Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4585/11.8TBSTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
INTERVENÇÃO OFICIOSA DO JUIZ
DEFICIÊNCIA DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RP202012094585/11.8TBSTS.P2
Data do Acordão: 12/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Proferida sentença de condenação genérica, em montante a liquidar ulteriormente, tem a factualidade atinente ao apuramento do quantum de ser objeto de alegação e de proposição de provas no incidente de liquidação deduzido e, uma vez produzida estas, na insuficiência de prova, incumbe ao juiz, mediante indagação oficiosa, completá-la, cabendo-lhe ordenar as necessárias diligências de prova, designadamente, a produção de prova pericial (cfr. art. 360º, nº 3 e 4 e, entre outros, arts. 411º, 417º, 436º e 467º, todos do CPC, a consagrar afloramentos do princípio do inquisitório);
II - E, invariavelmente, o incumprimento do ónus de prova pelo requerente sequer pode conduzir à improcedência do seu pedido de liquidação, impondo-se o respeito pelo o caso julgado anterior do qual já decorre haver algo a fixar;
III - Na decisão da matéria de facto, com concreta e especificada exposição de factos provados e não provados, o juiz deve garantir a recolha de todos os factos (cfr. art. , do CPC) que mostrem relevância jurídica, acautelando anulações de julgamento, decretadas ao abrigo do art. 662º, nº2, al. c), do CPC.
IV - A deficiência da decisão da matéria de facto sobre pontos determinados, bem como a omissão em tal decisão de factos essenciais à decisão da causa, implica a anulação, mesmo oficiosamente, da decisão proferida pelo tribunal a quo, para que a 1ª instância supra a deficiência e/ou a omissão, sendo de anular a sentença, ao abrigo da al. c), do nº2, do artigo 662º, do CPC, para produção de prova adicional, a complementar a produzida, quando do processo não constem todos os elementos probatórios necessários à reapreciação pelo Tribunal da Relação.
V - E a inobservância do inquisitório, cujo acionamento era necessário para colmatar a insuficiência da prova produzida, constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual por tal omissão ser suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão, desfavorável.
VI - Estando a nulidade processual coberta por decisão judicial posterior que a permitiu e lhe deu continuidade, conferindo assentimento ao respetivo ato ou omissão dela geradora, o meio próprio para a arguir é o recurso a interpor da decisão (e não a simples reclamação), com a qual se esgotou o poder jurisdicional (cfr. art. 613º, do CPC), onde aquela nulidade, a apreciar, releva se se projetar, como é o caso, negativamente na decisão proferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4585/11.8TBSTS.P2
Processo do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 3

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: B…, Lda
Recorrida: C…, Lda.,

I-Relatório

B…, Lda. e C…, Lda., respetivamente A./Reconvinda e Ré/Reconvinte, deduziram, reciprocamente, incidentes de liquidação, pedindo a primeira a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 59.523,70 € e a segunda a condenação daquela a pagar-lhe a quantia de 162.596,29 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Fizeram-no na sequência da sentença dos autos que, decretando a anulação, por venda de coisa defeituosa, do contrato de compra e venda celebrado entre a A. e a R. de fornecimento de 16.052,700 Kgs. de fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir, determinou que a R./Reconvinte C… devolvesse à A./Reconvinda B… o valor correspondente a tal fio que lhe foi entregue, calculado por referência ao valor suportado com a sua aquisição por esta, que, por sua vez, condenou a pagar àquela o valor das despesas com a fabricação da tela onde foi incorporado o fio.
Para o efeito alegaram:
A Autora, B…, os diferentes custos por si suportados com a aquisição do fio que forneceu à Ré.
A Reconvinte, C…, que o valor peticionado corresponde ao valor total das despesas que suportou com o fabrico do tecido em que utilizou o fio fornecido pela B…, como seja despesas com outros tipos de fio e despesas com o processo de produção do tecido.
Cada uma das partes impugnou a matéria alegada pela parte contrária.
Proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do processo e enunciados os temas de prova.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto:
1. Julgo o incidente de liquidação da A. improcedente, e, em consequência, absolvo a R. do respectivo pedido, e
2. Julgo parcialmente procedente o incidente de liquidação da R., e, em consequência, condeno a A. a pagar à R. a quantia de 161.459,93 € (cento e sessenta e um mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal de 4% ao ano desde a presente data até integral pagamento.
3. As custas do incidente promovido pela A. correm pela A. e as do incidente promovido pela R. correm por A. e R. na proporção do respectivo decaimento”.
