Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1099/12.2TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATO DE CONSULTORIA PARA INVESTIMENTO
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVERES DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201503021099/12.2TVPRT.P1
Data do Acordão: 03/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Doutrinalmente, o contrato de consultoria para investimento é definido como o que é “celebrado entre um intermediário financeiro ou um consultor em investimento mobiliário (consultor) e um cliente (consulente ou investidor) através do qual o primeiro se obriga perante o último, mediante remuneração, à prestação de um aconselhamento personalizado relativo a transacções respeitantes a instrumentos financeiros”.
II - A prestação de informação falsa pelo intermediário financeiro ao investidor quanto à garantia de reembolso de capital investido em papel comercial é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao investidor.
III - Na responsabilidade por facto ilícito, o nexo causal entre o facto, no caso a informação falsa prestada pelo intermediário financeiro sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelo investidor e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso à denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente […] para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto”.
IV - A prestação de informação falsa pelo intermediário financeiro é uma forma de violação do dever de prestar informações por acção em que se presume a sua culpa, nos termos previstos no nº 2, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.
V - A culpa lata, mais frequentemente chamada culpa grave “consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam.”
VI - A responsabilidade do intermediário financeiro em negócio em que haja intervindo nesse qualidade só prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos nos casos em que o facto ilícito lhe seja imputável a título de culpa leve ou levíssima, estando sujeito ao prazo de prescrição ordinária quando esse facto lhe seja imputável a título de dolo ou de culpa grave.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1099/12.2TVPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1099/12.2TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Doutrinalmente, o contrato de consultoria para investimento é definido como o que é “celebrado entre um intermediário financeiro ou um consultor em investimento mobiliário (consultor) e um cliente (consulente ou investidor) através do qual o primeiro se obriga perante o último, mediante remuneração, à prestação de um aconselhamento personalizado relativo a transacções respeitantes a instrumentos financeiros”.
2. A prestação de informação falsa pelo intermediário financeiro ao investidor quanto à garantia de reembolso de capital investido em papel comercial é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao investidor.
3. Na responsabilidade por facto ilícito, o nexo causal entre o facto, no caso a informação falsa prestada pelo intermediário financeiro sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelo investidor e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso à denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente […] para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto”.
4. A prestação de informação falsa pelo intermediário financeiro é uma forma de violação do dever de prestar informações por acção em que se presume a sua culpa, nos termos previstos no nº 2, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.
5. A culpa lata, mais frequentemente chamada culpa grave “consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam.”
6. A responsabilidade do intermediário financeiro em negócio em que haja intervindo nesse qualidade só prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos nos casos em que o facto ilícito lhe seja imputável a título de culpa leve ou levíssima, estando sujeito ao prazo de prescrição ordinária quando esse facto lhe seja imputável a título de dolo ou de culpa grave.
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Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
A 08 de Novembro de 2012, nas Varas Cíveis do Porto, invocando ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos processuais, B… instaurou acção declarativa sob forma ordinária contra C…, SA pedindo a condenação do réu a pagar-lhe:
a) a quantia de cinquenta mil euros, referente ao capital investido e não reembolsado, acrescido de juros de mora contados à taxa legal desde 28 de Setembro de 2009, até efectivo e integral pagamento;
b) a quantia de dez mil euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Para fundamentar as suas pretensões, o autor alegou, em síntese, o seguinte[1]:
1- O autor, cliente do C… desde 2006, deslocou-se à agência bancária do C… de …, onde lhe foi proposto insistentemente pelo seu gerente bancário a aplicação de parte do seu rendimento em papel comercial D… pelo prazo de um ano e a uma taxa de 7,23%, tendo o autor, nessa sequência, aplicado a quantia de € 50.000,00 em papel comercial da D…/12ª emissão à taxa anual de 7,234%, subscrição datada de 29/09/2008 e com vencimento em 28/09/2009.
2- Nos preliminares do contrato celebrado foi dito ao autor pelo banco réu, através do seu funcionário, que a aplicação financeira era segura com retorno de capital garantido, informação em que insistiu na celebração do contrato.
3- Ao autor não foi dado a conhecer o tipo de produto em causa e as condições da aplicação financeira, tão-pouco tendo recebido qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente.
4- Na data de vencimento da subscrição não lhe foi devolvido o capital investido apesar das suas diversas solicitações junto do banco réu, apenas tendo o réu creditado os juros na sua conta.
A 12 de Novembro de 2012 foi proferido despacho determinando a correcção da distribuição, passando os autos a seguir a forma processual experimental e a 11 de Dezembro de 2012, foi o autor convidado a aperfeiçoar a petição inicial em conformidade com os requisitos exigidos pelo Regime Processual Civil Experimental, sendo ainda convidado a juntar aos autos cópias legíveis de um documento e do requerimento de protecção jurídica.
O autor respondeu ao convite oferecendo as suas provas, bem como cópia da decisão que incidiu sobre o seu pedido de apoio judiciário.
Efectuada a citação do réu, o mesmo veio contestar dando conta da mudança da sua denominação para Banco E…, SA, excepcionou a prescrição do direito de crédito exercido pelo autor, por força do disposto no artigo 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários e impugnou a maior parte da factualidade articulada pelo autor, alegando que este era um homem de negócio informado, tendo anteriormente subscrito outras aplicações financeiras, com taxas de juro superiores àquelas que um simples depósito a prazo lhe poderia render, não sendo previsível na data em que o autor efectuou a aplicação que fundamenta as suas pretensões exercidas nestes autos que o capital social do contestante viesse a ser totalmente nacionalizado, como veio a suceder, negando que tenha garantido ao autor que era responsável pelo reembolso do capital investido e concluindo pela total improcedência da acção.
O autor respondeu à excepção peremptória de prescrição, pronunciando-se pela sua improcedência.
Realizou-se audiência preliminar, na qual se fixou o valor da causa em sessenta mil euros; na mesma diligência proferiu-se despacho saneador em que se relegou para final o conhecimento da excepção peremptória de prescrição, identificou-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas de prova e apreciaram-se os requerimentos probatórios das partes, designando-se logo dia para realização da audiência de discussão e julgamento.
Realizou-se a audiência final em duas sessões, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada, sendo o réu condenado a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de cinquenta e cinco mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal contados sobre a quantia de cinquenta mil euros desde 28 de Setembro de 2009 até efectivo e integral pagamento e desde a citação, sobre a quantia de cinco mil euros.
Inconformado com a sentença, o réu interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. A prova produzida impõe, de forma clara e suficientemente segura, que a factualidade constante dos itens 10 e 12 da douta decisão que recaiu sobre a matéria de facto, tal como declarada provada, não deva manter-se.
2. A fundamentação dada na douta sentença recorrida peca por demasiado genérica e abstracta, dispensando-se de, relativamente a cada facto, citar expressamente os elementos de prova tidos por relevantes.
3. Conforme a fundamentação concreta da decisão relativa à matéria de facto, o único depoimento que poderá ter pesado só poderia ter sido o da testemunha F…, e mais nenhum outro, já que todas as demais testemunhas declararam, como a douta decisão reconhece, nada saber sobre o modo e circunstâncias que a subscrição em causa tinha ocorrido.
4. O que a testemunha acima identificada referiu ao tribunal no seu depoimento foi coisa completamente diferente daquela que o tribunal veio a dar por provada, já que, conforme decorre de tal depoimento, é que a segurança do produto em causa e o seu reembolso por parte do banco, seria resultado do facto de a entidade emitente integrar o mesmo grupo empresarial a que o próprio banco também pertencia.
5. A garantia de reembolso, a existir como característica do produto, envolveria, natural e juridicamente, uma obrigação da parte do banco ora apelante, que ia muito para além do maior conforto sentido pela rede comercial do banco, e devido exclusivamente ao facto de existir a referida relação de grupo acima mencionada.
Com efeito,
6. É claro e evidente que, a existir tal garantia como característica inerente ao produto em causa e caso tivesse ele sido comercializado com essa garantia, ela existiria e seria juridicamente vinculante independentemente do facto de a entidade emitente ser ou não do mesmo grupo do banco garante.
7. A factualidade constante do nº 10) da douta sentença recorrida deverá, assim, passar a ter uma redacção próxima da seguinte: “O gerente referido em 9) deu a entender ao A. que a aludida aplicação financeira era um investimento seguro, uma vez que a D… era uma empresa credível, que integrava o mesmo grupo empresarial que o C….”
8. Quanto à factualidade vertida no item 12) da douta decisão recorrida, sabe-se bem não existirem produtos sem risco algum.
9. Há sim produtos com mais risco e outros com menos risco, mas é sabido que mesmo os simples e conservadores depósitos a prazo têm sempre associado o risco de insolvência do próprio banco, risco esse que, à data da subscrição do papel comercial D… que aqui está em causa, era apenas atenuado com a existência legal de um fundo de garantia que não excedia à altura os 25.000 euros.
10. Bastará atentar que, aquando da nacionalização do então C… esteve “em cima da mesa” a possibilidade da declaração da sua insolvência, como uma das saídas para a difícil situação a que o banco então chegou.
11. E caso tivesse sido essa a solução adoptada – e que tinha bons defensores entre alguns dos mais prestigiados especialistas da “nossa praça”! – o reembolso dos depósitos a prazo estaria limitado aos referidos 25.000 euros.
12. O risco existia, e abrangia, como efectivamente continua a abranger, os simples depósitos a prazo.
13. Não pode, pois, dizer-se que existem produtos ou aplicações financeiras isentas de risco.
Assim …..
14. A matéria de facto descrita no ponto 12 da douta sentença recorrida constitui matéria conclusiva, sem qualquer dose de concretização dos limites de risco que o autor estaria disposto a correr, versus a rentabilidade das aplicações a efectuar.
