Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
131/08.9IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIMES TRIBUTÁRIOS
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
JUÍZO DE PROGNOSE
Nº do Documento: RP20130220131/08.9IDPRT.P1
Data do Acordão: 02/20/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Há que distinguir entre a responsabilidade do arguido por dívidas tributárias da pessoa coletiva de que foi gerente, e a sua responsabilidade civil emergente da prática de crimes tributários, regulada de acordo com as regras do Código Civil, para a qual remetem os artigos 129º do Código Civil e 3º do Regime Geral das Infrações Tributárias;
II - O artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T., de onde decorre a obrigatoriedade da sujeição da suspensão da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, independentemente da situação económica do condenado, não é inconstitucional por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena;
III - O acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012 não permite ultrapassar a obrigatoriedade da sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.;
IV - A necessidade do juízo de prognose a que se reporta o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 131/08.9IDPRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso da douta sentença do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante que o condenou, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 6º; 103º, nºs 1 e 2; e 104º, nºs 1 e 2, da Lei nº 15/2001, de 5 de junho (Regime Geral das Infrações Tributárias), na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por cinco anos sob condição (nos termos do artigo 14º do mesmo diploma) do pagamento nesse prazo do valor de €109.243,06 (referente ao I.R.C. dos anos de 2003 a 2006) e acréscimos legais.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«I – Atenta a prova produzida em audiência de julgamento, julga-se indevidamente julgada provada a factualidade que corresponde aos pontos7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 29, 33, 34, 35, 42, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 53, dos factos provados, tudo conforme melhor se demonstrou nos pontos A1, 2, 3 e 4, das presentes motivações e que aqui se reproduzem.
II – Ao julgar provados os pontos referidos, dos factos provados, a decisão recorrida violou o dever de fundamentação de fato e de direito que lhe impunha, nos termos do disposto n.º 2 do art. 374º do CPP, incorrendo em NULIDADE, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 379º do CPP.
III - Por outro lado, a decisão proferida, no que os factos indevidamente julgados provados respeita, evidencia contradição insanável com o teor dos factos constantes dos pontos 7 e 8 --- e -12, 19, 20, 29, 33, 34, 42, 49, 50, 51, 52 e 53, dos factos provados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 410 do CPP.
IV – Manifesta ainda tal decisão, apreciação incorreta de globalidade da prova produzida, documental e testemunhal, devidamente identificada e invocada nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artº 410 do CPP.
V – Relativamente à condenação penal do recorrente a qualificação jurídica penal dos factos realizada na decisão recorrida viola o dever de fundamentação expresso nos termos do disposto na l. a) do n.º 1 do art. 379º do CPP, fazendo enfermar tal decisão em NULIDADE, que se invoca com os fundamentos expressos em B) da presente motivação, que aqui se reproduz.
VI – Por outro lado a decisão recorrida viola o disposto no n.º 1 do art. 375º do CP, porquanto a prova produzida não permite concluir pelo preenchimento dos requisitos da tipicidade objetiva e subjetiva inerente à incriminação do crime de fraude fiscal qualificada.
VII – Inexiste, no caso dos autos e no que ao arguido B… respeita, apropriação ilegítima, nem agiu o recorrente, fundadamente e não apenas com base em presunções, com dolo direto, incorrendo a decisão em contradição insanável entre fundamentação e a decisão final condenatória e em erro de apreciação da prova produzida, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 410º do CPP.
VIII – Pelo que a aplicar-se uma pena ao recorrente de 3 anos de prisão, esta teria forçosamente de ser especialmente atenuada nos termos descritos e que aqui se reproduzem, ou no mínimo reduzida, o que se requer nos termos propostos.
IX – Por outro lado, verifica-se que a condição suspensiva é manifestamente desadequada, injusta e impossível de cumprir face à disponibilidade (ou falta dela) financeira do recorrente e o prazo fixado para que a reparação ocorra.
X – A condição suspensivo aplicada, viola o disposto na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do art. 51º do CP, devendo ser novamente ponderada, determinando-se outra em sua substituição, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 51º do CP.
XI – Através de condição suspensiva adequada e compaginável com as capacidades e disponibilidade financeira presente e presumivelmente futura do arguido, em condições normais, que na atualidade, como é do senso comum, ninguém pode prever.
XII – Aliás, não sendo o arguido devedor ao Fisco do que quer que seja e subordinando a decisão recorrida a suspensão ao pagamento por este da dívida de outrem - a qual nem sequer foi deduzida ou reclamada em sede de pedido cível – atento o disposto no art. 14º do RGIT.
XIII - A aplicação, sem mais, desse normativo especial, relativamente ao direito penal comum, é manifestamente inconstitucional, por violação de princípios e direitos fundamentais e constitucionais plasmados nomeadamente nos art. 1º, 2º, 17º, 18º n.º 2, 19 n.º 4 e 8, 29º, 30º n.º5, 270 e 272 todos da C. R. P. e art. 29º n.º 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
XIV – O arguido invocou a PRESCRIÇÃO do procedimento criminal, atento o facto de já haver decorrido o prazo respetivo que será o da liquidação (4 anos) ou o prazo normal de prescrição (5 anos), iniciando-se o prazo no mês de Maio do ano seguinte à declaração de IRC, ou seja, 2004, 2005, 2006 e 2007,
XV - Não se vislumbrando, como se sustenta na sentença, que o prazo de PRESCRIÇÃO se inicie com o último ato alegadamente continuado, o que não traduz qualquer realidade a considerar, mas desde o dia em que o facto se tiver consumado ( art. 119 n.º 1 do CP).
XVI – Não existindo nos autos, nem sendo invocado, qualquer ato interruptivo ou suspensivo de prescrição.
Sem prescindir,
XVII – Por outro lado, ainda dever ser considerada e verificada a não punibilidade do arguido, mesmo em sede de IRC.
XVIII – Já que a alegada vantagem patrimonial indevida, para além de não ter revertido para o arguido.
XIX – Deverá, no mínimo, ter o mesmo tratamento considerado em sede de IVA, atingindo-se tal desiderato, com a consideração de que sendo os mesmo factos, faturas e entidades, não pode a Lei deixar entrar por uma porta aquilo que deixou sair por outra.
XX – Ou seja, se a Lei considera não punível factos, nunca por nunca poderá considerar tais mesmos factos puníveis, mesmo que noutra perspectiva.
XXI – Aliás, sendo o IRC um imposto de formação continua, ao longo dos doze meses do ano e condensado numa declaração anual.
XXII – Deverá, por justo e razoável, ser considerado, para efeitos de preenchimento dos elementos objetivos e também subjetivos, cada uma das faturas respeitantes a cada duodécimo, assim se harmonizando e compatibilizando todos os princípios que o Legislador teve em mente ao descriminalizar as condutas que entendeu não serem dignas de tutela penal, mas de outra índole contravencional.
XXIII - Ora, como nenhum dos duodécimos dos vários anos ultrapassa o valor de €15.000,00 (quinze mil euros)
XXIV - A conduta do arguido, nunca de per si mas apenas enquanto gerente da empresa arguida, não preenche qualquer crime, muito menos aquele de que vem acusado e condenado, pelas várias razões que melhor resultam das motivações de recurso
XXV - Pelo que, pelas razões de facto e de direito supra referidas nestas conclusões, se impõe a ABSOLVIÇÃO do arguido.»

Da resposta a tal motivação apresentada pelo Ministério Público constam as seguintes conclusões:
«1. Não se verifica qualquer erro na apreciação da prova.
2. A sentença não violou qualquer dever de fundamentação de factos, conforme se extrai da simples leitura do seu trecho relativo à motivação da decisão sobre a matéria de facto, não padecendo, por tal motivo, da nulidade prevista na alínea a) do art. 379.º do Código de Processo Penal.
3. De igual modo, não verifica o vício ínsito na alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo, contradição insanável dos factos 7 e 8, com os factos 12, 19, 20, 29, 33, 34, 42, 49, 50, 51, 52 e 53, dos factos provados.
4. A prova produzida permite concluir pelo preenchimento dos requisitos da tipicidade objectiva e subjectiva inerente à incriminação o crime em fraude fiscal qualificada.
5. Não há fundamento para atenuação especial da pena.
6. A condição suspensiva não é desadequada, nem injusta nem impossível de cumprir.
7. A condição suspensiva aplicada não viola o disposto na alínea a) do nº 1 e 2 do art. 51.º do CP, tendo o Mmo. Juiz a quo se limitado a aplicar o art. 14.º da RGIT, que não padece de inconstitucionalidade.
8. O procedimento criminal não prescreveu.
9. Inexistem razões para que o arguido não tivesse sido punido em IRC.»

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal da primeira instância quanto a todas as questões suscitadas, à exceção da questão da invocada desrazoabilidade da condição de pagamento a que foi sujeita a suspensão da execução da pena em que o arguido e recorrente foi condenado. Invocando a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012, a precariedade da situação económica do arguido e recorrente, a sua inserção sócio-profissional e a ausência de antecedentes criminais, pugna pela manutenção dessa suspensão de execução de pena sem sujeição a tal condição de pagamento.

Na sua resposta a tal parecer, o arguido e recorrente veio manifestar a sua concordância quanto a esta última questão.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- se se verifica, ou não, a prescrição do procedimento criminal;
- se a sentença recorrida enferma, ou não, de nulidade por violação de dever de fundamentação, de facto e de direito:
- se tal sentença enferma, ou não, de vício por contradição insanável da fundamentação (nos termos do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal);
- se tal sentença enferma, ou não, de erro notório na apreciação da prova (nos termos do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal):
- se tal sentença enferma, ou não, de erro de julgamento, por deficiente apreciação e valoração da prova, quanto aos pontos especificados pelo arguido e recorrente;
- se tal sentença enferma, ou não, de erro quanto à subsunção jurídica dos factos provados no crime de fraude fiscal;
- se a pena em que o arguido e recorrente foi condenado deve ser especialmente atenuada, ou reduzida a um ano e meio de prisão;
- se a condição de pagamento a que foi sujeita a suspensão da execução da pena em que o arguido e recorrente foi condenado deve, ou não, manter-se.