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A Autora, B…, LDA., apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que condene a Ré, em sede de liquidação, a pagar à Autora € 59.532,70, nos termos e com os fundamentos alegados no incidente de liquidação e seja absolvida da liquidação operada pela Ré, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Apresentou a Apelada contra-alegações sustentando inexistir o invocado vício, dever ser rejeitada a impugnação da matéria de facto por inobservância dos ónus previstos no art. 640º, do CPC, pugnando pela improcedência do recurso e, caso assim não se entenda, a matéria de facto dada como provada seja alterada e mantida a decisão recorrida ou se opere a compensação.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª – Enquadramento do incidente de liquidação de condenação genérica pós-sentença e análise das particularidades da respetiva instrução – obrigatoriedade de intervenção do juiz a suprir a insuficiência da prova, complementando-a, designadamente com produção de prova pericial;
2º - Se a sentença padece de patologias, se cabe proceder à sua anulação por violação, pelo juiz, do dever de, oficiosamente, completar as provas, insuficientes para fixar a quantia devida (artigo 360.º, n.º 4, do CPC), designadamente com produção de prova pericial, indispensável à decisão da matéria de facto, sempre sendo de anular mesmo oficiosamente;
– Em caso negativo, do erro da decisão da matéria de facto:
3.1. Do incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto;
3.2. Se se impõe a requerida alteração da decisão da matéria de facto;
4ª - Do erro da decisão de mérito relativamente à liquidação do valor do fio entregue pela Autora à Ré.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1. Da sentença proferida nos presentes autos, consta a seguinte decisão:
“…julga-se a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) Decreta-se a anulação, por venda de coisa defeituosa, do contrato de compra e venda celebrada entre a Autora e a Ré de fornecimento de 16.052,700 Kgs. de fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir e, por inerência, determina-se que a Ré/reconvinte “C…, Lda.” devolva à Autora/reconvinda “B…, Lda. o valor correspondente a tal fio que lhe foi entregue, calculado por referência ao valor suportado pela Autora com a sua aquisição, a liquidar em momento ulterior…(negrito e sublinhado nosso)
b) Condena-se a Autora/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte, a título de danos patrimoniais, a quantia de 4.438,46 (quatro mil quatrocentos e trinta e oito Euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à respectivas taxas supletivas fixadas para as empresas comerciais, vencidos desde a data de notificação da reconvenção e até integral pagamento.
c) Condena-se igualmente a Autora/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte o valor das despesas com a fabricação da tela onde foi incorporado o fio dos autos, a liquidar em momento ulterior…”
2. Com interesse da referida sentença consta que:
“7) A Ré não liquidou junto da Autora qualquer valor, relativamente aos aludidos fornecimentos, ascendendo a quantia em dívida a 61.270,28 €.
13) Em meados de Agosto de 2011, a Ré enviou à Autora uma carta com o teor de fls. 23 e ss.
15) Na carta de fls. 23 e ss., a Ré disse que o seu cliente lhe havia devolvido 156.500 metros de tecido quando, na realidade, a quantidade de fio fornecida pela Autora, 12.938,50 Kg., apenas davam para fabricar 67.500 metros.
16) No exercício das respectivas actividades, a Autora e a Ré acordaram que a Autora forneceria à Ré fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir, pelo preço de 3,850/kg.
17) Na sequência desse acordo, a Autora, no dia 02 de Maio de 2011 e na sua viatura de matrícula n.º ..-..-UZ transportou 7.260,700 Kgs. de fio, 3.114,200 Kgs. em 05 paletes e 4.146,500 Kgs. em 06 paletes, para deles fazer entrega à Ré e que titulou pela factura n.º 261, desse dia 02 de Maio de 2011.
18) Perante a recusa da Ré em receber 3.114,200 Kg. das referidas 05 paletes, a Autora, na mesma viatura e nesse mesmo dia, levou-os para as suas instalações e emitiu a nota de crédito referida em 4).
19) Até hoje, a Autora não repôs à Ré os 3.114,200 Kgs. do fio.
20) As quantidades de 7.082,000 Kgs. e de 1.710,00 Kgs. de fio, entregues pela Autora à Ré, respectivamente, em 13 e 20 de Maio de 2011 e, ainda, os 4.146,500 Kgs. da factura n.º 261, tinham à vista semelhança ao fio 16/10 100% algodão cardado pronto a tingir.
39) Com aquele fio, entregue pela Autora, a Ré fabricou 67.500 metros de tela.
40) Que entregou a cliente seu.
41) Que lhe tinha encomendado 550.000 metros de tela, a um preço concreto não determinado.
42) E que tinha de ser fabricado pela Ré com fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir, para ser tingida e com ela fabricar calças.
43) Efectuado pelo seu cliente o tingimento prévio em várias amostras daqueles 67.500 metros de tela, as respectivas amostras não ficaram tingidas uniformemente com a mesma tonalidade das respectivas cores em que foram tingidas.
44) Ficaram com a anomalia acima referida por não terem sido fabricadas com fio 16/1 100% algodão.
45) E aqueles 67.500 metros de tela ficaram inaproveitáveis para a respectiva confecção de calças, a que se destinavam.
46) Que por isso foram devolvidos à Ré pelo seu cliente. …
51) A Ré, ante aquela reclamação do seu cliente, mandou tingir uma amostra, em cone, do fio entregue pela A.
52) Cuja amostra, após tingida, evidenciou a existência de fibras no fio e que entregou a D…, colaborador da Autora e para por ele lhe ser entregue essa amostra.
59) E os resultados dessa análise foram que o fio tinha os valores médios seguintes: “Algodão 76,5%”; “Viscose” + Liocel 18,9%” e “Poliéster 4,6%”.
60) Foi a mistura no algodão e nas respectivas percentagens daquelas fibras viscose, liocel e poliéster, referidas acima que constituíram a composição do fio entregue pela Autora à R. e que causou a anomalia referida em 43) e ss.
