Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0150687
Nº Convencional: JTRP00033157
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: CONCURSO DE CREDORES
FALÊNCIA
CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP200110220150687
Data do Acordão: 10/22/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T COMÉRCIO V N GAIA 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 13-D/00
Data Dec. Recorrida: 10/13/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: L 17/86 DE 1986/06/14 ART1 N1 N2 ART4 ART6 ART12 N1.
LCT69 ART25.
CCIV66 ART737 N1 D ART743 ART744 ART749 ART751.
Sumário: I - Os privilégios (mobiliário geral e imobiliário geral) conferidos aos créditos dos trabalhadores pela Lei n.17/86, de 14 de Junho não abrangem o direito a indemnização por antiguidade, em consequência da cessação dos respectivos contratos de trabalho na empresa falida.
II - O privilégio imobiliário geral conferido a tais créditos tem prioridade sobre as garantias hipotecárias de que gozem outros créditos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1- Decretada a falência de “I............., Lda”, veio a ser proferida, em 13.10.00, no respectivo apenso de verificação e reclamação de créditos, sentença que procedeu à graduação dos créditos verificados e reconhecidos, tendo, além do mais, graduado, em 1º lugar, com preferência sobre os demais, para serem pagos pelo produto da venda dos bens móveis e imóveis da falida, os créditos reclamados pelos ex- trabalhadores da falida, nos mesmos se incluindo os créditos de indemnização por antiguidade, além dos respeitantes a salários e retribuições em atraso.
Inconformada, apelou “Banco ........., S.A.”, visando a parcial revogação da sentença, de molde a serem excluídos daquela prioridade os créditos respeitantes a indemnização por antiguidade e devendo a garantia hipotecária do seu crédito sobrepor-se a qualquer dos créditos dos ex- trabalhadores da falida, tudo conforme doutas alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:
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1ª- A douta sentença recorrida deve ser revogada parcialmente, no que concerne à graduação de créditos, pois nela se fez, salvo o devido respeito, errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do direito. Com efeito,
2. Não gradua os créditos reclamados pelo Apelante e restantes credores hipotecários. em relação aos bens móveis da Falida;
3. Não gradua os créditos reclamados pelos trabalhadores – e referenciados pelos n.ºs 9 a 26, inclusive, 28 a 187, inclusive, 189, 191 a 302, inclusive, 305 e 307, em relação aos vários imóveis registados na Conservatória de Registo Predial de ........, onerados com hipoteca anterior a favor, entre outros, do Apelante (vide pág. 1202. da sentença recorrida).
4. O privilégio creditório mobiliário geral, previsto no artº737, nº1 d), do Cód. Civil, abrange os créditos decorrentes das retribuições ou remunerações e os emergentes da violação ou da cessação do mesmo contrato de trabalho.
5. Os créditos dos trabalhadores que gozam do privilégio imobiliário geral são apenas os que são emergentes do contrato individual de trabalho, ou seja, as remunerações, retribuições ou salários, como decorre da letra e do espírito do art.º 12 n.º1-b), da Lei dos Salários em Atraso;
6. Foi intenção do Código Civil de 1966, como se constata das actas e estudos referentes aos trabalhos preparatórios, reduzir ao mínimo os créditos que gozassem de privilégio creditório, cientes que se estava, como está, que a sua incerteza e falta de registo, ocasionam a perda de segurança do credor hipotecário;
7. Na verdade, a lei (art.º 25, do Decreto-Lei n.º 49.408 e art.º 737- n.º1-d), do Código Civil) quando pretende atribuir ao crédito dos trabalhadores privilégio mobiliário geral distingue, claramente, os créditos emergentes do contrato de trabalho e os créditos emergentes da sua violação ou cessação, isto é, os créditos por remunerações (sentido lato) e os créditos por indemnização, assinalando que o privilégio mobiliário geral é atribuído a ambas as espécies de créditos;
8. Todavia, o n.º 1, do art.º 12, da Lei dos Salários em Atraso, atribui o privilégio mobiliário geral (alínea a)) e o privilégio imobiliário geral (alínea b) - e só este nos interessa agora analisar - apenas aos créditos emergentes do contrato de trabalho, excluindo-se, pois, os emergentes da sua violação ou cessação, ou seja, as indemnizações;
9. E compreende-se porquê: por um lado, o que a Lei pretendeu garantir (digamos, mais fortemente do que estava previsto no art.º -737-n.º1-d), do Cód. Civil) foi o reconhecimento que o direito ao salário era, como é, sagrado, na medida em que tem como pressuposto a prestação efectiva de trabalho, única fonte de subsistência dos trabalhadores ("qua tale"), "... a parte tida como mais frágil e prejudicada ..." (Ac. do S.T.J., de 14/2/96, in Ac. Doutrin. Nºs 416/417, pág. 1065); daí,
10. O privilégio mobiliário geral de que o crédito por salários gozava passa a ser absoluto, isto é, sem a limitação aos seis meses prevista no Código Civil - e aí a utilidade, para além do mais, da alínea a), do n.º 1,. do art.º 12; e,
11. O privilégio imobiliário geral do crédito por salários passa a garantir o pagamento destes pelo património imobiliário do devedor, o que não acontecia no domínio do Código Civil (art.º 737-n.º1-d).
