Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00038921 | ||
Relator: | GUERRA BANHA | ||
Descritores: | PENA ACESSÓRIA PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO SUSPENSÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200603080516505 | ||
Data do Acordão: | 03/08/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A pena acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69º do C. Estrada não se confunde, nem na sua natureza, nem no seu regime jurídico, com a sanção de inibição de conduzir prevista no art. 139º do C. Estrada (actual art. 138º). A proibição de conduzir é uma pena, sujeita ao regime do C. Penal e a inibição de conduzir é uma sanção acessória pela prática de contra-ordenações ao C. Estrada, sujeita ao regime aí definido. II - Só as penas de prisão podem ser suspensas, nos termos do art. 50º do C. Penal, não sendo tal regime aplicável a qualquer outra espécie de penas, pelo que a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69º do C. Estrada, não é susceptível de ser suspensa na sua execução. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. I 1. No Tribunal Judicial da comarca da Maia, nos autos de processo comum singular n° .../03..GNPRT do .° Juízo, foi proferida sentença, em 2/03/2005, a fls. 91-107, com a seguinte decisão:1) Julgo procedente por provada a acusação formulada contra o arguido B.........., pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, do Código Penal e, consequentemente, condeno o mesmo arguido na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de 5€ (cinco euros), perfazendo o montante de 550€ (quinhentos e cinquenta euros); 2) Proíbo o arguido temporariamente da faculdade de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses; 3) Porém, nos termos do disposto no artigo 142º, nºs 2-a), 3 e 4, do Código da Estrada, suspendo a execução de tal sanção pelo período de 1 (um) ano, condicionada à prestação de uma caução de boa conduta que se fixa em 700€ (setecentos euros), quantia essa que deverá ser depositada à ordem dos presentes autos no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença; 4) Condeno o arguido no pagamento de 1 (uma) UC de taxa de justiça e nas custas do processo, (já reduzidas a metade), bem como no pagamento da quantia equivalente a 1% (um por cento) da taxa de justiça, nos termos do art. 13º, nº 3, do DL nº 423/91, de 30/10. * 2. O MINISTÉRIO PÚBLICO, discordando da decisão que suspendeu, pelo período de um ano, a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses aplicada ao arguido, ainda que condicionada à prestação de uma caução de boa conduta, ao abrigo do disposto no art. 142º, nº 2, al. a), nº 3 e nº 4, do Código da Estrada, dela interpôs recurso para esta Relação, a fls. 113-122, em que formulou as seguintes conclusões:1º. O arguido B.......... foi condenado na pena principal de 110 dias de multa à taxa diária de 5,00€, culpado, como foi, da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291° do Código Penal; 2º. Tal pena é obrigatoriamente seguida da sanção acessória de inibição de condução prevista no art. 69° nº 1 do Código Penal, determinada nos exactos termos da pena principal, isto é, com recurso aos critérios fixados no art. 71° do Código Penal; 3º. Ao aplicar a pena de 3 meses de sanção acessória e substituindo-a, de seguida, por prestação de caução, invocando violação do princípio da proporcionalidade contido no art. 18° da Constituição da República Portuguesa, o M.mo Juiz violou a lei; 4º. Na verdade, não só tal substituição se mostra juridicamente desprovida de fundamento legal, como fáctico, já que, em concreto, e tendo por perto a opção legislativa tomada com a publicação da Lei nº 77/2001, de 13/07, que sustentou um aumento das molduras penais e também da pena acessória, com vista a diminuir a sinistralidade rodoviária, não é insustentável e desproporcional a fixada pena acessória de 3 meses a um arguido desenhador que necessita do carro para se fazer transportar; 5º. E o argumento sistemático de interpretação a que se fez apelo na sentença recorrida não pode igualmente valer, uma vez que não se atendeu que os mecanismos contra-ordenacionais previstos no Código da Estrada são de cariz administrativo, muito diferentes