15. Como decorre da matéria de facto dada por provada, o menor risco associado a este produto era resultado do facto de a entidade que o havia emitido – a D…, SA – ser uma empresa que integrava o mesmo grupo empresarial a que o banco também pertencia.
16. Esse menor risco foi dado a conhecer ao autor, no momento em que procedeu á subscrição do produto em causa, tendo-lhe sido dado a entender que se tratava, por isso mesmo, de um produto seguro
17. A factualidade vertida, pois, para o dito item 12) da douta decisão recorrida deverá ser tida como não escrita.
Com efeito,
18. Não se vislumbra, face a tal factualidade, que possa dar-se como provado que “ o autor não teria subscrito o produto referido em 2) se soubesse que o mesmo era um produto de risco “, tanto mais que bem sabia o risco (justificado como acima se disse) inerente ao produto aqui em causa e decidiu subscrevê-lo.
19. Estando afastado ou diminuído esse risco pelo facto de a entidade emitente integrar o mesmo grupo empresarial do banco ora apelante, ele não existia enquanto essa relação de grupo se mantivesse.
20. E foi justamente a nacionalização das acções representativas do capital social do então C... que pôs termo a essa relação.
21. Com ela, a D…, SA manteve-se integrada no chamado grupo G…, enquanto o banco ora apelante passou a ser uma empresa de capitais públicos, cujo único acionista era o Estado português.
22. A alteração do risco adveio de tal nacionalização, que não apenas o gerente que apresentou a proposta de subscrição ao autor adivinhava como possível em 25.06.2008, sendo absolutamente imprevisível à data da comercialização do produto em causa.
23. O banco apelante não pode também concordar, e critica veementemente, a afirmação de que a intermediação por si exercida tenha implícita a existência de uma relação contratual de consultoria para investimento, seguida de uma relação contratual de comissão para recepção, transmissão e execução de ordens dadas pelo autor.
Na verdade,
24. A factualidade provada nos autos não permite extrair tal conclusão.
25. Pelo contrário, uma vez concluído o julgamento, foi dado por provado que a aplicação no produto aqui em causa por parte do autor foi consequência de uma mera sugestão do gerente do balcão E…, que lhe deu a entender ser a aludida aplicação financeira um investimento seguro …. uma vez que a D… era uma empresa credível que integrava o mesmo grupo empresarial que o C….
26. Não vem provado, nem sequer foi alegado pelo autor, que entre ele e o banco ora apelante tivesse sido celebrado qualquer contrato por via do qual o banco se obrigasse a assessora e/ou aconselhar o autor nos investimentos em produtos financeiros e/ou valores mobiliários.
27. Não se vislumbram na factualidade dada por provada indícios, mesmo ténues, da existência de qualquer relação contratual com o objecto próprio dos contratos de consultoria para investimento.
28. A ordem dada para um determinado investimento financeiro constitui se exemplo de simples negócio jurídico unilateral, praticado à sombra de um negócio de cobertura, normalmente um contrato de mandato ou de simples mediação, ou até um contrato de comissão, como refere a douta decisão recorrida, mas que, como negócio de cobertura, é realidade distinta dos actos concretos praticados “à sua sombra”.
29. Não corresponde à realidade dos factos que o banco apelante tenha violado os seus deveres de informação por apenas ter prestado informações básicas, e muito menos que o tenha feito grosseiramente.
30. As informações prestadas, referentes à natureza do produto, prazo, taxa e identificação da empresa emitente, com realce para o facto de integrar o mesmo grupo empresarial do banco, correspondiam ao que de mais relevante poderia o autor querer saber, e ter interesse em saber, para decidir adquirir o produto em causa.
31. Não se vendo, nem a douta sentença recorrida, que outro tipo de informação teria sido omitida, e que o banco apelante estava obrigado a prestar.
32. Também quanto ao risco do produto em causa, a informação prestada ao autor era inequivocamente verdadeira, já que foi dado a entender ao autor por parte do banco apelante que a sua segurança, quanto ao reembolso do investimento respectivo, assentava, não em qualquer garantia formal prestada pelo banco ao investidor, mas apenas no facto de banco e entidade emitente integrarem o mesmo grupo económico.
33. Essa realidade foi desfeita por uma decisão política no sentido da nacionalização do capital social do banco apelante, assim separando as duas entidades antes ligadas por uma relação de grupo.
34. Não se demonstrou nos autos que o comportamento do banco apelante, actuando como intermediário financeiro, tenha sido ilícito.
35. Como não resulta dos autos a existência de qualquer nexo de causalidade entre esse comportamento do banco réu e os danos que o autor alega ter sofrido.
36. Não vem alegada a natureza da garantia de reembolso que, na tese do autor, o banco teria prestado, nem que tal garantia fosse desprovida do chamado benefício da excussão prévia, sendo a douta sentença recorrida omissa quanto a tal matéria.
37. Tal omissão não pode deixar de ser relevante porquanto o autor não alegou em parte alguma dos seus articulados se fez ou não diligências para cobrar da entidade emitente o valor do investimento efectuado, sendo certo que essa entidade é a primeira e principal devedora desse valor.
38. E que só excepcionalmente o intermediário financeiro, e apenas se tiver dado expressa garantia de reembolso do capital investido, é responsável pelo reembolso de tal valor.
39. Do teor do documento nº 11 junto pelo autor com a sua petição inicial conclui-se que, pelo menos desde 13.07.2010, era ele conhecedor do produto que tinha subscrito e do direito que pretende exercer por via da presente acção.
40. A presente acção entrou em juízo em 08.01.2013, estando tal direito prescrito.
41. Uma vez ser evidente que o banco apelante não actuou nunca com culpa grave, contrariamente ao afirmado na douta sentença recorrida.
42. A douta decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições constantes dos artigos 290 nº 1 al f), 294 nº 3, 312-E nº 1 e 324 nº 2, todos do CVM.”
O autor contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso e requereu a prestação de caução por parte do recorrente.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação dos pontos 10 e 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida;
2.2 Da inexistência de uma relação contratual de consultoria para investimento;
2.3 Da não demonstração de actuação ilícita do recorrente na qualidade de intermediário financeiro por violação grosseira do dever de informação e da falta de nexo causal entre a conduta do recorrente e os danos sofridos pelo recorrido;
2.4 Da ausência de demonstração da natureza da alegada garantia prestada pelo recorrente e, especialmente, da não exclusão do benefício de excussão prévia;
2.5 Da prescrição do direito exercido pelo recorrido.
3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação dos pontos 10 e 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida
O recorrente impugna a factualidade dada como provada nos pontos 10 e 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
As razões avançadas pelo recorrente para sustentar a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, nestes segmentos, são, em síntese, as seguintes:
- o único depoimento que poderia relevar para prova da matéria vertida no ponto 10 é o depoimento de F…, porquanto todas as restantes testemunhas declararam, como é reconhecido na motivação da decisão da matéria de facto, nada saber sobre o modo e circunstâncias em que a subscrição ocorreu; esta testemunha declarou que a segurança do produto subscrito pelo autor resultaria apenas da circunstância da entidade emitente se inserir no mesmo grupo empresarial em que se integrava o réu; daí que neste ponto deva passar a constar que “O gerente referido em 9) deu a entender ao A. que a aludida aplicação financeira era um investimento seguro, uma vez que a D… era uma empresa credível, que integrava o mesmo grupo empresarial que o C….”;
- inexistem produtos financeiros sem risco, havendo uns que têm mais e outros menos risco, não sendo os depósitos a prazo imunes ao risco, porquanto na data dos factos o fundo de garantia limitava-se ao montante de vinte e cinco mil euros; a matéria contida no ponto 12 dos fundamentos de facto é conclusiva, sem concretização dos limites de risco que o autor estaria disposto a correr, como correspectivo da rentabilidade das aplicações a efectuar, devendo declarar-se não escrito o mencionado ponto da matéria de facto.
Uma vez que se mostram observados os ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, cumpre proceder à reapreciação requerida.
Os pontos da matéria de facto impugnados têm o seguinte teor:
- “O gerente referido em 9)[2] deu a entender ao A. que a aludida aplicação financeira era um investimento seguro com garantia de reembolso pelo banco, uma vez que a D… era uma empresa credível, que integrava o mesmo grupo empresarial que o C…” (ponto 10 dos fundamentos de facto da sentença recorrida que contém uma resposta restritiva à matéria vertida nos artigos 3º e 5º da petição inicial[3]);
- “O A. não teria subscrito o produto referido em 2)[4] se soubesse que o mesmo era um produto de risco.” (ponto 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida que constitui resposta à matéria alegada no artigo 8º da petição inicial).
O tribunal a quo motivou a sua decisão da matéria de facto, nos termos que seguem:
“A convicção do tribunal sobre os factos provados, ainda que de forma limitada ou explicativa e não provados, resultou da análise conjugada do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, prova documental e declarações de parte.
Do depoimento de todas as testemunhas ouvidas e que são ou foram funcionários do banco R. (tanto testemunhas arroladas pelo A. como pelo R. e ainda a testemunha que oficiosamente o tribunal ouviu – F…) é de referir desde logo que em concreto e sobre o modo e circunstâncias em que foi subscrito o produto em causa nos autos pelo A., todos declararam nada saber, com exceção da testemunha F… - à data gerente da agência onde o A. subscreveu o papel comercial D… e que interveio pessoalmente em tal subscrição. Sendo que a proposta ao A. é facto aceite pelo R. nos termos que constam da ata da audiência prévia de fls. 121.
