Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
999/15.2T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESUNÇÕES NATURAIS
UNIÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP20190204999/15.2T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 689, FLS 427-469)
Área Temática: .
Sumário: I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, é exigido ao recorrente, sob pena de rejeição, que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, enuncie a decisão alternativa que propõe e, tratando-se de prova gravada, que indique com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido.
II - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
III - A prova deve ser apreciada no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência.
IV - Nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (art.ºs 349.º e 351.º, ambos do C. Civil).
V - Todavia, já não pode lançar-se mão das referidas presunções quando existam espaços vazios e falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência que determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
VI - A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, razão pela qual será normalmente insuficiente para a prova de um facto essencial à causa de pedir que surja desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie.
VII - A união de facto é insusceptível de, só por si, originar um património comum entre os seus membros.
VIII - Não estipulando os membros da união de facto, no domínio da sua autonomia privada, cláusulas sobre a propriedade dos bens adquiridos na vigência da união, designadamente para o caso de ocorrer a morte de um deles ou a ruptura da união de facto-os denominados “contratos de coabitação”-não existe regulamentação específica aplicável à união de facto, geradora de um património comum dos conviventes.
IX - Todavia cessada a união de facto, por efeito da morte de um dos membros ou por vontade de qualquer deles, o membro sobrevivo ou o outro sujeito da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum.
X - Essa liquidação segundo determinada orientação, doutrinária e jurisprudencial, deve fazer-se de acordo com os princípios das sociedades de facto quando os respectivos pressupostos se verifiquem.
XI - Todavia, a orientação maioritária jurisprudencial vai no sentido de que a forma para efectivar a liquidação do património adquirido pelo esforço comum é a de, em acção declarativa de condenação, o ex-membro da união de facto, que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou, pedir que o outro convivente seja condenado a reembolsá-lo, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.
XII - Numa situação em que os unidos de facto contribuíram com proveitos comuns para a realização das obras na moradia propriedade de um deles, sem que se saiba a percentagem concreta em que cada um deles contribui, a medida da restituição não pode ser feita com referência ao valor real que tal moradia tinha antes das obras e depois das obras.
XIII - Nessas situações o empobrecido terá direito apenas a metade do montante das despesas apuradas, pois que ambos os membros da união de facto contribuíram para a aquisição de um património comum, presumindo-se que cada um contribuiu em igual percentagem, sendo que a obrigação de restituição não se destina a reparar dano–que é o fim próprio da responsabilidade civil–mas tão só a suprimir o enriquecimento que alguém obteve à custa de outrem.
XVI - No que concerne aos bens que sejam de considerar em compropriedade dos unidos de facto não pode qualquer deles, na acção comum, exigir da outra metade do valor de mercado dos respectivos bens, antes tem de se socorrer da acção especial de divisão de coisa comum, não sendo possível a cumulação dos pedidos por seguirem, os dois processos, tramitação manifestamente incompatível (arts. 555.º, nº 1 e 37.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPCivil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 999/15.2T8PVZ.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim-Juiz 61ª Secção Cível-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B..., solteira, arquitecta, residente na Rua ..., n.º ., Póvoa de Varzim, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C..., divorciado, arquitecto, residente no ..., n.º .. e .., ....-... Vila do Conde, onde conclui pedindo:
a) Se declare que Autora e Réu, no período que viveram em comum (cerca de 14 anos), tiveram a economia doméstica conjunta, para a qual participaram com os respectivos vencimentos;
b) Se declare cessada a situação de união de facto entre Autora e Réu;
c) Se declare que todo o património adquirido durante a vigência da referida união de facto e identificado ao longo deste articulado foi constituído com as economias de Autora e Réu e que qualquer um dos conviventes tem direito a metade desse património;
d) Se condene o Réu a entregar à Autora metade desse património, por meio de liquidação judicial de património, de acordo com as regras aplicáveis às sociedades de facto;
e)- A título subsidiário, se condene o Réu a pagar à Autora a quantia € 232.250,00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo pagamento;
f)- Ainda a título subsidiário, se condene o Réu a pagar à Autora, na qualidade de única sócia da sociedade comercial «D...» e ao abrigo do registo previsto no art. 164.º do Cód. Soc. Comerciais, quantia não inferior a € 464.500,00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo pagamento.
Alega, para tanto e em síntese, que viveu com o Réu, em condições análogas às dos cônjuges, desde o final do ano de 1999 e até Março de 2014, designadamente partilhando despesas através dos rendimentos profissionais de ambos.
Durante esse lapso de tempo, juntamente com o filho de ambos, habitaram numa moradia, da propriedade do Réu, sita na cidade de Vila do Conde, onde instalaram o centro da sua vida familiar.
No início da referida vida em comum, o património do Réu resumia-se à dita moradia-que na altura se encontrava em mau estado de conservação-a um veículo automóvel com 10 anos de idade e a poupanças de valor global não superior a €45.000,00.
Por seu turno, a Autora não era proprietária de qualquer viatura automóvel, nem tinha quaisquer poupanças em dinheiro.
Na vigência da união de facto, Autora e Réu levaram a cabo obras profundas de conservação e renovação do imóvel, cujo custo, que ascendeu a um montante não inferior a € 200.000,00, foi suportado em comum por Autora e Réu, através dos rendimentos por ambos auferidos.
Após a conclusão das obras, a moradia, que tinha um valor de mercado que rondava os €200.000,00, passou a ter um valor real e de mercado não inferior a €700.000,00.
Também desde o início da união de facto, Autora e Réu adquiriram um conjunto de mobiliário de luxo para o imóvel, também ele adquirido com os rendimentos do trabalho da Autora e do Réu, e cujo custo global não foi inferior a € 50.000,00.
Para além do mais, e do mesmo modo, adquiriram um automóvel de marca Opel ... (matrícula ..-EX-..), no estado de usado, pelo preço de € 9.000,00.
Por outro lado, ao longo da vida em comum, amealharam um conjunto de poupanças, de tal forma que, à data da cessação da união de facto, tinham, em comum, um património financeiro–constituído por depósitos bancários e outros produtos financeiros-no valor de € 150.000,00.
Acresce que, em Janeiro de 2000, Autora e Réu constituíram a sociedade comercial D..., Lda., com sede na casa de residência comum do casal, onde ambos figuravam como sócios, na proporção de 95% e 55, respectivamente.
Através dessa sociedade, a Autora exercia, em exclusivo, a profissão liberal de arquitecta, ao serviço dessa empresa, enquanto o Réu a apoiava na elaboração de projectos de arquitectura e colaborava na angariação de clientela para aquela sociedade comercial.
Na qualidade de sócio-gerente dessa sociedade, a Autora tinha direito a uma retribuição mensal equivalente ao salário mínimo nacional, pelo que todo o excedente da actividade dessa sociedade comercial deveria ser distribuído como lucro, entre ambos os sócios.
Não obstante, por razões de economia fiscal, em lugar de procederem à distribuição de lucros entre os sócios, Autora e Réu decidiram que grande parte dos trabalhos de remodelação da moradia onde viviam, assim como bens mobiliários e a aquisição de aludido automóvel, fossem facturados em nome da dita sociedade.
Para além dos valores “facturados” àquela sociedade, houve outras obras feitas na mesma moradia que não foram pagas em dinheiro por constituírem um pagamento, em espécie, do preço de serviços de arquitectura prestados pela Autora através da dita sociedade. Foi o que sucedeu, designadamente, com os trabalhos de carpintaria de construção de estantes no sótão e armários embutidos do escritório, realizados pela empresa E..., Lda., cujo valor ascendeu a € 6.500,00, e com os trabalhos de pedreiro e trolha, realizados pela empresa F..., S.A., cujo valor ascendeu a € 100.000,00.
Por outro lado, na vigência da união de facto, todas as despesas de água, luz e gás da casa de habitação de Autora e Réu eram suportadas pelo dinheiro existente nas contas bancárias da dita sociedade comercial.
Entretanto, por razões ligadas a um processo disciplinar que lhe foi movido pela Ordem dos Arquitectos, o Réu deixou de ter qualquer participação formal na mesma sociedade, tendo cedido à Autora a sua participação.
Não obstante, na prática, nada se alterou na actividade da referida sociedade comercial, que se manteve como um projecto comum do casal, para o qual ambos contribuíam, cujos proventos continuaram a ser aplicados na aquisição de mobiliário para a aludida casa de habitação, bem como na realização de obras nessa moradia.
No ano de 2011, porque as receitas provenientes de trabalhos de arquitectura começaram a ser cada vez mais reduzidas, Autora e Réu decidiram proceder à extinção da referida sociedade comercial, através da outorga de documento particular de dissolução e liquidação da empresa, dessa forma logrando reduzir os encargos com descontos para a Segurança Social e Finanças.
Face ao supra exposto, entende a Autora que, na vigência da união de facto da Autora e Ré se formou um património comum, pelo que, uma vez cessada a situação de vida em comum, é lícito a qualquer uma das partes requerer a liquidação de tal património comum de acordo com as regras aplicáveis às sociedades de facto, ou pedir indemnização com fundamento em enriquecimento sem causa, o que confere a Autora o direito a receber metade do valor daquele património, que computa em € 232.250,00.
Subsidiariamente, para a hipótese de se entender que o direito de crédito em referência nos autos, na parte que respeita a benfeitorias suportadas pela aludida sociedade comercial se gerou no património desta, sempre poderá a Autora deduzir contra o Réu o correspondente pedido indemnizatório com fundamento no art. 164.º do Cód. Sociedades Comerciais, na qualidade de única sócia da sociedade comercial “D...”, à data da sua extinção.
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Devidamente citado, o Réu veio contestar, concluindo pela improcedência dos pedidos formulados ou, quando assim não se entenda, se declare que Autora e Réu viveram unidos de facto desde o final de 1999 até meados do ano de 2011, altura em que cessaram a vida em comum e se declare que o património adquirido por ambos e em comum na vigência da união de facto, é somente o constituído pelos lucros gerados pela actividade societária, correspondendo ao saldo da conta bancária comum, aberta na agência de Vila do Conde do G..., com o nº ................., verificado na data em que a mesma foi liquidada pela autora, e que ambos têm direito a metade desse saldo.