daqueles previstos no art. 69° do Código Penal; 6º. De toda a sorte, ainda tal decisão fosse desproporcionada, ainda assim teria agido processualmente mal o M.mo Juiz, pois que o mecanismo de recusa de aplicação de uma lei está sujeito às regras previstas em lei ordinária e na CRP; 7º. Ora, pese embora o tribunal a quo não se tenha formalmente recusado a aplicar a lei (assim impedindo um recurso de constitucionalidade), fê-lo, substancialmente, nos termos previstos no art. 70°, nº 1, al. a), da LTC; 8º. Assim, ao não aplicar o art. 69°, nº 1, al. a) do Código Penal, substituindo a pena acessória por prestação de caução, o tribunal violou, assim, os arts. 69°, nº 1, al. a), do Código Penal e os arts. 374° e 379°, n° 1, al. c), do Código de Processo Penal, 18° da CRP e 70° nº 1, al. a), da LTC. Requer, em consequência, que se substitua a decisão recorrida por uma outra que obrigue o arguido a cumprir a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses, em que foi condenado. * 3. O arguido não respondeu à motivação do recurso.* 4. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto anuiu à motivação apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância e considerou que o recurso merece provimento.Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal. Os autos foram aos vistos dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência de julgamento. * 5. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes:II a) No dia 26/07/2003, pelas 00H15, o arguido B......... conduzia o veículo com a matrícula ..-..-GM e circulava pela E.N. 14, km 10, em .........., no sentido Maia-Porto, a velocidade superior a 60 Km/hora. b) Na mesma altura, local e sentido, mas à frente do veículo conduzido pelo arguido, circulava o veículo com a matrícula XD-..-.., conduzido por C.......... . c) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, mas em sentido contrário, no sentido Porto-Maia, circulava o veículo ..-..-PS, conduzido por D.......... . d) Nesse momento, o arguido B.........., e apesar de se lhe apresentar no seu sentido de marcha um sinal de aproximação de rotunda, começou a ultrapassar o veículo XD, conduzido pelo C.........., sem se assegurar que na faixa de trânsito que se destinava aos veículos que circulavam em sentido contrário, e na qual circulava a D.........., tinha espaço suficiente para realizar tal manobra de ultrapassagem. e) Apesar da D.......... ter desviado o veículo por si conduzido para o lado direito, atento o seu sentido de marcha, o arguido B.........., ainda a realizar a ultrapassagem do veículo XD, embateu com o seu espelho retrovisor esquerdo no espelho retrovisor esquerdo do veículo conduzido pela D.......... e, logo de seguida, o arguido embateu com a parte lateral direita do seu veículo na parte lateral esquerda do veículo com a matrícula XD-..-.., conduzido pelo C.......... . f) O arguido B.......... prosseguiu, então, a sua marcha, mas atenta a velocidade que imprimia ao seu veículo, perdeu o controlo do mesmo, despistando-se, apenas conseguindo imobilizar o seu veículo cerca de 200 metros depois do local do embate, quando colidiu com a placa central existente no interior da rotunda do mercado do .......... . g) Em seguida ao referido em f), o arguido foi submetido a exame para quantificação do teor do álcool no sangue, revelando uma taxa de álcool no sangue de 1,91 g/l. h) A faixa de rodagem no local onde ocorreram os embates tem 7 m de largura e no momento do referido em a) a f) chovia e o piso encontrava-se molhado. i) Com a condução referida em a) a f), e nos termos referidos em g) e h), o arguido colocou em perigo a vida e a integridade física de C.......... e de D.........., que circulavam naquela via, tal como colocou em perigo os veículos que estes conduziam. j) Como consequência directa e necessária do embate referido em e), o arguido causou estragos no veículo de C.......... avaliados em 850 euros. l) Ao actuar como descrito em a) a g), o arguido B.......... agiu livre e conscientemente, com o propósito concretizado de conduzir na via pública, sabendo que se encontrava sob o efeito do álcool e que, em tais condições, não podia conduzir veículos na via pública. m) Mais sabia o arguido que, com a sua conduta