III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:

(…)

II.I - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a boa decisão da causa, da prova produzida resultaram os seguintes
A.1) Factos Provados
1. A empresa “C…, Lda.”, aqui 1ª arguida, é uma sociedade por quotas que se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Amarante sob o ………, tendo como objecto a construção civil de edifícios públicos e privados e ainda a comercialização de materiais para a construção civil e como sede o …, …, …, Amarante.
2. É sujeito passivo enquadrado para efeitos de IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado) no regime normal de periodicidade trimestral e de IRC (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas) no regime geral.
3. A sua gerência (de facto e de direito) encontra-se a cargo do seu sócio gerente, o arguido B….
4. No âmbito dessas funções, cabia ao identificado arguido, a tarefa de controlar a contabilidade da empresa e proceder à entrega das declarações de IVA e IRC, e respectivos impostos.
5. No ano de 2003 o arguido B…, por si e em representação da sociedade arguida “C…, Lda.”, delineou um plano tendo em vista defraudar o Estado, fazendo incluir na contabilidade da empresa que geria, aqui primeira arguida, facturas que não correspondiam a verdadeiras transacções comerciais, tendo em vista diminuir o lucro tributável e, consequentemente, o IRC a liquidar por tal empresa e também com o intuito de a mesma e seu representante legal, beneficiarem do IVA liquidado.
6. Para tal, delineou dois planos.
7. O primeiro consistiu no uso de livros de facturas em nome das sociedades “D…, Lda”, “E…, Lda”, “F…, Lda” e “G…, Lda”, sem o conhecimento e autorização dos respectivos sócios gerentes.
8. De seguida o arguido B…, por si e em representação da sociedade arguida “C…, Lda.”, ou outrem a seu mando, procedeu ao preenchimento das facturas que de seguida se descrevem, também sem o conhecimento ou autorizações dos respectivos sócios gerentes daquelas, e à aposição do respectivo carimbo.
9. Porém, nunca existiu qualquer relação comercial entre sociedade arguida “C…, Lda.” e as sociedades “D…, Lda.”, “E…, Lda.”, “F…, Lda.” e “G…, Lda.”.
10. Assim, não existem autos de medição nem contratos entre a sociedade arguida e as quatro empresas atrás identificadas.
11. As facturas não identificam o local e data da prestação do serviço.
12. As facturas emitidas pela “F…” descrevem serviços que não são prestados por aquelas (“Serviços prestados em assentamento de granito e mármore, tratamento de betão, assentamento de soleiras e execução de portais, execução de meias canas, arear paredes exteriores e assentamento de tijolo”).
13. As facturas emitidas nas condições supra descritas, apresentam um aspecto gráfico diferente das demais facturas emitidas pelas sociedades “D…, Lda”, “F…, Lda” “E…, Lda”, e “G…, Lda”.
14. De igual modo os carimbos não correspondem aos utilizados pelas identificadas empresas.
15. Acresce que as facturas não têm uma rubrica com valor identificativo.
16. Não foram registadas na contabilidade das sociedades “D…, Lda.”, “E…, Lda.”, “F…, Lda.” e “G…, Lda.”, nem consideradas nas suas declarações fiscais.
17. Porém, foram registadas na contabilidade da arguida “C…, Lda.” pelo arguido B…, por si e em representação desta, nos termos que abaixo se discriminam, não correspondentes a qualquer transacção comercial:
18.


19. O segundo plano gizado pelo arguido B…, por si e em representação da aqui primeira arguida, consistiu em contactar com pessoas que tivessem acesso às facturas das empresas que de seguida se identificam, solicitando-lhes que passassem a ceder-lhes facturas que não correspondiam a verdadeiras transacções comerciais, com o propósito mencionado em 5.
20. Assim contactou com o arguido H…, por si em representação da arguida “I…, Lda.”, fazendo-lhe a mencionada proposta, ao que este acedeu, por contrapartida não concretamente apurada.
21. Assim, e na execução do referido plano previamente delineado, pelos arguidos acima identificados conhecido e aceite, entre 2004 e 2006, o arguido H…, por si e em representação da arguida “I…, Lda.”, ou por outrem com a conivência daquela, emitiu as seguintes facturas em favor da sociedade arguida “C…, Lda”, que foram registadas na contabilidade desta última sociedade, nos termos que abaixo se discriminam, não correspondentes a qualquer transacção comercial:
22.

23. Porém, a aqui terceira arguida não apresenta declarações de IRC desde 2001, nem de IVA desde o 2.º trimestre de 2003.
24. No ano de 2004 apenas os arguidos J… e H… e a testemunha K…, entregaram declarações de IRS a indicar como entidade pagadora a terceira arguida e foram declarados na Segurança Social.
25. Para o ano de 2005 e 2006, nada consta.
26. Não constam da base de dados da DGSI, nem são conhecidos quaisquer fornecedores nacionais ou comunitários para a terceira arguida.
27. Não se encontra registado na contabilidade qualquer imobilizado.
28. Nunca teve qualquer alvará de construção ou título de registo junto do “INSTITUTO DA CONSTRUÇÃO E DO IMOBILIÁRIO” (anterior IMOPPII), porquanto não estaria legalmente habilitada a exercer a actividade de construção.
29. Não existem autos de medição nem contratos entre as sociedades aqui primeira e terceira arguidas.
30. As facturas eram emitidas pelo arguido H…, por si e em representação da sociedade aqui terceira arguida, ou por outrem com a conivência daquele, de modo não sequencial, desrespeitando a ordem numérica do livro de facturas e deixando facturas em branco.
31. Eram passadas de forma genérica, não quantificando os serviços em questão, nem mencionado, as mais das vezes, as datas e locais onde os mesmos eram prestados.
32. Os recebimentos relativos aos valores facturados nunca deram entrada em quaisquer contas da contabilidade da terceira arguida.
33. Por outro lado, o arguido B… contactou com pessoa não concretamente apurada que teve acesso às facturas da “L…, Lda.”, solicitando-lhes que passasse a ceder-lhes facturas nas mesmas condições atrás descritas.
34. Assim, e na execução do segundo plano referido, essa pessoa emitiu as seguintes facturas em favor da sociedade arguida “C…, Lda.”, que foram registadas na contabilidade desta última sociedade, nos termos que abaixo se discriminam, não correspondentes a qualquer transacção comercial:
35.

36. A sociedade arguida “L…, Lda”, iniciou a sua actividade em 02-05-2000 e cessou em 31-31-2001.
37. Nunca procedeu à entrega de declarações de rendimento.
38. Apenas foram apresentadas na Segurança Social folhas de remuneração do sócio M… nos meses de Maio, Junho e Julho de 2000 e Fevereiro e Março de 2001.
39. Não constam dos Serviços de Segurança Social qualquer registo relativo a trabalhadores ao serviço da sociedade arguida “L…, Lda.”.
40. A sede da sociedade arguida “L…, Lda.” corresponde ao domicílio fiscal de um dos sócios, a testemunha N…, não possuindo quaisquer instalações, escritório ou estaleiro, bem como não possuíam qualquer bem imobilizado, tais como máquinas ferramentas ou outros utensílios.
41. Não dispunha assim de meios humanos (trabalhadores), nem de meios materiais que lhe permitisse efectuar os trabalhos facturados.
42. Pelo que, não existiram transacções entre as sociedades arguidas, e facturas descritas no quadro não consubstanciam operações reais.
43. Todas as facturas atrás descriminadas encontram-se liquidadas, e os recibos encontram-se contabilizados por contrapartida da conta 11 (Caixa).
44. Não foram identificados meios de pagamentos utilizados, apesar dos montantes envolvidos.
45. Assim, a aqui primeira arguida fez constar, por força da actuação do arguido B…, das declarações periódicas de IVA entregues na Administração Fiscal, os valores das facturas supra discriminadas, aumentando assim o IVA dedutível e, por essa via, diminuindo o IVA que teria que entregar nos cofres do Estado, no montante global de € 98.261,75 (noventa e oito mil, duzentos e sessenta e um euros e setenta e cinco cêntimos), conforme resulta do somatório das diferentes parcelas de IVA acima descriminadas, e que de seguida se sintetiza por anos:
46.

47. Foram ainda obtidas as seguintes vantagens patrimoniais ilegítimas, no que respeita a IRC, no montante global de € 109.243,06 (cento e nove mil, duzentos e quarenta e três euros e seis cêntimos):
48.