Defende que a situação da cessação da união de facto ocorreu no ano de 2011, data em que deixaram de coabitar a sua casa de habitação, terminando qualquer tipo de vida em comum. De facto, foi esta ocorrência que determinou, em 31 de Janeiro de 2011, a dissolução da supra mencionada sociedade comercial, à data sedeada na referida habitação do Réu.
Por outro lado, parte das obras mencionadas pela Autora não foram realizadas, ou foram-no em momento anterior ao início da união de facto.
Com excepção das obras de carpintaria facturadas à dita sociedade-cujo valor computa em montante não superior a € 50.000,00-todas as obras e trabalhos realizados na aludida moradia, por administração directa do Réu, nos anos de 2001 e 2002, foram por ele custeados, através dos seus rendimentos próprios.
Sendo certo que grande parte dos trabalhos foram facturados à sociedade, a verdade é que tal deveu-se apenas a razões de conveniência fiscal do Réu (para efeitos de dedução de IVA e apresentação de despesas). Por isso, com excepção das referidas obras de carpintaria, tais facturas não foram pagas pela sociedade, mas pelo próprio Réu.
Admite também que os trabalhos de carpintaria–não facturados–realizados, pela empresa E..., Ldª, em 2006 ou 2007, foram contrapartida de serviços de arquitectura prestados pela Autora. Contudo, o valor dos mesmos não é superior a €1.500,00.
Por outro lado, os trabalhos de trolha e pedreiro–não facturados–realizados pela empresa G..., SA, ao contrário do que sustenta a Autora, não foram a contrapartida de serviços de arquitectura prestados pela Autora. A verdade é que o seu valor, que ascendeu apenas a €8.978,36 (oito mil, novecentos e setenta e oito euros e trinta e seis cêntimos), foi por ele integralmente pago com um cheque sacado sobre a sua conta pessoal no G....
Relativamente aos bens móveis que constituem o recheio da mencionada habitação, apenas a máquina de lavar louça (oferecida pela Autora e entretanto já substituída pelo Réu), uma chaise-longue e uma cópia (de má qualidade) de uma banqueta de um designer norte-americano, foram oferecidas pela Autora, todo o restante mobiliário foi adquirido pelo réu com dinheiro próprio.
Por seu turno, o veículo automóvel identificado na petição inicial, foi adquirido pelo réu, com dinheiro próprio, no ano de 2012, por isso já após haver cessado a união de facto com a autora.
Quando se iniciou a união de facto, no ano de 1999, o Réu era titular único de uma conta bancária no G..., agência de Vila do Conde, onde depositava o seu salário e à qual estavam indexados títulos comerciais–acções e obrigações.
Na vigência da união de facto, abriram em comum, no ano de 2003, no mesmo Banco e agência, uma conta de depósitos Durante todo o período em que estiveram unidos de facto, nem a Autora, nem a sociedade fizeram qualquer depósito ou movimento na conta pessoal do Réu, nem este fez qualquer depósito ou movimento na referida conta comum, a não ser para levantar 9 mil euros de royalties depositados nessa conta pela empresa H... (empresa de iluminação), que por direito lhe pertenciam.
Por conseguinte, no património pessoal do Réu nunca ingressou, fosse a que título fosse, qualquer quantia provinda do património pessoal da autora ou da conta bancária comum.
Não obstante, qualquer direito que a Autora pudesse ter adquirido por via da formação do património comum que invoca, apenas poderia assentar no instituto do enriquecimento sem causa.
Sucede, contudo, que já decorreu o prazo prescricional de 3 anos estipulado no artº 482º do CC, atenta a data da interposição da presente acção–12/07/2015–e a data em que cessou a união de facto–meados do ano de 2011-pelo que os pedidos formulados pela Autora sempre terão de improceder.
Se assim não se entender, a verdade é que a conta bancária aberta no decurso da união de facto, apesar de ser comum e haver sido constituída com o intuído de nela virem a ser depositados os proventos da sociedade “D...”, foi sempre movimentada exclusivamente pela autora, que a geriu como lhe aprouve, quer a débito quer a crédito. Tanto assim que, em data incerta do mês de Julho de 2014, a Autora liquidou essa conta e fez seu, na totalidade, o respectivo saldo, sem ter prestado contas ao Réu.
Atento o pacto que presidiu à constituição da sociedade, os lucros desta deveriam ter sido distribuídos por ambos os sócios na proporção, conforme acordado, de metade para cada um.
Considerando que a referida conta continha os proventos percebidos da actividade é forçoso concluir que metade do saldo que apresentava, ao menos na data da liquidação, é pertença do Réu.
Acresce que a Autora adquiriu, com os proventos auferidos no exercício da sua actividade como arquitecta na empresa “D...”, que nunca foram distribuídos ao réu, um imóvel sito na cidade de Guimarães. Por essa razão, a quantia correspondente a metade do valor de aquisição dessa fracção autónoma, deverá também reverter para o réu por se tratar de importância gerada no âmbito da actividade da sociedade, cujos lucros competiam, por igual, a ambos.
Por outro lado, uma vez que a Autora reclama deslocações patrimoniais do património societário para o pessoal do réu, e cuja origem reside nos lucros dessa sociedade, impõe-se também levar em conta a realização de despesas comuns- designadamente as inerentes ao exercício da actividade da sociedade–à custa do património do Réu, designadamente as que relacionadas com a ocupação do espaço onde a dita sociedade desenvolvia a sua actividade e os custos a ela associados, os quais, com base no valor de uma renda mensal média de €500,00, se computam em €65.000,00, sendo a Autora responsável por metade de tal valor.
Por todo o exposto, em reconvenção, operada a compensação do créditos que a Autora poderá deter sobre o Réu, o Réu reclama a condenação da Autora no pagamento do remanescente de 6.750,00 (seis mil setecentos e cinquenta euros), bem como no pagamento da importância correspondente a metade do saldo da conta bancária acima referida, na data em que a autora procedeu ao seu encerramento e liquidação e ainda do valor correspondente a metade do valor de aquisição dessa fracção autónoma, a liquidar ulteriormente.
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A autora apresentou resposta às excepções deduzidas e ao pedido reconvencional, impugnando os factos respectivos, concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais.
Requereu ainda a condenação do Requerente, em multa e indemnização, como litigante de má-fé.
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Na sequência de requerimento apresentado pelo Réu no decurso da audiência prévia, foi admitida a liquidação dos pedidos de condenação genérica que formulou em sede de reconvenção.
Desta forma, foi peticionada a condenação da reconvinte no pagamento da quantia de €163,18 (cento e sessenta e três euros e dezoito cêntimos), correspondente a metade do saldo da conta bancária n.º ................, bem coimo da quantia de €10.000,00 (dez mil euros) correspondente a metade do valor do património comum que foi utilizado pela Autora na aquisição da sua casa em Guimarães.
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Foi proferido despacho saneador e fixados os factos assentes e seleccionados os temas de prova.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do inerente formalismo legal.
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A final, sido proferido decisão que julgou a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente:
A) Reconheceu que a Autora B... e o Réu C... viveram em união de facto desde o ano 1999 até data não concretamente determinada, mas que seguramente não foi anterior a Agosto de 2011, nem posterior a 9 de Março de 2014;
B) Condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de €122.500,00 (cento e vinte e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, correspondente a metade da valorização do imóvel identificado no ponto 23 dos factos provados, em consequência das obras nele realizadas no decurso da referida união de facto
No mais, julgou a acção improcedente e, nessa parte, absolveu o Réu do pedido.
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Da mesma forma que julgou improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida pelo Réu e consequentemente absolveu a Autora do pedido reconvencional.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Réu interpor recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
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Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso e, interpondo recurso subordinado, formulou as seguintes conclusões:
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar:
1- Recurso principal
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da matéria factual e mesmo não sofrendo esta qualquer alteração se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correctamente, efectuada.
2- Recurso subordinado
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da matéria factual e mesmo não sofrendo esta qualquer alteração se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correctamente, efectuada.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1. A Autora e o Réu viveram em união de facto desde o ano 1999 até data não concretamente determinada, mas que seguramente não foi anterior a Agosto de 2011, nem posterior a 9 de Março de 2014;
2. Nesse lapso de tempo, viveram na mesma casa, onde confeccionaram e tomaram juntos as refeições, pernoitaram, permaneceram juntos de dia e de noite, foram procurados por quem os queria encontrar, instalaram o centro das suas vidas e economia familiar, partilharam despesas e rendimentos, auxiliaram-se na doença e nos momentos de dificuldade e mantiveram relações sexuais;
3. Autora e Réu eram vistos por toda a gente–família, amigos, vizinhos e conhecidos–como se de marido e mulher se tratassem;
4. Como fruto dessa relação, tiveram o filho I..., nascido em 7 de Setembro de 2006;
5. Pelo menos desde 9 de Março de 2014, Autora deixou de viver com o Réu na moradia sita no ..., n.º .. e .., em Vila do Conde, sendo que desde então não mais confeccionaram e tomaram juntos refeições, não pernoitaram nem permaneceram juntos, não mantiveram relações sexuais, não partilharam despesas e rendimentos, não se auxiliaram na doença e nos momentos de dificuldade;
6. Tanto a Autora como o Réu trabalhavam, auferindo os seus vencimentos;
7. O Réu trabalhava como arquitecto, em regime de exclusividade, para o Município ... e auferia um rendimento mensal que, à data da cessação da união de facto, era de valor líquido não inferior a 2.000,00 euros;
8. A sociedade “D..., Ldª” foi constituída no ano de 1999, tendo por únicos sócios Autora e Réu, com uma quota de respectivamente, 95% e 5% do capital.