Apesar de todos os demais funcionários terem confirmado saber que esta subscrição tinha ocorrido, igualmente sabendo que o A. havia na agência apresentado diversas reclamações (com exceção da testemunha H… que entretanto saiu da agência em Abril de 2009), algumas das vezes de forma alterada, justificando por tal que fosse recebido no gabinete do gerente, negaram todos ter falado sobre o assunto na agência, nomeadamente com o referido gerente F…. Assim justificando o seu pouco conhecimento dos factos em questão.
Considerando que por todos foi referido ser o caso do A. o único na agência – único cliente que no balcão subscreveu este papel; confirmado que a situação do não pagamento na data do vencimento da subscrição foi do conhecimento de todos e causador de situações de constrangimento ocorridos dentro da agência pelo comportamento do A., estranho é que não tenha ocorrido entre todos os funcionários, incluindo o gerente, conversas sobre o assunto e nomeadamente sobre o modo como ocorreu a subscrição e com quem [única testemunha que referiu pensar que o interlocutor foi o gerente F… foi a testemunha I…]. Esta posição assim assumida por estas testemunhas não mereceu no contexto relatado credibilidade e inseriu-se num depoimento prestado pelas mesmas de forma pouco espontânea e comprometida, em especial da parte das testemunhas J… e F….
Não obstante, no que todas as testemunhas convergiram foi na convicção de que o produto em questão – papel comercial D… – por ser emitido por empresa do grupo a que o banco também pertencia era um produto seguro, “com o risco banco”, no sentido de que era risco idêntico ao banco desaparecer ou com risco idêntico aos produtos do banco.
Assim o disse também a testemunha J… [ex-cunhada do A. e que depôs de forma reservada, pouco espontânea e tentando afastar a proximidade familiar que à data dos factos existia com o A. e que aliás foi a causa da abertura da conta no balcão onde trabalhava (pelo que disse o A. e esta reconheceu). Proximidade esta que justificaria um maior conhecimento dos factos pelas conversas com o A. mantidas – aliás se referindo ao A. apenas como “cliente”]. Embora tenha negado qualquer intervenção na subscrição do papel comercial D… – afirmando que no dia em questão não estava na agência [apesar de a testemunha F… ter dito que a rubrica desta testemunha consta no doc. de fls. 16, no reconhecimento da assinatura do cliente] - confirmou a sua intervenção nos anteriores produtos subscritos pelo A. e apurados, entre os quais se encontra precisamente papel comercial de outras empresas que esta referiu estarem também integradas no mesmo grupo a que o banco pertencia. Esta referência é importante na medida em que em causa estão as informações prestadas pelo balcão ao A. sobre este valor mobiliário e seu consequente conhecimento – sua natureza e riscos inerentes e que de acordo com o depoimento desta testemunha não foram diferentes dos indicados para o papel D… em causa nesta ação – resumindo-se de acordo com os depoimentos prestados à indicação da taxa de juro, prazo, identificação sumária da entidade emitente e em especial a indicação de ser empresa do mesmo grupo do banco a implicar que o risco era o “risco banco”.
Mais disse esta testemunha que e pelo que conhece do A. se este soubesse que estava a subscrever produto de risco não o teria feito por se não adequar ao seu perfil. Mais dizendo que o mesmo não era pessoa informada sobre investimentos financeiros. Apesar de sempre procurar aplicar o seu dinheiro nas aplicações que melhor rendimento proporcionassem. Sendo aliás neste sentido que de seu como apurada a factualidade relativa às informações que eram prestadas e pedidas pelo autor – com enfoque nas rentabilidades. Sendo certo que os deveres de informação exigidos ao intermediários financeiro não se resumem às rentabilidades, indo muito para além deste elemento (conforme infra se analisará).
Sobre o conhecimento das características do produto subscrito – e até porque em anteriores subscrições tinha sido a testemunha a intervir enquanto funcionária do banco R. (vide docs. de fls. 72 a 79 dos autos) – disse esta testemunha que o A. sabia que era produto diferente de depósito a prazo mas de acordo com as informações que lhe tinham sido dadas sobre o produto, dizendo-lhe que era idêntico ao depósito a prazo.
Informação justificada com a solidez que era atribuída ao produto, dada a ligação a empresas do grupo, o que fazia com que informassem que os riscos fossem os “riscos inerentes ao próprio banco.”.
Neste contexto confirmou também esta testemunha a revolta e tristeza sentidos pelo A. quando se confrontou com a não entrega do capital por si investido.
Sendo que e quando se dirigiu à agência por diversas vezes a reclamar, lhe foi sendo dito que tivesse calma porque o problema se ia resolver – não confirmando contudo que ao A. fosse então dito que o banco assumiria a obrigação de pagamento.
Em idêntico sentido depôs a testemunha I… (quanto ao risco do produto e resposta às reclamações do A. apresentada na agência –pedindo calma que o problema se iria resolver); K… (quanto ao risco do produto “risco banco” e em resposta às reclamações dizendo que o A. era informado que dariam seguimento a todas as reclamações que o mesmo apresentasse, por ultrapassar as competências da agência); H… (funcionário só até Abril de 2009 referiu que achavam que papel D… era capital certo).
Por seu turno a testemunha F… referiu que quando falou com o A. não se preocupou em apurar os seus conhecimentos específicos deste tipo de produto na medida em que o A. já tinha subscrito outros da mesma natureza.
Sobre a conversa tida em concreto com o A. revelou a testemunha muitas incertezas, chegando ao ponto de dizer que já nem sabia se tinha ocorrido antes ou depois de o produto ter sido subscrito, referindo uma “conversa de circunstância”.
Porém, na medida em que o próprio banco reconheceu que foi um funcionário seu quem propôs o produto ao A. e dado que todos os outros funcionários negaram ter tido intervenção neste ponto [tendo apenas a testemunha I… referido pensar que foi o gerente F… quem tratou da subscrição com o A.], concluiu-se ter sido mesmo este funcionário quem apresentou ao A. este produto [conforme aliás o mesmo A. o afirmou em declarações de parte]
Num contexto de tantas dúvidas manifestadas pelo próprio quanto ao em concreto dito por si ao A., o que resultou claro do seu depoimento foi o entendimento à data de que o papel comercial D… era um investimento seguro com garantia de reembolso pelo banco na medida em que a D… era uma empresa credível, que integrava o mesmo grupo empresarial que o C…. Tendo sido esta a mensagem que a testemunha passou para o A. na conversa com o mesmo tida, para além de ter falado na taxa, prazo e enquadramento – esclarecendo o tipo de empresa em questão (empresa de cimentos).
Mais admitiu a testemunha F… que hoje teria falado de outra maneira com o A. especificando também tratar-se de um “empréstimo à sociedade emitente”, o que na altura não disse e falando nos riscos do produto o que à altura era questão que não se colocava.
Disse ainda que após a reclamação, foi informando o cliente que tinha a expectativa de que o banco ia resolver o problema, aconselhando-o a aguardar por tomada de posição do C… e mais tarde a escrever à Administração e Provedor de Cliente.
Finalmente a testemunha L…, irmã do A., confirmou por sua vez que o irmão estava convicto de que tinha feito um depósito a prazo, tendo ficado surpreendido quando o problema se colocou, aliás também dizendo que as anteriores aplicações eram todas depósitos a prazo.
Esta versão não se mostra verosímil até pelo próprio teor das cartas que o A. foi enviando ao banco.
Uma coisa é estar convicto de que a aplicação por si feita era tão segura como um depósito a prazo, de acordo com o que lhe fora informado e o que era sua vontade. Outra é estar convicto de que efetivamente tinha constituído um depósito a prazo.
Mais esclareceu todos os sentimentos de revolta e consequências para a vida pessoal do A. apuradas e tidas como credíveis no contexto descrito como consequência dos demais factos apurados.
Quanto à prova documental é de referir que dos docs. juntos a fls. 72 e segs. pelo R. com os quais este visou provar que o A. era homem experiente e conhecedor dos mercados e valores mobiliários, se extrai o seguinte:
- Pela negativa, não foi junta prova documental do alegado em 27º da p.i., tão pouco confirmado pela testemunha J… (ou outra testemunhar);
- o doc. de fls. 72 intitulado de “depósitos a prazo e de poupança” reporta-se ao investimento no “C1…” que o banco R. alegou tratar-se de títulos de participação num fundo de investimento imobiliário (vide 28º contestação).
Analisado tal doc. com o título de “Depósitos a prazo e poupança”, verifica-se que o mesmo tem assinalado no espaço destinado à “Constituição” a quadrícula respeitante a “Depósito a prazo” apesar de descrito o produto na quadrícula “outro produto”. Seguido depois da ordem de subscrição do Fundo em questão de fls. 73.
Considerando que o A. em sede de declarações de parte afirmou que sempre quis aplicações seguras sem risco, resultando do seu depoimento ser um homem simples e de poucos conhecimentos – aliás referiu que após ter ficado desempregado voltou a estudar para fazer o 12º ano – é de referir que a menção a “depósito a prazo” constante do doc. de fls. 72 é pouco abonatória da clareza com que tal produto foi apresentado ao A. e sobre o qual nada de relevo foi esclarecido.
A implicar que do mesmo se não pode extrair o pretendido pelo R. quanto aos conhecimentos do A.;
- Por outro lado, a fls. 75 foi junto o 1º pedido (de acordo com o R.) de subscrição do A. do papel comercial M… datado de 04/03/2008. Todavia a subscrição do mesmo havia já ocorrido em 27/02/2008 conforme resulta do doc. junto a fls. 76 – esta discrepância temporal mais uma vez deixa dúvidas quanto ao modo como o A. foi esclarecido previamente a subscrever este produto (para além do supra já dito a propósito do testemunho de J…). Certo sendo estar conforme ao depoimento do A. quando mencionou que abriu conta no banco R. por lá trabalhar a sua cunhada que era quem tratava de tudo e decidia e em quem confiava (tendo esta confirmado a sua intervenção nas primeiras aplicações do A.).