49. Os montantes acima descritos foram aproveitados pelo arguido B…, por si em representação da sociedade arguida “C…, Lda.”.
50. O arguido B…, por si em representação da sociedade arguida “C…, Lda.”, aumentou artificialmente o montante dos custos de exercício apresentados à Administração fiscal nos anos de 2003-2006, através do recurso a facturas fictícias ou de favor emitidas pelo arguido H…, por si e em representação da arguida “I…, Lda.”, e por pessoa não concretamente apurada que teve acesso às facturas da L…, de forma a que a sociedade aqui primeira arguida apresentasse um lucro tributável consideravelmente inferior ao real e, deduzisse, ainda, indevidamente quantias que deveriam ser entregues nos serviços do IVA, das quais se apropriou.
51. Ao actuarem da forma descrita, todos os arguidos defraudaram os cofres do Estado nas quantias supra aludidas devidas a título de IRC assim como nas quantias deduzidas indevidamente a título de IVA, importâncias das quais a empresa aqui primeiro arguida e o arguido B… se apropriaram ilegitimamente.
52. Os arguidos actuaram da forma descrita com o intuito de prejudicar o Fisco e obter vantagem patrimonial ilegítima e indevida, diminuindo as receitas daquela sociedade e aumentando os seus custos.
53. Agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas sancionadas por lei penal.
54. As sociedades arguidas actuaram através dos seus legais representantes legais.
55. Mais se provou que:
56. Os arguidos J… e H… são casados entre si.
57. O arguido H… encontra-se desempregado.
58. Esteve de baixa médica até ao dia 30 de Abril, recebendo €260,00/mês.
59. Antes disso prestou trabalho na área da construção civil, por conta de terceiros, como trolha.
60. Residem em casa arrendada, pagando €250,00 mês a título de renda.
61. Tem a 4ª classe de escolaridade.
62. A arguida J… é doméstica.
63. O casal tem uma filha com 11 anos.
64. A arguida tem a 4ª classe.
65. Têm um Ford ….
66. O arguido H… Apresenta os seguintes antecedentes criminais.
a. Por decisão de 16-06-2005, transitada aos 01-07-2005, foi condenado pela prática de um crime de desobediência, praticado em 20-03-2003, na pena de 60 dias de multa.-
b. Por decisão de 24-05-2011, transitada aos 13-06-2011, foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, praticado em 08-2003, na pena de 1 ano e dois meses de prisão, suspensa por igual período.
c. Por decisão de 09-07-2010, transitada aos 27-06-2011, foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, praticado em 30-08-2008, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por igual período.
67. Os arguidos J… e B… não apresentam antecedentes criminais.
68. Não é conhecido qualquer património às sociedades arguidas.
69. O arguido B… exerce actividade laboral, em França, actualmente, na O…, l.da.
*
A). 2. Matéria de facto não provada
- Que tivesse sido concretamente o arguido B… a requisitar às tipografias “P…” (Póvoa de Lanhoso) e “Q…, Lda (Lousada)” os livros de facturas em nome das sociedades “D…, Lda”, E…, Lda”, “F…, Lda” e “G…, Lda”.
- E a encomendar a realização de carimbos com os nomes das referidas sociedades.
- Que o arguido B… tivesse contactado com a arguida J…, por si em representação da arguida “I…, Lda.”;
- Que a contrapartida pela cessão das facturas da 3ª arguida fosse uma contrapartida económica correspondente a cerca de 2% do IVA mencionado nas facturas.
- Que a arguida J… tivesse tomado parte na emissão das facturas em nome da 3ª arguida.
- Que dos montantes acima descritos aproveitados pelo arguido B…, por si em representação da sociedade arguida “C…, Lda.”, tivessem sido cedidos, em parte, e no que ora interessa, aos arguidos J… e H…, por si e em representação da arguida “I…, Lda.”, na proporção de 2% do valor facturado.
B). Motivação da decisão sobre a matéria de facto
O tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento e bem assim a prova documental junta aos autos, toda ela livre e criticamente apreciada de acordo com o seu valor legal probatório e as regras da experiência, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal, nos seguintes termos.
- No que respeita à designação social, objecto e gerência de facto e de direito da “C…”, levou-se em linha de conta o teor da certidão de matrícula de fls.220 e seg., donde evola, entre o mais, que a gerência de tal empresa estava a cargo do arguido B….
Levou-se ainda em consideração os termos do contrato de sociedade patenteado nos autos a fls.223 e seg. – que uma vez mais comete a gerência de tal empresa ao referido arguido.
No mais, ponderaram-se as declarações do arguido H… – posto que do seu teor resulta claro que era o arguido B… o gerente de facto da empresa “C… …” – com quem sempre lidou a esse título.
No que respeita ao seu enquadramento fiscal, valeu o teor da visão do contribuinte/síntese cadastral de fls.11 e seg., do anexo.
- No que respeita à designação social, objecto e gerência de direito (e também de facto (em exclusivo) por parte do arguido H…, levou-se em linha de conta o teor da certidão de matrícula de fls.230 e seg., e do contrato de sociedade de fls.234 e seg., em conjugação com as declarações daquele arguido que chamou a si a gerência de facto da empresa em apreço.
No mais, consubstanciando o caso ajuizado um típico caso de fraude fiscal por meio do uso de facturas falsas – por parte da “C… …” – facturas essas relativas a várias empresas, passa-se a tratar de motivar em relação a cada uma dessas empresas envolvidas nos autos.
1º) L…, Lda.
No que tange a esta empresa, e quanto à aferição de que as facturas emitidas por esta empresa não correspondem a serviços efectivamente prestados, o Tribunal valorou sobretudo o depoimento da testemunha S…, inspectora tributária, que, depondo de forma absolutamente objectiva, escorreita e fundada – assente na razão de ciência de ter levado uma inspecção a esta empresa relativamente aos exercícios de 2000 a 2001, foi assaz esclarecedora quanto à circunstância de se tratar de uma empresa sem qualquer substrato (máquinas ou trabalhadores) que lhe permitissem levar a cabo quaisquer obras, cuja sede funcionava no domicílio de um dos sócios da sociedade - N… (cf. certidão de matrícula de fls.268 e seg. do Vol. I . inquérito) - sendo que este já ligado a toda uma série de empresas “fantasma” – sem substracto – criadas à semelhança da L… – com o objectivo único de vender papel/facturas.
No mais, e como decorre do teor do relatório de inspecção à empresa em apreço – cf. relatório de fls.300 e seg, do II Vol. inquérito, regista-se que a mesma iniciou a actividade em 02/05/2000 e cessou em 31/03/2001 (ou seja, muito antes da data das facturas ajuizadas), sendo que nunca procedeu à entrega de declarações de rendimento.
Mais, de acordo com a pesquisa feita à data na Segurança Social, apenas foram apresentadas folhas de remunerações do sócio M… nos meses de Maio, Junho e Julho de 2000 e Janeiro, Fevereiro e Março de 2001.
Assim, dos elementos remetidos não constava – como se disse - qualquer funcionário ao serviço da empresa.
Ademais, como esclareceu ainda a sr. inspectora, o respectivo gerente, M…, das diligências que efectuou, tratava-se de indivíduo sem profissão conhecida, toxicodependente, sendo que inclusivamente faleceu em 2003 (ou seja em data anterior à da emissão das facturas).
Fundamentalmente, como se disse, tal empresa não possuía quaisquer instalações, escritório ou estaleiro, bem como não possuía qualquer bem do activo imobilizado, tais como máquinas, ferramentas ou outros utensílios.
- Nunca teve funcionários ao ser serviço.
De resto, sendo em teoria possível tratar-se de uma empresa que poderia subcontratar a totalidade das obras que lhe eram adjudicadas, a verdade é que também esta hipótese é de descartar uma vez que, como esclareceu a sr.ª inspectora, o suposto/pseudo prestador de serviços desta sociedade tratava-se também ele de um toxicodependente – T… – sem qualquer ocupação.
No mais, do compulso das facturas/recibos patenteadas nos autos a fls.23 a fls.42 (do inquérito Vol I (capeado a verde), para além da aferição dos valores envolvidos, destaca-se, que;
- em todas a designação dos serviços é genérica;
- todas as facturas foram pagas a dinheiro – sendo que se tratam de valores, nalguns casos, elevados;
- todas as facturas contêm o carimbo da L… e uma rúbrica não identificativa;
- as facturas da L… representam a totalidade dos subcontratos de C… em 2003);
Pelo que, do que vem de dizer-se dúvidas não subsistem de que as facturas emitidas em nome de L…, Lda., não correspondem a transacções efectivas.
2) Das facturas da D…, Lda.
- No que tange à aferição de que se tratam igualmente de facturas falsas, valeram precipuamente os depoimentos de U… e V…, sócios gerentes da sociedade em apreço (cf. certidão de matrícula de fls.233 e seg.), que, depondo em registo francamente espontâneo, natural e peremptório, esclareceram com naturalidade que nunca tal empresa teve quaisquer relações comerciais com a C…, L.da – tão pouco sabiam da existência da empresa arguida ou sequer conheciam o arguido.
Nesta senda, confrontados com as facturas/recibos em causa, foram assertivos ao não reconhecer qualquer um delas como sendo genuína – sendo que não correspondiam aos modelos por si usados (as facturas que se encontram registadas na contabilidade da D… apresentam todas o mesmo aspecto gráfico e foram impressas no programa informático de facturação).
Acresce ainda que, as facturas em apreço – patenteadas nos autos a fls.45 a fls.48, fls.73 a 94 do Vol I do inquérito - não apresentam referências a contratos ou autos de medição; notando-se que as mesmas encontram-se todas liquidadas, através de numerário, apesar dos elevados montantes envolvidos e não foram identificados meios de pagamento utilizados.
De resto, e como consta do relatório de inspecção levado a cabo pela inspectora tributária W… (e como por esta confirmado em audiência de forma objectiva e fundada), a descrição constante das facturas é genérica e não identifica devidamente o serviço prestado (local, data da prestação).
Relativamente às facturas recolhidas:
- não foram registadas na contabilidade da D… e não foram consideradas nas suas declarações fiscais.
Nesta medida, cotejados os dados vindo de focar é de concluir que as facturas emitidas em nome da D…, Lda., não correspondem a transacções efectivas.
3) Das facturas emitidas pela “E…, Lda.”
- A convicção do julgador quanto à aferição de que as facturas emitidas por esta empresa não correspondem a serviços efectivamente prestados, repousa na consideração conjugada do depoimento de X…, inspector tributário (lic. em auditoria), que, depondo em registo objectivo e fundado (na circunstância de ter levado a cabo procedimento de inspecção à empresa em causa a despeito de IRC e IVA para os anos de 2003, 2004 e 2005 e IVA para 2006, e no teor do relatório da respectiva inspecção, patenteado nos autos a fls.168 a fls.173 e fls.174 e seg., – I vol. inquérito - extratado igualmente nos relatórios e auto de notícia ajuizados elaborados pela inspectora W…s, onde se salientam discrepâncias quanto à gráfica que comprovadamente emitiram genuínos livros de facturas para aquela sociedade (Y…) e aquelas que emitiram as facturas ajuizadas (Q…, Lda, Z…, Lda.); - como decorre da documentação junta por aquele inspector no decurso de um das sessões de julgamento.-
Esclareceu ainda o referido inspector que, inclusivamente, à data, as facturas genuínas da E…, lda., apresentavam outro formato (como ilustrou juntando o formato das facturas então em uso naquela empresa).
Mais, como realçou o sr. Inspector, no período em análise (Anos de 2003, 2004 e 2005), a empresa dedicava-se fundamentalmente à execução de acabamentos, designadamente nas especialidades de pintura e reboco, dispondo no máximo de 4 assalariados.” – o que não se coaduna com o género de serviços descritos nas facturas constantes da acusação.
Acresce que, como salientado para sr. Inspectora W… e consta do respectivo relatório e auto de notícia,
- foram emitidas 2 facturas em 2004, por E… para C…;
- as facturas são de numeração sequencial, nºs 68 e 69 embora tenha decorrido um intervalo de cerca de 2 meses entre a data de uma e de outra (27/04/2004 e 28/06/2004);
- em todas as facturas a designação dos serviços é genérica;
- a letra com que foram preenchidas estas facturas parece a mesma das facturas de outros prestadores de serviços no mesmo ano, I… e D…, à excepção da factura da F…;
- todas as facturas foram pagas a dinheiro – sem embargos dos elevados valores implicados;
- estas facturas não contêm o carimbo da empresa mas contêm uma rubrica.
- Ponderam-se os termos das facturas de fls.43 a fls.44, fls.49 a fs.50, fls.53 a fls.54 – do inquérito Vol I (capeado a verde).
Atentos estes dados, conclui-se que, de facto, as facturas emitidas em nome de E…, Lda., não correspondem a transacções efectivas.
4) Das facturas da F…, Lda.
- A convicção do julgador quanto à aferição de que as facturas emitidas por esta empresa não correspondem a serviços efectivamente prestados, repousa na consideração conjugada do depoimento de AB…, sócio gerente da F… nos anos em apreço (2003-2004) – cf. certidão de matrícula de fls.234 e seg. do I Vol. Inquérito, que prestou um depoimento escorreito e natural, esclarecendo com espontaneidade que a sua empresa nunca teve quaisquer relações contratuais com a C…, Lda., que, aliás, nunca prestou o género de serviço em causa (“Serviços prestados em assentamento de granito e mármore, tratamento de betão, assentamento de soleiras e peitoris e execução de portais, execução de meias canas, arear paredes exteriores e assentamento de tijolo”) – sendo que a sua empresa se dedica ao comércio por grosso de fibras têxteis, sendo que, no que tange à área da construção civil, se limita à comercialização de materiais de construção, essencialmente destinados a casas de banho, como torneiras, colunas de chuveiro, tijoleira, etc., sendo que ao contrário das facturas emitidas pela sua empresa (emissão por programa informático), as ajuizadas foram impressa em gráfica.
Relatou ainda as vicissitudes da queixa-crime que apresentou na sequência de um contacto telefónico da P…, da Póvoa de Lanhoso, que pretendia um esclarecimento sobre a numeração das facturas que – supostamente - a F… aí tinham mandado imprimir – o que não correspondia à verdade – e é denunciar do esquema de emissão de facturas falsas á revelia das entidades supostamente prestadoras de serviços.
Ponderou-se o teor da factura/recibo de fls.51 e 52 do I volume de inquérito.
Nesta medida, concluiu-se igualmente que a factura emitida em nome de F…, Lda., não corresponde a transacções efectivas.
5) Das facturas da G…, Lda.
- A convicção do julgador quanto à aferição de que as facturas emitidas por esta empresa não correspondem a serviços efectivamente prestados, repousa na consideração conjugada do depoimento de AC…, sócio gerente da G… nos anos em apreço (2004-2006) – cf. cópia de matrícula e contrato de sociedade de fls.248 a fls.256, que prestou um depoimento também ele escorreito e natural, esclarecendo com espontaneidade que a sua empresa nunca teve quaisquer relações contratuais com a C…, Lda., mais esclarecendo que nunca recorreu aos serviços da gráfica que emitiu as facturas em apreço, sendo que estas não correspondem ao modelo usado pela empresa.
No mais, salientam-se ainda as circunstâncias postas em relevo no relatório de inspecção ajuizado, elaborado e confirmado em audiência pela Srª inspectora tributária W…, designadamente o facto de:
a) Terem sido contabilizadas pela C…, l.da, em 2006, sete facturas da G…, das quais uma de Outubro, duas de Novembro e as restantes de Dezembro, sendo que a numeração destas facturas é sequencial, sendo a primeira a n.º 2374 e a última a n.º 2380.
Por outro lado, da observação das facturas conclui-se que são do mesmo modelo das da D…, e, ainda, que a letra com que umas e outras foram preenchidas parece ser idêntica.
A designação dos serviços também é semelhante.
Acresce referir que o verso de todos os recibos das facturas da G…, contêm a seguinte anotação: “Para os devidos efeitos declaramos que a factura referente a este recibo foi para em numerário”, seguida de carimbo da sociedade e assinatura do gerente B….
O pagamento em dinheiro não pode ser considerado usual para os valores envolvidos.
- ponderam-se os termos das facturas de fls.95 a fls.106, – do I Vol de inquérito.
Nesta medida, conclui-se que as facturas emitidas em nome de G…, Lda., não corresponde a transacções efectivas.
6) Das facturas da I…, Lda.:
No que concerne à aferição de que as facturas emitidas por esta empresa não correspondem a serviços efectivamente prestados, repousa desde logo nas declarações do próprio co-arguido H…, que, chamando a si a gestão exclusiva da empresa em epígrafe (excluindo a sua esposa de tal gestão), admitiu que a globalidade das facturas ajuizadas não correspondem a quaisquer serviços, aduzindo apenas que teria prestado um único serviço – por dois meses – em 2004 - na marginal do Porto – que – tudo contabilizado – não ascenderia a mais de €4.000,00 (a que acresceria o IVA) – o que nem sequer encontra qualquer correspondência nas facturas ajuizadas.
- No mais, referiu que, a pedido do arguido B…, lhe teria entregue o livro de facturas em causa, com o qual, à sua revelia, aquele emitiu como quis as facturas ajuizadas – sendo que as mesmas não correspondem a quaisquer serviços prestados.
- Mas curiosamente admite que assinou a generalidade das facturas e recibos patenteados nos autos.
- Dito isto, nem mesmo quanto ao eventual sobredito serviço ficou o tribunal convencido que o mesmo tivesse sido prestado – muito pelo contrário.
É que dos autos evolam indícios suficientemente sólidos no sentido de convencer que o mesmo – à semelhança dos demais - não foram prestados.
Com efeito, quanto à específica obra que o arguido refere, é de notar que não apresentou um único elemento fidedigno que corrobore a sua existência.
- desde logo, como se disse, o valor por si asseverado como tendo sido o custo da obra, não tem correspondência em qualquer uma das facturas ajuizadas;
- referiu nomes de trabalhadores que teriam supostamente executado tal obra, quando nenhum dos ex-trabalhadores da referida empresa ouvidos em audiência (AD…; AE…; AF…; AH…) corroborou a existência de qualquer prestação de serviços ao serviço da empresa após o ano de 2003;
- salienta-se o facto de resultar do teor das declarações de remunerações emitidas pela Segurança Social – patenteadas a fls.47 a fls.58 e a fls.60 e seg., dos anexos – que a empresa em apreço não tinha qualquer trabalhador inscrito na Segurança Social após 31-07-2003 – constando apenas até 31-07-2004, o filho do arguido H…, e os arguidos K… e J… até 30-04-2005;
- observa-se ainda que os print`s de fls.35 e 36 – corroboram à ausência de qualquer alvará de construção ou título de registo junto do “INSTITUTO DA CONSTRUÇÃO E DO IMOBILIÁRIO” (anterior IMOPPII);
- pondera-se ainda o teor conjugado das informações de fls.66 e 71, quanto à inexistência de contratos de seguro de acidentes de trabalho;
- Ademais, e como decorre do teor dos relatórios juntos aos autos e o arguido H… não refutou, a aqui terceira arguida não apresenta declarações de IRC desde 2001, nem de IVA desde o 2.º trimestre de 2003.
- No ano de 2004 apenas os arguidos J… e H… e a testemunha K…, entregaram declarações de IRS a indicar como entidade pagadora a terceira arguida e foram declarados na Segurança Social;
- Para o ano de 2005 e 2006, nada consta;
- Não constam da base de dados da DGSI, nem são conhecidos quaisquer fornecedores nacionais ou comunitários para a terceira arguida;
Não se encontra registado na contabilidade qualquer imobilizado – como confirmou o arguido H… – admitindo que a empresa não tinha imobilizado.
Tudo indiciando, pois, que a partir do ano de 2003, a empresa em apreço – cessou a sua actividade.
No mais, e quanto à globalidade das facturas, como resulta ainda do relatório de inspecção:
- Relativamente a todas as facturas respeitantes a aquisição de subcontratos foram contabilizados os respectivos recibos, nos quais foi aposta a classificação contabilística de 11.Caixa/21.Clientes;
- Todas as facturas foram pagas em numerário;
- Embora a empresa utilize contas bancárias e tenha exibido os respectivos extractos de conta, da consulta aos mesmos conclui-se que não foram movimentados valores que fiquem sequer próximos dos valores envolvidos.
Dos valores com algum significado constantes dos extractos não foi possível estabelecer qualquer relação com as facturas em questão.
Conclui-se, assim, que não existe prova externa dos pagamentos efectuados.
- valeu ainda o teor do extracto de conta de fls.83, 102, 152 – quanto ao registo na contabilidade das facturas ajuizadas, bem como o teor destas – patenteadas a fls.84 a fls.92, recibos de fls.93 a fls.101, facturas de fls.103 a fls.126, correspondentes recibos de fls.127 a fls.151; facturas de fls.153 a fls.164, correspondentes recibos de fls.165 a fls.176 – dos anexos – e a fls.55 a fls.72 do I vol de inquérito – que corroboram os valores implicados e a natureza vaga e displicente dos serviços alegadamente prestados;
- quanto à apresentação das correspondentes declarações de IVA valeu o teor das consultas de fls.178 a fls.185.
- quanto à inclusão na contabilidade da sociedade 1ª arguida das facturas ajuizadas valeu ainda o extracto de conta de fls.107 a fls.109, de fls.127 a fls.132 – I Vol. inquérito, os balancetes de fls.119 a fls.126;
- no que tange ao acerto dos valores em dívida em sede de IRC, ponderou-se as notas de cobrança/liquidação de fs.403 a fls.410.
Tudo conjugado, é de concluir que se tratam de facturas todas elas falsas.
De resto, e quanto à participação do arguido H… neste esquema, além do que vem de dizer-se, a sua própria narração dos factos é sintomática do seu comprometimento com o esquema ajuizado.
Recordando, referiu este arguido que, a pedido do arguido B…, lhe teria entregue o livro de facturas em causa, com o qual, à sua revelia, aquele emitiu como quis as facturas ajuizadas – sendo que as mesmas não correspondem a quaisquer serviços prestados.
- Mas curiosamente admite que assinou a generalidade das facturas e recibos patenteados nos autos.
Em primeiro lugar não é nada normal – e afronta totalmente as regras da experiência comum – que seja o beneficiário dos serviços – e não o prestador – a preencher as facturas alusivas aos serviços.
Quer dizer, pega-se em livro de facturas alheio e preenche-se como se entende!!!
Mas mais, curiosamente, sendo apenas um serviços, o arguido H… desata a assinar variadíssima facturas (para quê, pergunta-se, se o serviço era apenas um); sendo que neste particular não se percebe a explicação do arguido H… segundo a qual o arguido B… lhe havia referido que lhe interessa dividir o serviço prestado em várias facturas (para quê, pergunta-se, não se enetende). O certo é que, em vez de dividir, multiplicou várias vezes o serviço que o arguido H… diz ter prestado.
Enfim.
E como se isso não bastasse, é assaz sintomática a reacção (ou a falta dela) do arguido H… – quando o arguido B… lhe devolve o livro de facturas (é que, segundo aquele, que se visse, nada fez). Ia confrontá-lo, mas este ia ou tinha ido para França!!!!
Não se percebe pois como pode o arguido H… receber um livro de facturas com variadíssimas facturas preenchidas – à sua revelia diz – e nada fazer – designadamente denunciar a situação junto das Finanças.-
Mas passa pela cabeça dalguém que nada se faça quando o valor do serviço alegadamente prestado é multiplicado dezenas de vezes – com todas as consequências fiscal daí decorrentes, mormente a obrigação de liquidação do IVA correspondente.
Pelo que, à luz desta inacreditável história assaz mal contada pelo arguido H…, só podemos concluir que o mesmo estava amplamente comprometido neste esquema – que contou com a sua prestimosa colaboração – desde logo na aposição da sua assinatura nas facturas ajuizadas.
Nesta esteira, só podemos concluir que o mesmo aceitou integrar este esquema fraudulento a troco de qualquer contrapartida (“what else”? que outra explicação sobra?), embora, em concreto, a sua expressão não se tenha logrado apurar.
As condições pessoais e económicas dos arguidos H… e J… provaram-se com base nas suas declarações, que pareceram ao tribunal credíveis e desembaraçadas.
As condições de vida do arguido B… aferiram-se com base no teor da declaração de fls.22 – (II Vol.).
*
No que toca aos antecedentes criminais dos arguidos J… e B…, baseou-se o tribunal nos C.R.C de fls.216 a 217.
Quanto aos antecedentes do arguido H… valorou-se o CRC que antecede – junto no dia de hoje – no decurso da audiência de leitura.
*
Relativamente aos factos dados como não provados, além do se foi dizendo acima, quanto à falência de demonstração da participação da arguida J… nos factos ajuizados, ela decorrência da total ausência de corroboração, uma vez que inexiste qualquer elemento que a liga a tais factos, sendo que, mesmo no que diz respeito à gestão da Sociedade, da prova produzida ficou o Tribunal convencido que esta pertencia em exclusivo ao arguido H… (como asseverado pelos arguidos), noção esta amplamente corroborada por todos os ex-trabalhadores da referida empresa ouvidos em audiência (AD…; AE…; AF…; AG…).
Quanto aos restantes factos, emerge o seu rol da total ausência de prova.
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II .II Fundamentação de Direito- Enquadramento jurídico-penal dos factos
O CRIME DE FRAUDE FISCAL.
Vêm os arguidos acusados, em co-autoria, pela prática de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos art°6, 103, n.º1 e n02, 104, n.ºl e n02, da Lei 15/2001 de 5-6 (Regime Geral das Infracções Tributárias), sendo as sociedades arguidas responsáveis nos termos dos art° 7 e 12 do mencionado diploma legal.
O tipo fundamental da fraude fiscal – previsto no artigo 103.º, do RGIT – na redacção inicial, estatuía que:
“1- Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
1- A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2- Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior €7.500.
3- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
Por força da nova redacção dada ao n.º2, do artigo 103.º, do RGIT, pela Lei n.º60-A/2005, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor a 01-01-2006, o referido n.º 2, passou a dispor que:
“Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior €15.000.
Dispõe por sua vez o artigo 104.º do R.G.I.T., sob a epígrafe de “fraude qualificada” que:
“1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
(…)
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
Quanto à moldura penal aplicável para as pessoas singulares a pena prevista é a de 1 a 5 anos. Tratando-se de pessoa colectiva é aplicável a pena de multa é de 240 a 1200 dias, com os limites do art. 15.º, n.º 1, isto é, entre € 5 e € 5000.
Como referem ANTÓNIO AUGUSTO TOLDA PINTO e JORGE MANUEL ALMEIDA DOS REIS BRAVO, in “O Regime Geral das Infracções Tributarias e Regimes Sancionatórios Especiais Anotados”, página 310, “é este o tipo de crime fiscal com o maior desvalor da acção no sentido que pune as condutas que são social e eticamente mais danosas dos interesses inseridos no âmbito da relação jurídico-tributária entre o Estado e os cidadãos”.
Sinteticamente, pode definir-se fraude fiscal como toda a acção ou omissão destinada a impedir, reduzir ou retardar o pagamento de uma obrigação tributária.
Analisando melhor este tipo de crime, dir-se-á que o sujeito activo deste crime é o contribuinte (que pode ser uma pessoa singular ou colectiva, esta última punida por aplicação do artigo 7.º do R.G.I.T.) e o sujeito passivo, o Estado- Administração Fiscal.
Quanto ao bem jurídico protegido, cumpre referir liminarmente que existem, em tese, distintos modelos de organização dos crimes fiscais, como se colhe no Acórdão do S.T.J. de 21/05/2003 (processo n.º 03P132), publicado em http://www.dgsi.pt, onde se refere que: Relativamente aos modelos de organização dos crimes fiscais, tem-se distinguido três: o que centra a ilicitude no dano causado ao erário público, dando relevo na estrutura do ilícito ao desvalor do resultado; o que centra a ilicitude na violação dos deveres de colaboração dos contribuintes com a Administração e, por consequência, na violação dos deveres de informação e de verdade fiscal, dando prevalência ao desvalor da acção; o que se apoia em razões mistas, resultantes da combinação dos anteriores modelos. O legislador preferiu o modelo misto de protecção do património fiscal do Estado e de valores de verdade e lealdade fiscal, paradigma a que obedece ao direito português.”
Quanto ao tipo objectivo, este tipo de crime pode ser cometido quer por acção quer por omissão. As condutas tipificadas na lei podem resumir-se na ocultação de factos ou valores declarados (por acção) /ocultação de factos ou valores que devam ser declarados (por omissão) simula­ção, quanto ao valor, à natureza, por interposição, omissão, ou substi­tuição de pessoas, praticada em negócios, de que resultem factos sujeitos a tributação.
Outro elemento do tipo é, actualmente[1], a existência de vantagem patrimonial ilegítima relevante, não inferior a 15 000 euros.
Por outro lado, é necessário e quanto ao tipo subjectivo de ilícito, o dolo (cf. artigo 13.º e 14.º do C.P. aplicável ex vi artigo 3.º do R.G.I.T.)
É necessário que tais condutas visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, conforme se refere no corpo do artigo 103.º.
Quanto ao momento e o lugar em que se consuma o crime deve entender-se que o momento deverá ser o da recepção da declaração “defraudada “ou o termo do prazo da sua apresentação (omissão).
Para a consumação do crime em apreço, tem-se entendido que é irrelevante a produção do resultado lesivo (defraudação do património publico fiscal).
Trata-se, com efeito, de um crime classificado doutrinalmente como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente pois o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente. Ou seja, a sua estrutura paradigmática é a tentativa pois o resultado apenas releva para efeitos de graduação de pena. O resultado é antecipado para o momento anterior ao do dano material, para o momento em que o património fiscal do Estado é colocado em risco, sendo certo que o resultado fica dependente tão-só de mero acaso[2].
De facto, basta-se a lei com "as condutas ilegítimas tipificadas que visem ou sejam pré-ordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias", vale dizer que “o crime de fraude fiscal não exige a verificação de prejuízo para o fisco.”- Cf. o Acórdão da Relação do Porto de 23/02/2005, p.0341594, relatado pela Desembargadora ISABEL PAIS MARTINS, disponível no sobredito site.
*
Ora, posto isto, e no que ao caso interessa, na medida que da acusação consta a referência à ausência de liquidação de imposto relativamente a vários períodos, quer a título de IVA, quer a título de IRC, impõe-se observar liminarmente que, nos termos do n.º3, do artigo 103.º, do RGIT, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Com efeito, a prática do crime de fraude/abuso de confiança fiscal tal como o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social consuma-se com a não entrega das prestações relativas a cada período.
Assim, em princípio (sem prejuízo da unificação das várias condutas num único crime ou numa continuação criminosa – como infra melhor se verá), haverá tantos crimes quantos os períodos em que se verificou a falta de entrega das prestações [vide, neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 21/01/2009, p.342/04.6TAAVR, relatado por RIBEIRO MARTINS, disponível no site www.dgsi.pt].
No caso ajuizado, teremos de considerar que a empresa “C…, Lda.”, aqui 1ª arguida, é sujeito passivo enquadrado para efeitos de IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado) no regime normal de periodicidade trimestral e de IRC (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas) no regime geral.
Ora, no que a IVA diz respeito, a verdade é que em nenhuma das declarações de IVA ajuizadas – o montante contabilizado a título de IVA respeitante às operações que se apuraram não existir – excede o valor de €15.000,00 (valor a considerar quer relativamente às declarações apresentadas após 1/01/2006, quer às apresentadas em data anterior, por força da aplicação da lei mais favorável).
Aqui chegados, concluir-se-á, que as condutas em causa ou nunca configuraram crime, ou tendo configurado foram entretanto descriminalizadas (como a defesa dos arguidos suscitou).
Convém porém ter presente que uma das questões que os autos suscitam prende-se com a questão de saber se a alteração do art. 103º, n.º 2 do RGIT, descriminalizando as condutas cuja vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a 15.000 €, se aplica (também) aos crimes de fraude qualificada ou apenas aos crimes de fraude simples.
Em abono da posição da acusação, O Ministério Público citou o acórdão proferido Tribunal da Relação de Guimarães, em 18-05-2009, no processo n.º 352/02.8IDBRG.G1, que entendeu que “o limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, não é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT, nomeadamente quando o agente utiliza facturas ou documentos equivalentes na execução do crime”.
Porém, e como se extrai do teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-03-2011, relatado por ÉLIA SÃO PEDRO, disponível no site www.dgsi.pt, “Trata-se, contudo, de uma posição isolada, quer na doutrina, quer na jurisprudência. ISABEL MARQUES DA SILVA, reconhecendo que a questão é controversa, considera que “embora o art. 104º seja “estranhamente mudo” sobre este aspecto”, o regime previsto no n.º 2 do art. 103º do RGIT (fraude fiscal simples) “deve valer também para a fraude qualificada a exigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima, sendo essa exigência decorrente da própria definição do crime fiscal base da fraude, exigindo para a verificação de todos os elementos deste e ainda de circunstâncias especiais, que têm por efeito a agravação da penalidade” – RGIT, Cadernos IDEF, 5, 2ª Edição, pág. 164.
SUSANA AIRES DE SOUSA, em Os crimes Fiscais, Coimbra Editora, 2009, pág.118, citando em seu apoio (ainda) GERMANO MARQUES DA SILVA, em Notas sobre o Regime Geral das Infracções Tributárias, Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo II, 2001, pág. 64, é da mesma opinião: «Uma outra questão importante é a de saber se o n.º 2 do artigo 103.º que estabelece a não punibilidade das condutas fraudulentas quando a vantagem ilegítima for inferior a € 7500 vale nos casos em que a fraude é qualificada. A nosso ver a resposta só pode ser no sentido da validade, no âmbito do artigo 104.º daquele limite. A fraude qualificada só assume dignidade penal quando a vantagem patrimonial ilegítima, conseguida pelo agente em detrimento do património do Estado, for igual ou superior àquele montante».
NUNO POMBO, em Fraude Fiscal, Almedina, 2007, pág. 215, defende igual opinião: «Refira-se por último que o legislador, pela técnica usada no desenho da norma incriminadora, veio permitir que se instalasse a dúvida quando a saber se a efectiva punição, tal como se estabelece para o crime de fraude simples, pressupõe a pretensão de ser auferida vantagem patrimonial igual ou superior a 15.000 €. Com efeito, o artigo 104.º sobre este aspecto, é estranhamente mudo. Parece-nos todavia, que a melhor solução, em homenagem mais ao espírito do instituto do que aos elementos literais disponíveis, será a que advoga dever ser tomado em conta o limite de que depende a respectiva punição. A qualificação opera-se pela recepção de circunstâncias modificativas agravantes e deve traduzir-se não no alargamento das situações puníveis mas, como acontece, num endurecimento das respectivas penas».
SIMAS SANTOS e JORGE DE SOUSA, em Regime Geral das Infracções Tributárias, 2ª Edição, 2008, pág. 737, anotação 3 ao art. 104º, consideram também aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada o valor “referência” da vantagem patrimonial ilegítima, quando referem: “A falsificação ou viciação, ocultação, destruição, inutilização ou recusa de entrega, exibição ou apresentação de livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária, pelo agente, bem como o uso por este daqueles elementos, sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro, por parte das entidades empregadoras, dos trabalhadores independentes e dos beneficiários que visem a liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias de valor igual ou superior a € 7500, não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber, caso em que será a aplicável [als. d) e e) do n.º 1 e 3]”. Este entendimento supõe que as condutas a que alude o art. 104º, 1, als d) e e) causem diminuição de receitas fiscais de valor superior ao do liminar da “punibilidade” previsto no artigo anterior.
Por seu turno, o acórdão da Relação de Coimbra, de 19-01-2011, proferido no processo n.º 1036/06.3TAAVR.C1, entendeu que “o limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT”.
Também o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão recente, de 16/03/2011, proferido no recurso n.º 65/05.9IDAVR.P1, entendeu que “o crime de fraude fiscal apenas será qualificado se, para além da ocorrência de, pelo menos, duas das suas circunstâncias agravativas, as mesmas forem aptas a causar um prejuízo ou a diminuição de vantagens tributárias no valor de, pelo menos, €15.000”»
Assim, e acompanhando ainda aquele ilustre Desembargador, a cujos argumentos aderimos na íntegra, «A nosso ver, é este o melhor entendimento, por diversas razões: literais, sistemáticas (lógicas) e teleológicas.
Em primeiro lugar, existem alguns aspectos literais a impor tal leitura, como seja a referência, no art. 104º, aos “factos previstos no artigo anterior”. Um dos factos previstos no artigo anterior é precisamente o previsto no n.º 2, segundo o qual não há punibilidade quando o montante da vantagem patrimonial ilegítima for “inferior a 15.000 €”. Se tivesse havido intenção de punir a fraude qualificada, independentemente do valor da vantagem ilegítima, a remissão deveria ter excluído o n.º 2.
Outro aspecto literal decorre da expressão usada no n.º 2 do art. 104º: “fraude”. Na verdade, o n.º 2 do art. 104º começa por dizer que “a mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante (…)”. Ao falar em fraude, está certamente a referir-se a uma fraude punível, ou seja, que tenha causado uma diminuição de receitas de valor superior a 15.000 €, já que abaixo desse valor o comportamento é punível e qualificado apenas como contra-ordenação e não como “fraude” fiscal (art. 118º do RGIT).
Para além desta referência aos factos previstos no art. 103º, sem excluir o n.º 2 e utilizando a expressão “fraude”, há elementos sistemáticos relevantes. A técnica legislativa de agravar a moldura penal dos crimes, através de circunstâncias qualificativas, traduz sempre uma remissão para o crime simples (género), destacando um especial modo de realização (espécie). O crime qualificado é assim, por definição, aquele que contém todos os elementos do crime simples, com a particularidade de ser cometido em determinadas circunstâncias.
Finalmente, a circunstância qualificativa a que se refere o n.º 2 do art. 104º decorre do facto de o crime de fraude simples ser cometido através da “utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes”. Esta incriminação especial resultou da utilização em larga escala de “facturas falsas” (ISABEL MARQUES DA SILVA, ob. cit. pág. 164, “… processos que invadiram os tribunais portugueses…”) e, portanto, de se ter querido combater uma forma especialmente em voga de cometer o crime de fraude fiscal. Não se vê qualquer razão especial para que o crime de fraude fiscal cometido através de facturas falsas ou documentos equivalentes deva ser punido, mesmo que a vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a € 15.000. Toda a criminalidade fiscal visa combater a fuga ao pagamento de obrigações tributárias e, por isso, o bem jurídico comum é a obtenção das receitas fiscais devidas, elevado à categoria de bem jurídico penalmente relevante, por se tratar de um bem comum da maior importância para o ordenamento da sociedade. O direito tributário tem mecanismos próprios para executar as dívidas fiscais e não tem sentido, nos dias de hoje, criminalizar o incumprimento das obrigações pecuniárias. Por isso, o legislador recorre ao direito penal para punir as obrigações acessórias, através das quais se podem ocultar ou alterar as futuras obrigações pecuniárias. É certo que pune a violação de obrigações acessórias, mas a razão de ser da punição dessas obrigações é sempre evitar a frustração do recebimento das receitas tributárias. Daí que o valor do prejuízo fiscal tenha, no direito penal tributário, tão grande relevância, sendo em função desse valor que, afinal, se demarca o crime da contra-ordenação (cfr. art. 118º do RGIT). A existência de um determinado valor do prejuízo fiscal (vantagem patrimonial ilegítima), a demarcar o crime da contra-ordenação, significa que o legislador entende que os prejuízos mais pequenos não devem ser criminalizados, qualquer que seja a obrigação acessória que tenha sido frustrada e qualquer que seja o meio utilizado para tal. Atenta a finalidade da punição (visando sempre o cumprimento de obrigações pecuniárias), não faria sentido que o prejuízo fiscal fosse irrelevante para criminalizar a conduta, mas já fosse bastante para recortar o tipo de crime qualificado pelo meio utilizado. Se fosse essa a intenção do legislador, teria criminalizado com total autonomia a conduta em causa, o que não fez neste caso. Ou seja, as razões que levaram o legislador a estabelecer, no n.º 2 do art. 103º, um limiar da punibilidade como crime, tanto se verificam quando o crime seja cometido através da utilização de facturas falsas, como quando seja cometido através da celebração de um negócio jurídico simulado, pois está sempre em causa evitar comportamentos que visem obter vantagens patrimoniais fiscalmente ilícitas.»
Pelo que, aderindo integralmente a este entendimento, devemos considerar:
- Que as condutas que correspondem a declarações de IVA que não excediam o montante de €7.500,00 – cuja obrigação de entrega se verificou antes de 1/01/2006, não configuram como não configurar a prática de um crime de abuso fiscal;
Que as condutas que correspondem a declarações de IVA que excediam o montante de €7.500,00 – cuja obrigação de entrega se verificou antes de 1/01/2006, foram entretanto despenalizadas;
Que as condutas que correspondem a declarações de IVA que não excediam o montante de €15.000,00 – cuja obrigação de entrega se verificou após de 1/01/2006, não configuram o crime em apreço.
Tudo ponderado, é de concluir que no que a IVA concerne a conduta dos arguidos não é actualmente punível.
Com efeito, independentemente de se considerar o valor da vantagem patrimonial como elemento do próprio tipo, como aparentemente se sugere em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 19 de Janeiro de 2004[3], ou como “cláusula objectiva de extinção da responsabilidade criminal, em função do montante (não considerado relevante pela Lei)”[4], a verdade é que, tanto num caso como noutro, as condutas do jaez daquela que se atribuem aos arguidos deixam de ser criminalmente puníveis à luz da lei nova.
Já quanto a IRC, superando as vantagens ilegítimas, em cada um dos anos, aquele valor de €15.000,00 – tais condutas permanecem puníveis.
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Por conseguinte, os arguidos, com as suas condutas, preencheram os elementos objectivos da incriminação em apreço.
Ademais, atenta a materialidade dada como provada, forçoso de torna de concluir pela verificação do elemento subjectivo, na modalidade de dolo directo (cf. o artigo 14.º, n.º1, do Código Penal), considerando agiram no intuito de obter um benefício ilegítimo traduzido numa vantagem patrimonial ilegítima.
Ademais, tratando-se este de um típico caso de utilização de facturas falsas (titulando operações inexistente), é evidente que os arguidos incorreram na prática do crime de fraude fiscal qualificada de quem vêm acusados (cf. o artigo 104.º/1/2, com referência o artigo 103.º/1, do RGIT)
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Da eventual prescrição:
Tal matéria vem expressamente regulada no artigo 21.º, do RGIT.
De harmonia com tal normativo:
1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.
2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.
3 - O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
4 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º
Antes de mais, convém ter presente que a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou a resolução inicial;
b) um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; e
c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores – por todos, v. ac. S.T.J. de 25-6-86 in BMJ 358/267.
Ora, no caso ajuizado, tratando-se de condutas que obedecem ao mesmo dolo ou resolução inicial – o termo inicial da prescrição só sucede quando cessa a permanência da acção (no caso aquando da apresentação da declaração de IRC relativa ao ano de 2006 – no ano de 2007) – artigo 119.º/1/2, alínea b), do Código Penal.
Por outro lado, e quanto ao prazo de prescrição, tratando-se de crime de fraude fiscal qualificado, o prazo de prescrição, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 21.º/2, e 104.º/1, do RGIT e 118.º/1/alínea b), do Código Penal, é de 10 anos.
Pelo que, manifestamente, não ocorre a invocada prescrição (sendo certo que ainda se deveriam levar em linha de conta causa de interrupção da prescrição, como seja a constituição de arguido (artigo 121.º/1/alínea a), do CP, a notificação da acusação (alínea b)), e a notificação do despacho que designou dia para julgamento (alínea d)) – o que sempre levaria ao acréscimo do prazo de prescrição – cf. o artigo 121.º/3, do CP.
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ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
1. Da escolha da pena.
O crime de fraude fiscal qualificada é punido com pena de prisão de um a cinco anos e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.
Inexistindo alternatividade, as penas estão por natureza escolhidas.
DOSIMETRIA DAS PENAS
Impõe-se proceder à sua graduação, Sendo convocável o artigo 71.º do C.P., o qual prescreve que a determinação da medida da pena deverá ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
De sorte que, a prevenção geral positiva fornece-nos uma “moldura de prevenção”: o limite máximo é constituído pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias; abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é efectivamente consistente e onde a pena ainda desempenha a sua função primordial (Cf. o Professor FIGUEIREDO DIAS, in As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, 1993,pág.229)
Dentro deste quadro, entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos, actuarão considerações de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
Este quantum deverá promover a inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, alcançando, deste modo, uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.
A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, “ a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” (cf. FIGUEIREDO DIAS, in Consequências….p.230). O limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, sob pena de por em causa a dignitas do delinquente (artigo 40.º, n.º2 do C.P.).
Nesta tarefa, o juiz é auxiliado pelo artigo 71.º, n.º2, do C.P., o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra o arguido, enumera, de forma exemplificativa, alguns dos mais importantes factores de medida da pena de carácter geral, como seja o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Posto isto, aplicando ao caso em mérito o que vimos de dizer, a favor dos arguidos depõem as seguintes circunstâncias:
- Encontrar-se o arguido H… familiar e socialmente bem inserido;
- Encontrar-se o arguido B… inserido em termos profissionais;
- o facto de o arguido B… não apresentar antecedentes criminais.
contra os arguidos pesam as seguintes circunstâncias:
- A intensidade da culpa, atenta a modalidade de dolo – directo - de que se revestiram as suas condutas;
- A elevada ilicitude da conduta dos arguidos, sempre presente no caso da comissão de um crime de fraude fiscal qualificada, demais a demais com utilização de facturas falsas;
- A energia criminosa que revelaram, pois, ao utilizar facturas falsas.
- O elevado montante dos valores envolvidos (mais de €109.000,00) - cf. quanto à particular importância dada a este factor o artigo 13.º, do RGIT;
- As elevadas necessidades de prevenção geral, que se fazem sentir no domínio a criminalidade fiscal, não pela disseminação deste tipo de comportamento, mas pelo sentimento de impunidade reinante.
- os antecedentes criminais do arguido H….
- Releva ainda contra o arguido B… – e de que maneira – o valor do benefício patrimonial por este obtido com este esquema – mais de €106.000,00.
Tudo ponderado, tendo em conta as referidas molduras penais, entendo adequado Condenar o arguido H… pela prática, em co-autoria material, relativamente ao exercício do ano de 2005, na pena de um ano e seis meses de prisão.
Condenar o arguido B… pela prática, em co-autoria material, na pena de TRÊS anos de prisão.
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Quanto às arguidas sociedades, por força das disposições conjugadas dos artigos 103.ºn.º1 e 2.º e 104.º1 e 2, do RGIT prevê-se que a pena pecuniária possa oscilar num intervalo entre 240 e 1200 dias, variando a taxa diária entre €5,00 e €5000,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos (artigo 15.º, do RGIT).
À luz desta moldura legal, atentas as necessidades de prevenção que o caso suscita – já acima afloradas no caso dos arguidos pessoas singulares – e à situação económica sociedades arguidas, considero adequado:
- Condenar a “C…, Lda, sendo responsável nos termos dos art° 7.º e 12.º, do mencionado diploma legal, na pena de 800 dias de pena de multa, à taxa diária de €10,00, o que perfaz um total de €8.000,00 (oito mil euros).
Condenar a “I…, Lda.”, sendo responsável nos termos dos art° 7.º e 12.º, do mencionado diploma legal, na pena de 300 dias de pena de multa, à taxa diária de €10,00, o que perfaz um total de €3.000,00 (três mil euros).
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Da Suspensão Da Execução da Pena de Prisão
Dispõe o artigo 50.º, n.º1, do C.P. (na redacção emergente do 1.º, da Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro) que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Um juízo favorável relativamente à suspensão da execução da pena de prisão assentará numa “prognose social favorável ao arguido” como lhe chama JESCHECK (apud LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, 3ª Edição, 1ºVolume, Editora Rei dos Livros, 2002, p.639), de que o mesmo não cometerá novos crimes inculcando a sentença já como censura suficiente e desencorajadora da prática de novos factos típicos.
No caso concreto, não obstante a forte ilicitude das condutas dos arguidos, a elevada energia criminosa que revelaram (agravada no caso do arguido C…), e os montantes implicados, tendo presente que os arguido se mostram plenamente integrados do ponto de vista social e familiar, e o facto de o arguido C… – principal beneficiário deste esquema – não apresentar antecedentes criminais – entende-se ser de suspender a pena aplicada a este arguido.
Quanto ao arguido H…, conquanto tenha já antecedentes criminais neste domínio, a verdade é que à data da prática dos factos, apenas registava um antecedente criminal pela prática de um crime de desobediência, pela qual foi condenado em pena de multa.
Observa-se ainda que a conduta deste arguido apenas releva em sede de IRC e apenas na expressão das facturas por si passadas – e não pela totalidade das suas facturas.
Decide-se, pois, pela aplicabilidade ao caso da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, por um prazo de 5 anos – entendendo o tribunal que o artigo 14.º, do RGIT, constitui Lei especial relativamente às disposições do Código Penal, e, portanto, o período da suspensão não terá necessariamente que ser determinado em função da pena de prisão aplicada (cf. o artigo 50.º, n.º5, do CP).
A suspensão da pena de prisão será condicionada, todavia, nos termos do artigo 14.º, do RGIT[5], ao pagamento da vantagem patrimonial obtida.
No caso do arguido B… tal vantagem refere-se ao valor de €109.243,06 – referente a IRC – quanto aos anos de 2003 a 2006 e acréscimos legais.
Quanto ao arguido H… – atendendo ao peso das referidas facturas no âmbito do resultado da colecta de IRC – constata-se que apenas relativamente ao ano de 2005 – a sua conduta é idónea a superar o limiar da vantagem patrimonial de €15.000,00 (sendo que relativamente a este ano apenas as facturas da I… – foram contabilizadas pela sociedade C…).
Pelo que, no caso do arguido H… tal vantagem refere-se ao valor de €36.773,28 – referente ao exercício de 2005 ao nível de IRC – e acréscimos legais.
Assim, suspende-se a pena aplicada a ambos os arguidos pelo prazo de 5 anos, a contar do trânsito da presente condenação – devendo os arguidos comprovar nos autos a liquidação de tais montantes em tal prazo.
(…)»