62) O tingimento referido em 55) custou à Ré a quantia de 4.438,46 €.
63) Da encomenda de 550.000 metros de tela, o cliente da Ré, por causa daquela anomalia, devolveu os respetivos 67.500 metros de tela.
64) E, quanto a esta metragem, cancelou a respetiva encomenda.”
3. O fio que a A./Reconvinda vendeu à R./Reconvinte foi adquirido, por importação, em momentos distintos, na Turquia, ao fornecedor da requerente E…, AS e remetido à A. em 2 contentores.
4. Conforme fatura de 03.03.2011, a A. adquiriu ao referido fornecedor um total de 14.481,20 KG de fio NE 16/01, 100% algodão, ao preço de € 3,35/kg, correspondendo a um total de aquisição de € 48.512,02.
5. De tal fio adquirido, a A. vendeu à R., conforme fatura n.º 1/261 de 02.05.2011, a quantidade de 4.146,50 KG.
6. O custo suportado pela A. na aquisição dos 4.146,50 KG de fio vendido à R. foi de 13.890,775, correspondentes a 4.146,50kg x € 3,35/kg.
7. Ao qual acresce o valor liquidado em sede de IVA devido pela importação, no montante de 3.194,878.
8. A tal custo de aquisição acresceram as despesas suportadas pela requerente, inerentes à respetiva aquisição, nas quais se incluem:
- Despesas de financiamento.
- Comissões bancárias Banco F….
- Despesas com o desalfandegamento.
- Despesas com o agente marítimo.
- Despesas pagamento de IVA.
- Despesas com o transporte (porto de Leixões/…), no valor de 156,75 €.
- Despesas com Armazenagem Alfândega.
- Despesas de transporte …/….
9. Conforme factura de 22.04.2011, a A. adquiriu ao referido fornecedor um total de 14.291,40 KG de fio NE 16/01, 100% algodão, ao preço de € 3,78/kg, correspondendo a um total de aquisição de € 54.021,49.
10. De tal fio adquirido, a A. vendeu à R., conforme facturas n.ºs 1/312 de 13.05.2011 e 1/331 de 20.05.2011 as quantidades respectivas de 7082,00KG e 1710,00KG.
11. O custo suportado pela A. na aquisição destes 8.792,00 KG de fio vendido à R. foi de 33.233,76, correspondentes a 8792,00kg x € 3,78/kg.
12. Ao qual acresce o valor liquidado em sede de IVA devido pela importação, no montante de 7.643,76.
13. A tal custo de aquisição acrescem as despesas suportadas pela A., inerentes à respectiva aquisição, nas quais se incluem:
- Despesas bancárias.
- Despesas com o desalfandegamento.
- Despesas com o agente marítimo.
- Despesas pagamento de IVA.
- Despesas com o transporte (porto de Leixões/…).
- Despesas com Armazenagem Alfândega.
- Despesas de transporte …/….
14. O referido tecido tinha características técnicas específicas.
15. Para fabricação do tecido na teia foi utilizado fio 16/1 OE fornecido pela A./ Reconvinda e ainda Fio 16/1 Flamé.
16. E na trama o tecido foi fabricado com fio 14/1 Lycra.
17. O fio 16/1 Flamé foi fornecido pela empresa G…, Lda.
18. O fio 14/1 Lycra que foi utilizado na trama foi fornecido pela empresa H….
19. Para o fabrico daqueles 67.500 metros de tecido, na teia, a Ré / Reconvinte gastou 3.982,50 Kgs do fio 16/1 Flamé fornecido pela empresa G…, ao preço de 4.950,00 €, num total de 19.713,38 €.
20. E, quanto ao fio 14/1 Lycra usado na trama fornecido pela empresa H… a Ré / Reconvinte gastou 12.352,50 Kgs ao preço de 6.25 €, num total 77.203,13 €.
21. O fio da teia antes de ir para a tecelagem, passa por um processo produtivo que é comumente conhecido como “urdissagem / engomagem”.
22. Para proceder à “urdissagem / engomagem” do fio da teia fornecido pela Autora / Reconvinda e pela empresa G…, Lda, a Ré / Reconvinte solicitou à sociedade I…, Lda que procedesse à sua “urdissagem e engomagem”,
23. Pela “urdissagem / engomagem” a Ré / Reconvinte pagou € 0,43 por Kg de fio.
24. O fio usado nestas teias corresponde à quantidade global de 14.278.30 Kgs de fio.
25. Tendo custado à Ré / Reconvinte o valor de € 6.139,669 (14.278.30 Kgs x 0,43€/ Kg).
26. A Ré / Reconvinte teve despesas com energia para colocar em marcha os seus teares, com os quais teceu aquele tecido, durante os meses de Maio e Junho.
27. A Ré à data estava a fabricar diversas quantidades e qualidades de tecidos em 20 teares de pinça Sulzer que são seus.
28. Para produção destes 67.500 metros a Ré / Reconvinte necessitou de 15 teares, durante 22 dias e durante 24 horas por dia, pois, por hora a Ré produzia em média 8,54 metros daquele tecido por cada um dos 15 teares.