E certo sendo também que depois de subscrito o primeiro papel comercial ficou aberto o caminho para as posteriores subscrições – sem que tal implique neste contexto um conhecimento do A. das características do produto em causa, o qual ficou por demonstrar. Sendo ainda de referir que deste papel comercial o R. juntou a nota interna inserta nos autos a fls. 77/78 (que se desconhece se foi entregue ao A.) o que não fez quanto aos outros papéis comerciais e no que releva quanto ao papel comercial D…;
- A fls. 79 consta um pedido de subscrição de papel comercial N… (sem junção de nota interna ou informativa do produto);
- E a fls. 80 a 92 nota informativa do papel comercial D… (elaborada nos termos do artigo 17º do DL 69/2004, onde é identificado o Banco O… como Líder Agente e Instituição Depositária e Registadora);
- Finalmente a fls. 156 e segs. foi junta a Instrução de Serviço 19/01 relativa a Papel Comercial – elaborada no âmbito do protocolo estabelecido entre o C… e o Banco O…, visando definir os procedimentos e regras a adotar pelos Órgãos Intervenientes aquando da emissão e comercialização de Papel Comercial.
Desta Instrução de Serviço de 05/02/2003 (data em que entrou em vigor, conforme na mesma é indicado) é preciso ter presente que a mesma é genérica para todo o papel comercial que viesse a ser emitido ao abrigo do protocolo celebrado entre ambos os bancos.
Não se podendo concluir do seu teor e nomeadamente do ponto 2 cuja epígrafe é “Definições” que ao aí definir “Garante – Entidade que garante a solvabilidade do papel emitido – C… e/ou Banco O…” assumiu o banco R. em concreto o papel de garante da solvabilidade do papel D… subscrito pelo autor.
Veja-se que na página 10 da mesma instrução está prevista a hipótese de ser proposta a concessão de garantia ao emitente – se assim o entender a área comercial, a implicar que a mesma poderia ou não vir a ser assumida caso a caso. O que aliás está conforme à dispensa prevista no artigo 4º n.º 2 do DL 69/2004 que regulamenta o regime jurídico dos valores representativos de dívida de curto prazo até 364 dias, vulgarmente denominados de Papel Comercial”.
A implicar que e por falta de prova cabal não se deu como apurado que o banco R. garantiu a solvabilidade do papel emitido/assumiu a posição de garante. O que é coisa diversa de ter sido dado a entender ao A. por funcionário do banco R. que o reembolso estava garantido pelo banco nos termos apurados e supra já referidos.
Quanto a docs. é ainda de referir que a fls. 16 foi junta cópia do pedido de subscrição do papel comercial D…, datada precisamente de 26/09/2008 de onde consta o seu vencimento a 364 dias (período inferior a 1 ano); a fls. 17 foi junto o extrato global da conta do A. de Outubro de 2010, onde é incluída na rubrica da carteira de títulos o papel comercial referido em 2) no valor de € 50.000,00 (cotações à data da emissão do extrato, papel comercial apresentado ao valor nominal); a fls. 18 a 21 comunicação do banco R. da creditação dos juros relativos ao produto referido em 2), em 3 tranches; a fls. 22 a 27 foram juntas as reclamações escritas e respostas obtidas pelo A. sobre o assunto em questão.
De mencionar ainda que nenhum dos funcionários (ou ex funcionários) do R. souberam dizer a favor de quem foi creditado o valor relativo à subscrição referida em 2) nem quem efetuou o pagamento dos juros referidos em 17) a implicar que também a factualidade a este propósito alegada pelo banco R. resultou não apurada.
Em conformidade com os depoimentos assim prestados e docs. supra referidos se formou a convicção do tribunal sobre os factos provados, ainda que de forma limitada ou explicativa e não provados.”
Procedeu-se à audição de toda a prova pessoal produzida em audiência, bem como ao exame dos documentos mencionados e descritos na motivação que antecede e, no essencial, subscrevem-se as judiciosas considerações constantes da motivação do tribunal a quo, apenas divergindo a nossa apreciação quanto à simplicidade e escassez de conhecimentos do autor.
De facto, no que respeita a simplicidade e escassez de conhecimentos do autor, importa não perder de vista que o mesmo, alegadamente desempregado desde 2002[5], então com o sétimo ano de escolaridade, estudou ao longo dos anos seguintes, à noite, a fim de obter o décimo segundo ano[6], vincando que assim obteve esse grau de escolaridade e não “nesses cursos”, parecendo querer aludir aos programas de certificações de competências profissionais, como as “Novas Oportunidades”, chegando a inscrever-se no ensino superior, sem contudo o ter frequentado. Neste contexto, embora não haja a segurança de que em Setembro de 2008 o autor já tivesse concluído o décimo segundo ano de escolaridade, teria pelo menos adquirido mais algumas competências além das decorrentes da posse do sétimo ano de escolaridade.
Na nossa perspectiva, o autor, “auxiliado” por um sotaque afrancesado que lhe dá uma imagem de alguém com dificuldades de expressão, procurou transmitir a imagem de alguém mais simples do que é efectivamente.
Sobre a matéria do “risco banco”, decisiva para sindicar o segmento do ponto 10 dos fundamentos de facto da sentença recorrida impugnado pelo recorrente, a testemunha J…, gestora de cliente, funcionária do recorrido e antes do C… desde 2002 e cunhada do autor, sem se referir concretamente à operação objecto destes autos, mas sim a papel comercial com características similares ao subscrito pelo autor, referiu que à questão do risco do produto não era dada grande consideração, porque seria um produto muito similar a um depósito bancário, um produto proveniente de uma empresa integrada no grupo a que pertencia o C…, um título de dívida numa empresa participada do C…, com um risco muito similar ao risco de um depósito num banco (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto quinze e vinte segundos ao minuto dezoito e quarenta minutos). Mais tarde, quando inquirida pelo Sr. Advogado do recorrente, relativamente a produtos similares, referiu que nunca foi dada a informação de que o banco garantia a devolução do capital investido (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto vinte e sete e cinquenta segundos ao minuto trinta e dois a quarenta segundos e à uma hora, dezanove minutos e trinta e cinco segundos à uma hora, vinte e minutos e cinquenta segundos).
K…, gerente bancário, empregado do C… desde 2000 e presentemente do banco recorrente, sem ter conhecimento concreto da operação objecto dos autos, referiu que em subscrições similares as informações transmitidas eram de que se tratavam de empresas do grupo G… que era “dona” do C… e que o risco era similar ao do banco, era o “risco banco”, esclarecendo que isso significa que sendo a emitente do papel comercial uma empresa integrada no grupo G…, o banco C… daria cobertura à operação, no sentido de que no momento do vencimento da aplicação, se necessário, financiaria a empresa emitente para se efectivar o reembolso do capital aplicado pelos investidores (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto vinte e dois e cinco segundos ao minuto vinte e três e doze segundos e do minuto quarenta e seis e vinte segundos ao minuto cinquenta e três e vinte e cinco segundos).
F…, gerente bancário, empregado do C… desde 2002 e presentemente do recorrente na agência de Braga, única testemunha que admitiu um contacto directo com o autor por causa da subscrição em discussão nestes autos, afirmou não se lembrar objectivamente da conversa mantida com o recorrido, descrevendo o que, em termos de enquadramento da emissão em causa, era transmitido, nomeadamente a pertença da D… ao grupo G…, a que também pertencia o C… e as maiores garantias de reembolso do capital inerentes a essa circunstância (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto onze e cinquenta minutos ao minuto vinte e dois e dez segundos). Porém, a instâncias do Sr. Advogado do recorrido, confrontado com as figuras da comissão de garantia e de tomada firme mencionadas na instrução nº 19/01 (vejam-se as páginas 3 e 4, da referida instrução, a folhas 158 e 159 destes autos), a testemunha declarou que tinha presente que na altura o banco garantia, que pertencendo a sociedade emitente do papel comercial ao grupo a que também pertencia o banco ora recorrente, este estava seguro para também se comprometer no pagamento (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto trinta e cinco e cinco segundos ao minuto quarenta e dois[7]).
No circunstancialismo probatório que se acaba de enunciar, tendo em conta que a testemunha F… foi a única pessoa que assumiu ter tido contacto directo com o autor por causa da aplicação financeira controvertida nestes autos e tendo em atenção que acabou por admitir que o banco também se comprometia ao pagamento no caso da sociedade emitente fazer parte do grupo G…, não tendo esta afirmação sido posta em causa, nomeadamente, na instância que lhe foi feita pelo Sr. Advogado do réu, nenhuma razão há para alterar a factualidade dada como provada no ponto 10 dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
Apreciemos agora a impugnação do ponto 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
Apesar desta questão ter sido equacionada em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, certo é que a pretensão recursória não se funda propriamente numa reapreciação da prova que terá sido mobilizada para a firmar, mas antes em considerações de ordem jurídica, atinentes à natureza conclusiva da matéria em causa e à falta de articulação e prova de factos concretos que permitam estribar o juízo em que se traduz este fundamento de facto impugnado.
Reproduzindo, em parte, o que se deixou escrito no acórdão proferido no processo nº 833/11.2TVPRT.P1, dir-se-á que o actual Código de Processo Civil teve a nítida preocupação de simplificar a fase do processo que se segue ao termo dos articulados, quando o processo esteja em condições de seguir para a audiência final, eliminando a necessidade de proceder à organização da base instrutória que deveria conter a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (veja-se o artigo 511º, nº 1, do anterior Código de Processo Civil). Para tanto, criou a figura dos temas de prova, pretendendo com esta designação uma referenciação genérica do objecto da instrução (veja-se a primeira parte do artigo 410º do Código de Processo Civil).
