde, determinando que a informação de saúde é propriedade da pessoa, sendo as unidades de saúde depositárias dessa informação, estabelecendo o regime de acesso à mesma;
-nos termos da lei, o acesso do titular da informação ao seu processo clínico, ou de terceiros com o seu consentimento, está garantido, bastando que o titular designe médico com habilitação própria;
-deste modo, ao agir como agiu, a recorrente observou as normas de direito que lhe são dirigidas, como Unidade de Saúde que é;
-tais normas de direito acautelam o interesse público de reserva da intimidade da vida privada dos cidadãos, dos direitos de personalidade, do direito à integridade moral, em matéria de informação de saúde e de informação genética;
-no confronto entre o interesse público acautelado pela Lei nº12/2005 e o interesse igualmente público da averiguação de um crime, devem ser ponderadas todas as circunstâncias em ordem a que se mostre racional a decisão sobre qual deles deve, no caso concreto, prevalecer, procurando-se uma solução equilibrada, que não ofenda injustificadamente os valores em presença;
-no caso concreto, não se vislumbra qualquer razão – pelo menos, não foi invocada qualquer dificuldade – para que o interesse protegido pelas normas da Lei nº12/2005 não seja acautelado, pela simples identificação, pelo titular da informação de saúde – que é, aliás, o próprio autor – do médico a quem deverão ser entregues os elementos solicitados;
-ao decidir pelo prejuízo do interesse público da reserva da intimidade da vida privada dos cidadãos, dos direitos de personalidade, do direito à integridade moral, em matéria de informação de saúde e de informação genética, o Tribunal violou, injustificadamente, a Lei nº12/2005, designadamente os seus art.s 3º, 4º e 5º, que impunham, em face dos elementos constantes dos autos, a sua estrita observância, ordenando-se a notificação do A., titular da informação de saúde, para indicar nos autos médico com habilitação própria a quem deveriam ser remetidos, de imediato, todos os elementos depositados na Unidade de Saúde da recorrente;
-a Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro, aplicável às unidades de saúde, públicas e privadas, releva dos mais básicos direitos fundamentais, radica nos direitos do Homem, na dignidade da pessoa humana, que constitui a base da República Portuguesa, como se consigna no art.1º da CRP;
-por força desse regime jurídico, a informação de saúde, tal como está definida no seu art.2º, é propriedade da pessoa, o que significa que faz parte da sua esfera jurídica moral, constituindo parte integrante da sua personalidade;
-assim, a informação de saúde constante dos suportes físicos que se encontram numa unidade de saúde, permanece na esfera jurídica individual da pessoa, está sob o domínio exclusivo da pessoa e sob a estrita reserva da sua intimidade privada;
-a unidade de saúde, como mera depositária dos suportes físicos contendo informação de saúde, não pode, assim, em caso algum, dispor desses suportes físicos, tenham estes a natureza que tiverem, nem da informação neles contida;
-as unidades de saúde apenas poderão utilizar a informação de saúde para os fins do nº1, in fine, do art. 3º da Lei nº12/2005, a saber, os que relevam da saúde pública como, por exemplo, a prestação de cuidados de saúde, a investigação científica, a medicina preventiva, o diagnóstico médico e a gestão de serviços de saúde, estes três últimos fins previstos no nº4 do art.7º da Lei nº67/98 de 26 de Outubro;
-entre os referidos fins, não se enquadram os da investigação criminal, nem os da actividade probatória, em qualquer processo, por referência aos fins da realização da justiça, os quais são alheios à saúde;
-o acesso à informação de saúde, depositada numa unidade de saúde, faz-se sempre através de um médico, com habilitação própria, escolhido pelo proprietário, nos termos do disposto no nº3 do art.3º da Lei nº12/2005;
-a esse médico, escolhido pelo proprietário, incumbe, então, assegurar o dever de sigilo profissional e de zelar pelos direitos, legítimos interesses, vida e saúde do titular da informação, de acordo com os deveres legais e deontológicos próprios do exercício da actividade médica;
-esse médico mediará, assim, ainda, nos termos legais e deontológicos, que regem as relações médico/doente, nas relações entre o proprietário da informação de saúde e os terceiros, as autoridades, administrativas e jurisdicionais, que pretendem ter acesso ao conhecimento da informação de saúde da pessoa que nele confiou;