12. 0 crédito por indemnização está excluído da atribuição do privilégio imobiliário geral, feita pelo citado art.º 12-n.º1-b), da Lei dos Salários em Atraso, por outro lado, não só porque o texto da Lei o exclui por comparação com as redacções dos artigos anteriores de outros diplomas sobre a matéria (art.ºs 25, do Decreto-Lei n.º 49.408 e 737-n.º1-d), do Código Civil), mas ainda porque a rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador não é a única solução prevista - nem talvez a mais aconselhável, pois existe a possibilidade da suspensão do contrato - como consequência do atraso no pagamento do salário; e, mais determinante ainda,
13. É incompreensível - ou seria - que o legislador nos casos da rescisão ou cessação do contrato de trabalho - em que tem de haver sempre ilicitude e/ou culpa da entidade empregadora para nascer o direito a indemnização (vide art.º 12-n.º1 e art.º 35, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro - atribuisse ao crédito por indemnização um privilégio creditório mobiliário geral (com menor garantia, portanto) e no caso de rescisão por razões objectivas sem ilicitude e sem culpa, eventualmente) conferisse ao crédito indemnizatório maior garantia, a do privilégio imobiliário geral.
14. A Lei n.º 17/86 (Lei dos Salários em Atraso) não regulou a matéria da relação entre o privilégio imobiliário geral, que criou, e os direitos de terceiros, maximé, o direito de crédito hipotecário, pelo que a solução ter-se-à de encontrar nos princípios gerais consagrados no Código Civil.
15. Ora, o Prof. Doutor Antunes Varela, in "Obrigações em Geral, Vol. II, 5.ª Edição, pág. 555, pressentindo os perigos a que poderá levar a criação de privilégios creditórios imobiliários em diplomas avulsos, afirma que "não tendo um mínimo de publicidade a assinalar a sua presença, eles constituem um perigo grave para a navegação comum do comércio jurídico".
16. Assim, o Código Civil, no seu art.º 735-n.º3, prescreve que os privilégios imobiliários são sempre especiais, estabelecendo para estes (e só para estes) o regime da sua relação com os direitos de terceiro no art.º751.
17. Este regime é especial - aliás à semelhança do que se passa com o regime do art.º 750 (relações entre os privilégios mobiliários especiais e os direitos de terceiro) - no sentido de que não admite aplicação analógica nem interpretações extensivas.
18. Aliás, o regime do art.º 751 está em consonância no que concerne à hipoteca, com a definição legal desta figura no art.º 686-nº1, onde se refere que ao credor hipotecário é atribuída a faculdade de se pagar com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial.
19. A solução para a relação entre os privilégios imobiliários e os direitos de terceiros encontra-se consagrada no art.º 749, do Código Civil, excluída que está, pela letra e pelo espírito, a aplicação do regime do art.º751, do Cód. Civil, a outros privilégios que não os especiais.
20. De facto, quer pela sua inserção sistemática (antes da fixação do regime dos privilégios especiais - mobiliários (750) e imobiliários (751) - ) quer pelo seu conteúdo substancial, em consonância com os princípios gerais, tem de concluir-se que a epígrafe "Privilégio geral e direitos de terceiro" abrangeria não só os privilégios mobiliários como, ainda, os imobiliários se estivessem previstos, na altura, no Código Civil.
21. Neste sentido se pronunciou o Ex.m.º Senhor Juiz Conselheiro Abel de Campos, no seu lúcido voto de vencido proferido no Ac. do S.T.J. de 29/5/1980, atrás citado nas alegações; e, também, o Prof. Almeida Costa (In “Direito das Obrigações", 6.ª Edição, pág. 850) e o Dr. A. Luís Gonçalves (in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Vol. LXVII, Ano 91, pág. 39).