Não obstante esta alteração de paradigma que, na nossa perspectiva, apenas transfere as dificuldades que surgiam no termo dos articulados para a audiência final, parece que o objecto da instrução continua agora como dantes a ser constituído pelos factos[8], incluindo-se nestes as ocorrências da vida real exterior e passíveis de percepção, as ocorrências da vida interna das pessoas, como sejam as intenções, os conhecimentos, as dores, as alegrias, etc…, as situações virtuais, seja no passado, seja no futuro, como sucede, por exemplo, na determinação da vontade conjectural em caso de redução ou conversão do negócio jurídico e, finalmente, os juízos periciais de facto, isto é, as apreciações de certos factos efectuadas por pessoas dotadas de conhecimentos científicos e com base nesses conhecimentos.
Na verdade, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na sua actividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Pelo contrário, no que respeita à matéria de direito, o tribunal não está subordinado às alegações das partes, sendo livre[9] no que tange a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), ainda que nalguns casos, deva observar o prescrito no nº 3, do artigo 3º, do Código de Processo Civil.
O anterior Código de Processo Civil operava uma cisão rigorosa entre o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito, correspondendo esta cisão, em dado momento da evolução do nosso processo civil a uma diversidade de entidades que procediam a uma e a outra tarefa[10].
No actual processo civil, à semelhança do que se passa no processo penal desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal aprovado pelo decreto-lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro[11], o julgamento da matéria de facto e de direito deixa de ocorrer em ciclos processuais distintos, surgindo toda essa actividade concentrada numa única peça processual: a sentença final.
Neste novo contexto processual, bem se percebe que tenha desaparecido a previsão do nº 4, do artigo 646º do anterior Código de Processo Civil e que tinha por fim precípuo delimitar o âmbito de cognição do tribunal que procedia ao julgamento da matéria de facto, com base em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação (artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil), do âmbito que competia ao juiz que lavrava a sentença e que além do julgamento da matéria de direito, propriamente dito, procedia também à valoração das provas não sujeitas à livre apreciação do julgador (artigo 659º, nº 3, do anterior Código de Processo Civil).
No entanto, o desaparecimento daquela previsão legal não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do nº 3 e no nº 4, do artigo 607º, do actual Código de Processo Civil, tenha passado a poder incidir também sobre matéria de direito ou sobre matéria conclusiva.
Ao contrário do que por vezes se vê apregoado, a tanto quanto possível separação rigorosa da matéria de facto e de direito não é tributária de uma postura formalista[12] e arcaica, antes é uma decorrência indeclinável de “qualidade” e genuinidade na instrução da causa. De facto, se não houver rigor na delimitação destes campos, as testemunhas serão chamadas a emitir juízos de valor, inclusive de ordem legal, procedendo assim a uma verdadeira usurpação de funções consentida, porquanto, assim actuando, demitir-se-á o julgador da função que lhe é própria, transferindo-a, à margem da lei, para as diversas entidades operantes em sede de instrução.
Na nossa perspectiva, a inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
A matéria vertida no ponto 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida respeita a uma situação hipotética genérica, sem que tenham sido alegados os factos concretos que a integram, nomeadamente o grau de risco que o autor estaria disposto a correr e ainda os elementos que permitam qualificar o produto subscrito pelo autor como de risco e o respectivo grau; repare-se que se desconhece por que razão a entidade emitente se veio a encontrar em situação de insolvência e em quanto tempo essa situação se gerou.
Na verdade, como bem realça o recorrente, inexistem produtos financeiros isentos de risco, pois que as entidades bancárias onde são efectuados depósitos em numerário e os próprios estados podem vir a encontrar-se em situação de insolvência.
No circunstancialismo que se acaba de enunciar, o ponto 12 dos fundamentos de facto constitui um juízo hipotético excessivamente genérico e sem suporte em factos concretos ou com um mínimo de concretização. Por isso, a nosso ver, deve retirar-se dos fundamentos de facto, o aludido ponto 12, procedendo, nesta parte, a pretensão recursória.
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e resultantes da reapreciação da decisão da matéria de facto efectuada neste tribunal, expurgados de referências probatórias e ordenados de forma lógica e cronológica
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
O autor é cliente do réu “E…” (anteriormente denominado C…) n.º …….., desde o ano de 2006, sendo titular da conta n.º ……..........
3.2.1.2
O autor sempre se preocupou com a rentabilidade das suas aplicações, procurando saber junto da agência do banco réu onde tinha conta os juros que cada um dos produtos que lhe eram apresentados como disponíveis poderia render e quais tinham uma melhor rentabilidade.
3.2.1.3
Recebida essa informação, o autor decidia sobre as aplicações a fazer e o banco réu cumpria tal vontade.
3.2.1.4
Os funcionários do banco réu davam ao autor quando este o pedia, sugestões de aplicações financeiras existentes no mercado, informando-o das respectivas rentabilidades.
3.2.1.5
Em 18 de Maio de 2007, na sequência de pedido do autor de 17 de Maio de 2007 o mesmo subscreveu C1… - títulos de participação num fundo de investimento imobiliário.
3.2.1.6
Em 27 de Fevereiro de 2008 foi registado em nome do autor a subscrição de papel comercial emitido pela empresa M…, em relação à qual o autor assinou em 04/03/2008 o respectivo pedido.
3.2.1.7
Em 25 de Junho de 2008 o autor requereu ao banco réu a subscrição de papel comercial emitido por N….
3.2.1.8
De todas essas aplicações financeiras o autor retirou taxas de juro superiores àquelas que um simples depósito a prazo lhe poderia render.
3.2.1.9
Por proposta de funcionário do balcão de … do banco réu, o autor aceitou aplicar a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) na subscrição de produto comercializado pelo próprio banco e emitido pela D… – papel comercial da D…/12ª emissão à taxa anual de 7,234%, subscrição datada de 29/09/2008[13] com vencimento em 28/09/2009.
3.2.1.10
A proposta referida em 3.2.1.9 e apresentada pelo gerente bancário F…, ocorreu no dia 26 de Setembro de 2008, data em que o autor se deslocou à agência bancária do C… de ….
3.2.1.11
O gerente F… deu a entender ao autor que a aludida aplicação financeira era um investimento seguro com garantia de reembolso pelo banco, uma vez que a D… era uma empresa credível, que integrava o mesmo grupo empresarial que o C…, sendo o valor aplicado e respectivos juros depositados na conta do autor no termo da realização da aplicação (um ano[14]).
3.2.1.12
À data da subscrição não foi entregue ao autor qualquer nota informativa sobre o emitente do papel comercial referido em 3.2.1.9 e sobre a emissão deste mesmo papel comercial.
3.2.1.13
Após o vencimento da subscrição referida em 3.2.1.9 – com prazo acordado de 364 dias e data de vencimento em 28 de Setembro de 2009, o autor deslocou-se à agência de … do C… para proceder ao levantamento do capital investido e respectivos juros, o qual destinava à aquisição de uma habitação.
3.2.1.14
Foi informado pelo gerente C… que iria aguardar decisão do banco e para aguardar resposta.
3.2.1.15
No contexto referido em 3.2.1.13 e 3.2.1.14 o autor deslocou-se de novo à agência várias outras vezes, com vista a obter solução para o seu problema, indo recebendo do gerente da agência aconselhamento para aguardar por decisão superior e mais tarde para escrever à Administração e Provedor do Cliente.
3.2.1.16
Foram depositados na conta do autor em 30 de Setembro, 17 de Novembro e 22 de Dezembro de 2009 os juros vencidos e relativos à subscrição referida em 3.2.1.9.
3.2.1.17
No dia 28 de Abril de 2010, o autor entregou pessoalmente na agência de … requerimento escrito no qual e indicando como assunto “devolução de depósito a prazo” declara “Venho pela presente, exigir mais uma vez que me seja restituído o meu depósito efectuado já há algum tempo e já vencido no dia 28 de Setembro de 2009.
3.2.1.18
O autor não obteve resposta ao requerimento referido em 3.2.1.17.
3.2.1.19
Datada de 09 de Junho de 2010 e com referência ao “Assunto: Reclamação por V. Exa. junto do Banco de Portugal” enviou o banco réu resposta ao autor nos termos da qual declara:
“Relativamente ao exposto na referida reclamação e após as devidas averiguações, informamos que se apurou o seguinte:
1- Em 26/09/2008 V. Exa. subscreveu a aplicação financeira denominada Papel Comercial D… 12ª emissão no montante de 50.000,00 € conforme Boletim de Subscrição assinado por V. Exa. na mesma data.
2- A referida aplicação foi emitida pela sociedade D…, pertencente ao grupo G…, S.A. e colocada no público pelo C…, S.A. através da sua rede comercial, tendo os valores subscritos sido entregues àquela sociedade.
3- A Agência de … do C…, quando lhe sugeriu a subscrição do referido Papel Comercial fê-lo de boa-fé, olhando à sua boa rendibilidade, não podendo prever com os elementos que dispunha, os acontecimentos que se desencadearam mais tarde sob o Grupo G… e que determinaram que, na data do vencimento da aplicação financeira, apenas tivesse sido pago aos subscritores uma parte dos juros vencidos, não tendo sido efectuado o reembolso do capital investido pelos subscritores.
- (…)
5- Tivemos conhecimento que estão a ser efectuados esforços pelo Emitente do Papel Comercial D…, no sentido de ser efectuado o reembolso total do capital investido pelos subscritores”.