9. A Autora exercia, em exclusivo a profissão liberal, de arquitecta ao serviço da empresa “D...”, desde a data da fundação daquela sociedade até à da sua extinção, em 23 de Dezembro de 2010;
10. O Réu apoiava a Autora na elaboração de projectos de arquitectura e colaborava na angariação de clientela para a sociedade;
11. Na sequência de um processo disciplinar que foi movido ao Réu–com fundamento na existência de incompatibilidades entre a qualidade de sócio da sociedade comercial acima referida e a de Arquitecto camarário-e para evitar a prática de novos ilícitos disciplinares, o Réu foi aconselhado a deixar de ter qualquer participação formal na sociedade comercial acima referida;
12. Por isso, em 12 de Julho de 2010, Autora e Réu outorgaram documento particular de “cessão” de quotas e transformação daquela sociedade comercial em sociedade unipessoal, pelo qual o Réu declarou ceder à Autora a quota que detinha naquela sociedade, que passou a sociedade unipessoal, em que a Autora era a única sócia;
13. Apesar dessa cedência de quota, na prática, nada se alterou na actividade da referida sociedade comercial;
14. A Autora continuou a prestar serviços de arquitectura a terceiros, que eram facturados através da referida sociedade comercial;
15. Após ter cedido a sua quota à Autora, em 7.10.2012, o Réu continuou a coadjuvar a Autora na elaboração de projectos de arquitectura e a colaborar na angariação de clientela para a referida sociedade;
16. A sociedade era um projecto comum de ambos;
17. Quando começou a viver com a Autora, o Réu era titular de uma conta de depósitos no J..., balcão de Vila do Conde, com o n.º ......., a qual apresentava um salde de depósito à ordem de € 375,83 e um saldo de depósito a prazo de € 2.992,79;
18. Em Setembro de 2013, com referência à mesma conta e banco, o Réu era titular de um saldo de depósitos à ordem de € 2.493,99 e de um sal de depósitos a prazo de € 7.466,90;
19. No ano de 1999, quando começou a viver com a Autora, o Réu era titular de uma outra conta no G..., com o n.º ........., sendo titular de um total de activos financeiros a ela associados de € 47.362,88;
20. Em Setembro de 2013, os activos financeiros do Réu associados a este última conta perfaziam € 84.000,00;
21. Na data em que se iniciou a união de facto, o Réu era proprietário do veículo ..-..-AG, sendo que posteriormente tal propriedade foi transferida para a sociedade referida;
22. A Autora não era, na data em que se iniciou a união de facto entre Autora e Réu, proprietária de qualquer veículo ou tinha poupanças em dinheiro;
23. O Réu é proprietário da casa de rés-do-chão e andar, sita no ..., nº.. a .., em Vila do Conde, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo 528, Vila do Conde, e descrita na CRP de Vila do Conde sob o nº6542, que adquiriu no ano de 1986;
24. A sede da sociedade situava-se nesse imóvel;
25. Na data em que se iniciou a união de facto, esta casa não tinha aquecimento central nem caixilharia de vidros duplos;
26. Após a aquisição da mesma, o réu ordenou a execução de uma laje, ao nível do primeiro piso;
27. Durante a vivência em comum, Autora e Réu aumentaram dois pisos ao imóvel, que deixou de ser uma casa de rés-do-chão e primeiro andar e passou a ser uma casa de rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares;
28. Aplicaram a estrutura de lajes de betão armado ao nível do segundo e terceiro andar e alvenaria simples de bloco de betão preenchido a areia e isolamento térmico de poliestireno expandido;
29. Fizeram a estrutura do telhado em pinho lariço e pinho de Oregon, com painéis sanduiche de madeira de pinho, com cobertura nova de telha e todas as funilarias e a camarinha a forrar as águas furtadas em cobre;
30. Adquiriram e aplicaram na moradia mármores nas escadas da entrada e lambrins, em todas as instalações sanitárias e também na cozinha do imóvel, para além da bancada da cozinha ter sido toda feita em inox à medida;
31. Substituíram toda a caixilharia exterior do imóvel, aplicando caixilharia em madeira de riga velha, com aplicação de vidro duplo;
32. Todas as paredes do imóvel–existentes e novas–foram forradas com isolamento térmico e a fachada principal existente teve a substituição de algumas padieiras e ombreiras em granito maciço e a fachada nova foi revestida a camarinha de cobre;
33. Fizeram trabalhos de carpintaria em riga velha, com a aplicação de estantes, armários, roupeiros e móveis fixos, em madeira, na cozinha, nos quartos e no sótão da referida moradia;
34. Instalaram um sistema de aquecimento central e aplicaram radiadores de calor em todas as divisões do imóvel, com sistema de controlo remoto computorizado para o aquecimento, intrusão detecção de incêndio, inundação, assim como controlo da iluminação;
35. Aplicaram soalho de riga velha em todas as divisões do imóvel e pedra mármore de Estremoz cortada à medida e casada na cozinha, em todas as instalações sanitárias e nas escadas lambrins e pavimento da entrada principal;
36. Substituíram as canalizações de água existentes, assim como todas as louças sanitárias e forneceram novas canalizações e louças sanitárias para os pisos que foram aumentados;
37. Instalaram um sistema de gás canalizado, com caldeira e acumulador;
38. Reestruturaram toda a parte eléctrica do imóvel com sistema inteligente;
39. Em consequência das obras referidas, a área do imóvel foi aumentada de 198,37 metros quadrados para 336,92 metros quadrados;
40. Por escritura de compra e venda outorgada em 7 de Outubro de 2011, a Autora adquiriu uma casa em Guimarães;
41. Autora e Réu suportavam em comum as despesas domésticas enquanto viveram em união de facto;
42. Autora e Réu tinham uma conta em comum no G...– Agência de Vila do Conde, com o n.º ................;
43. À data do início da união de facto, a moradia em questão tinha um valor real e de mercado de € 210.000,00;
44. Após a conclusão das obras, a moradia passou a ter um valor real e de mercado de € 465.000,00;
45. Enquanto as obras foram feitas, Autora e Réu apenas deixaram de residir no imóvel num curto período, no ano de 2003, pois nesse período estiveram a viver num apartamento de um amigo, em Fão;
46. Em 22 de Fevereiro de 2012, o Réu Adquiriu a sociedade “K...” um automóvel de marca Opel ... (Matrícula n.º ..-EX-..), no estado de usado, pelo preço de € 9.000,00, com reserva de propriedade a favor da dira sociedade vendedora, veículo esse que, no ano de 2015, o Réu vendeu à sociedade «L..., SA»;
47. Para obtenção de vantagens fiscais, Autora e Réu decidiram facturar à sociedade D... grande parte dos trabalhos de remodelação da moradia, de aquisição dos bens mobiliários e aquisição do veículo de matrícula ..-..-QV, o qual, posteriormente à liquidação da sociedade, foi registado em nome da Autora;
48. As obras de carpintaria supra referidas nos pontos 29, 31, 33 e 35 foram realizadas na moradia referida, importaram em, pelo menos, € 41.715,08, valor que foi facturado à referida sociedade e por esta paga a M..., SA”;
49. Foram também adquiridos por esta sociedade–e à mesma facturados-ela mármores para aplicação nas mesmas obras de remodelação, no valor global de € 8.997,00;
50. Foram ainda facturados e pagos pela sociedade pelo menos, os seguintes materiais aplicados nas obras na habitação do réu:
- uma clarabóia de perfil em aço inox;
- as louças sanitárias melhor identificadas na factura de fls. 240;
51. Os trabalhos de carpintaria de construção de estantes no sótão e armários embutidos do escritório da moradia referida foram efectuados pela empresa «E...» como pagamento do projecto de licenciamento de remodelação e ampliação do recinto industrial dessa empresa, assim como direcção técnica da obra realizados pela Autora;
52. Esses trabalhos ascendem, pelo menos, ao valor de € 24.500,00;
53. Pelo menos parte dos trabalhos de pedreiro e trolha na referida moradia–todos eles levados a cabo pela empresa F..., S.A. foram realizados como forma de pagamento, em espécie, do preço de serviços de arquitectura prestados pela Autora, designadamente, a liderança do concurso de concepção e construção, incluindo a elaboração do anteprojecto de arquitectura e do projecto de execução das Piscinas Municipais de ..., ... e ...;
54. Concursos que foram ganhos pela referida empresa F..., S.A., que efectivamente levou a cabo, pelo menos, as obras de construção das Piscinas de ..., em que a Autora fez o acompanhamento de obra;
55. Esses trabalhos realizados pela empresa F..., S.A. na moradia do Réu ascenderam a valor não inferior a € 55.000,00;
56. Na vigência da união de facto e até Dezembro de 2010, todas as despesas de luz e gás da casa de habitação de Autora e Réu eram suportadas pelo dinheiro existente nas contas bancárias da sociedade comercial comum do casal–D..., Lda;
57. Incluíam o recheio da casa de morada de família da Autora e Réu, entre outros, os equipamentos e mobiliário constantes do auto de arrolamento junto a fls. 174 e segs. do apenso de providência cautelar de arrolamento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
58. De entre esses bens móveis, pelo menos os seguintes foram adquiridos e pagos pela sociedade “D...” para serem utilizados em conjunto por Autora e Réu:
- uma plotter designleg 450 AO SN: SG9C52182D, com o valor actual de € 500,00;
- quatro mesas de computador em faia maciça, com o valor actual de € 600,00;
- um armário chinês, Dalian Cabinet A. Brown, com o valor actual de € 300,00;
- um candeeiro de pé, Constanza, em aço escovado e abajour branco, com o valor actual de €120,00;
- um faqueiro incompleto e estojo da marca Cutipol, no valor actual de € 200,00;
- uma mesa de cozinha em pau rosa e tampo de pedra em mármore branca, no valor actual de € 400,00;
- uma mobília de quarto de casal constituída por duas mesinhas de cabeceira, cama e cómoda em madeira de mogno e pau-cetim, com colchão de design de arquitecto, no valor actual de €1.600,00;
- uma chaiselong LC4 design do arquitecto Le Courbusier–1928, no valor actual de € 600,00;
- dois sofás em pele castanha escura design de arquitecto, no valor actual de € 500,00;
- uma banqueta design de arquitecto e pintora Charles e Ray Emes, no valor de € 250,00;
- Oito cadeiras de braço em carvalho à cor natural com assento em pelo natural, no valor actual de € 560,00;
59. Em razão da redução das receitas provenientes de trabalhos de arquitectura, no ano de 2011, com vista a reduzir os encargos com descontos para a Segurança Social e Finanças Autora e Réu decidiram proceder à extinção da referida sociedade comercial, através da outorga, em 31 de Dezembro de 2011, de um documento particular de dissolução e liquidação da empresa;
60. No ano de 1986, a casa o Réu foi objecto de obras, no decurso das quais foi construída uma cozinha, instalações sanitárias ao nível do rés-do-chão e primeiro andar e a laje que posteriormente veio a servir de piso do 2º andar;
61. Por conta do preço dos trabalhos de pedreiro e trolha realizados pela sociedade F..., S.A. o Réu pagou a esta empresa o montante de € 8.978,36 (oito mil, novecentos e setenta e oito euros e trinta e seis cêntimos);
62. Da conta comum titulada pela sociedade foram levantados em benefício do Réu € 9.150,00 euros de royalties, da titularidade do Réu, depositados nessa conta pela empresa H... (empresa de iluminação);