22. A Jurisprudência mais recente (Ac. do S.T.J. de 12 de Maio de 1988 e Sentença de 23/11/00, proferida nos autos de falência nº320-A/98, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, citados nas alegações, decidindo esta última directamente sobre a questão dos salários em atraso), vai no sentido propugnado pelos autores supra citados.
23. A douta sentença recorrida devia ter graduado os créditos reclamados do seguinte modo:
23.1. Relativamente aos bens móveis que integram a massa falida, devia graduar os créditos reclamados pela seguinte forma:
23.1.1. Em primeiro lugar os créditos reclamados pelos trabalhadores de Falida e referenciados pelos n.ºs 9 a 26, inclusive, 28 a 187, inclusive, 189, 191 a 302, inclusive, 305 e 307, de sentença recorrida, e na parte em que essas reclamações respeitam a salários em atraso e respectivos juros.
23.1.2. Em segundo lugar os créditos reclamados pelos trabalhadores de Falida e referenciados pelos n.ºs 9 a 26, inclusive, 28 a 187, inclusive, 189, 191 a 302, inclusive, 305 e 307, de sentença recorrida, e na parte em que essas reclamações respeitam a indemnização por antiguidade e respectivos juros.
23.1.3. Em terceiro e último lugar todos os demais créditos reclamados, rateadamente e na proporção dos respectivos montantes.
23.2. Relativamente aos bens imóveis sitos em Guimarães que integram a massa falida, onerados com garantia hipotecária a favor, entre outros, do Apelante, os créditos reclamados devem ser graduados pela seguinte forma:
23.2.1- Em primeiro lugar, os créditos garantidos por hipotecas e referenciados a fls. 1212 da douta sentença recorrida;
23.2.2- Em segundo lugar, os créditos reclamados pelos trabalhadores da falida e referenciados pelos nº/s 9 a 26, inclusive, 28 a 187, inclusive, 189, 191 a 302, inclusive, 305 e 307 da sentença recorrida, e na parte em que essas reclamações respeitam a remunerações ou salários em atraso e respectivos juros, por gozarem de privilégio imobiliário geral;
23.2.3- Em terceiro e último lugar, todos os demais créditos reclamados, rateadamente e na proporção dos respectivos montantes.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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2- Para a apreciação e decisão do presente recurso, releva e considera-se assente toda a factualidade emergente de 1 antecedente e, bem assim, que:
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a)- Na sentença apelada, foi fixada a data da falência respectiva, em 11.03.00;
b)- Nos termos constantes da sentença apelada, o crédito do banco- apelante(Esc. 328.545.756.00, sendo Esc. 252.631.021.00 de financiamentos e Esc. 75.914.735.00 de juros) encontra-se garantido por hipoteca, até ao montante de Esc. 287.500.000.00, sobre as verbas nº/s 1, 3, 4 e 5 do auto do arrolamento dos imóveis;
c)- Os créditos reclamados e reconhecidos aos ex- trabalhadores da falida provêm de salários e remunerações em atraso e de indemnização por antiguidade aos mesmos devida, em consequência da cessação dos respectivos contratos de trabalho.
3- Como é bem sabido, e exceptuando razões de Direito ou questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações—arts. 660º, nº2, 664º, 684º, nº3 e 690º, nº1, todos do CPC.
Assim, duas questões essenciais são colocadas à apreciação e decisão deste Tribunal de recurso, no âmbito da presente apelação. A saber:
I- Se os privilégios conferidos aos créditos dos trabalhadores pela Lei nº 17/86, de 14.06(com a respectiva redacção alterada pelos DD. LL. nº/s 221/89, de 05.07, e 402/91, de 16.10, e pela Lei nº 118/99, de 11.08)abrangem o direito a indemnização por antiguidade, em consequência da cessação dos respectivos contratos de trabalho na falida;
II- Se o privilégio imobiliário geral conferido a tais créditos prefere ou tem prioridade sobre as garantias hipotecárias de que gozem outros créditos, designadamente, o da apelante. Ou seja, se aquele privilégio está sujeito ao regime e disciplina constantes do art. 751º, do CC(como os demais que venham a ser citados, sem indicação de proveniência), ou, ao contrário, do art. 749º.
Vejamos:
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4- I- Conforme art. 1º, nº1 da Lei nº 17/86, de 14 de Junho—“Lei dos Salários em Atraso”(LSA)—,a mesma Lei “rege os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrém”.
E, segundo o art. 12º, nº1, da mesma Lei, “Os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: al. a)- privilégio mobiliário geral; al. b)- privilégio imobiliário geral”.