3.2.1.20
Em 13 de Julho de 2010, o autor apresentou resposta por escrito à comunicação referida em 3.2.1.19 na agência de … do C…, dirigida ao Provedor e conselho de administração do C…, em suma dizendo:
- «“Indicaram na vossa carta que em 26/09/2008 subscrevi a aplicação em papel comercial D… 12ª Emissão” no entanto verifico que na ordem de subscrição aparece em letras bem grandes PAPEL COMERCIAL C… – não só uma vez mas várias vezes (…) enquanto D… aparece de forma bem reduzida.
- A Aplicação financeira foi emitida pela empresa D…, tendo-lhes sido entregues tais valores pela iniciativa do C… e não pela minha. Esta entidade era completamente desconhecida para mim.
- Se a agência fez de boa-fé ou não (…), pois tenho conhecimento de que se tratava de papel comercial D…, S.A., mas foi-me comunicado que se tratava de uma empresa pertencente ao mesmo grupo do banco que o C… e nunca tive conhecimento de que se tratava de uma aplicação de risco, se tal se verifica-se nunca o teria feito.
- (…)
- É lamentável que nesta data (…) ainda não tenha tido tempo para responder à minha comunicação de 28 de Abril de 2010 (…)
- Volto a implorar as minhas economias o mais urgente possível (…)”.
3.2.1.21
Por carta, datada de 09 de Março de 2011, entregue na agência de …, voltou o autor a insistir com o pedido de informações sobre o pagamento, fazendo menção à falta de resposta às suas cartas de 28 de Setembro de 2009 e 13 de Julho de 2010.
3.2.1.22
Respondeu o réu C… à carta referida em 3.2.1.21, por carta datada de 17 de Março de 2011, informando que “devido a não haver qualquer facto novo posterior à posição já anteriormente transmitida a V. Exa. através da nossa carta de 09/06/2010 (…) consideramos improcedente a exposição agora apresentada, não tendo este Gabinete mais nada a acrescentar.”
3.2.1.23
O autor encontra-se desapossado do capital referido em 3.2.1.9 até hoje.
3.2.1.24
A incerteza do recebimento do capital e as diversas deslocações e reclamações junto da agência bancária do Banco C… entre 2009 e 2011 abalaram o autor, deixando-o abatido, ansioso e revoltado, com alterações de humor, isolando-se de amigos e familiares.
3.2.1.25
À data do vencimento da aplicação financeira, o autor era uma pessoa alegre, bem-disposta e comunicativa.
3.2.1.26
O autor está actualmente desempregado.
3.2.1.27
O autor chegou a ser sócio de uma sociedade de mediação imobiliária, no âmbito da qual angariava imóveis para venda.
3.2.1.28
O capital social da D…, SA era detido exclusivamente pela sociedade P…, SA, que por sua vez era detida pela G…, SA.
3.2.1.29
E esta última entidade, por seu lado, detinha também a totalidade do capital social do C…, S.A..
3.2.1.30
Todas as acções representativas do capital social do “C…, S.A.” foram nacionalizadas pela Lei n.º 62-A/2008 de 11/11.
3.2.1.31
À data referida em 3.2.19 não previu o funcionário que apresentou a proposta ali referida o referido em 3.2.1.30.
3.2.1.1 Factos não provados
3.2.1.1.1
- A proposta referida em 3.21.9 e 3.2.1.10 foi apresentada de modo insistente.
3.2.1.1.2
- O referido gerente bancário asseverou que era um investimento sem qualquer risco de retorno.
3.2.1.1.3
- O A. estava convencido, face às informações prestadas pelo funcionário do réu C… de que tinha efectuado um depósito a prazo.
3.2.1.1.4
- Para além do referido em 3.2.1.9 e 3.2.1.11, nada mais foi dado a conhecer ao autor sobre o tipo do produto em causa e as condições da aplicação financeira.
3.2.1.1.5
- O demais alegado em 4º a 6º da petição inicial [para além do que consta em 3.2.1.11], 13º a 16º e 18º, também da petição inicial [para além do que consta em 3.2.1.14 e 3.2.1.15].
3.2.1.1.6
- Foi o C… quem depositou na conta do autor os valores referidos em 3.2.1.16.
3.2.1.1.7
- Em face do comportamento da ré e do seu funcionário, o autor em 26/12/2011, apresentou queixa-crime no Tribunal Judicial de Barcelos, que corre termo sob o n.º 583/11.0 PABCL.
3.2.1.1.8
- Passou o autor a manifestar perturbações no sono.
3.2.1.1.9
- Entrou numa depressão profunda, recorrendo frequentemente a antidepressivos e calmantes.
3.2.1.1.10
- O autor vive em precária situação económica, não dispondo de rendimentos que lhe permitam fazer às suas despesas correntes do dia-a-dia.
3.2.1.1.11
- Não fosse o auxílio de familiares e hoje, literalmente, passaria fome.
3.2.1.1.12
- Vê-se impossibilitado de proporcionar melhores condições de vida aos seus dois filhos menores, facto que o atormenta diariamente.
3.2.1.1.13
- O autor era um homem de negócios informado.
3.2.1.1.14
- No seguimento dos contactos referidos em 3.2.1.2 a 3.2.1.4[15] o autor adquiriu para a sua carteira títulos C2…, em 15.05.2006, pouco depois da abertura da conta.
3.2.1.1.15
- O autor sempre teve a noção clara de que os produtos referidos em 3.2.1.5 a 3.2.1.7 se tratavam de produtos criados e emitidos por entidades distintas do banco ora réu e que este comercializava junto dos seus clientes, nos seus diversos balcões.
3.2.1.1.16
- Todo o capital investido pelo autor na aquisição de papel comercial D… deu entrada na tesouraria desta entidade emitente e não foi embolsado pelo banco.
3.2.1.1.17
- Os juros liquidados ao autor e referidos em 3.2.1.16 foram creditados na sua conta apenas quando e à medida que a dita entidade emitente habilitou o banco réu para proceder ao respectivo pagamento.
3.2.1.1.18
- Nunca o banco réu ou qualquer dos seus funcionários garantiu ao autor que o banco era responsável pelo reembolso do capital investido no produto ora em causa.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da inexistência de uma relação contratual de consultoria para investimento
O recorrente começa por se insurgir contra a afirmação na sentença recorrida de que entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de consultoria para investimento.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 294º, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários, a consultoria para investimento em valores mobiliários, prestada em base individual, pode ser exercida:
a) Por intermediário financeiro autorizado a exercer essa actividade, entre outras;
b) Por consultores autónomos que se dediquem exclusivamente a essa actividade.
“Não se considera actividade de consultoria para investimento a prestação de conselhos inserida na actividade profissional de pessoas não incluídas no número anterior, desde que seja complemento normal e necessário da actividade por elas exercida” (artigo 294º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários).
Doutrinalmente, o contrato de consultoria para investimento é definido como o que é “celebrado entre um intermediário financeiro ou um consultor em investimento mobiliário (consultor) e um cliente (consulente ou investidor) através do qual o primeiro se obriga perante o último, mediante remuneração, à prestação de um aconselhamento personalizado relativo a transacções respeitantes a instrumentos financeiros”[16].
No caso em apreço, com pertinência para a dilucidação desta questão provou-se:
- O autor é cliente do réu “E…” (anteriormente denominado C…) n.º …….., desde o ano de 2006, sendo titular da conta n.º …….........;
- O autor sempre se preocupou com a rentabilidade das suas aplicações, procurando saber junto da agência do banco réu onde tinha conta os juros que cada um dos produtos que lhe eram apresentados como disponíveis poderia render e quais tinham uma melhor rentabilidade;
- Recebida essa informação, o autor decidia sobre as aplicações a fazer e o banco réu cumpria tal vontade;
- Os funcionários do banco réu davam ao autor quando este o pedia, sugestões de aplicações financeiras existentes no mercado, informando-o das respectivas rentabilidades;
- Por proposta de funcionário do balcão de … do banco réu, o autor aceitou aplicar a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) na subscrição de produto comercializado pelo próprio banco e emitido pela D… – papel comercial da D…/12ª emissão à taxa anual de 7,234%, subscrição datada de 29 de Setembro de 2008 com vencimento em 28 de Setembro de 2009.
Será a factualidade antes recordada suficiente para integrar um contrato de consultoria de investimento?
Na nossa perspectiva, a aludida factualidade é insuficiente na medida em que da mesma não resulta a assunção da obrigação por parte da entidade bancária, na pessoa dos seus colaboradores, da prestação de aconselhamento personalizado ao autor. De todo o modo, mesmo que pudesse concluir pela celebração de um tal contrato, por estar em causa uma pessoa colectiva e por a aludida actividade ser complemento normal da actividade bancária, sempre se deveria concluir pelo afastamento da qualificação de consultoria para investimento (vejam-se artigos 4º, nº 1, alínea f), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e 294º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários), integrando-se essa actividade na intermediação financeira.
4.2 Da não demonstração de actuação ilícita do recorrente na qualidade de intermediário financeiro por violação grosseira do dever de informação e da falta de nexo causal entre a conduta do recorrente e os danos sofridos pelo recorrido
O recorrente impugna a sentença recorrida no segmento em que concluiu que na qualidade de intermediário financeiro prestou ao recorrido informações falsas, quanto ao reembolso do investimento, não se verificando qualquer conduta ilícita da sua parte, nem resultando dos autos qualquer nexo de causalidade entre a conduta do recorrente e os danos que o autor alega ter sofrido.
Cumpre apreciar e decidir.
O recorrente não questiona a sua qualidade de intermediário financeiro na operação em que o recorrido afirmou ter sido enganado por ele.
Nos termos do nº 2, do artigo 304º, do Código dos Valores Mobiliários, os intermediários financeiros, nas relações com todos os intervenientes no mercado, devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade de transparência. Além disso, de acordo com o corpo do nº 1, do artigo 312º do citado código, o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.