63. Em 22 de Dezembro de 2011, esta última conta de depósitos daquela tinha em saldo o valor de € 326,37;
64. O rés-do-chão da casa de habitação do Réu, utilizado como gabinete de arquitectura, tem um valor locativo de € 500,00 mensais;
65. Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde, sob o n.º 3945 (freguesia de Vila do Conde) a fracção autónoma com a letra A, correspondente a uma garagem na cave, com o n-º 1, com entrada pela Rua ..., n.º ...;
66. A aquisição deste imóvel encontra-se inscrita a favor do Réu, pela inscrição n.º 469, de 28/04/2009;
*
Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa e designadamente que:
A. A Autora, até Julho de 2013, esteve colectada como arquitecta e, daí em diante, apesar de continuar a fazer alguns trabalhos pontuais de arquitectura, deixou de estar colectada como profissional liberal;
B. A data do início da união de facto e casa estava em mau estado de conservação, pois não era objecto de obras há mais de 20 e 30 anos;
C. As obras acima referidas importaram para Autora e Réu num custo não inferior a € 200.000,00;
D. O veículo automóvel da marca Opel Astra, referido em 46) tem hoje um valor real e de mercado não inferior a € 9.000,00;
E. Autora e Réu amealharam também poupanças, ao longo da vida em comum, tendo, à data da cessação da união de facto, em conjunto, um património financeiro– depósitos bancários e outros produtos financeiros–no valor de € 150.000,00;
F. A Autora enquanto sócia-gerente dessa sociedade, como contrapartida pelo exercício do cargo, auferia retribuição mensal de valor correspondente ao ordenado mínimo nacional em vigor a cada momento;
G. Desde a constituição dessa sociedade, foram gastos em obras de remodelação da moradia do Réu mais de € 200.000,00, provenientes da actividade profissional da Autora, correspondentes, na prática, ao lucro da sociedade comercial acima referida;
H. Na vigência da união de facto, todas as despesas de água da casa de habitação de Autora e Réu eram suportadas pelo dinheiro existente nas contas bancárias da sociedade comercial comum do casal–D..., Lda;
I. Após a cedência da sua quota do Réu à Autora na sociedade D..., todos os lucros dessa sociedade continuaram a ser aplicados na aquisição de mobiliário para a casa comum de Autora e Ré, bem como na realização de obras nessa moradia;
J. A associação entre Autora e Réu na realização de trabalhos de arquitectura manteve-se até ao mês de Março de 2014;
K. Para além do referido em 58), os demais bens móveis identificados no auto de arrolamento foram adquiridos em conjunto por Autora e Réu com o produto do rendimento do trabalho de ambos;
L. A partir de meados do ano de 2011, Autora e Réu deixaram de coabitar a sua casa de habitação, bem como de compartilhar refeições, de se relacionar sexualmente, ou de partilhar as despesas correntes próprias de uma plena comunhão de vida;
M. Nessa data, a Autora saiu da casa que habitavam em comum e foi viver para Guimarães, onde havia comprado um apartamento e aí registou a sua morada fiscal;
N. A causa da dissolução da sociedade «D...» foi a cessação da união de facto entre Autora e Réu;
O.A conta bancária referida em 63) foi liquidada pela Autora no ano de 2014;
P. As despesas de alimentação e educação (infantário, música, desporto, etc.) do filho de ambos, pois estas foram sempre suportadas exclusivamente pelo Réu;
Q. No ano de 1999, as poupanças do Réu ascendiam a 100 mil euros;
R. Todas as obras supra referidas em nos pontos 27 e segs, ainda que facturadas em nome da sociedade, foram pagas com dinheiro próprio do réu, em numerário e através de cheques emitidos sua conta pessoal no G...–agência de Vila do Conde–com o número ....-..........., para tanto adquirindo os materiais necessárias e contratando a respectiva mão de obra;
S. As obras de trolha e pedreiro realizadas pela empresa totalizaram o valor de € 8.978,36 (oito mil, novecentos e setenta e oito euros e trinta e seis cêntimos);
T. À excepção dos móveis referidos nos pontos 58), todo o restante mobiliário constante do auto de arrolamento foi adquirido pelo réu com dinheiro próprio;
U. O veículo automóvel identificado em foi adquirido comprado com dinheiro próprio do Réu;
V. As contas bancárias referidas em 46), sempre foram movimentadas exclusivamente pela Autora;
W. Durante todo o período em que estiveram unidos de facto, nem a autora ou a sociedade fizeram qualquer depósito ou movimento nas contas pessoais do réu;
X. A aquisição do imóvel referido em 40) foi custeada com os proventos auferidos pela autora no exercício da sua actividade como arquitecta na empresa D...;
Y. A fracção autónoma identificada em 65), foi dada a Autora e Réu como contrapartida por serviços de arquitectura prestados pela sociedade comercial D... à N..., Lda;
Z. Autora liquidou a conta identificada em 63) e fez seu, na totalidade, o respectivo saldo, sem ter prestado contas ao réu;
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III. O DIREITO

Recurso independente

Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir neste recurso consiste em:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões o Réu recorrente impugnou a decisão da matéria de facto pretendendo ver alterados os pontos 1., 52. e 44 da fundamentação factual e, por lógica implicância, por referência à alteração propugnada quanto ao ponto 1. ser dado como provado a al. L) dos factos não provados.
Nos termos do artigo 662.º,nº 1 do CPCivil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por sua vez o artigo 640.º do mesmo diploma legal estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
Sendo este o arquétipo legal que preside à impugnação da matéria de facto, importa, então, antes de mais, verificar se estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à sua reapreciação.
A consagração do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, inicialmente prevista no DL 39/95 de 25/02, constituiu uma nova garantia das partes no regime de processo civil e de acordo com o regime proposto pelo legislador, implicou a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respectiva fundamentação.
Como se escreveu no preâmbulo do DL 39/95 de 25/02 o duplo grau de jurisdição: “[…] nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
A lei não consente, por isso, como se afirma no preâmbulo do citado diploma, que “o recorrente se limit[e] a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”.
O especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, relativo à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação, “[…] decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º CPC )-e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1” instância-possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correta. Daí que se estabeleça”, continua o mesmo preâmbulo, “no artigo 690.°-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto. Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo n° 6 do artigo 705º.”.
A respeito do regime previsto escreveu Lopes do Rego que: “[a] consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação“[1].
O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, no ensinamento do mesmo Autor:
“- na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento–o ponto ou pontos da matéria de facto– da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento;
- no ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios ( constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada ) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente;
- finalmente–e por força do estatuído no nº 2–quando os meios probatórios incorrectamente valorados, na óptica do recorrente, pelo tribunal apenas constem de registo ou gravação (não estando, portanto, ainda materialmente “ incorporados “ nos autos), incumbe ainda ao recorrente o ónus de proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda o invocado erro na apreciação das provas”.[2]
Abrantes Geraldes ponderando as alterações introduzidas pelo DL 183/2000 de 10/08 e na Lei de Autorização Legislativa nº 6/07 de 02/02, sintetiza o sistema que passou a vigorar sempre que o recurso envolva impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:
“- o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões;
- quando o recorrente funde a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
- relativamente aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova, há que distinguir duas situações:
- se a gravação foi efectuada por meio (equipamento) que não permite a identificação precisa e separada dos depoimentos recai sobre a parte o ónus de transcrição dos depoimentos, ao menos na parte relativa aos segmentos que, em seu entender, influam na decisão;
- se a gravação foi efectuada por meio (equipamento) que permite a identificação precisa e separada dos depoimentos, o funcionário que monitoriza a gravação e que está presente na audiência deve assinalar “na ata o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos ”, como o determina o art. 155.º, nº 1 ”[3].
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o âmbito do ónus de alegação em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, dando nota do sentido interpretativo exposto pronunciaram-se, entre outros, nos seguintes arestos: Ac. STJ de 06/11/2006, 24.01.2007, 06.02.2008, 19.03.2009[4], de 23.11.2011.[5]
As alterações introduzidas no Código de Processo Civil, com a Lei 41/2013 de 26/06, mantêm no essencial o regime de reapreciação da decisão da matéria de facto, sendo por isso, válidas as referências expostas em sede de doutrina e jurisprudência.
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[6].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar-delimitar o objecto do recurso-, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação-fundamentação-que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Tal ónus impede que se requeira a impugnação genérica da matéria de facto controvertida e bem assim, a reapreciação de toda a prova.
Decorre da letra da lei que não se impõe que o recorrente proceda à transcrição dos excertos dos depoimentos que considere relevantes (o que é meramente facultativo) e muito menos que transcreva integralmente os depoimentos; o que se exige é que, independentemente de qualquer transcrição, identifique as concretas razões que justificam a alteração da matéria de facto, e os correspondentes meios de prova e, no que concerne às declarações prestadas em depoimento de parte e à prova testemunhal, que identifique com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, de modo a permitir ao tribunal de recurso, perante a audição da gravação efectuada, a localização dessas concretas passagens que o recorrente considera relevantes.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante indicou os pontos de facto impugnados.
Vejamos, todavia, em relação a cada ponto concreto, se o Réu deu cumprimento aos citados ónus impostos pelo transcrito artigo 640.º do CPCivil e nos termos que atrás se deixaram expostos.
Ora, perscrutando a douta alegação do Recorrente, constata-se que, se a mesma cumpre, de alguma forma, com os requisitos previstos nas als. a) b e c) do nº 1 do norma acima citada no que tange a impugnação do ponto 1. da fundamentação factual, já não cumpre, de forma ostensiva, com o requisito da al. a) do nº 2 do mesmo normativo.