-tal é o adequado sentido susceptível de ser extraído do normativo da Lei nº12/2005, tendo em conta a letra das suas disposições, a ratio legis, bem como todos os demais elementos extra-literais da hermenêutica, prevenidos no art.9º do C.Civil, incluindo trabalhos preparatórios desse diploma legal;
-assim, o tribunal “a quo” deveria ter ordenado a notificação do proprietário da informação de saúde pretendida nos autos para que diligenciasse no sentido de, como, aliás, era do seu interesse, escolher um médico, com habilitação própria, para aceder à informação de saúde depositada na unidade de saúde da recorrente, a fim de, através desse seu médico, ser então providenciada a prova pertinente, visada nos autos;
-o tribunal “a quo” fez errada interpretação do art.3º, nº3, da Lei nº12/2005, e aplicou com um sentido incompatível com os fins nela consagrados, e com os art.s 1º e 26º da CRP, sendo, por isso, com esse sentido, esse normativo inconstitucional;
-foi um sentido compatível com as referidas disposições constitucionais que a Comissão Nacional de Protecção de Dados defendeu na Deliberação nº51/2001, quanto ao dever de fundamentação do pedido de entrega de elementos clínicos;
-foram violados todos normativos citados, bem como as normas legais e constitucionais referidas.
Não houve contra-alegações.
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Os factos a considerar já resultam do relatório.
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Questão a decidir:
-entrega, por parte da recorrente, ao tribunal, dos elementos clínicos relativos ao A..
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Resumidamente, estamos perante a seguinte situação: o A., B………., demanda a Companhia de Seguros C………., S.A., pretendendo ser ressarcido pelos danos emergentes de um acidente de viação; e requereu, aquando da apresentação dos meios de prova, que se oficie a D………., S.A., o envio das fichas clínicas a ele respeitantes, pensa-se que para efeitos de realização de exame médico, o que acontecerá nos serviços competentes – art.568º, nºs 1 e 2, do CPC; oficiado pelo tribunal o envio daqueles elementos, veio aquela sociedade, invocando o art.3º, nº3, da Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro, solicitar a indicação de médico, escolhido pelo A., como titular da informação, a quem possa promover a entrega da respectiva ficha clínica; o que foi indeferido, entendendo o tribunal que aquela ficha clínica deve ser enviada para o processo, a fim de ser devidamente avaliada, juntamente com os demais elementos de prova.
E é contra esta decisão que a recorrente se insurge, pois, entende que a mesma viola as normas legais de que é destinatária e que a obrigam a guardar em depósito a informação de saúde, reunida em “ficheiro clínico”, das pessoas que recorreram aos seus serviços.
Assim, e para a recorrente, estão em confronto dois interesses igualmente públicos: o do apuramento da verdade dos factos e o da reserva da intimidade da vida privada dos cidadãos, dos direitos de personalidade, do direito à integridade moral, em matéria de saúde e de informação genética.
Pelo que, deveria ser solicitado ao titular da informação de saúde a indicação de médico, com habilitação própria, a quem a recorrente remeteria a ficha clínica; médico aquele a quem incumbe “assegurar o dever de sigilo profissional e de zelar pelos direitos, legítimos interesses, vida e saúde do titular da informação, de acordo com os deveres legais e deontológicos próprios do exercício da actividade médica” e que mediará, “nos termos legais e deontológicos, que regem as relações médico/doente, nas relações entre o proprietário da informação de saúde e os terceiros, as autoridades administrativas e jurisdicionais, que pretendam ter acesso ao conhecimento da informação de saúde da pessoa que nele confiou”.
Vejamos.
Fundamenta a recorrente a posição por si defendida no disposto na Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro. Lei em cujo art.22º, nº1, se dispõe que “compete ao Governo a regulamentação desta lei no prazo de 180 dias”. Definindo o nº2 o que é objecto de regulamentação própria.
Ora, e tal como a recorrente reconhece, aquela lei ainda não foi objecto de regulamentação. Pelo que se poderá questionar a sua vigência ou, pelo menos, a sua vigência na totalidade.