Ora, no caso em apreço, como resulta da factualidade provada, o recorrente prestou ao recorrido informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido pelo recorrido (veja-se o ponto 3.2.1.11 dos fundamentos de facto deste acórdão). Esta conduta do recorrente é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao recorrido, seu cliente e, dado o conteúdo da informação falsa transmitida, é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão do recorrido de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido pelo recorrente.
Além disso, também se provou que à data da subscrição, não foi entregue ao autor qualquer nota informativa sobre o emitente do papel comercial referido em 3.2.1.9 e sobre a emissão deste mesmo papel comercial. Esta factualidade integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312º-C e 312º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação a prestar a investidor não qualificado, como era o caso do recorrido.
De acordo com o disposto no nº 1, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. Quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação, presume-se a culpa do intermediário financeiro (artigo 304º-A, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários)[17].
Na responsabilidade civil por facto ilícito[18], o nexo causal entre o facto, no caso a informação falsa prestada pelo recorrente sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelo recorrido e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso à denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente […] para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto”[19].
O recorrente afirma que a única omissão que lhe poderia ser imputada seria a não comunicação da eventualidade de deixar de integrar o mesmo grupo empresarial da sociedade emitente das aplicações adquiridas pelo recorrido, facto no entanto imprevisível, porque resultante de um acto político.
Será assim?
Não o cremos, porquanto o acto de nacionalização do recorrente teve por base certos pressupostos que na Lei nº 62-A/2008, de 11 de Novembro vêm assim enunciados no nº 1, do artigo 2º da lei que se acaba de citar: “Verificados o volume de perdas acumuladas pelo C…, S.A., doravante designado C…, a ausência de liquidez adequada e a iminência de uma situação de ruptura de pagamentos que ameaçam os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro e apurada a inviabilidade ou inadequação de um meio menos restritivo, apto a salvaguardar o interesse público, são nacionalizadas todas as acções representativas do capital social do C….”
Porventura, em finais de Setembro do ano em que ocorreu a nacionalização, menos de dois meses antes de tal acto, o volume de perdas, a ausência de liquidez, a iminência de ruptura de pagamentos por parte do C…, SA, pela sua magnitude, seriam imperceptíveis e imprevisíveis por esta sociedade?
A resposta é a nosso ver expedita e inequivocamente negativa, dada a magnitude das patologias que determinaram a nacionalização do recorrente e que por isso não podiam ser desconhecidas dos principais responsáveis do recorrente. Anote-se que para este juízo sobre a previsibilidade do cataclismo financeiro que se avizinhava e da consequente nacionalização do C…, releva o conhecimento dos principais responsáveis da sociedade ré e não aquele que os seus agentes efectivamente tinham, pois que o intermediário financeiro tinha que zelar por que a informação transmitida pelos seus agentes estes fosse verdadeira.
Uma vez que a informação falsa prestada pelo recorrente incidiu sobre um dos aspectos mais decisivos para a determinação da decisão de subscrever um certo produto financeiro, sem esforço se conclui que essa informação não se mostrou de todo em todo indiferente para a verificação do dano, bem pelo contrário.
Assim, ao invés do afirmado pelo recorrente, conclui-se pelo estabelecimento de nexo de causalidade entre o facto ilícito que lhe é imputado e os danos sofridos pelo recorrido.
Porque o dano sofrido pelo recorrido decorreu da prestação de informação falsa e que a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por acção, presume-se a culpa do recorrente, nos termos previstos no nº 2, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.
4.3 Da ausência de demonstração da natureza da alegada garantia prestada pelo recorrente e, especialmente, da não exclusão do benefício de excussão prévia
O recorrente insurge-se contra a sua condenação ao pagamento ao recorrido do montante do capital investido por este, sem que se tenha provado que o mesmo tenha feito diligências junto da D… para haver o referido capital e também por não se ter apurado a natureza da garantia de reembolso alegadamente incidente sobre o recorrente, nomeadamente se estava ou não desprovida do denominado benefício de excussão prévia. Em bom rigor, tudo isto se reconduz à questão da existência ou não do benefício de excussão prévia, pois que, existindo, o credor só pode agir contra o garante depois de excutidos todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito (artigo 638º, nº 1, do Código Civil).
Cumpre apreciar e decidir.
Na petição inicial, o autor estribou as suas pretensões indemnizatórias em dois distintos fundamentos: o primeiro, a responsabilidade civil do réu decorrente da prestação de informações inverdadeiras que o determinaram a subscrever papel comercial da D…; o segundo, a assunção de uma obrigação de garantia por parte do ora recorrente, do dever de reembolso do capital investido pelo recorrido.
Na contestação, o ora recorrente não suscitou a questão da eventual existência do benefício de excussão prévia e que ora em via de recurso vem submeter à cognição deste tribunal.
Ora, como é sabido, o recurso de apelação é um instrumento conferido legalmente às partes insatisfeitas com uma certa decisão judicial para permitir a reapreciação de todas ou de parte das questões submetidas à apreciação do tribunal recorrido, não se destinando a provocar o conhecimento de questões novas, salvo tratando-se de matéria de conhecimento oficioso[20].
No circunstancialismo que se acaba de retratar, é patente que o recorrente não pode agora em via de recurso suscitar a questão da existência do benefício de excussão, quando não a suscitou previamente junto do tribunal a quo. Aliás, não tendo o tribunal a quo fundado a condenação do recorrente na garantia de reembolso do capital, mas antes na responsabilidade contratual derivada da violação e omissão do dever de informação, parece tratar-se, em todo o caso de uma questão impertinente, sem aptidão para fundamentar uma crítica procedente da decisão recorrida.
Ainda assim, sempre se dirá que se porventura se tratasse de questão que pudesse ser conhecida neste recurso, dúvidas não existiriam de que o recorrente não gozaria do benefício de excussão, bastando, para tanto, atentar na natureza comercial da obrigação garantida e no disposto no artigo 101º do Código Comercial.
A preocupação do recorrente com a permanência na esfera do recorrido do papel comercial da D… tem remédio expedito: basta que o recorrente cumpra a obrigação de reembolso que incumbia à entidade emitente e assim adquira, por sub-rogação, a posição jurídica do recorrido, ficando a partir de então legitimado para agir contra a sociedade emitente.
4.4 Da prescrição do direito exercido pelo recorrido
O recorrente sustenta que, a existir um qualquer crédito indemnizatório a favor do recorrido, sempre o mesmo estaria prescrito, pois que, na sua perspectiva, não violou qualquer dever de informação relevante e, ainda que assim se não conclua, sempre a informação relativa ao reembolso garantido da aplicação subscrita pelo recorrido, dependia da integração da sociedade emitente no mesmo grupo empresarial do recorrente, não sendo previsível a nacionalização do capital social do recorrente na data em que as aplicações financeiras foram subscritas pelo recorrido.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 2, do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários, “[s]alvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro em negócio em que haja intervindo nesse qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.”
Ao longo do presente acórdão já se foi tomando posição sobre a questão da prestação de informações falsas por parte do recorrente em matéria decisiva para a decisão de subscrição de uma aplicação financeira e sobre a questão da imprevisibilidade da nacionalização do capital social do recorrente, pelo que não há necessidade de repetir o que a tal propósito se sustentou. Apenas se acrescenta que a falsa garantia de reembolso do capital investido prestada pelo recorrente não estava condicionada à permanência do recorrente e da sociedade emitente no mesmo grupo empresarial, mas fundamentava-se tão-só nessa realidade empresarial, já que, no dizer do recorrente, essa integração no mesmo grupo do intermediário financeiro e da sociedade emitente do papel comercial permitiria um melhor conhecimento da saúde financeira da sociedade emitente e potenciaria relações de solidariedade entre aquelas entidades.
Tendo-se já concluído pela violação do direito à informação por parte do recorrente, importa neste momento qualificar a culpa do recorrente, culpa que se presume, ex vi artigo 304º-A, nº 2, parte final, do Código dos Valores Mobiliários. De facto, o prazo prescricional bianual previsto no nº 2, do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários só será aplicável caso não se possa imputar ao recorrente uma conduta dolosa ou a título de culpa grave[21], ou, dito pela positiva, se apenas lhe for assacada uma culpa leve ou levíssima[22].
Seguindo os ensinamentos do Professor Antunes Varela na obra citada em nota de rodapé[23], a culpa lata, mais frequentemente chamada culpa grave “consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam.” Esta classificação dos graus de culpa tem a ver com a gravidade ou a intensidade da violação dos deveres que recaem sobre o agente do facto, sendo sobreponível com a classificação que atende à previsão ou não do facto ilícito. Assim, pode um agente agir com culpa ou negligência consciente e dever essa culpa qualificar-se como leve ou levíssima, podendo também agir com negligência inconsciente e dever essa conduta qualificar-se como uma culpa ou negligência grave.
No caso em apreço, sobre o recorrente impendia um dever especial de diligência (veja-se o artigo 304º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários que impõe ao intermediário financeiro elevados padrões de diligência) e que se prende com a profissionalidade da actividade por ele exercida. Daí que, a culpa leve tenha no caso em apreço um padrão de aferição mais exigente do que aquele que incide em geral sobre o “bom pai de família” (artigo 487º, nº 2, do Código Civil), bastando por isso para que se integre a culpa grave, a inobservância do grau de diligência requerido ao profissional competente.
Na posse dos elementos doutrinários que se acabam de expor, é tempo de avançar para a qualificação da conduta do recorrente do ponto de vista da violação do grau de diligência que legalmente lhe é imposto.