Paralelamente, no art. 25º do DL nº 49408, de 24.11.69(“Lei do Contrato de Trabalho”—LCT), prescreve-se que: “Os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da violação ou da cessação deste contrato, pertencentes aos trabalhadores, gozam do privilégio que a lei geral consagra”. Sendo que, nos termos do disposto no art. 737º, nº1, al. d), “Gozam de privilégio geral sobre os móveis...os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses”.
A previsão daquele art. 12º é, pois, bem mais restrita do que a do art. 737º, nº1, al. d). Com efeito, esta última é uma norma geral, no sentido de que mune de privilégio não apenas os créditos de natureza salarial, mas, mais latamente, “os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação de tal contrato, pertencentes ao trabalhador”.
Em contrapartida, e diversamente, a estatuição do art. 12º aplica-se apenas aos créditos de natureza salarial, disciplinando os privilégios creditórios do direito à retribuição, como resulta da conjugação do seu nº1 com o nº1 do art. 1º.
Um tal entendimento, reforçado pela consideração do elemento histórico relativo àquela LSA(com a qual se visou enfrentar e pôr termo às situações de escândalo e anti- jurídicas traduzidas na violação, pela entidade patronal, do bem jurídico fundamental que é o direito ao salário, como contrapartida da prestação laboral, e não englobando, pois, o direito a indemnização de antiguidade consequente da cessação do contrato de trabalho), impõe que se tenha por excluído do campo de aplicação e abrangência do aludido privilégio creditório imobiliário geral o crédito de indemnização de antiguidade devido ao trabalhador pela respectiva entidade patronal em consequência da cessação do correspondente contrato de trabalho.
Em sintonia, aliás, com o expendido, refere-se no Ac. do STJ, de 19.04.01(o de mais recente publicação de que se tem conhecimento)—Col.- 1º/195—“...a Lei 17/86 pretendeu criar um regime especial para os casos dos salários em atraso e conceder alternativas como a rescisão ou a suspensão do contrato...No que se refere a rescisão(art. 6º), de que resulta indemnização, o trabalhador, além desta, tem direito a subsídio de desemprego ou subsídio social e prioridade na frequência de curso de reconversão ou reciclagem profissionais. E a própria lei distingue entre a suspensão(art. 4º)e a rescisão. Na primeira, o trabalhador tem direito à retribuição e juros; na rescisão, o trabalhador fica com direito à indemnização e, além dela, recolhe benefícios do subsídio de desemprego e frequência de curso, preparando-o para novo posto de trabalho. Ou seja: na suspensão, o sacrifício do trabalhador em prol da recuperação da empresa existe, ao contrário do que sucede na rescisão. Naquela situação, o trabalhador espera que a empresa melhore de situação, enquanto na rescisão se verifica um afastamento”. Continuando: “Ora, o art. 12º não contém o limite temporal para o privilégio pela retribuição, que já existe, nos termos gerais, como resulta do art. 737º, nº1, al. d). E, ao conceder ao trabalhador os privilégios do nº1 do art. 12º(mobiliário e imobiliário)estimula-o a que se sacrifique pela unidade produtiva, ao mesmo tempo que o compensa desse sacrifício. Como seria razoável que o fizesse, naquelas circunstâncias”.
Sem dúvida que a temática que vem sendo objecto da nossa análise tem vindo a ser objecto de posições diversas da Doutrina e da Jurisprudência. No entanto, como ficou referido, a ultima decisão conhecida e publicada do STJ vai no sentido perfilhado(com o significativo pormenor de os Ex.mos Conselheiros Relator e 1º Adjunto expressarem mudança de entendimento, em relação a posições pelos mesmos, anteriormente, perfilhadas), sendo de idêntico sentido(não obstante o respectivo sumário insinuar o contrário)a posição sustentada no Ac. do STJ, de 03.10.00—Col.-3º/263(Relator Cons. José Mesquita). Sendo que, na Doutrina por nós conhecida, foi sufragado o entendimento que se deixa perfilhado por: Prof. Meneses Cordeiro(in “ROA”-58/667); Cons. Alfredo José de Sousa/Cons. José da Silva Paixão(in “Cod. de Processo Tributário”, 4ª Ed./756); Desembargador Salvador da Costa(in “O Concurso de Credores”, pags. 214 e 293); João Leal Amado(in “A Protecção do Salário”, Ed. 1993, pags. 151); e António Nunes de Carvalho—(“Reflexos Laborais do CPEREF”, in “Rev. de Direito e de Estudos Sociais”, Ano 37º/JAN-SET 1995, nº/s 1, 2 e 3, pags. 67 e segs. e 74). Defendendo a posição contrária o Dr. Pedro Romano Martinez(in “Rev. da Fac. de Direito da Universidade de Lisboa”, Vol. XXXVI, 1995, pags. 421 a 423)e Soveral Martins(in “Legislação Anotada sobre Salários em Atraso”, pags. 29, nota 12).