Na verdade, pode-se questionar, desde logo, o que se deve entender por “médico com habilitação própria”, como consta do art.3º, nº3, daquele diploma legal, sendo certo que, em princípio, todos têm habilitação. Pelo que, não bastando ter habilitação, sendo, ainda, necessário que seja “própria”, parece que deverá ser objecto de regulamentação saber que médicos têm “habilitação própria”, e quem controla tal escolha. Tudo com importância para o caso em apreço.
Atentemos, ainda assim, nos preceitos daquela lei pertinentes ao caso.
Definido o objecto daquela lei no art.1º, dispõe-se no seu art.2º, sob a epígrafe “informação de saúde”: “para efeitos desta lei, a informação de saúde abrange todo o tipo de informação directa ou indirectamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica familiar”.
E no art.3º, sob a epígrafe “propriedade sobre a informação de saúde”, dispõe-se: “a informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação, a qual não pode ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados e a investigação em saúde e outros estabelecidos pela lei” – nº1; “o titular da informação de saúde tem o direito de, querendo, tomar conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito, salvo circunstâncias excepcionais devidamente justificadas e em que seja inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial, ou de o fazer comunicar a quem seja por si indicado” – nº2; e “o acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros com o seu consentimento, é feito através de médico, com habilitação própria, escolhido pelo titular da informação” – nº3.
Quanto ao art.4º, dispõe sobre o “tratamento da informação de saúde”, ressaltando do mesmo a protecção da confidencialidade daquela; e o art.5º dispõe sobre a “informação médica”, ou seja, sobre o modo como aquela informação de saúde deve ser utilizada na prestação de cuidados ou tratamentos de saúde.
Os restantes preceitos dispõem, essencialmente, sobre a informação genética, o que aqui não está em causa.
Temos, assim, que a informação de saúde, que inclui dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, é propriedade da pessoa a que dizem respeito (sendo isto pacífico relativamente à informação de saúde objectiva – resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos - já foi controverso relativamente à informação de saúde subjectiva, que decorre da interpretação individual do médico assistente – ver Parecer nº43 do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida sobre o projecto de lei nº28/IX, Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde).
Ora, esta informação de saúde, feita em unidades do sistema de saúde, embora propriedade da pessoa a que respeitam, não estão na sua disponibilidade, mas na das referidas unidades de saúde. Elas é que detêm os respectivos «processos clínicos» - art.5º, nº2, da Lei nº12/2005 de 26 Janeiro. Pelo que, havia que regular aquela detenção. E, assim, estabeleceu-se que aquelas unidades de saúde são depositárias das informações de saúde que detenham, o que implica, sobretudo no seu tratamento, a observância de determinados deveres, com vista à confidencialidade daquela informação: nomeadamente, o dever de impedir o acesso de terceiros aos processos clínicos e aos sistemas informáticos que contenham informação de saúde – art.4º, nº2, da referida lei.
Importa, assim, distinguir entre a relação do titular da informação – proprietário da mesma - com a informação de saúde; e a relação da unidade de saúde – depositária - com a mesma informação de saúde.
Quanto a esta última, já vimos que a unidade de saúde é mera depositária da informação de saúde das pessoas a que respeita, o que implica, em consequência, a observância, da sua parte, de determinados deveres – deveres de depositário, digamos. Que visam, não a protecção de direitos da unidade de saúde, mas das pessoas titulares das informações de saúde.
E quanto à relação do titular da informação com a sua informação de saúde?
Já vimos que é uma relação de propriedade: trata-se de elementos seus, da sua saúde.
Pelo que, em princípio, poderá dispor deles como entender: mantê-los confidenciais, ou divulgá-los. A ele cabe tal decisão, já que são direitos que fazem parte da sua esfera jurídica.
Por isso, e salvo circunstâncias excepcionais, tem direito, desde logo, a tomar conhecimento de todo o seu conteúdo – art.3º, nº2, da Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro. E, conhecendo o seu conteúdo, pode, naturalmente, divulgá-lo. Nada o impede. É problema seu.
Mas, para tomar conhecimento do conteúdo da sua informação de saúde, e dado que a mesma está depositada numa unidade de saúde, tem de, previamente, aceder a ela.
Como?
Através de médico, com habilitação própria, escolhido por si – art.3º, nº3, da referida lei.