A informação falsa prestada ao investidor ocasional de que o banco intermediário assegurava o reembolso do capital investido pressupõe uma violação das regras mais elementares da actividade do intermediário financeiro (veja-se o artigo 305º do Código dos Valores Mobiliários que minuciosamente regula a estruturação e da organização empresarial do intermediário financeiro em ordem a que sejam observados elevados padrões de qualidade, profissionalismo e eficiência) e só é compreensível num intolerável quadro de amadorismo dos agentes do recorrente responsáveis pela transmissão dessa informação e de desconsideração dos interesses do cliente, pois constitui um factor indutor de uma confiança artificial no investimento proposto pelo agente do recorrente e realizado pelo investidor.
É patente que o recorrente não observou o elevado grau de diligência que legalmente lhe é imposto, pelo que é forçosa a conclusão de que a sua culpa é grave, sendo por isso inaplicável o prazo prescricional bianual previsto no nº 2, do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários.
Não sendo aplicável o prazo prescricional especial previsto no nº 2, do artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários e estando em causa uma responsabilidade obrigacional, o prazo de prescrição é o ordinário previsto no artigo 309º do Código Civil e que, por ser de vinte anos, não decorreu ainda.
Por tudo quanto antecede, não obstante a parcial procedência da pretensão recursória, no que tange a supressão do ponto 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida, o recurso a final improcede, devendo confirmar-se a bem elaborada sentença recorrida.
As custas do recurso são a cargo do recorrente porquanto a sua pretensão de revogação da sentença recorrida improcedeu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em suprimir o ponto 12 dos fundamentos de facto da sentença recorrida, nos termos antes expostos e, no mais, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Banco G…, SA e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida a 24 de Janeiro de 2014.
Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de trinta e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 02 de Março de 2015
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
_______________
[1] Reproduz-se, com pequenas alterações formais, o que consta do relatório da sentença recorrida.
[2] Trata-se de F… que foi oficiosamente inquirido pelo tribunal a quo.
[3] Atente-se que, nesta resposta, o recorrente apenas impugna a referência à garantia de reembolso pelo banco, como se conclui do seu confronto com a resposta que o mesmo propõe.
[4] O produto referido em 2) é papel comercial da D…/12ª emissão, à taxa anual de 7,234%, comercializado pelo C….
[5] Não obstante isso, com um “histórico” de doze anos como empregado têxtil, cerca de dois anos como vendedor de têxteis em França e dois a três anos como angariador imobiliário, o autor tinha em 2008 mais de cento e cinquenta mil euros em aplicações financeiras no C…. Note-se que embora o autor tenha referido que tinha cento e cinquenta mil euros ou mais, a Sra. Juíza a quo entendeu cinquenta mil euros, não tendo o autor curado de corrigir este lapso (ouça-se o depoimento desta testemunha do minuto onze e quarenta e dois segundos ao minutos doze). Aliás, bastava o confronto dos documentos de folhas 75 e 79 para concluir, com toda a segurança, que o autor tinha em 2008 um capital de pelo menos cento e cinquenta mil euros aplicado por intermédio do C….
[6] O autor declarou que teve que pedir a exoneração de uma sociedade de mediação imobiliária em que, além de sócio, exercia as funções de angariador imobiliário, alegadamente porque, segundo crê, em 2002, teria surgido um decreto-lei que exigiria para o desempenho dessas funções a posse da escolaridade mínima obrigatória. Embora a questão não tenha sido aprofundada, afigura-se-nos que o autor pretendia porventura referir-se às exigências decorrentes dos artigos 25º, nº 1, alínea c) e 26º, ambos do decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, no que respeita à capacidade profissional dos angariadores imobiliários (ouça-se o depoimento do autor do minuto seis e quarenta e cinco segundos ao minuto nove e vinte segundos).
[7] Anote-se que o banco recorrente, convenientemente, transcreve passagens do depoimento da testemunha F… que dão suporte à sua pretensão recursória, omitindo de todo estas passagens que confortam a posição adoptada na sentença recorrida.
[8] Não se desconhece que esta afirmação simplifica o que na realidade se passa no processo, pois que os factos acedem à realidade processual necessariamente mediados pela linguagem, razão pela qual, em rigor, não se provam factos, mas antes afirmações de facto ou enunciados sobre factos (a propósito veja-se, por todos, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta 2002, Michelle Taruffo, páginas 113 a 119).
[9] Esta liberdade é relativa, na medida em que tem que ser dogmaticamente sustentada.
[10] Nessa fase, em processo ordinário, o julgamento da matéria de facto era efectuado por um tribunal colectivo, enquanto que a elaboração da sentença pertencia a um juiz singular, ao juiz que presidia ao colectivo.
[11] Esta afirmação apenas é correcta se referida ao processo de querela, já que no processo correccional e nos processos menos solenes, não existia tal cisão.
[12] A propósito da acusação sempre fácil e expedita contra o formalismo no direito, convém não perder de vista as seguintes sábias palavras de Rudolph von Ihering, retiradas de Abreviatura de El Espíritu del Derecho Romano, Marcial Pons 2005, página 213: “Enemiga de la arbitrariedad, la forma es hermana gemela de la libertad; es el freno que detiene a los que quieren convertir la libertad en licencia, la que contiene y protege. El pueblo que ama la libertad comprende instintivamente que la forma no es un yugo, sino el guardián de su libertad. La forma supone siempre un contenido; es el contenido desde el punto de vista de su visibilidad. Por otro lado, está la voluntad jurídica, que sólo se conoce por su manifestación exterior. No existe acto de voluntad sin forma, porque en este caso sería la espada de Bernardo, que ni pincha ni corta.”
[13] Quer pelo conteúdo do texto, quer pelo que ficou exarado na acta da audiência prévia a folhas 121, é ostensivo o lapso cometido na indicação do ano na sentença recorrida (2009) e que por isso se corrigiu oficiosamente. Anote-se que o documento de folhas 16 contém referências a duas datas diferentes, pois que, na linha em que se identifica o gestor se indica o dia 26 de Setembro de 2008, indicando-se algumas linhas abaixo como data de subscrição o dia 29 de Setembro de 2008. Esta última data parece ser a correcta data da subscrição porque é a que se coaduna com o vencimento da operação a trezentos e sessenta e quatro dias.
[14] Em rigor o prazo da aplicação era de trezentos e sessenta e quatro dias, como resulta inequívoco do documento de folhas 16 e se atentou no ponto 14 dos fundamentos de facto da sentença recorrida. É patente que a fixação deste prazo não é inocente e visa adequar-se aos prazos máximos permitidos pelo decreto-lei nº 69/2004, de 25 de Março (veja-se o nº 2, do artigo 1º do decreto-lei que se acaba de citar).
[15] Na sentença recorrida, certamente por lapso, remete-se para o nº 27, que neste acórdão corresponde ao ponto 3.2.1.5, quando os contactos a que se referia o artigo 27º da contestação e descritos nos artigos 23º a 26º da mesma peça processual, vinham enunciados nos pontos 24) a 26) dos fundamentos de facto da sentença recorrida, que correspondem aos pontos 3.2.1.2 a 3.2.1.4 dos fundamentos de facto deste acórdão.
[16] A citação é extraída de Direito dos Contratos Comerciais, Almedina 2009, José A. Engrácia Antunes, página 592, ponto I. Acrescenta o autor na obra que se acaba de citar, na nota de rodapé 1166, da página 594, que habitualmente, “o contrato de consultoria corresponderá a um verdadeiro contrato de aconselhamento, pelo qual o intermediário se obriga a propor ao seu cliente aquilo que ele deve fazer ou não deve fazer em matéria de operações de investimento no mercado de capitais”, referindo ainda na nota seguinte que “[p]or maioria de razão, não são aqui relevantes as “dicas de investimento” (“Anlagetipps”) fornecidas pelos membros ou profissionais dos intermediários financeiros, que cairão, quando muito, na actividade de análise financeira e recomendações de investimento”.
[17] Gonçalo André Castilho dos Santos in A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina 2008, páginas 215 a 216, sustenta que a presunção não se restringe à culpa, mas abarca também o nexo causal entre o facto e o dano.
[18] A responsabilidade contratual é também responsabilidade por facto ilícito, apenas sucedendo que sobre o devedor inadimplente recai uma presunção iuris tantum de culpa (veja-se o nº 1, do artigo 799º do Código Civil).
[19] Citação extraída da obra intitulada “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, Almedina 1989, 6ª edição, João de Matos Antunes Varela, página 861.
[20] Sobre esta problemática, por todos, veja-se, Recursos no Novo Processo Civil, 2014 2ª edição, Almedina, António Santos Abrantes Geral, anotação 5, páginas 92 a 94.
[21] A propósito, veja-se o acórdão deste Tribunal da Relação, relatado pelo primeiro adjunto no processo nº 1015/10.6TVPRT-A.P1 e acessível no site da DGSI.
[22] Para a distinção das diversas modalidades de culpa vejam-se: Instituições de Direito Civil Portuguez, Tomo I, Coimbra 1848, M. A. Coelho da Rocha, páginas 85 e 86; Direito Geral das Obrigações, Parte I, Das Obrigações em Geral e dos Contratos, Barcelos 1926, José Marques Barbosa dos Reis Maia, páginas 360 a 361; Da Responsabilidade Contratual, Lisboa 1932, Jaime Augusto Cardoso de Gouveia, páginas 86 e 87 e João de Matos Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, Almedina 1989, página 547, nota 1.
[23] Não resistimos a transcrever a distinção da culpa grave, leve e levíssima efectuada por Coelho da Rocha na obra citada na nota que antecede. Assim, para este autor, “Diz-se lata aquela omissão de diligência, que se podia evitar com uma capacidade ordinária, e sem esforços de atenção: leve, a que se podia evitar com uma atenção ordinária: e levíssima, a que se não podia evitar, senão com uma habilidade transcendente, com um conhecimento particular da cousa, de que se trata, ou com uma atenção pouco comum.”