29. Assim, para produção daquela quantidade de tela a Ré tinha 75% da sua tecelagem a operar àquela data, durante o período de 22 dias idos desde o dia 16 de Maio de 2011, data da entrega das primeiras teias, até ao dia 15 de Junho de 2011.
30. A Ré / Reconvinte nos meses de Maio e Junho de 2011 pagou a título de energia gasta as quantias, respectivamente, de € 14.851,19 e € 28.547,14.
31. A Ré / Reconvinte em energia despendeu a quantia de pelo menos € 15.189,41 correspondentes a € 14.851,19 + € 28.547, 14 / 2 meses (isto é, os 22 dias de laboração) = € 21.699,16 x 70%.
32. A Ré / Reconvinte teve também despesas com mão-de-obra, ou seja, com o pagamento dos salários dos seus trabalhadores, que naquela data estavam ao seu serviço.
33. A Ré para colocar em funcionamento aqueles 15 teares necessitou de ter ao seu serviço e para aquela tarefa, um tecelão por cada um dos três turnos, ou seja, necessitou de três tecelões.
34. Assim, a Ré / Reconvinte pagou aos seus trabalhadores J…, K… e L…, respectivamente, os salários nas quantias de € 657,00, € 580,80 e € 537,25.
35. Necessitou de um afinador para afinar aqueles teares, pagando designadamente ao seu trabalhador M… o salário de € 1.031,00.
36. Necessitou de uma revistadeira para revistar e embalar aquele tecido, tendo a Ré/ Reconvinte pago à sua trabalhadora N… o salário de € 520,31.
37. Necessitou de um atador de teias para atar as teias, designadamente o seu trabalhador O…, ao qual por 22 dias de trabalho pagou o salário de € 630,00.
38. E necessitou de um controlador de produção, tendo pago o salário de € 523,17 ao seu trabalhador P….
39. Perfazendo estes salários a despesa global de 4.479,53 €.
40. A Ré também teve que pagar as contribuições legais obrigatórias para a Segurança Social daqueles trabalhadores.
41. Tendo pago, respectivamente, as quantias de 232,50 do seu trabalhador J…, € 208,50 do seu trabalhador K…, € 168,54 do seu trabalhador L…, € 440,28 do seu trabalhador M…, € 168,54 da sua trabalhadora N…, € 222,91 do seu trabalhador O… e € 168,54 do seu trabalhador P…, perfazendo o total de € 1.609,81.
42. Para acabamento daquele tecido contratou a empresa Q…, S.A., que, mediante o pagamento da quantia de € 0,55 por metro procedeu ao acabamento daqueles 67.500 metros de tecido, num total de 37.125,00 €.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Foi a seguinte a decisão da matéria de facto relativa a “factos não provados” (transcrição): “Todos os que se mostrem em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que:
> Com a aquisição do fio adquirido a que respeita a factura n.º 1/261, a A. tenha tido as despesas de:
- 1.052,49 € de financiamento.
- 631,41 € de comissões bancárias do F….
- 655,77 € com o desalfandegamento.
- 261,00 € com o agente marítimo.
- 20,70 € com pagamento do IVA.
- 29,34 € com armazenagem na Alfândega.
- 40,00€ com transporte …/….
> Com a aquisição do fio adquirido a que respeitam as facturas n.º 1/312 e 1/331, a A. tenha tido as despesas de:
- 186,51 de despesas bancárias.
- 530,37 € com o desalfandegamento.
- 276,00 € com o agente marítimo.
- 20,70 € com o pagamento de IVA.
- 156,75 € com o transporte porto de Leixões/….
- 29,34 € com armazenagem Alfândega, e
- 40,00 € com transporte …/…”.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º - Do incidente de liquidação de condenação genérica pós sentença e particularidades da respetiva instrução
Ocorrendo uma condenação genérica, nos termos do nº2, do art. 609º, do Código de Processo Civil, diploma a que se reportam todos os preceitos citados sem outra referência, é conferida a faculdade de dedução do incidente de liquidação, nos termos do nº2, do art. 358º e segs, tendo a liquidação de ser, obrigatoriamente, requerida na ação declarativa, já extinta por sentença (art. 277, al. a)), que, uma vez admitido o incidente, se considera renovada, para o efeito da liquidação.
O incidente de liquidação visa tornar liquida a condenação genérica, decretada por sentença condenatória, transitada em julgado, por os factos alegados/apurados não permitirem ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses prejuízos, surgindo o incidente como necessário a tal fim (tornar liquida a condenação genérica).
Tem o mesmo como pressuposto que na sentença condenatória, transitada em julgado, se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano sofrido, faltando a determinação do quantum, isto é, da dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo Requerente em consequência desse dano. Por tal razão, na liquidação não se volta a discutir se existe ou não a obrigação, assente que se encontra, já, definitivamente, a sua existência. Falta, pois, tão só, a determinação do quantum desses prejuízos – cfr nº1, do art. 359º, onde se estatui que “a liquidação é deduzida mediante requerimento no qual o autor (…) especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa”.