referida em a) a f), violava grosseiramente as regras de circulação rodoviária relativas às regras da ultrapassagem e de velocidade, designadamente tendo em conta as condições meteorológicas referidas em h), e que, deste modo, criava perigo para a vida e a integridade física das pessoas que circulassem nas vias acima referidas, assim como para os veículos que ali circulassem, designadamente criava perigo para a integridade física de C.......... e de D.......... e criava perigo para os veículos por estes conduzidos. n) O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei. o) O arguido confessou integralmente e sem reserva os factos de que vinha acusado. p) O arguido não tem antecedentes criminais. q) No registo individual de condutor do arguido junto da DGV nada consta. r) O arguido pagou ao C.......... o prejuízo que este sofreu no seu veículo de 850 euros, referido em j). s) O arguido está bem inserido profissionalmente, tendo subido de posto no último ano e necessitando da utilização do veículo para o exercício da sua profissão de desenhador numa empresa de decoração de lojas. t) À data da prática dos factos, o arguido tinha 26 anos de idade. u) O arguido é casado, exerce a profissão de desenhador, auferindo 700€ mensais, encontrando-se a sua esposa desempregada, tendo deixado de receber o respectivo subsídio no mês de Fevereiro passado. v) O arguido não tem filhos, e vive com a sua esposa num apartamento que comprou com empréstimo bancário, pagando mensalmente ao Banco 70 contos de prestação pelo mesmo, sendo o arguido ajudado economicamente pelos seus pais e sogros. w) O arguido paga ainda mensalmente 20 contos de prestação pela compra de um carro. * 6. Uma única questão é suscitada neste recurso, que se enuncia do seguinte modo: III - se a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no art. 69º do Código Penal é susceptível de poder ser suspensa na sua execução e, designadamente, se pode beneficiar da suspensão prevista no Código da Estrada para a sanção acessória de inibição de conduzir, ainda que condicionada ao cumprimento de algum dever, como a prestação de caução de boa conduta, regulada no art. 142º do Código da Estrada na redacção dada pelo Dec.Lei nº 2/98, de 3/01, e actualmente no art. 141º em face das alterações introduzidas pelo Dec.Lei nº 44/2005, de 23/02. A sentença recorrida resolveu esta questão do seguinte modo: «Conforme já se referiu, foi comunicada ao arguido a susceptibilidade de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do disposto no art. 69º nº1 do C. Penal. Aí se dispõe que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre três meses e três anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 291º e 292º (…).” Nas suas alegações, o ilustre mandatário do arguido pugnou pela suspensão da pena acessória, designadamente com prestação de uma caução de boa conduta, invocando a ausência de antecedentes criminais do arguido e, bem assim, a necessidade da carta para o exercício pelo arguido da sua profissão. Apesar de tal questão não ter sido suscitada na contestação, importa tomar conhecimento da mesma, pela importância de que se reveste para a defesa do arguido. Conforme é sabido, foi o DL nº 48/95, de 15 de Março, que introduziu no Código Penal a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, matéria anteriormente privativa do Código da Estrada e de leis extravagantes, em conformidade com a discussão nas 8ª, 16ª e 41ª sessões da Comissão de Revisão do Código Penal, respectivamente em 29 de Maio e 21 de Setembro de 1989 e em 22 de Outubro de 1990. Por sua vez, o texto actual do artigo em questão foi introduzido pela Lei nº 77/2001, de 13 de Julho, tendo, em relação ao regime anterior, fundamentalmente, elevado os limites mínimo e máximo da aludida proibição de um mês e um ano para três meses e três anos. Impondo-se a sua distinção das medidas de segurança de cassação do título, interdição da concessão do título de condução e interdição da concessão da licença, a proibição de conduzir veículos motorizados assume a natureza de verdadeira pena acessória pois que, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, desempenha uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação (Prof. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal português, As Consequências Jurídicas do Crime, §232). Assim, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não tem efeito automático (neste sentido, MAIA GONÇALVES, Código Penal Português Anotado e Comentado, 15ª edição, 2002, pág.237; PAULA RIBEIRO DE FARIA, apud Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág.1092). Com efeito, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 667/94, de 14 de Dezembro (em BMJ, Suplemento ao nº 446, pág. 102) a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição da faculdade de conduzir permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham de ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais. Ou seja, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material “a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”, circunstância essa que “vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa” (Prof. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal cit., §205). Assim, “a determinação da pena acessória obedece aos mesmos factores da pena principal, estabelecidos no artigo 71º do Código Penal” (Ac. da RE de 29 de Maio de 2001, CJ, 2001, 3º, 285), sendo certo que se de uma verdadeira pena (acessória) se trata, a proibição de conduzir veículos motorizados há-de constituir um sacrifício real para o condenado, sem que, todavia, da sua aplicação resultem consequências gravosas desnecessárias para o condenado ou terceiros dele dependentes, uma vez que as restrições dos direitos devem limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo ainda a restrição ser apta para o efeito (artigo 18º da CRP). Abordando a questão fundamental colocada pelo arguido, da susceptibilidade de suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, designadamente com a prestação de uma caução de boa conduta, importa desde logo referir não se olvidar a posição quase unânime da jurisprudência no sentido da inadmissibilidade de tal suspensão, admitindo pequeníssimas possibilidades de diminuição da sua abrangência. Assim, no sentido da impossibilidade de tal substituição, por todos, cfr. Ac. da RC de 7 de Novembro de 1996, CJ, 1996, tomo 5, pág. 47; Ac. da RC de 29 de Novembro de 2000, CJ, 2000, tomo 5, pág.51; Ac. da RC de 4 de Fevereiro de 1999, CJ, 1999, tomo 2, pág.40; e Ac. da RC de 29 de Novembro de 2000, CJ, 2000, tomo 5, pág.49 (este quanto à impossibilidade de substituição do cumprimento da sanção acessória da faculdade de conduzir, de modo contínuo, por um cumprimento descontínuo, em fins de semana ou durante as férias); no sentido de perante um quadro circunstancial de relevo, a pena acessória de proibição de conduzir poder respeitar apenas a uma determinada categoria de veículos motorizados, cfr. Ac. da RE de 9 de Julho de 2002, CJ, 2002, tomo 4, pág. 252; e no sentido de que tendo o seu destino ligado ao da pena principal, só decretada a suspensão da execução da pena principal o será também, por arrastamento, a da pena acessória, cfr. o Ac. da RC de 27 de Novembro de 1996, BMJ 461-538. Seríamos assim conduzidos à conclusão inevitável de insusceptibilidade de suspensão da aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, até pelo absoluto silêncio do artigo 69º do Código Penal a esse respeito e porque o disposto no artigo 50º do mesmo Código diz apenas respeito às penas (principais) de prisão. Porém, importa recordar o já aludido e importante preceito constitucional contido no artigo 18º da nossa lei Fundamental que impede que da sanção resultem consequências gravosas desnecessárias para o condenado, devendo as restrições aos direitos limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18º da CRP, onde se prescreve o princípio da proporcionalidade na sua vertente tríptica dos subprincípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade stricto sensu). Por outro lado, também importa recordar que a aplicação da pena acessória está intrinsecamente relacionada com o princípio da culpa e com finalidades de prevenção geral de intimidação. O que significa parecer-nos não ser de afastar a solução encontrada no sistema jurídico-legal que, dando resposta a tais exigências de prevenção geral, ao mesmo tempo também possa satisfazer as necessidades de