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente invocar a prescrição do procedimento criminal. Alega que o prazo respetivo (de quatro ou cinco anos) se conta a partir do mês de maio do ano seguinte ao das declarações de I.R.C. em causa (ou seja, 2004, 2005, 2006 e 2007), não se vislumbrando, como se sustenta na douta sentença recorrida, que tal contagem se inicie com o último ato alegadamente continuado, pois será relevante o dia em que o facto se tiver consumado, nos termos do artigo 119º, nº 1, do Código Penal. Alega também que não se verificou qualquer facto suspensivo ou interruptivo de tal prescrição.
Esta questão foi já corretamente abordada na douta sentença recorrida e a sumária argumentação do recorrente nada traz de novo.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21º, nº 2, e 104º, nº 1, do R.G.I.T. e do artigo 118º, nº 1, b), do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de fraude fiscal qualificada é de dez anos.
Uma vez que estamos perante a prática de um único crime, que resulta de uma única resolução criminosa, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que cessou a permanência da ação (artigo 119º, nº 1 e 2, a), do Código Penal), ou seja, neste caso, da apresentação da declaração de I.R.C. relativa ao ano de 2006 (no ano de 2007).
E, além disso, verificaram-se factos interruptivos da prescrição, como a constituição de arguido (artigo 121º, nº 1, a), do Código Penal), a notificação da acusação (alínea b) do mesmo número) e a notificação do despacho que designa dia para julgamento (alínea d) do mesmo número), o que sempre levaria ao acréscimo do prazo de prescrição (número 3 do mesmo artigo).
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2. - Vem o arguido e recorrente alegar que a sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos dos artigos 374º, nº 2, e 379, nº 1, a), do Código de Processo Penal, por violação do dever de fundamentação, de facto e de direito. Não indica, porém, o motivo em que apoia tal alegação, limitando-se a exprimir a sua discordância quanto ao teor da fundamentação e ao sentido da decisão tomada.
Poderá, na verdade, discordar-se de tal fundamentação e de tal decisão, Mas não pode, de modo algum, afirmar-se que a douta sentença recorrida enferma de falta, ou insuficiência de fundamentação. Tal fundamentação, de facto e de direito, completa e exaustiva, está bem patente na transcrição acima efetuada.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