Em tal incidente, não tem o requerente de alegar e provar quaisquer danos ou prejuízos concretos, nem os pressupostos da obrigação de indemnização, que têm de se encontrar já provados na sentença, transitada em julgado, proferida na ação declarativa, tendo, sim, de alegar e provar a factualidade necessária ao apuramento do montante efetivo da indemnização – o quantum - que lhe é devida por via de ter sofrido os concretos danos/prejuízos cuja existência já se encontram, em definitivo, assentes na ação declarativa[1].
Ocorrendo a condenação genérica, o incidente de liquidação terá lugar, apenas e somente, se na ação declarativa for decidido condenar a contraparte a pagar a quantia que se vier a apurar, tendo o referido incidente, em relação à ação declarativa uma dependência funcional, sendo mero ulterior trâmite de tal ação (cfr. nº2, do art. 358º).
E havendo na ação declarativa condenação genérica, em montante a liquidar ulteriormente à sentença, tem a factualidade necessária ao apuramento do quantum devido de ser objeto de alegação e de proposição de provas, no incidente de liquidação deduzido.
Ora, a “sentença proferida no incidente de liquidação pós sentença não pode alterar o que ficou decidido na sentença de condenação (STJ 30-9-10, 1554/04). Nesta medida, o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação (cf. STJ 4-7-19, 5071/12). Seria, de resto um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo”[2] (negrito nosso).
Decorre do estatuído no nº3, do art. 360º, que no incidente de liquidação deduzido pós-sentença se seguem, após o decurso do prazo da contestação, “os termos subsequentes do processo comum declarativo”. E o artigo 410º, referente àquele, com a epígrafe “Objeto da instrução”, bem estatui que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”.
Deste modo, quando tenha havido enunciação dos temas da prova (o que se verifica no processo comum de declaração, nos termos do art. 596º, a menos que ocorra revelia operante (art. 567, nº2), termo do processo no despacho saneador (art. 595º) ou decisão do juiz no sentido da dispensa, em ação de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º, c))), são os próprios temas da prova o objeto da instrução[3], neles se incluindo os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts 341º e segs, do Código Civil.
Assim, enunciados temas da prova, como é o caso - para, no final da instrução, o juiz decidir, na sentença, os factos que considera provados e não provados -, correspondendo um deles a um facto, tem de ser o mesmo objeto direto da instrução, não estando, contudo, as partes inibidas de produzir prova sobre factos instrumentais ou circunstâncias que indiciem ou revelem aquele. Nos temas de prova de formulação mais genérica é objeto de instrução toda a factualidade pertinente para a sua concretização, tendo em conta a previsão normativa de que depende o resultado da ação, aí se incluindo a livre discussão dos factos em relação de instrumentalidade[4].
Destarte, havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e segs, do Código Civil.
E é garantida ampla liberdade, em sede de instrução, no sentido de permitir que, na produção de meios de prova (máxime, prova testemunhal, pericial ou por depoimento de parte), sejam averiguados os factos circunstanciais ou instrumentais, designadamente aqueles que possam servir de base à posterior formulação de presunções judiciais, sendo que a instrução da causa “deve ter como critério delimitador o que seja determinado pelos temas da prova erigidos e deve ter como objetivo final habilitar o juiz a expor na sentença os factos que relevam para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito”[5].
Sendo as diversas fases do processo a proposição, a audiência contraditória e a admissão (ou rejeição), com vista à produção das provas e decisão, podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa. E a produção de provas pode ser determinada a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz, a exercitar os seus poderes inquisitórios (v., designadamente, art. 411º).
No caso do incidente de liquidação, vai o legislador mais longe, consagrando no nº4, expressamente a incumbência ao juiz de completar a prova oferecida pelas partes quando ela, uma vez produzida, se venha a revelar “insuficiente para fixar a quantia devida”, impondo, designadamente, a produção de prova pericial, o que bem se compreende, dada a definitiva decisão já proferida no sentido de um quantum ser devido, sendo que só na falta de prova, depois de desencadeada toda a necessária iniciativa oficiosa, podendo as partes nisso colaborar, através de sugestões, se recorre, para a fixação, a juízos de equidade[6].
O referido nº 4 é um “corolário específico do princípio do inquisitório, previsto no art. 411º”, prevendo “a insuficiência da prova produzida pelos litigantes para fixar a quantia devida, e estatui incumbir ao juiz o seu complemento por via de indagação oficiosa, ordenando, se for caso disso, a prova pericial”, e “Decorrentemente, o incumprimento do ónus de prova pelo requerente não provoca a improcedência do seu pedido de liquidação, conforme a política legislativa de alívio do ónus de prova das partes relativamente a factos de prova difícil”[7].
O último recurso, é a fixação equitativa, nos termos do art. 566º, nº3, do Código Civil[8]. Com efeito, também Salvador da Costa entende, no caso de ser “a prova produzida, indicada pelo requerente e pelo requerido, inconclusiva para o apuramento da quantia devida, e não se configurando a existência de outros meios de prova, incluindo a perícia, idóneos â liquidação, cuja produção o juiz possa ordenar oficiosamente para o referido efeito, propendemos a considerar poder ser fixada pelo tribunal com base na equidade, por aplicação do disposto no artigo 566º, nº3, do CC”[9].