prevenção especial, tendo como limite a culpa do arguido e respeitando o princípio de proporcionalidade. A esse propósito, importa sublinhar o Ac. da RC de 25 de Novembro de 1993 (CJ, 1993, 5º, 62 e 63), embora proferido a propósito da (diferente) temática da condução sob influência do álcool, mas com cuja jurisprudência concordamos, mormente tendo em conta a factualidade apurada in casu a este propósito. Pode ler-se nesse excelente Acórdão: “Uma coisa é a suspensão da medida e outra é a substituição desta por caução. Nada nos permite concluir, salvo o devido respeito por opinião contrária, que não é permitida, legalmente, tal substituição. Quer a lei, quer o Dec.-Lei são ‘ramos’ legais que tiveram origem na ‘árvore’ que é o Código da Estrada (…)”. É que a substituição da inibição por caução “dá a possibilidade a um condutor normalmente prudente, mas que teve uma falha, de continuar a conduzir. E como é do conhecimento geral, a condução de um veículo automóvel é, hoje, um facto ligado ao trabalho e até um meio de sobrevivência para muita gente. Por outro lado, admitir a caução não vem tornar menos grave o regime penal em vigor, mas apenas alargar o espectro cominatório que se depara ao julgador e, nessa medida, oferecer-lhe um leque de opções mais vasto, permitindo-lhe aplicar a Lei, fazendo Justiça mais justa.” “O fulcro do problema é que o arguido, para beneficiar da caução, terá de fazer prova, convencendo o julgador, de que é um condutor habitualmente prudente e cuidadosos e que a falha que teve (…) foi um caso isolado”, apontando o acórdão para a necessidade por parte do julgador de “uma prognose de boa conduta futura como condutor do veículo automóvel.” (pág. 63 da CJ cit.). No sentido do referido elemento sistemático de interpretação, importa aliás sublinhar que o nº 1 do artigo 142º do Código da Estrada, onde se prevê a suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir, faz depender essa suspensão “de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução de penas”, o que implica necessariamente concluir pelo carácter não estanque das normas estradais do Código Penal e do Código da Estrada, designadamente por num caso estarem em causa crimes e aqui meras contra-ordenações, possibilitando até a própria lei a sua interpenetração sistemática. Ora, olhando para a factualidade provada in casu, para além dos já apontados factos típicos objectivos e subjectivos que conduziram à condenação do arguido pela prática do crime de que vem acusado, provou-se ainda que o arguido não tem antecedentes criminais, no seu registo individual de condutor junto da DGV nada consta e está bem inserido profissionalmente, tendo subido de posto no último ano e necessitando da utilização do veículo para o exercício da sua profissão de desenhador numa empresa de decoração de lojas. Por outro lado mais se apurou a confissão por parte do arguido do crime cometido e a reintegração que o mesmo efectuou dos danos que causou no outro condutor, factos demonstrativos do assumir das suas responsabilidades (civis e penais) perante a sociedade, tudo apontando para um juízo de prognose positiva no sentido de que a simples ameaça da sanção será suficiente para a satisfação das exigências de prevenção geral intimidatória, bem como de prevenção especial. O que significa o lançar mão da faculdade de suspensão da execução prevista no artigo 142º do Código da Estrada, com a consequente fixação de uma caução de boa conduta, nos termos previstos nos nºs 3 e 4 desse normativo.» Como decorre desta fundamentação, o Sr. Juiz colocou e analisou bem a questão, quer do ponto de vista da lei, quer do ponto de vista da jurisprudência, mas, salvo o devido respeito, decidiu-a mal, porque concluiu de modo diferente do que indica a lei e a jurisprudência ali bem citadas. Com efeito, como é bem referido na sentença recorrida, foi o Decreto-Lei nº 48/95, de 15/03, que, por um lado, introduziu alterações ao regime da suspensão da execução das penas então previsto no art. 48º do Código Penal, versão de 1982, e ora previsto no art. 50º, limitando-a à pena de prisão não superior a 3 anos, e, por outro lado, criou a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, a aplicar nas situações referidas no nº 1 do