Efectivamente, para a alteração do citado ponto factual o apelante convoca, além do mais, os depoimentos das testemunhas O..., P..., Q... e S....
Todavia, olvidou por completo indicar quais as concretas passagens do depoimento das referidas testemunhas que impunham outra decisão, nomeadamente, referindo, em relação a cada uma, depois, o excerto que impunha tal decisão, através da indicação na gravação do início e fim desse excerto.[7]
É que, mesmo que o depoimento tenha de ser valorado na íntegra, o recorrente tem sempre que indicar com exactidão as passagens da gravação relativas a cada facto ou conjunto de factos com base nos quais sustenta alteração dos concretos pontos de facto impugnados.
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Aliás, mesmo que que assim não se entenda sempre se dirá que, não obstante o tribunal de recurso possa formar a sua própria convicção no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, o que não é, manifestamente, o caso.
Com efeito, analisada a douta sentença, constata-se que a mesma se encontra devidamente fundamentada, contém um percurso lógico que justificou plenamente a valoração de parte da prova, em detrimento de outras e não atropelou ou ofendeu quaisquer normas que regulem quer a produção de prova quer o ónus da prova.
O apelante, limita-se, pois, a discordar com as opções tomadas pelo Tribunal recorrido, em matéria de decisão da matéria de facto, no exercício da sua liberdade decisória e dentro do quadro daquilo que foi a prova produzida.
Ora, esta mera discordância não corresponde a qualquer vício da apreciação da prova, mas à opção que é lícito ao julgador tomar, no âmbito da sua liberdade decisória e com base nos elementos que lhe são facultados pela oralidade e imediação em relação aos quais está claramente em vantagem, relativamente a qualquer instância superior.
Como assim e sem necessidade de outros considerandos rejeita-se a impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 1. da fundamentação factual e, decorrentemente, da al. L) dos factos não provados.
*
Sob este conspecto refere ainda o recorrente que existe contradição entre o facto 1. da fundamentação factual e a citada al. L) dos factos não provados.
Ora, não se divisa, onde possa existir a referida contradição.
Na verdade, do referido ponto 1. o que se retira é a união de facto entre o casal terá ocorrido algures entre os dois momentos temporais aí referidos, Agosto de 2011 e 9 de Março de 2014.
Por sua vez o tribunal na al. L) deu como não provado que a referida união de facto tivesse cessado a partir de meados do ano 2011.
Onde existe a propalada contradição?
Pode a referida união de facto ter cessado ainda em 2011, mas como afirmar que a al. L) exclui essa possibilidade?
O que não se provou é que tal cessão tivesse ocorrido em meados do ano 2011, mas daí não se retira que tal cessão não tivesse ocorrido em momento posterior a esse e, concretamente, entre os meses de Agosto e Dezembro desse mesmo ano.
*
Isto dito permanecendo inalterados os citados pontos factuais, torna-se evidente não poder proceder a excepção da prescrição invocada pelo apelante.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões IV a XLI formuladas pelo Réu recorrente.
*
Impugna também o apelante o ponto 52. da fundamentação factual.
Este ponto tem a seguinte redacção:
Esses trabalhos ascendem, pelo menos, ao valor de € 24.500,00”.
Entende o recorrente que o citado ponto devia antes ter a seguinte redacção:
Esses trabalhos ascendem, pelo menos, ao valor de € 9.000,00”.
Alega para o efeito o recorrente que os Senhores Peritos, em sede de esclarecimentos prestados por escrito em 18/05/2018, fixaram em € 9.000,00 o valor dos trabalhos de carpintaria feitos no sótão e no escritório da moradia do Réu, em lugar dos € 24.000,00 que constam desse ponto da decisão da matéria de facto.
Cremos que, sob este conspecto, assiste razão ao recorrente.
Efectivamente, embora no relatório pericial os Srs. peritos tenha concluído que tais trabalhos tenham tido um custo de € 24.000,00 o certo é que, em sede esclarecimentos prestados por escrito pelos Srs. peritos em 18/05/2018 vieram corrigir o referido valor, afirmando que tal valor se referia aos trabalhos de construção de estantes em toda a moradia, sendo de € 9.000,00 o valor dos trabalhos de carpintaria feitos no sótão e escritório.
Portanto, tendo o tribunal recorrido valorado, no que a este ponto factual diz respeito, o relatório pericial como, aliás, resulta da respectiva fundamentação, temos de convir que perante os esclarecimentos prestados pelos Srs. peritos em audiência de julgamento impunha-se que o tribunal recorrido conformasse a realidade factual do cito ponto com os mesmos.
Como assim, deve o ponto 52. da factual fundamentação factual passar a seguinte redacção:
Esses trabalhos ascendem, pelo menos, ao valor de € 9.000,00”.
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Em sede de contra-alegações a Autora recorrida entende, concordando embora com a alteração propugnada pelo Réu recorrente, que o citado ponto devia antes ter a seguinte redacção:
Esses trabalhos ascendem, pelo menos, ao valor de € 9.000,00, ao passo que o valor global dos trabalhos de aplicação de armários e estantes na moradia é de € 24.000,00”.
Importa, desde logo, dizer que se a Autora recorrida não concordava com a redacção de tal ponto factual devia tê-lo impugnado quer no recurso subordinado que interpôs, ou mesmo para a hipótese de não ter recorrido de forma subordinada ter requerido a ampliação do âmbito do recurso nos termos do artigo 636.º, nº 2 do CPCivil, coisa que manifestamente não fez, quer por uma, quer por outra via, pois que no âmbito da ampliação do recurso em termos de impugnação da matéria de facto e em sede de contra-alegações apenas se cingiu ao artigo 97º da petição inicial.
Ora, não tendo impugnado tal ponto factual por qualquer das referidas vias, não o pode fazer agora em sede de contra-alegações “tour court”.
Mas ainda que assim não se entenda sempre a pretendida alteração do citado ponto factual ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. b) do Cód. Proc. Civil, não podia ser feita nesta sede recursiva.
Com efeito, tratando-se de factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, como refere a Autora recorrida, não foi seguido o ritualismo processual pertinente.
Na verdade, não sendo a sua consideração oficiosa, não pode ela ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração tais factos, tinha que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles.
Ora, não tendo o Sr. juiz do processo feito uso desta possibilidade, teria de ter sido a parte, em momento oportuno, a impetrar requerimento com vista a que tais factos fossem considerados pelo tribunal.
Como assim, não o tendo feito, esta Relação não pode substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que entenderem.
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Procedem, assim as conclusões XLII a LII formuladas pelo recorrente.
*
Discorda também o recorrente da redacção do ponto 44. da fundamentação factual.
O citado ponto tem a seguinte redacção:
Após a conclusão das obras, a moradia passou a ter um valor real e de mercado de € 465.000,00”.
Entende o Réu recorrente que o citado ponto factual devia antes ter a seguinte redacção:
Após a conclusão das obras, a moradia passou a ter um valor real de mercado de € 302.239,65”:
Estriba o Réu recorrente o seu raciocínio na circunstância de que tendo os Srs. peritos elegido o custo das obras realizadas na moradia como facto de valorização do seu valor real, tal custo não foi o por eles considerado como sendo de € 280.000,00, mas o que resultou provado nos pontos 48., 49., 50., 52. e 55. da fundamentação factual o qual ascende apenas ao montante de € 108.147,00.
Trona-se evidente não se poder seguir, salvo o devido respeito por opinião divergente, semelhante raciocínio.
Com efeito, o ponto 47. da fundamentação factual traduz o valor de mercado da moradia após a realização das obras nela levadas a cabo.
Como decorre da fundamentação factual e sob este conspecto foi valorizado, e bem, o segundo relatório pericial[8] complementado pelos esclarecimentos prestados pelos Srs. peritos subscritores.
Ora, os peritos que intervieram nesta perícia vieram esclarecer que a valorização do custo das obras levou em consideração as quantidades e qualidades dos materiais efectivamente aplicados em obra, explicando que a consulta do projecto permitiu determinar, com um razoável grau de segurança, as mencionadas quantidades, enquanto a visualização in loco dos materiais e a posterior consulta de preços do mercado, permitiu determinar os valores unitários em que posteriormente basearam aqueles cálculos.
Como assim, abstraindo dos valores reais, efectivamente, gastos na realização das referidas obras, em termos de mercado esse valor seria o indicado pelos Srs. peritos e que representa, portanto, a valorização da moradia na mesma medida.
Daqui decorre que Srs. peritos foram claros e inequívocos ao atribuir à moradia, na data de hoje, o valor de mercado de € 465.000,00 e, portanto, se o Réu não concordava com esse valor, poderia (e deveria), em sede de reclamação ou pedidos de esclarecimento em julgamento), colocar a essa questão do valor e o seu método de cálculo e se o custo global das obras de reabilitação poderia ascender a € 108.147,00 e não aos € 280.000,00 por eles indicado.
Todavia não tendo seguido tal metodologia não pode agora pretender alterar a decisão desse concreto ponto da decisão da matéria de facto, atribuindo aos Srs. peritos afirmações que eles claramente não proferiram e procurando extrair da prova pericial um alcance que ela manifestamente não tem, nomeadamente, quanto ao valor actual do imóvel.
Diante do exposto deve, pois, o citado ponto 44. da fundamentação factual continuar a ter a mesma redacção, sem embargo de a nível da subsunção jurídica, do quadro factual, voltarmos a este tema.
*
Improcedem, desta forma, as conclusões LIII a LXXVIII formuladas pelo recorrente.
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A nível do pedido reconvencional o Réu recorrente impugna também a matéria factual entendendo que devia ter sido dado como provado o facto constante da al. X) do elenco dos factos não provados, requerendo ainda a correcção do ponto 9. dos factos provados no que tange à data da dissolução da sociedade “D...”.
Cremos que quanto à correcção do citado ponto 9. do elenco dos factos provados assiste razão ao Réu apelante.
Efectivamente, tendo em conta a acta nº 15 de 31/12/2011, junta com a petição inicial (que não foi impugnada), respeitante à dissolução da sociedade, verifica-se que a mesma ocorreu em 31 de Dezembro de 2011, como aliás consta do ponto 59. da fundamentação factual, e não em 23 de Dezembro de 2010, aliás, a Autora no artigo 58º da resposta à reconvenção admite como sendo essa a data da dissolução da referida sociedade.