Assim, nos termos deste preceito “o juiz deve completar oficiosamente a prova produzida (art. 411º), designadamente, determinando a realização de prova pericial, se esta for viável. A omissão da produção oficiosa de prova suplementar, designadamente pericial, integra uma nulidade sujeita ao regime dos arts. 195º, nº1, 196º, 2ª parte, e 199º, nº1”[10], que pode ser arguida no recurso.
No caso, adianta-se, tendo o Tribunal a quo concluído pela insuficiência da prova produzida para fixar a quantia devida, constata-se a falta de iniciativa oficiosa.
Cumpre, pois, analisar da deficiência da decisão e das suas consequências.
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2º- Da deficiência da decisão da matéria de facto e das suas consequências

Tendo presente o disposto no nº2, do art. 608º, aplicável ex vi nº2, do art. 663º, ambos do CPC, dos quais decorre que o acórdão conhece “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e porque a proceder-se à anulação da decisão proferida na 1ª instância, automaticamente fica prejudicada a apreciação dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante cumpre conhecer, de imediato, da patologia da sentença dado que a verificar-se ser de anular a decisão proferida em 1ª instância e de repetir o julgamento, tal determinará a devolução dos autos à 1ª Instância, com o consequente prejuízo do conhecimento dos fundamentos de recurso invocados pela apelante.
Na verdade, o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente prova documental e pericial produzida para dar uma decisão à matéria de facto, imprescindível para a de mérito.
Ora, decidiu o Tribunal a quo a matéria de facto fundamentando ter fundado “a sua convicção na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência, mais concretamente na sentença proferida nos autos, na factura de fls. 745 v. (fls. 793 v.); na factura proforme de fls. 746 (fls. 794); a carta de embarque de fls. 746 v. (fls. 794 v.); as facturas de fls. 747, 749 e ss,; a factura de fls. 751 (fls. 795); a factura proforme de fls. 751 v. (fls. 795 v.); a carta de embarque de fls. 752 (fls. 796); as facturas de fls. 752 v. e ss.; 787 e ss., por um lado, e a ficha técnica de fls. 730 v., as facturas de fls. 731 e ss., as notas de débito de fls. 734 v./735, os recibos de vencimento de fls. 735 v. e ss., os extratos de remunerações de fls. 739 fr. e v. e as facturas de fls. 804 e ss., por outro.
Em conjugação com os supra identificados documentos, mais concretamente os juntos pela A., foram apreciados os depoimentos de S… e T…, funcionárias administrativas da A. que explicaram o processo de aquisição por importação do fio suportado pelos documentos supra identificados de fls. 745 v. e ss./749 e ss. e de fls. 751 e ss./754 e ss., os primeiros ids. pelo n.º da factura …… ou pelo contentor ……… – 4 e os segundos pela factura n.º …… ou pelo contentor …………, posteriormente fornecido pela R. à A. ao custo das facturas de fls. 747 e 752 v./753, respectivamente que, como explicaram estas testemunhas, contempla, além do preço da aquisição, os demais custos associados, a que se referem os documentos de fls. 748 e ss. e 753 e ss., relativos, porém, ao conjunto mais vasto do fio adquirido pela A., só em parte fornecido à R., assim impossibilitando a determinação concreta dos mesmos nesta parte.
(…)
Os demais factos não provados ficaram a dever-se à ausência ou insuficiência de prova”.(negrito nosso).
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Fundamenta, assim, o Tribunal a quo, a decisão da matéria de facto em insuficiência da prova.
Ora, resultando, como vimos, do estatuído no nº4, do art. 360º, do Código de Processo Civil, que “quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”, devia o Tribunal a quo, oficiosamente, lançando mão da inquisitoriedade, materializada em inúmeras disposições legais ao longo da lei adjetiva em matéria da instrução da causa (encontrando-se revelações de tal princípio no art. 411º, 417º, entre muitos outros), realizar diligências instrutórias que lhe permitissem apurar os factos, designadamente pedindo informações às partes ou a terceiros, requisitando elementos a organismos, pareceres técnicos, esclarecimentos às partes, e ordenar prova pericial, que no caso se mostra útil, necessária e, mesmo, imprescindível para apurar valores.
E como cada elemento de prova de livre apreciação não pode ser considerado de modo estanque e individualizado, tendo, depois, de proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada de todos os elementos probatórios, para que forme uma convicção coerente e segura, não pode este Tribunal deixar de anular a decisão recorrida, para que seja complementada a prova, se necessário com reinquirições, reabrindo a audiência para produção de prova adicional.
E depois de produzida a prova que for entendida necessária - sempre podendo, para efeitos de influenciar o julgador, as partes apresentar as suas sugestões - para completar a já produzida, o Tribunal, fazendo aquela análise crítica, conjunta e conjugada, e com base nas regras de experiência comum, estará habilitado a proceda à liquidação do que já decidido se mostra ter de ser concretamente quantificado, em montante determinado.
O que não pode é ser julgado improcedente, sem mais, o que decidido se mostra, já, ter de ser liquidado, quantificado.