art. 69º do Código Penal, que, entretanto, sofreu alterações introduzidas pela Lei nº 77/2001, de 13/07. A criação desta pena acessória surge na sequência de um conjunto de medidas para combater a elevada taxa de sinistralidade nas estradas portuguesas e reflecte as propostas doutrinárias do Prof. Figueiredo Dias, que já em 1993 escrevia: “... deve, no plano de lege ferenda, enfatizar-se a necessidade e a urgência político-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor - em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária - de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável. Uma tal pena - possuidora de uma moldura penal específica - só não teria lugar quando o agente devesse sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir, sob a forma da cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão” - (in As consequências Jurídicas do Crime, pp. 164 e 165). Ora, cabe dizer, antes de mais, que esta pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados não se confunde, na sua natureza e regime, com a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no Código da Estrada (art. 139º na redacção dada pelo DL. 2/98 de 3/01; art. 138º na redacção actualmente em vigor, introduzida pelo DL. 44/2005 de 23/02). Aquela tem a natureza de uma verdadeira pena, aplicável pela prática de um crime e rege-se pelas normas do Código Penal; esta configura-se como uma sanção acessória de uma coima, é aplicável pela prática de contra-ordenações rodoviárias e segue o regime definido no Código da Estrada. Ao regime das contra-ordenações rodoviárias é subsidiariamente aplicável a lei geral das contra-ordenações (DL. 433/82 de 27/10) e, sucedaneamente, o Código Penal, por força do disposto nos arts. 133º nº 2 do Código da Estrada (redacção do DL. 2/98, e art. 132º na redacção actualmente em vigor) e no art. 32º da lei geral das contra-ordenações. Porém, o regime legal das contra-ordenações, seja o regime geral, seja o regime especial das contra-ordenações rodoviárias, não tem a virtualidade de suprir ou complementar as normas do Código Penal, e muito menos de a elas se sobrepor. Assim, o argumento da “interpenetração sistemática” entre o Código Penal e o Código da Estrada, a que alude a sentença recorrida, só é legalmente aceitável e só pode funcionar num sentido: o da aplicação subsidiária do Código Penal às contra-ordenações rodoviárias e em regime de complementaridade com a lei geral das contra-ordenações. No sentido inverso, ou seja, o da aplicação do Código da Estrada para complementar o Código Penal, para mais em matéria de penas, é inaceitável, violando o princípio da legalidade (art. 29º nº 3 da Constituição da República Portuguesa e art. 1º nº 3 do Código Penal). Como acima já ficou referido, e a própria sentença recorrida o reconhece, no regime do Código Penal vigente desde a revisão de 1995, a suspensão da execução da pena apenas abrange a pena de prisão, tendo a natureza de uma verdadeira pena de substituição da prisão até 3 anos. Todas as demais penas estão excluídas desse regime de suspensão, incluindo a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no art. 69º do Código Penal. À qual, conforme já ficou dito, também é insusceptível de aplicação o regime de suspensão ou de substituição previsto no Código da Estrada para a sanção acessória de inibição de conduzir, o que constitui jurisprudência uniforme (cfr., entre outros, os acórdãos desta Relação de 14/04/2004, 16/06/2004 e de 13/10/2004, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf sob os nºs 0312997, 0412791 e 0443333, respectivamente). Invocar o preceito do art. 18º da Constituição da República Portuguesa para justificar a suspensão da pena acessória aplicada nos termos do art. 69º do Código Penal - com o argumento de que “impede que da sanção resultem consequências gravosas desnecessárias para o condenado, devendo as restrições aos direitos limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses” - é, no caso, com todo o respeito, totalmente descabido, como bem salientou o Ministério Público na sua resposta. Em primeiro lugar porque, em abstracto, como acima já se salientou e a sentença recorrida também refere, a criação desta pena acessória visou, justamente, a