Diga-se, finalmente, que, a não vingar a posição que deixamos perfilhada, não teria havido necessidade de publicação de uma nova Lei(nº 96/01, de 20.08)consagrando, com carácter inovador e não meramente interpretativo da Lei nº 17/86—como, necessariamente se extrai do teor do seu art. 3º, que não teria cabimento se tal Lei tivesse natureza meramente interpretativa da Lei nº 17/86—o acolhimento da tese oposta. Sendo que, e por outro lado, a referida Lei nº 96/01 não é aplicável ao caso dos autos, por lhe preexistir sentença de verificação e graduação de créditos.
Concluímos, pois, pela não abrangência, pela LSA, dos questionados créditos de indemnização por antiguidade.
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II- Quanto à 2ª das supra enunciadas questões, entendemos que não assiste razão à apelante, uma vez que a hierarquização de garantias reais dos direitos de crédito a que alude o art. 751º é também aplicável aos privilégios imobiliários gerais criados pela mencionada Lei nº 17/86.
Com efeito, conforme se dispõe no art. 1º, nº2 da referida Lei nº 17/86, “Em tudo o que não estiver especialmente previsto pela presente lei aplica-se, subsidiariamente, o disposto na lei geral”. Remetendo-nos esta disposição legal para o disposto nos arts. 749º e—o que, ora, mais interessa—751º.
Neste último art., estatui-se que “os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”.
Concordando-se, embora, com a apelante, quando sustenta que esta disposição legal pressupõe a natureza especial—que não geral—do privilégio imobiliário(tal extrai-se, quer da sua própria redacção, quer do facto de o CC apenas prever privilégios imobiliários de natureza especial, nos correspondentes arts. 743º e 744º), o facto é que, não obstante, o questionado art. tem de considerar-se, igualmente, aplicável aos “supervenientes” privilégios imobiliários gerais criados pela dita Lei nº 17/86. Por duas ordens de razões, conforme sustentado no Ac. do STJ, de 18.11.99(Bol. 491º/236): em primeiro lugar, porque não existe outra norma equivalente a nível de “lei geral”; em segundo lugar, porque tal aplicabilidade impor-se-á, sempre, por via analógica(art. 10º).
Aliás, a assim não ser entendido, quedaria frustrado o desígnio prosseguido pelo legislador com a criação de tais privilégios imobiliários, nos termos que ficaram referenciados em I antecedente e a que aquele foi extremamente sensível, como, em tal dimensão, todos concordarão. É que os bens imóveis constituem, as mais das vezes, senão o único, pelo menos, o património mais importante das empresas falidas, sendo do conhecimento geral(e, certamente, presente no espírito do legislador)que tais bens, quase sempre, se encontram onerados com hipotecas constituídas a favor das instituições de crédito, como garantia dos empréstimos a que aquelas, em tal situação de crise, inevitavelmente, têm de recorrer. Com a consequência, pelo menos, bizarra—e, com toda a certeza, não querida pelo legislador—de, a subscrever-se entendimento diverso do por nós perfilhado, ter de concluir-se que, com a criação de tais privilégios, o legislador—passe a expressão, não imbuída de preconceitos ideológicos —”dava com a mão esquerda ao trabalhador o que, de imediato e com suprema hipocrisia, lhe retiraria com a mão direita”! O que não pode haver-se por admissível, atento, até, o disposto no art. 9º, nº3.
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5- Em face do exposto(e tido também em consideração o preceituado no art. 684º, nº4, do CPC, no que concerne à graduação dos créditos dos trabalhadores por indemnização de antiguidade, com referência aos bens de natureza móvel da falida), acorda-se em julgar, parcialmente, procedente a apelação, em consequência do que se revoga, em parte, a sentença apelada, graduando-se os créditos reclamados, nos termos propugnados pela apelante, na parte final das conclusões das respectivas alegações(nº/s 23.1 e 23.2), com excepção dos créditos garantidos por hipoteca, uma vez que estes cedem a respectiva prioridade aos créditos reclamados pelos trabalhadores da falida e respeitantes a salários ou remunerações em atraso e respectivos juros de mora, graduando-se, pois, aqueles, logo a seguir a estes.
Custas da apelação, na proporção de 2/5, pela apelante.
Porto, 22 de Outubro de 2001
José Augusto Fernandes do Vale
Narciso Marques Machado
Rui de Sousa Pinto Ferreira