IV 3. – Vem o arguido e recorrente alegar que a sentença recorrida enferma de contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 410º, nº 2, b), do Código de Processo Penal, quanto aos factos provados descritos sob os números 7 e 8, por um lado, e 12, 19, 20, 29, 33, 34, 42, 49, 50, 51, 52 e 53, por outro lado. Não indica, porém, em que consiste tal contradição (nem conseguimos vislumbrar em que possa consistir), à exceção do seguinte.
Alega o arguido e recorrente que na sentença recorrida se afirma (nos pontos 7 e 8 do elenco dos factos provados), por um lado, que ele preencheu, por si e em representação da sociedade arguida “C…, Ldª”, ou por outrem a seu mando, as faturas indicadas, sem o conhecimento ou autorização dos sócios-gerentes das sociedades a que tais facturas eram relativas, quando, logo a seguir (no pontos 12 e 13 desse mesmo elenco dos factos provados) se afirma que as faturas em causa foram emitidas pelas sociedades a que eram relativas.
A sentença em apreço não considerou provado que o arguido e recorrente tenha feito imprimir faturas relativas às empresas em causa; considerou provado que ele usou livros de faturas dessas empresas e que preencheu faturas desses livros, tendo nelas aposto os respetivos carimbos.
Quando na sentença se identificam as faturas como “emitidas” pelas sociedades referidas, estamos perante uma imprecisão de linguagem que, interpretada no contexto geral da sentença, não suscita algum equívoco quanto ao sentido do que se pretende afirmar, ou alguma contradição insanável. Em rigor, tendo sido as faturas preenchidas pelo arguido (que lhes apôs os carimbos respetivos), não pode dizer-se que elas foram emitidas pelas sociedades a que eram relativas. A sentença refere-se às sociedades a que eram relativas tais faturas, àquelas cujo nome nelas figuravam, mesmo que estas tenham sido preenchidas pelo arguido (o que não suscita quaisquer dúvidas a qualquer leitor razoável), e mesmo que não se tenha provado quem foi o responsável pela impressão das mesmas.
Assim, impõe-se negar provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