Na verdade, não se mostra acertada a decisão que, depois de mencionar “importa conhecer da liquidação … na sequência da sentença que decretando a anulação, por venda de coisa defeituosa, da compra e venda celebrada entre ambas, condenou a R. a devolver à A o valor, a liquidar ulteriormente, do fio que esta efectivamente lhe entregou, calculado por referência ao valor suportado com a sua aquisição (…) conclui “Desconhecendo-se, pois, o valor desse tecido entregue pela A. à R., e não se mostrando, como não se mostrou aquando da sentença, a sua apurada composição, suficiente para o efeito, o pedido da A. tem de improceder (…) e “Quanto aos demais custos associados à aquisição desta concreta quantidade e qualidade de fio, desconhecendo-se igualmente do valor suportado pela A., a parte a ele equivalente, é forçoso concluir igualmente pela improcedência do pedido na parte correspondente”.
Ora, estatui a al. c), do nº2, do art. 662º, que a Relação deve, “mesmo oficiosamente”:
“c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória, a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Ora, no caso, sendo deficiente a decisão sobre os pontos dados como não provados, por falta de rigorosa e completa prova, necessária à decisão da causa segundo as várias soluções possíveis da questão de direito, pois que determinada ulterior liquidação, não poderá improceder, por insuficiência de prova, impugnada se encontrando a matéria de facto.
Assim, deve o tribunal de recurso, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1ª instância quando, não constando dos autos todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta - 662º n.º 2 al. c), sendo a sentença anulada, para suprimento do erro e da omissão de que padece a decisão da matéria de facto.
Deverá, pois, o Tribunal a quo completar a prova, devendo, pedir as informações e os esclarecimentos que entenda necessários e realizar perícia, o que se determina ao abrigo do nº4, do art. 360º, e, mesmo, do princípio do inquisitório, consagrado no art. 411º, por tal ser relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, em face do já definitivamente decidido na sentença.
Conclui-se, assim, pela anulação da decisão proferida, ao abrigo da al. c), do nº2, do artigo 662º, a fim de ser a factualidade em questão apreciada pelo tribunal a quo, reabrindo a audiência e produzindo prova complementar, conforme o supra decidido.
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3º Consequência da falta de iniciativa oficiosa

Sempre cumpre, ainda, referir que, a omissão de iniciativa oficiosa de produção de prova suplementar, designadamente pericial, viável, integra uma nulidade sujeita ao regime dos arts. 195º, nº1, 196º, 2ª parte, e 199º, nº1. E, na medida em que pode influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, que tem de ser arguida, de acordo com a regra geral prevista no art. 199º.
Na verdade, incluindo-se a violação do princípio do inquisitório na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do nº1, do art. 195º, se não constituísse nulidade de que o tribunal pudesse conhecera oficiosamente, a mesma ter-se-ia por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo - arts 197º, nº 1 e 199º, nº 1[11].
A violação do princípio do inquisitório, mediante omissão da iniciativa imposta pelo nº4, do art. 360º, constitui nulidade processual, prevista no nº1, do art. 195º, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Dada a relevância e primordial importância do inquisitório, como analisamos, é indiscutível que a inobservância desse princípio, com prolação de decisão sem realização da imprescindível prova complementar, é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que esta padece de tal nulidade (constituindo a referida inobservância uma omissão grave e representando uma nulidade processual por a omissão ser suscetível de influir no exame ou na decisão da causa).
E estando a omissão em causa coberta por decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso[12]. A prolação de decisão a considerar insuficiente a prova produzida desacompanhada de iniciativa oficiosa de provas complementares, designadamente a prova pericial a que alude o nº4, do art. 360º, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso[13].
Assim, analisada a lei, vista a doutrina e a jurisprudência não pode deixar de se decidir, pelos argumentos expostos que tinha, pois, o Tribunal a quo, antes de decidir de mérito, de produzir a imprescindível prova complementar, designadamente a pericial, devendo, para tanto, ouvir os argumentos das partes.
Assiste, deste modo, razão à apelante, ao concluir pela violação do inquisitório, que levou, até a decisões contraditórias.
“Paulo Pimenta convoca para o efeito o regime das nulidades processuais, por omissão de ato que influi na decisão da causa, nos termos dos arts 195º e 199º, traçando um quadro completo no que concerne à arguição e efeitos de tal nulidade (ob.cit., pp. 230-232 e 250-252)”. Defende que quando a parte se aperceber da existência da nulidade deve suscitá-la para que a situação possa ser reparada, devendo a questão “ser resolvida através da arguição da nulidade no processo, nos termos do art. 195º, a suscitar no prazo de 10 dias, de tal modo que, sendo deferida a nulidade, tal se projetará também na anulação do despacho que tenha sido proferido”[14].
Na jurisprudência a integração da situação da omissão de ato obrigatório “no campo das nulidades processuais foi afirmada também em RP 5-7-06, 0632391 e RP 6-5-10, 81/07” tendo esta solução a “vantagem de permitir que a nulidade seja superada pelo próprio juiz logo que seja arguida pela parte, fora das exigências (e dos encargos) inerentes à interposição de recurso de apelação, mas defronta-se com a norma do art. 613º que, em regra, declara que o poder jurisdicional se esgota com a prolação da decisão, impedindo que seja o juiz que a proferiu a reparar o erro cometido”[15].