imperiosa necessidade de adequar o regime punitivo dos crimes relacionados com a utilização de veículos motorizados ao interesse público de combater as elevadas cifras de sinistralidade rodoviária e, designadamente a sinistralidade mortal, de que a mais relevante é a originada pelas condutas tipificadas nos arts. 291º e 292º do Código Penal. A subordinação do direito de conduzir ao interesse público determinado pelas necessidades da prevenção e segurança rodoviária é, a todos os títulos, compatível, em termos de adequação, necessidade e proporcionalidade, com o preceito do art. 18º do Constituição da República Portuguesa. Proibir temporariamente o direito de conduzir aos condutores que praticam condutas de tão elevado índice de perigosidade para a segurança rodoviária, como são as condutas abrangidas nas três alíneas do nº 1 do art. 69º do Código Penal, é uma restrição inequivocamente necessária e adequada àquele fim de relevante interesse público. Em concreto, em termos de adequação da pena aplicada - proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 anos, que corresponde ao mínimo legal - aos princípios consagrados no referido art. 18º da Constituição da República Portuguesa, o que se pode concluir da factualidade provada é que, se alguma censura merece é pela sua extrema brandura, nunca pelo seu exagero. Com efeito, os factos provados revelam que o arguido, enquanto condutor de um veículo automóvel, praticou, em simultâneo, um conjunto de infracções às regras de condução rodoviária, que consistiram em condução sob elevada taxa de álcool (1,91 g/l), velocidade excessiva (a mais de 60 km/hora, em localidade, à aproximação de rotunda, com chuva e estrada molhada) e ultrapassagem em circunstâncias não permitidas, provocando, com tais infracções, embate em dois veículos (o que ia a ultrapassar e um outro que lhe surgiu de frente). Num quadro de circunstâncias tão gravosas e de tão grande perigosidade para a segurança rodoviária, a suspensão da pena acessória de proibição de conduzir aplicada ao arguido, ainda que fosse legalmente permitida, seria sempre desadequada, já que contrária às finalidades punitivas (art. 50º nº 1 do Código Penal). Os argumentos de que o arguido não tem antecedentes de natureza criminal e contra-ordenacional por infracções rodoviárias e necessita de utilizar o veículo para se deslocar para o seu local de trabalho não podem sobrepor-se aos interesses tutelados na lei e muito menos justificam que se contrarie o sentido da lei. Tanto mais que o arguido sabia que, conduzindo nas circunstâncias ilegais em que o fazia, corria o risco de ser punido com esta pena. Era nessa altura que deveria ter ponderado e acautelado quer o perigo que estava a criar para os outros condutores, quer os riscos que também estava a causar a si próprio. Incluindo o risco de ficar temporariamente proibido de conduzir. Como bem salienta o recente acórdão também desta Relação de 4/05/2005, “não há norma ou princípio da ordem jurídica que autorize ou torne menos censurável a condução em estado de embriaguez por parte dos chamados «profissionais da estrada» - taxistas, motoristas, vendedores” - (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf sob o nº 0511325). Bem pelo contrário, o princípio que a lei tutela é o de agravar a responsabilidade dos condutores profissionais e de todos aqueles que, por virtude da sua profissão ou actividade, mais têm necessidade de conduzir, fazendo sobre eles recair um especial dever de maior cuidado na condução (art. 139º nº 3 do Código da Estrada actualmente em vigor - art. 140º na versão anterior). Conclui-se do exposto que a decisão recorrida, no que respeita à suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados aplicada ao arguido, não é legal nem é adequada às finalidades da punição do crime praticado. Devendo, por isso, ser revogada. * Por tudo o exposto, concedendo-se provimento ao recurso, decide-se revogar a sentença recorrida na parte em que suspendeu a pena acessória aplicada ao arguido de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.IV Custas pelo arguido, fixando-se 2 UC de taxa de justiça. * Porto, 8 de Março de 2006António Guerra Banha Joaquim Arménio Correia Gomes Jaime Paulo Tavares Valério |