Seja o que for que signifique médico “com habilitação própria”, o que se pretende com esta disposição legal?
Uma de duas coisas: uma vez que se trata de aceder a informação médica, que a pessoa, normalmente sem conhecimentos médicos, seja devidamente informada, saiba realmente o que consta da sua informação de saúde; ou que a informação de saúde, depositada na unidade de saúde, uma vez transferida para outra pessoa, que a mesma seja devidamente habilitada para tal, um médico.
Parece-nos ser a primeira a intenção da lei.
Na verdade, a disposição legal em causa trata do acesso à informação de saúde, depositada na unidade de saúde, por parte do titular da mesma. Sendo, assim, razoável que seja acompanhado por um médico, a fim de ser devidamente informado; só assim tomando conhecimento do seu processo clínico – art.3º, nº2, da Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro. E não da sua transferência daquela unidade para outrem. Até porque a informação de saúde não é transferida para ninguém, o depositário é sempre o mesmo.
Neste sentido parece apontar o Parecer acima citado, no qual se escreveu a propósito das propostas de alterações aos art.s 1º a 5º da referida proposta de lei: “deixar claro que o direito de acesso ao titular dos dados de saúde à informação objectiva, que lhe diga respeito, deve ser compatível com o imperativo de que a informação subjectiva deve ser sempre veiculada através de um médico, escolhido pelo utente e desde que esteja directamente envolvido na prestação de cuidados de saúde”. Ou seja, o que se pretende, essencialmente, com a referida norma, é o esclarecimento da informação de saúde subjectiva, que ali foi aposta pelo médico assistente, aquela que é da sua autoria, (que não resulta de resultados de análises, por exemplo).
Mas, se assim é, não assiste qualquer razão à recorrente: o que o A. pretende, neste caso, não é aceder à sua informação de saúde, tomar conhecimento dela; antes, que a mesma seja comunicada ao tribunal, quer para fins de perícia médico-legal, quer como elemento de prova no processo. Ou seja, o A. não quer saber o que consta da sua informação de saúde, tomar conhecimento do seu conteúdo, mas que a mesma seja levada em conta, como elemento probatório, qualquer que seja o seu conteúdo, no processo que corre termos no tribunal.
E, acentue-se, é o A., titular da informação de saúde – logo, quem a lei visa proteger – que o pretende. Titular da informação de saúde que, como já dissemos, tomado conhecimento do respectivo processo clínico, pode fazer desse conhecimento o que entender, guardando-o para si ou divulgando-o.
Em suma, trata-se, de facto, de aceder à informação de saúde do A., de que a recorrente é depositária; mas não para o A. tomar conhecimento dela, situação em que deveria indicar um médico, como dispõe a lei; mas para ser objecto de perícia médico-legal e ser elemento de prova no processo.
O que, repete-se, é não só consentido pelo A., titular da informação de saúde, mas, antes, pretendido por ele a fim de exercer o direito peticionado na acção.
Ora, se assim é, se o titular da informação de saúde, que até pode divulgar o seu conteúdo, depois de o conhecer, assim o quer, por que há-de a recorrente, mera depositária daquela informação, opor-se-lhe? Será que, relativamente à informação de saúde do A., a recorrente, mera depositária, entende ter mais direitos que aquele, “proprietário”?
Como resulta de quanto já dissemos, a Lei nº12/2005 de 26 de Janeiro contém um regime jurídico que confere direitos às pessoas, titulares da informação de saúde, e não às unidades de saúde, meras depositárias das mesmas. A estas cabe cumprir os deveres de depositário nela consignados, nomeadamente, guardar aquela informação. Mas, também, permitir o acesso a ela: ao respectivo titular, ou a terceiro, com o seu consentimento, para tomar conhecimento dela, desde que através de médico; ou, como neste caso, ao tribunal, nomeadamente, porque requerido pelo seu titular para prova de um direito que pretende exercer, para o que não carece, naturalmente, de ser através de médico.
Por último, e atento o exposto, não se descortina qualquer inconstitucionalidade na interpretação da norma que se deixou exposta.
O recurso não merece, assim, provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 10 de Março de 2008
Abílio Sá Gonçalves Costa
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Maria de Deus S. da C. Silva D. Correia