Nestes termos o ponto 9. do elenco dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
A Autora exercia, em exclusivo a profissão liberal, de arquitecta ao serviço da empresa D..., desde a data da fundação daquela sociedade até à da sua extinção, em 31 de Dezembro de 2011.
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A alínea X) do elenco dos factos não provados tem a seguinte redacção:
A aquisição do imóvel referido em 40) foi custeada com os proventos auferidos pela autora no exercício da sua actividade como arquitecta na empresa D...”.
Alega o Réu apelante que tal facto devia constar do elenco dos factos por recurso às presunções judiciais.
Apreciando.
A noção de presunção consta do artigo 349.º do Código Civil: “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um tacto desconhecido”.
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência”.[9]
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser “graves, precisas e concordantes”. “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar”.[10]
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.[11]
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
Postos estes considerandos, cremos, respeitando opinião divergente, não se poder dar como provado o facto constante da al. X) dos factos não provados com recurso às citadas presunções judiciais.
Na verdade, como a partir dos pontos factuais nºs 9., 10., 16., 22., 40., e 59. se poder dar como provado que a aquisição do imóvel referido em 40) pela Autora foi custeada com os proventos auferidos pela mesma no exercício da sua actividade como arquitecta na empresa D...?
Repare-se que, desde logo, a nível reconvencional o Réu reconvinte não alega tal factualidade nua e crua, antes extrai já essa conclusão da factualidade alegada pela Autora na petição inicial (cfr. artigos 85º e 86º da contestação/reconvenção).
Ora, na resposta à reconvenção a Autora reconvinda nos artigos 20º a 22º da referida peça, perante a afirmação feita pelo Réu no artigo 86.º da reconvenção, veio concretizar a origem dos montantes utilizados na aquisição da referida fracção, onde afirma que, do total do seu custo, € 38.000,00 foram pagos ao vendedor T... por cheque sacado por U..., concretizando que foi dinheiro doado pelos seus pais.
Daqui resulta que não obstante não estar dada como assente tal factualidade, pode, efectivamente, a proveniência do valor pecuniário utilizado na aquisição da referida fracção ter essa origem, isto é, parte do seu valor ter sido doado pelos pais da Autora recorrida e o restante proveniente de cheques sacados sobre contas de que esta era única titular [cfr. als. b) e c) do artigo 22.º da resposta à reconvenção].
Portanto, existem aqui espaços vazios e falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência que determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
Resulta, assim, do exposto que deve permanecer no elenco dos factos não provados a citada al. X).
*
Improcedem, assim, as conclusões LXXXVI a XCVI formulados pelo Réu recorrente salvo no que se refere à alteração da redacção dada ao ponto 9. da fundamentação factual nos termos supra referidos.
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Como supra se referiu a segunda questão colocada no recurso independente prende-se com:

b)- saber se foi, ou não, correctamente feita a subsunção jurídica do quadro factual que nos autos resultou provado.

1- A medida da restituição fundada no enriquecimento sem causa

Sob este conspecto apenas importa apreciar, face ao supra decidido a nível da impugnação da matéria de facto, se a medida de restituição com base no enriquecimento sem causa relativamente às obras feitas na moradia pertença do Réu apelante foi, ou não, correctamente determinada.
Como emerge da decisão recorrida aí se entendeu que no caso em apreço devia atender-se não tanto ao valor dos materiais mas sim à efectiva medida da valorização do imóvel do Réu por via da realização daquelas obras.
Assim, considerando que antes das obras realizadas na pendência da união de facto tal imóvel tinha o valor de mercado de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) e, por via de tais obras, passou a ter o valor de mercado de € 465.000,00, a valorização devia quantificar-se em € 245.000,00 sendo, portanto, metade desse valor que o Réu deveria restituir à Autora.
Com esse entendimento não concorda o Réu recorrente para quem o valor a restituir devia ser apenas metade do custo do valor das obras cujo valor se cifrou € 108.147,00, tendo pois sido violado o disposto no artigo 479.º do CCivil.
Quid iuris?
Cremos, salvo o devido respeito, que neste parte a razão está do lado Réu recorrente.
Analisando.
Dispõe o artigo 473.º do CC que:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
“2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
E, no que se refere à determinação do objecto da obrigação de restituir, o artigo 479.º do mesmo diploma preceitua que:
1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.”
Pires de Lima e Antunes Varela[12] ensinam:
A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
Em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido.
Finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição”.
E mais adiante[13] escrevem:
“[…] O objecto da obrigação de restituir é determinado em função de dois limites: em primeiro lugar, o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível).
Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença-e diferença sensível-entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual […].
[…] O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada […]
[…] Em segundo lugar, o objecto da obrigação de restituir deve compreender “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido”.
[…] Além do limite baseado no enriquecimento (efectivo e actual), a doutrina corrente tem aludido a um outro limite da obrigação de restituir, que consistiria no empobrecimento do lesado”.
Pode, pois, dizer-se que o enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento; b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique; c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
No caso em apreço, dúvidas não existem de que estão verificados os supra citados requisitos o que, aliás, nem é posto em causa.
Efectivamente, a questão a dilucidar é apenas e tão só qual o montante do valor a restituir.
Como já supra se referiu o tribunal recorrido decidiu fixar a indemnização em valor correspondente à diferença de valor entre a moradia antes das obras (€ 220.000,00) e o valor com que a mesma ficou após realização dessas obras (€ 465.000,00), atribuíndo à Autora o direito a metade do valor dessa diferença - [(€ 465.000,00 - € 220.000,00 = € 245.000,00):2] € 122.500,00.
Não cremos, salvo o devido respeito, que o valor do montante a restituir seja o de metade do valor da moradia antes das obras e após as obras.
Efectivamente, o valor a restituir com base nas regras do referido instituto de enriquecimento sem causa deverá ser antes o custo real das obras.
Com efeito, face a transcrita norma do artigo 479.º do CCivil, é pacífico, que o enriquecimento assim determinado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada, ou seja, nos termos do nº 2 do mesmo inciso o beneficiado deve entregar na medida do respectivo locupletamento, pois a função do enriquecimento sem causa é a de suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem, chegando-se, assim, ao valor correto para evitar o enriquecimento do Réu/recorrente mas também evitar o enriquecimento da Autora/recorrida.
Importa, portanto, repor o equilíbrio económico das partes.
Ora, nos presentes autos estando determinado o valor de custo das obras incorporadas no imóvel, o equilíbrio económico das partes há-de fazer-se por referência a esse custo.
Com efeito, estando em causa a aplicação das regras do referido instituto, o crédito da Autora recorrida está duplamente limitado: não pode ser superior à medida do enriquecimento que foi proporcionado ao beneficiado, nem à medida do empobrecimento da outra parte.
Importa enfatizar que o custo das obras (e não mais que esse valor) é que constitui a justa medida da valorização da moradia.
É que, é preciso sublinhá-lo, a obrigação de restituição não se destina a reparar dano–que é o fim próprio da responsabilidade civil–mas tão só a suprimir o enriquecimento que alguém obteve à custa de outrem.
Veja-se a este propósito o que afirma o Prof. Pereira Coelho[14] “O conceito de enriquecimento ou locupletamento que a lei aceita é o “patrimonial”, correspondente à diferença entre a situação real e a situação hipotética do património do enriquecido, ou seja, a situação em que o enriquecido agora está, no momento em que é judicialmente citado para a restituição, e a situação em que ele estaria, no mesmo momento, se o facto produtivo do enriquecimento não se tivesse dado”.
Diga-se, aliás, que os próprios Srs. Peritos[15] nenhuma valorização atribuíram às ditas obras senão a decorrente do custo que estimaram para as mesmas, ou seja, nenhuma valorização atribuíram ao imóvel, senão a que corresponde a esse mesmo custo.
Portanto, o valor a restituir à Autora será metade do valor corresponde ao custo das obras levadas a cabo na moradia.
E tal custo será aquele que resultou provado do quadro factual que está assente nos autos e concretizado nos pontos 48., 49., 50., 51., 52.[16] e 55. o qual somado se cifra no montante de € 116.810,04 (cento e dezasseis mil oitocentos e dez euros e quatro cêntimos): € 41.715,08, + € 8.997,00 + € 1.263,40[17] + € 861,56[18] + € 9.000,00 +€ 55.000,00[19].
Portanto, o valor a restituir à Autora será de € 58.405,02 (cinquenta e oito mil quatrocentos e cinco euros e dois cêntimos)
*
Procedem, assim, em parte, as conclusões LXXVIII a LXXXV formuladas pelo Réu recorrente e, com elas, em parte também o respectivo recurso.
*
2- Recurso subordinado

A primeira questão que vem colocada no recurso subordinado é, como supra se referiu:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como emerge das conclusões recursivas a Autora recorrente discorda da decisão da matéria de facto relativa às als. C) e E) do elenco dos factos não provados.
Analisando.
A alínea C) dos factos não provados tem a seguinte redacção:
As obras acima referidas importaram para Autora e Réu num custo não inferior a € 200.000,00”.
Entende a Autora apelante que tal facto devia ter sido dado como provado com a seguinte redacção:
Provado que as obras acima referidas importaram para Autora e Réu um custo de € 280.000,00”.
Para o efeito convoca o relatório pericial elaborado na 2ª perícia realizada.
Não cremos, salvo o devido respeito, que seja se sufragar este entendimento.
Com efeito, o que o relatório pericial em causa afirma é que o valor das obras em abstracto seria aquele, não que ele tenha sido o que o Autora e Réu, efectivamente, despenderam.
Dir-se-á, bom mas se assim é, não se vê porque se levou em linha de conta o referido relatório pericial para alterar e dar como provada a realidade factual constante do ponto 52. da fundamentação factual.
Trata-se, todavia, de uma situação diferenciada.
Nesse caso concreto foi objecto da perícia uma situação particular-trabalhos de carpintaria de construção de estantes no sótão-cuja realização estava provada nos autos mas cujo custo não estava determinado.
Já o mesmo não se pode dizer em relação ao valor global das obras.