IV 3. – Vem o arguido e recorrente alegar que a douta sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, c), do Código de Processo Penal.
Deve, porém, salientar-se que, como resulta deste número 2 desse artigo, este erro há-de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Alega, também o arguido e recorrente que a prova produzida impõe decisão diferente da que foi tomada, nos termos do artigo 412º, nº 3, do mesmo Código.
Quanto aos pontos 7 a 18 do elenco dos factos provados, alega o seguinte.
Dos depoimentos das testemunhas U… e V… (sócios-gerentes da sociedade “D…, Ldª”), W… e X… (inspetores tributários), AB… (sócio-gerente da sociedade “F…, Ldª”) e AC… (sócio-gerente da sociedade “G…, Ldª”) nada resulta que suporte a prova de que tenha sido o arguido, ou alguém a seu mando, a praticar esse factos.
Há que considerar, a este respeito, o seguinte.
A prova dos factos não tem de ser direta, pode ser indireta. Como se refere, entre outros, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010, proc. nº 86/06.0GBPRD.P1.S1, relatado por Soares Ramos (sum. in www.dgsi.pt): «Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC).
As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).»
Ora, a douta sentença recorrida expõe de forma convincente a forma como chega, indiretamente, à prova dos factos em apreço sem que algumas das testemunhas em causa tenha presenciado diretamente a prática desses factos.
O caminho assim percorrido ajusta-se às regras da lógica e da experiência comum: as empresas em causa não tinham relações comerciais com a sociedade “C…, Ldª” (de que o arguido era sócio-gerente); as faturas em causa não foram registadas nas declarações fiscais dessas sociedades; não têm uma rubrica com valor identificativo, não correspondem aos modelos usados pelas sociedades em causa, não apresentam referências a contratos e autos de medição e contêm referência genéricas, sem identificar o serviço prestado (local e data da prestação); apesar do seu elevado montante, as quantias em causa foram pagas sempre em numerário.
Concluir pela falsidade destas faturas, e pela intervenção do arguido e recorrente no seu preenchimento decorre dessas regras de lógica e experiência comum. Por que motivo haveriam de ser tais faturas registadas na sociedade de que o arguido e recorrente era sócio-gerente se não tivesse sido ele a preenchê-las falsamente com o objetivo de ocultar a real dimensão dos lucros dessa sociedade?
Não estamos, pois, quanto a estes factos, perante qualquer erro de apreciação de prova, nem a prova produzida impõe decisão diversa da que foi tomada.
Quanto aos factos descritos nos números 19 a 32 do elenco dos factos provados, alega o arguido e recorrente que os depoimentos do co-arguido H…, sócio-gerente da sociedade “I…, Ldª”, e das testemunhas AD… e AF…, empregados desta sociedade, contrariam tal versão.
Antes de mais, impõe-se salientar que o recorrente não cumpriu, a respeito destes depoimentos, o ónus decorrente do artigo 412º, nº 3, b), e nº 4, do Código de Processo Penal.
De qualquer modo, sempre se dirá o seguinte.
A douta sentença recorrida explica de forma completa e convincente a razão pela qual do depoimento do próprio arguido H… (que reconheceu nunca ter prestado os serviços a que se referem as faturas em causa), em conjugação com o próprio teor dessas faturas e a análise da contabilidade, declarações fiscais e relativas à Segurança Social da empresa por este gerida (entre outras informações), resulta a prova desses factos. E explica também, de forma convincente (em termos que a sumária argumentação do recorrente não rebate) a razão pela qual não considerou credível a versão desse arguido segundo a qual a sociedade por este gerida chegou a prestar um serviço à sociedade gerida pelo arguido recorrente e o preenchimento das faturas em causa teria siso feito pelo arguido recorrente à sua revelia.
São, também aqui, tais meios de prova em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum a conduzir, e bem, a douta sentença recorrida à prova dos factos referidos.
Quanto aos depoimentos das testemunhas AD…, deles não resulta, de modo algum, ao contrário do que alega o recorrente, que, durante o ano de 2004, a sociedade gerida pelo arguido H… tivesse ao seu serviço cerca de vinte trabalhadores e tivesse efetuado obras para a sociedade gerida pela arguido recorrente (veja-se o primeiro desses depoimentos aos minutos 4.00 a 5.48 e 10.25 a 17.45 e o segundo desses depoimentos ao minuto 8.04).
Quanto aos factos descritos sob os números 33 a 44 do elenco dos factos provados, alega apenas o arguido e recorrente que a indeterminação da pessoa que lhe terá cedido as faturas em causa impõe que se considerem não provados tais factos.
Também quanto a estes factos, a douta sentença recorrida explica de forma completa e convincente as razões por que os considera provados. O facto de não se ter apurado a identidade da pessoa que terá cedido ao arguido recorrente as faturas em causa não obsta, obviamente, à prova desse cedência e à prova da utilização dessas faturas nos termos e com os objetivos descritos.
Quanto aos factos descritos no elenco dos factos provados sob os números 45 a 54, alega o arguido e recorrente que da prova produzida não pode concluir-se que tenha actuado em benefício próprio.
Mas é óbvio, e não suscita quaisquer dúvidas, que, sendo o arguido e recorrente sócio-gerente da sociedade (também arguida) que beneficiou da vantagem patrimonial em causa (a falta de pagamento do imposto devido), tanto essa sociedade, como ele próprio, beneficiaram dessa vantagem, como consta da douta sentença recorrida.
Assim, não estamos, pois, quanto a qualquer dos factos considerados provados, perante qualquer erro de apreciação de prova, nem a prova produzida impõe decisão diversa da que foi tomada.
O recurso não merece, pois, provimento quanto a este aspeto.