Miguel Teixeira de Sousa considera que a omissão “se converte, afinal, numa nulidade da própria decisão que venha a ser proferida. Em https://blogippc.blogspot.pt, à margem de RL 15/5/14, 26903/13 (…), refere que “ a nulidade resultante da omissão (…) só se verifica se, na apreciação do pedido da parte, for dada relevância à deficiência (…) (no mesmo sentido, RP 8/1/18, 1676/16). Esta solução tem a vantagem de não colidir com a norma do art. 613º sobre a extinção do poder jurisdicional, que cessa com a prolação da decisão, (…) a ser ultrapassada através da interposição de recurso, nos termos gerais (ou arguição da nulidade, nos termos do art. 615º, nos casos em que não seja admissível recurso)[16].
A jurisprudência, como vimos, vem-se orientando no sentido de a apreciação da nulidade processual por determinada omissão de despacho ou omissão de alguma formalidade de cumprimento obrigatório – como a que demanda o exercício do inquisitório - acaba por ser apreciada no âmbito de recurso que entretanto foi interposto, como aconteceu em RL 15-5-14, 26903/13, RE 26-10-17, 2929/15 e RG 23-6-16, 713/14, dizendo-se especificadamente neste último que “se a nulidade está coberta por decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo ato ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo”, o que essencialmente conduz à solução defendida por Teixeira de Sousa. Trata-se de uma solução para a qual a nulidade processual apenas ganha relevo quando tal se projeta negativamente na decisão que é proferida, sendo a questão apreciada em sede de interposição de recurso”[17].
Abrantes Geraldes, em Recursos no NCPC, 5ª ed. Pp. 25-30, defende que a reação da parte interessada passa pela interposição de recurso em cujo âmbito se inscreva a arguição daquelas nulidades, solução também adotada em STJ 23-6-16, 1937/15, no qual se afirmou que “a omissão de ato destinado a proporcionar ao autor o contraditório (…) determina a nulidade do despacho saneador onde tal exceção foi apreciada e julgada procedente” e “em STJ 17-3-16, CJ, t.I, p. 176 (“a decisão surpresa alegada e verificada constitui um vício intrínseco de decisão e não do iter procedimental, acarretando a nulidade do acórdão que assentou a sua decisão em dois fundamentos que não foram previamente considerados pela recorrente, que foram decisivos para a decisão e sobre os quais, antes, deviam ter sido ouvidos recorrente e recorridos” e em STJ 22-2-17, 5384/15”[18].
Assim, a falta da diligências a complementar a prova insuficiente determina a nulidade da decisão que julgou o incidente improcedente por falta de prova.
Destarte, estando a nulidade processual coberta por decisão judicial posterior que a permitiu e lhe deu continuidade, conferindo assentimento ao respetivo ato ou omissão dela geradora, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação mas o recurso a interpor da decisão proferida, com a qual se esgotou o poder jurisdicional (cfr. art. 613º, do CPC), onde aquela nulidade, a apreciar, releva se se projetar, como é o caso, negativamente na decisão proferida.
Nos termos expostos, procedendo a apelação, por ter ocorrido violação do princípio do inquisitório, dada a falta de diligências complementares, designadamente perícia, não pode a decisão ser mantida, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões da apelação.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, anulam a decisão recorrida e determinam a baixa dos autos à 1ª instância para serem supridas as deficiências e omissões acima referidas, designadamente, ordenando-se a produção da necessária prova pericial, e, após reaberta a audiência e produzida a prova adicional a completar a já produzida, conforme acima exarado, ser proferida nova decisão.
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Custas pela apelada, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 9 de dezembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] V. Ac. STJ. de 23/11/2011, Proc. 397-B/1998.L1.S1, in dgsi, onde se escreve “Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto) o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter a indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano. O que o requerente deverá demonstrar é o montante do efetivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real,…”.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 436
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág 205
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 482
[5] Ibidem, pág 483
[6] Cfr. Ac. do STJ de 9/1/2019, proc. 1691/07.7TTLSB.L1.S1, Ac. RP de 13/9/2018, proc. 4897/16.4T8VNG.2.P1 e Ac. RL de 11/7/2019, Proc. 5532/16.6T8SNT.L1-4, todos acessíveis in dgsi.pt
[7] Salvador da Costa, Os incidentes da instância, 9ª Edição, 2017, Almedina, pág. 245
[8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 702
[9] Salvador da Costa, Idem, pág. 245
[10] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Idem, pág. 436
[11] Cfr. Acórdãos. do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/1/2005: processo 04B4031, de 11/12/95, processo 96A483, de 03/12/96, processo 97A232, de 06/05/97, processo 97A232 e de 22/01/98, processo 98A448, Acórdão da Relação de Évora, de 1/4/2004: processo 2737/03-2, e Acórdão da Relação do Porto de 10/01/2008, processo nº 0736877, todos in www.dgsi.pt
[12] Acs. STJ. de 13/01/2005, Proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, Proc. 0733086, in base de dados da DGSI.
[13] Acórdão da Relação de Lisboa de 9/10/2014, Proc. 2164/12.1TVLSB.L1-2, in dgsi.net
[14] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 681 e seg.
[15] Ibidem, pág 682
[16] Ibidem, pág 682
[17] Ibidem, pág 682 e seg
[18] Ibidem, pág 683