O que os peritos fizeram foi fixar um valor em abstracto para os trabalhos globais executados na moradia que, como resulta dos esclarecimentos prestados por escrito pelos Srs. peritos em 18/05/2018, neles estavam englobados estaleiros, estruturas remoção de entulhos, demolições, escavações, alvenarias, revestimentos, funilaria, instalação de gás, serralharia, domótica, pintura etc.
Ora, o tribunal recorrido e bem, apenas deu como provado o valor das obras sobre que existia prova, nomeadamente documental, e que foram, efectivamente, realizadas e pagas por Autora e Réu na referida moradia, não se podendo, sob esse conspecto, valorizar um relatório pericial que levou em linha de conta, independentemente de terem sido ou não realizadas, todas as obras que, em situações normais, seriam necessárias para concretizar os trabalhos que estavam executados na moradia.
Portanto, os custos que o tribunal, efectivamente, apurou terem sido suportados pelo esforço comum da Autora e do Réu foram apenas e tão-só os que se encontram suportados nos documentos referidos nos pontos 48., 49. e 50. dos factos provados, e nos pontos 52. e 55. da fundamentação factual.
Deve pois permanecer no elenco dos factos não provados a citada al. C).
*
O ponto E) do elenco dos factos não provados tem a seguinte redacção:
Autora e Réu amealharam também poupanças, ao longo da vida em comum, tendo, à data da cessação da união de facto, em conjunto, um património financeiro–depósitos bancários e outros produtos financeiros–no valor de € 150.000,00”.
Entende a Autora recorrente que esse facto devia constar dos factos provados com a seguinte redacção:
Provado que Autora e Réu amealharam também poupanças, ao longo da vida em comum, tendo, à data da cessação da união de facto, em conjunto, o património financeiro referido nos pontos 18 a 20 dos factos provados”.
Para o efeito convoca como meio probatório as suas declarações de parte prestadas na sessão de 27/02/2017, nos seguintes excertos:-minutos 50:00 a 52:00;-minutos 01:24:00 a 01:25:42 e ainda os extractos bancários juntos aos autos por requerimentos de 20 e 21/06/2017.
Mas tal singeleza de alegação não basta para que se altere a o citado ponto factual nos termos pretendidos pela Autora recorrente.
A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).
Repare-se na letra da lei: “Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.
Na verdade, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento.
O que se pretende que a parte faça?
Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar.
A razão pela qual se afirma que a parte deve produzir uma análise crítica mínima é esta: indicar apenas os meios probatórios, isto é, o depoimento da testemunha A ou B, ou o documento C ou D, é reproduzir apenas o que consta do processo, pelo que nada se acrescenta ao que já existe nos autos, nem se mostra a razão por que a resposta a uma dada matéria de facto deve ser diversa da que foi dada pelo juiz.
Para desencadear a reapreciação pelo Tribunal da Relação, a parte tem de colocar uma questão a este tribunal.
Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver.
Não basta pois identificar meios de prova e dizer-se que os mesmos deviam ter sido valorados em certo sentido e em detrimento daqueles que o tribunal valorou.
*
Mais que assim não se entendesse importa referir como se segue.
Nos termos estatuídos no artigo 466.º do CPCivil as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo (n.º 1); às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º–quanto ao dever de cooperação para a descoberta da verdade–e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior, relativa à prova por confissão das partes (n.º 2); o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (n.º 3).
Trata-se de disposição inovadora introduzida na novo CPCivil, mencionando-se na Exposição de Motivos da proposta de lei n.º 113/XII, que está na origem da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.
A relevância probatória destas declarações tem sido objecto de apreciação em sede de jurisprudência, salientando-se diferentes acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação.
Dúvidas não existem de as declarações de parte que, diga-se, divergem do depoimento de parte, devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado.
Não se pode olvidar que, como meio probatório são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção.
Efectivamente, seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Não obstante o supra referido, o certo é que são um meio de prova legalmente admissível e pertinentemente adequado à prova dos factos que sejam da natureza que ele mesmo pressupõe (factos em que as partes tenham intervindo pessoalmente ou de que as partes tenham conhecimento directo).
Todavia, tais declarações são apreciadas livremente pelo tribunal (466.º, n.º 3, do CPCivil) e, nessa apreciação, engloba-se a sua suficiência à demonstração do facto a provar.
A afirmação, peremptória e inequívoca, de as declarações das partes não poderem fundar, de per si e só por si, um facto constitutivo do direito do depoente, não é correta, porquanto, apresentada sem qualquer outra explicação, não deixaria de violar, ela mesma, a liberdade valorativa que decorre do citado n.º 3 do artigo 466.º do CPC.
Mas compreende-se que, tendencialmente as declarações das partes, sem qualquer corroboração de outra prova, qualquer que ela seja, não apresentem, ainda assim, e sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo tribunal, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar.
Neste contexto de suficiência probatória, e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova (e só assim pode ser, respeitando o princípio que se consagra no artigo 466.º, n.º 3 do CPC) parece-nos claro que nunca pode estar em causa a violação da norma constitucional que salvaguarda a tutela efectiva do direito (artigo 20.º, n.º 5, da CRP).
Evidentemente que, perspectivando de modo inverso o problema, também a admissão da prova por declaração de parte num sentido interpretativo de onde decorresse, em qualquer circunstância, a prova dos factos constitutivos do direito invocado por mero efeito das declarações favoráveis, não deixaria de violar a norma constitucional, na medida em que, num processo de partes como é o processo civil, deixaria sem possibilidade de defesa–e aí, sem tutela efectiva–a parte contrária.
Como assim, a prova por declarações de parte, nos termos enunciados no artigo 466.º do Código de Processo Civil, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir.
Postas estas breves considerações, torna-se evidente, que a Autora apelante não invoca qualquer fundamento que infirme a livre apreciação das suas declarações de parte feita pelo tribunal recorrido, nem invoca qualquer outra circunstância objectivável que possa corroborar as referidas declarações.
Por outro lado os extractos bancários a que a recorrente se refere reflectem os movimentos das contas bancárias nos bancos J... e G..., de que o Réu era (e é) o único titular.
Na vigência da união de facto, o Réu permaneceu o único e exclusivo titular dessas contas.
Como se vê, a Autora e Réu tinham uma única conta em comum–a aberta em nome da sociedade comercial “D..., Ldª”, cujo saldo era aquele de € 326,37.
Não tinham, nem foi demonstrado que tivessem quaisquer outras poupanças ou património financeiro em comum.
Os saldos das demais contas bancárias que possuíam, tituladas por cada um deles, eram património pessoal e próprio de cada um, constituído com rendimentos do seu trabalho e que movimentavam e usavam como entendiam.
Significa, portanto que, tendo as contas bancárias em apreço apenas o Réu como seu titular, nada foi demonstrado que permitisse concluir que a propriedade dos valores nelas depositado fosse (também) pertença da Autora.
Ao invés e como resulta dos factos provados, o que resultou demonstrado é que as quantias aludidas (cfr. pontos 17., 18., 19. e 20. da fundamentação factual) se encontravam na posse exclusiva do Réu, já que existiam depositados nas contas bancárias por si exclusivamente tituladas.
Ora, sendo certo que a união de facto, por si só, não é título ou modo jurídico legalmente reconhecido para a aquisição do direito de propriedade, prevê o n.º 2 do artigo 1736.º do Código Civil, que, “Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.”
No entanto, esta presunção de compropriedade encontra o seu âmbito de aplicação naquelas situações em que não seja possível determinar quem esteve na posse do concreto bem móvel, cuja propriedade se discute e pretende determinar, pois que, de modo algum se pode entender que esta presunção se possa sobrepor ou fazer letra morta da própria presunção de propriedade que decorre da demonstração da posse, que pode ser exercida apenas por uma das partes, e logo, como no caso destes autos, de modo exclusivo.
A demonstração da titularidade do direito de propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária desse direito, ou pela prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade–a posse (artigo 1268.º, nº 1, do C.Civil) e o registo (artigo 7.º, do C.R.Predial).
Resultando demonstrada a posse, legalmente definida como sendo “o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real” (rectius: do direito real correspondente a esse exercício), enquanto situação de facto juridicamente relevante, dela resulta uma presunção de titularidade do direito-artigo 1268.º do Cód. Civil.
O possuidor goza, assim, da presunção da titularidade do direito, pelo que o ordenamento jurídico protege tal situação de posse quando a presunção da titularidade que desta resulta é prioritária, ou seja, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir a favor de outrem, presunção prioritária, fundada em registo anterior ao início da posse, ou se estiver provado que os bens pertencem a outra pessoa.
Do exposto resulta que não tendo a Autora logrado provar que as quantias depositadas nas contas em apreço eram (de) sua (com)propriedade, só resta a prova da situação possessória por parte do Réu de tais quantias que constam depositadas em conta bancária exclusivamente titulada em seu nome, situação de posse essa que só permite concluir pela verificação da presunção de que o respectivo direito de propriedade sobre tais valores pertence ao possuidor, ou seja, ao Réu–citado artigo 1268.º, nº 1, do Código Civil.
E como se torna evidente, demonstrados que estão os factos que conduzem ao preenchimento de uma situação de posse exclusiva e, portanto, de presunção de titularidade do direito na esfera jurídica do seu titular, não poderá uma tal presunção– como pretende a Autora-ser afastada pela aplicação de uma outra (a presunção judicial).
Esta última presunção seria eventualmente de aplicar se se suscitassem dúvidas sobre a propriedade exclusiva de qualquer dos unidos de facto, o que não é o caso.
Com efeito, a demonstração da titularidade do direito de propriedade, além de se fazer pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo (aquisição originária), pode também ser efectuada mediante a prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade, ou seja, através da prova da posse (artigo 1268.º, nº 1, do C.C.).
Assim sendo, demonstrada que foi pelo Réu esta posse pela exclusiva titularidade das contas bancárias, cabia à Autora ilidir tal presunção de titularidade do direito de propriedade do Réu, através da prova do contrário e não por mera presunção judicial.
Sucede que a Autora-recorrente não logrou fazer essa prova, pois que não demonstrou qualquer participação na titularidade de tais quantias.