IV 4. - Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que a sentença recorrida enferma de erro quanto à subsunção jurídica dos factos provados no crime de fraude fiscal.
Alega, por um lado, que não se verifica o elemento subjetivo de tal crime, pois não se verifica a intenção de obter para si uma vantagem patrimonial indevida.
Como vimos, provou-se (por razões óbvias) que o arguido actuou com intenção de obter vantagem ilegítima para si e para a sociedade de que era sócio-gerente. Mas não deixaria de cometer o crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelos artigos 6º; 103º, nºs 1 e 2; e 104º, nºs 1 e 2, da Lei nº 15/2001, de 5 de junho (Regime Geral das Infrações Tributárias), por que foi condenado, mesmo que atuasse com intenção de obter vantagem patrimonial apenas para a sociedade em causa. O tipo de crime em causa não exige a atuação com intenção de obter benefício pessoal.
Alega, por outro lado, o arguido e recorrente que não se verifica o elemento objetivo de tal crime, pois, sendo fictícias as relações comerciais a que se referiam as faturas em causa, nenhum imposto a elas relativo seria devido e não estamos perante qualquer relação jurídica fiscal.
No entanto, o imposto devido, e não pago, em causa, não é o relativo a alguma das relações fictícias em causa, é o relativo aos lucros tributáveis da sociedade ocultados através da contabilização de faturas falsas. Estamos, inequivocamente, perante uma relação jurídica fiscal e um prejuízo traduzido na diminuição das receitas fiscais do Estado.
Alega, ainda, o arguido e recorrente que é paradoxal que a mesma conduta seja punida no que diz respeito ao I.R.C., não o sendo no que diz respeito ao I.V.A.. Alega que não deveria também ser punida neste âmbito, pois o valor dos duodécimos relativos ao I.R.C. devido em cada um dos anos em causa é inferior a €15.000.
A este respeito, deve dizer-se que o “paradoxo” em causa resulta necessariamente da opção do legislador (que não nos cabe. nesta sede, pôr em causa) de descriminalização de condutas quando o valor da vantagem patrimonial em causa seja inferior a €15.000 (ver artigo 103º, nº 2, do R,G.I.T., na redação dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de dezembro), sendo os valores a considerar os que, nos termos da legislação aplicável, devem constar de cada declaração a apresentar à administração tributária. (ver o nº 3 do mesmo artigo). Assim, sendo as declarações relativas ao I.V.A. mensais, é relevante o valor de cada uma delas. E, sendo as declarações relativas ao I.R.C. anuais, é relevante o valor de cada uma delas (não, obviamente, dos duodécimos respetivos).
Impõe-se, pois, também quanto a este aspeto, negar provimento ao recurso.

IV 5 – Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que a pena em foi condenado deve ser especialmente atenuada, ou reduzida a um ano e meio de prisão.
O crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelos artigos 6º; 103º, nºs 1 e 2; e 104º, nºs 1 e 2, da Lei nº 15/2001, de 5 de junho (Regime Geral das Infrações Tributárias), é punível, no que às pessoas singulares diz respeito, com pena de prisão de um a cinco anos.
Na determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do artigo 70º, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 72º, nº 1, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos especialmente previstos na lei, quando ocorrerem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas deste, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Para este efeito são consideradas, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, entre outras, as circunstâncias seguintes: ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência (alínea a)); ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida (alínea b)); ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados (alínea c)); ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta (alínea d)).
Vem o arguido e recorrente alegar que a pena que lhe será aplicável deveria ser especialmente atenuada. Não invoca, porém, algum motivo para tal atenuação especial,
Na verdade, não se verifica nenhuma das situações a que se reporta o citado nº 2 do artigo 72º do Código Penal. E não se verifica qualquer outra circunstância que diminua de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Quanto à determinação da medida da pena dentro da respetiva moldura abstrata (de um a cinco anos), afigura-se que a douta sentença recorrida (que fixou tal pena em três anos) não é merecedora de reparo.
Na verdade, estamos perante uma conduta reiterada que se prolongou no tempo por várias anos e não podem deixar de ser considerados os elevados montantes envolvidos. O grau de ilicitude do crime é, pois, significativo.
Alega o arguido a circunstância de não ter agido em proveito próprio, mas apenas em proveito da empresa de que é sócio-gerente. Porém, tal não se provou. E mesmo que tal se provasse, pouco relevo teria.
A douta sentença recorrida não deixou de considerar, como circunstâncias atenuantes, a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido recorrente e a sua inserção profissional.
Assim, impõe-se negar provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

IV 6. – Vem o arguido e recorrente alegar, por último, que não deve manter-se a condição de pagamento a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena em que foi condenado. Alega que não lhe é aplicável o artigo 14º do R.G.I.T., pois não é ele (mas antes a sociedade de que era sócio-gerente) o devedor dos impostos em causa. Alega, por outro lado, que a sua precária situação económica torna irrazoável, desadequada e desproporcionada tal condição de pagamento, sendo a aplicação desse artigo 14º ao caso em apreço inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e das regras constitucionais relativas à restrição de direitos fundamentais.
O Ministério Público junto desta instância, no seu douto parecer, invocando a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012, a precariedade da situação económica do arguido e recorrente, a sua inserção sócio-profissional e a ausência de antecedentes criminais, pugna pela não sujeição a tal condição de pagamento da suspensão de execução de pena em que ele foi condenado.
Na sua resposta a tal parecer, o arguido e recorrente veio manifestar a sua concordância quanto a esta última questão.
Vejamos.
O artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T. impõe obrigatoriamente a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão relativa a crimes tributários ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, bem como dos montantes indevidamente obtidos.
Foi isso que se verificou no caso em apreço.
O arguido recorrente foi condenado a pagar a quantia correspondente aos benefícios indevidamente obtidos não na qualidade de sujeito passivo da relação jurídica de imposto (pois sujeito passivo dessa relação não é ele, mas a sociedade de que era sócio-gerente), mas como responsável pelo crime de fraude fiscal qualificada por ele praticado, de onde decorre também a responsabilidade civil pelos danos emergentes da prática desse crime. Por isso, essa condenação não é merecedora de reparo.
E a sujeição da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado à condição do pagamento da quantia em causa decorre obrigatoriamente do citado artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T..
Poder-se-á dizer que, face à precária situação económica do arguido, a sujeição dessa suspensão a tal pagamento é irrealista, irrazoável e desproporcional, porque claramente incompatível com as suas capacidades financeiras
A questão da eventual desconformidade deste regime (que supõe a obrigatoriedade da sujeição da suspensão da pena de prisão ao pagamento das quantias em causa, independentemente da situação económica do condenado) com os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena foi já objeto de múltiplas decisões do Tribunal Constitucional no sentido da conformidade. O Tribunal Constitucional tem salientado, em apoio desta posição, o facto de ser sempre possível a alteração para melhor da situação económica do condenado e, sobretudo, o facto de a possível revogação da suspensão da pena pelo não pagamento nunca ser automática, mas depender sempre de uma avaliação judicial da culpa do condenado, não podendo um incumprimento não culposo ser fundamento de revogação dessa suspensão. Neste sentido podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 309/06, 543/06, 29/07, 61/07, 360/07, 377/07, 327/08, 427/08, 563/08, 244/09, 556/09, 587/09 e 237/11, in www.tribunalconstitucional.pt.
Assim, e quanto ao caso ora em apreço, se é certo que. face à atual situação económica do arguido recorrente, se afigura muito difícil o pagamento das quantias por ele devidas, as repercussões futuras de uma eventual falta de pagamento sobre a suspensão da execução da pena sempre dependerão de um juízo futuro a respeito do caráter culposo, ou não, dessa falta de pagamento.
Veio o Ministério Público junto desta instância invocar a doutrina do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012 (publicado no Diário da República nº 206, Iª série, de 24 de outubro de 2012). Este acórdão veio fixar jurisprudência no sentido seguinte:
«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º, nº 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º, nº 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado de prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade por omissão de pronuncia.»
Ao contrário do que parece sustentar o Ministério Público junto desta instância no seu parecer, a doutrina deste acórdão não permite ultrapassar a obrigatoriedade da sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.. Tal decorre, clara e inequivocamente, do próprio texto da parte dispositiva do acórdão e da sua fundamentação.
O que resulta do acórdão é, antes, que, a prévia opção por pena de prisão suspensa na sua execução (com o que isso implica de obrigatória sujeição dessa suspensão ao pagamento das quantias devidas, nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) em face da opção por outra pena (deve subentender-se, pena não privativa da liberdade), designadamente a pena de multa, está dependente de um juízo de prognose sobre a capacidade de o condenado pagar tais quantias, tendo em conta a sua situação económica presente e futura. A omissão desse juízo acarreta a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Esta jurisprudência, diretamente aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nº 1, do R.G.I.T. - crime punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa -, poderá ser aplicável a outros crimes tributários também puníveis com pena de prisão (também eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa. No caso em apreço, em que está em causa um crime de fraude fiscal tributária, punível apenas com pena de prisão, não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa. É certo que se o arguido tivesse sido condenado em pena de prisão inferior a dois anos, poderia esta (em vez de ser suspensa na sua execução com a necessárias sujeição à condição de pagamento em causa) ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos gerais do artigo 58º do Código Penal. Mas a medida da pena fixada pela douta sentença recorrida é superior a dois anos. A pena fixada, de três anos, não permitiria a opção por outra pena não privativa de liberdade que não a pena de prisão suspensa na sua execução com a condição referida. Assim sendo, o doutrina do acórdão em questão não tem aplicação ao caso vertente, não sendo exigível que a douta sentença recorrida formulasse um juízo de prognose sobre a capacidade de o arguido recorrente pagar as quantias em que é condenado, tendo em conta a sua situação económica, presente e futura.
Em conclusão, podemos dizer que a necessidade do juízo de prognose a que se reporta o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução nos termos do artigo 14º, nº 1, do R.G.I.T.) ou outra pena não privativa da liberdade.
Por estas razões, a douta sentença recorrida não é merecedora de reparo.
Impõe-se negar provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal)

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Condenam o arguido e recorrente em 4 U.C.s de taxa de justiça.

Notifique

Porto, 20/2/2013
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Maria Godinho Vaz Pato
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
______________
[1] Por força da nova redacção dada ao n.º2, do artigo 103.º, do RGIT, pela Lei n.º60-A/2005, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor a 01-01-2006.
[2] Cf. neste sentido o Acórdão do STJ de 21/05/2003 (proc. n.º 03P132), publicado em http://www.dgsi.pt., no qual se pode ler que “(...)o que mais avulta no desenho da incriminação é o facto de ela assegurar uma "tutela avançada" ao património público fiscal. Para maximizar e reforçar a protecção deste património, a lei portuguesa antecipa a intervenção preventiva e repressiva do direito penal para um momento em que apenas se efectiva a lesão da verdade e transparência exigidas nas relações fisco-contribuinte (...) São, de resto, estas notas que já vimos, reconduzem a fraude fiscal à categoria dogmática dos chamados crimes de resultado cortado ou de tendência interna transcendente” -
[3] Publicado na Colectânea de Jurisprudência n.º180, ano XXX, tomo I, 2005, págs.127 e ss.
[4] Vide, António Augusto Tolda Pinto e Jorge Manuel Almeida dos Reis Bravo, in Regime Geral Das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais Anotados, Coimbra Editora, 2002, p.319.
[5] Cujo comando se nos afigura em consonância com a Constituição, por se afigurar consequência proporcional à culpa do agente, e adequado e proporcional à gravidade do ilícito (cf., neste sentido, entre outros, acórdão do Tribunal Constitucional n.º256/2003, de 21-5-2003, p.647/2002, publicado no DR II S, de 2-7-2003).