De modo que terá necessariamente de improceder o argumento da Autora de que tendo-se dado por provado que, na vigência da união de facto, as despesas de luz e gás da casa onde habitavam eram suportadas pelo dinheiro das contas bancárias da sociedade comum do casal–D..., Ldª (56 dos factos provados) e que nesse lapso de tempo partilharam despesas e rendimentos (2 dos factos provados), seria de concluir que resultando dessa partilha de rendimentos e despesas um balanço (saldo) positivo, este teria de pertencer a ambos.
É que sendo embora certo que a comunhão de vida própria da união de facto, gera, na maioria das vezes, a contribuição (quer com a percepção de rendimentos do trabalho, quer com a realização de tarefas domésticas indispensáveis para a aquisição de bens e serviços, inerentes à vida do casal) de ambos os membros para a aquisição de bens e serviços, inerentes à sua vida, como sejam a alimentação, o vestuário ou a casa onde habitam e, inclusivamente, a aquisição de outro património, a verdade é que na união de facto não se pode falar da existência de um património comum dos conviventes, uma vez que a união de facto é insusceptível de, só por si, originar um património comum entre os seus membros.
Não estipulando os membros da união de facto, no domínio da sua autonomia privada, cláusulas sobre a propriedade dos bens adquiridos na vigência da união, designadamente para o caso de ocorrer a morte de um deles ou a ruptura da união de facto–os denominados “contratos de coabitação”-não existe regulamentação específica aplicável à união de facto, geradora de um património comum dos conviventes.
Resulta do que se vem dizendo que embora a relação de união de facto esteja reconhecida pelo legislador como realidade sociológica e goze da protecção legal que lhe é conferida pela citada Lei n.º 7/2001, revista pela Lei n.º 23/2010, com os inerentes efeitos jurídicos, o estatuto jurídico que lhe é conferido por aquele diploma legal nenhuma repercussão tem ao nível do património dos membros da união de facto.
Portanto, a partilha de rendimentos e despesas, conforme referido no ponto 2. da fundamentação factual, bem como o pagamento conjunto de despesas comuns (como são as de luz e gás da casa de habitação, referidas em 56 dos factos provados), invocadas ela Autora, inserem-se inquestionavelmente no domínio das contribuições dos conviventes para o acervo patrimonial constituído no seio da união de facto (como também o são as despesas que respeitam ao seu sustento) e consubstanciam, como vem sendo recorrentemente defendido pela jurisprudência, o cumprimento de uma obrigação natural nos termos dos artigos 402.º a 404.º do CCivil, enquadrando-se no que se convencionou designar por “cumprimento de deveres morais de entreajuda e partilha de recursos”.
O seu cumprimento, desde que espontâneo, enquadra-se, pois, no regime das obrigações naturais.
Neste sentido, tudo o que seja prestado a título de cooperação e assistência para a economia comum da união de facto é insusceptível de repetição, nos termos do artigo 403.º do CCivil, em virtude de se tratar do cumprimento de um dever de ordem moral e social.
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Como assim, deve a al. E) permanecer no elenco dos factos não provados.
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Improcede, desta forma, as conclusões 2ª a 8ª formuladas pela Autora recorrente.
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O vertido nas conclusões 9ª a 12ª como também a ampliação do âmbito do recurso formulado nas contra-alegações ao recurso independente interposto pelo Réu, não obstante nos parecer ter sido formulado para a hipótese desta Relação enveredar por subsunção jurídica, do quadro factual que resultou provado nos autos, diferente daquela que seguiu o tribunal recorrido, sempre se dirá como se segue.
Como nos parece evidente para que em sede de partilha do património adquirido no âmbito de uma união de facto se apliquem as regras das sociedades de facto é necessário que na vigência da sua vida comum, tenha resultado um substrato patrimonial que importe partilhar (cessada a união) e que provenha da contribuição de ambos (com bens ou serviços) máxime em sede do exercício em comum de uma actividade económica que não seja de mera fruição, só assim se verificando a facti species do artigo 980.º do Código Civil.
Ora, perscrutando a factualidade que nos autos se mostra assente, manifesto é que, no caso concreto, e em sede da união de facto, Autora e Réu não tinham um património comum que justificasse, para partilha do mesmo, o recurso às regras das sociedades de facto.
Na verdade, não obstante tivessem constituído uma sociedade comercial, denominada “D...”, cujo objecto consistia na prestação de serviços de arquitectura e tivessem, para o efeito, aberto uma (única) conta bancária (comum) com a finalidade de aí depositarem os lucros dessa sociedade, o certo é que essa sociedade se extinguiu em 31 de Dezembro de 2011, tendo nessa data sido liquidado todo o seu património (59 dos factos provados).
Em 22 de Dezembro de 2011-por isso poucos dias antes da dita sociedade ter sido dissolvida e liquidada-essa conta bancária comum tinha um saldo de € 326,37 (63 dos factos provados).
Em contrapartida, não ficou demonstrado que Autora e Réu fossem detentores, em comum, de qualquer património financeiro, fosse ele constituído por depósitos bancários ou produtos financeiros (“E” dos factos não provados).
Ao invés, cada um deles era titular das suas próprias contas bancárias que geriam individualmente e como lhes aprouvesse, sendo nelas que depositavam os rendimentos que pessoalmente auferiam do seu trabalho (cfr. pontos 6. e 7. dos factos provados)
Não decorre, pois, da factualidade provada que detivessem “património comum” de qualquer outra natureza.
O que somente se provou foi que a Autora contribuiu, através de trabalho prestado na dita sociedade “D...”, para o pagamento de obras executadas na casa do Réu obras.
Ademais a Lei 41/2013, de 26/06, que implementou a reforma da lei processual civil, determinou o fim do Processo Especial de Liquidação Judicial de Sociedades de Facto pelo que, devem considerar-se revogadas as disposições relativas a esta matéria, designadamente, os artigos 1122.º a 1130.º do CPCivil.
Da análise destes revogados preceitos resulta que esse processo de liquidação consubstanciava um procedimento meramente distributivo do património societário.
Efectivamente, a actividade de uma sociedade pressupõe a existência de elementos documentais que permitam averiguar qual o acervo patrimonial existente bem como, o passivo pelo qual aquela é responsável.
Ao invés, aquando da cessação da união de facto, a identificação do concreto património a distribuir consubstancia questão que exige a existência de elementos registrais que permitam averiguar, concretamente, a quem pertencem os bens.
No caso dos autos, somente os móveis identificados no ponto 58. da fundamentação factual se demonstrou terem sido adquiridos por ambos, através da sociedade comum da Autora e do Réu.
Portanto, o processo de liquidação em análise, aplicado à divisão do património constituído no seio de uma união de facto, pressupunha que, previamente fosse instaurada uma acção judicial, onde se atestasse, para além da existência de uma vida em comum e subsequente ruptura, também o concreto conteúdo do património a dividir, o que não sucede no caso sub judice.
Tal como estabelece o artigo 980.º do CCivil, o contrato de sociedade pressupõe que duas ou mais pessoas se obriguem a contribuir com bens ou serviços para o exercício, em comum, de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros dela resultantes.
Portanto, como bem se considerou na sentença recorrida, a união de facto não constitui uma actividade económica, nem visa a obtenção de lucro.
Em face do exposto e no que em sede factual se apurou, nada justifica, portanto, ainda que por analogia, o recurso, in casu, às regras a que aludem o artigo 980.º do Código Civil, mas sim, como decidiu a 1ª instância, a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.
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Improcedem desta, forma as citadas conclusões 9ª a 12ª.
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A análise do vertido nas conclusões 13ª a 25ª fica prejudicado por aquilo que se decidiu no segmento do valor a restituir à Autora no recurso independente interposto pelo Réu, sendo que o vertido nas conclusões 26ª 28ª fica também prejudicado pela improcedência da impugnação da matéria de facto relativa a al. E) dos factos não provados impetrada pela Autora.
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Nas conclusões 29ª a 33ª refere a Autora recorrente que na vigência da união de facto foram adquiridos bens móveis no montante de € 15.690,00 bens esses que ficaram em poder do Réu aquando da cessação da união de facto, sendo que, assistindo-lhe o direito ao recebimento de metade desse valor–€ 7.845,00, a decisão recorrida não lhe arbitrou qualquer indemnização por referência a esses bens.
Também aqui falece, respeitando-se opinião divergente, razão à Autora recorrente.
Como já tivemos ensejo de referir a propósito das conclusões 9ª a 12ª o processo de liquidação aplicado à divisão do património constituído no seio de uma união de facto, pressupunha que relativamente aos referidos bens móveis adquiridos em compropriedade, previamente fosse instaurada uma acção judicial, onde se atestasse, para além da existência de uma vida em comum e subsequente ruptura, também o concreto conteúdo do património a dividir, o que não sucede no caso sub judice.
Situação pela qual também enveredou o tribunal recorrido como se extrai do excerto que se transcreve:
“(…) Aqui chegados, relativamente a estes bens–que se têm de considerar compropriedade de Autora e Réu-a solução legal aplicável em matéria de titularidade e divisão destes bens, não pode ser a pretendida pela Autora.
Aproximar-se-á, antes, daquela que serve o regime de separação de bens no casamento, ou seja, não pode a Autora exigir do Réu metade do valor de mercado respectivo, devendo antes socorrer-se da acção especial de divisão de coisa comum, procedimento que, naturalmente extravasa o âmbito do presente processo.
Nesta parte, pois, deve o pedido da Autora improceder”.
E acrescentamos nós, por não ser possível a cumulação de ambos os pedidos por seguirem tramitação manifestamente incompatível (artigos 555.º, nº1 e 37.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC).
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Destarte, improcedem também as referidas conclusões e, com elas, o recurso subordinado interposto pela Autora.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso independente parcialmente procedente por provado e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida condena-se o Réu a restituir à Autora a quantia de 58.405,02 (cinquenta e oito mil quatrocentos e cinco euros e dois cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
No mais confirma-se a decisão recorrida.
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Acordam igualmente em julgar o recurso subordinado totalmente improcedente por não provado e consequente confirmar a decisão recorrida na parte em que nela era pedida a sua alteração.
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Custas do recurso independente por Autora e Réu na proporção do respectivo decaimento e custas do recurso subordinado exclusivamente pela Autora (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 04 de Fevereiro de 2019.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] In Comentários ao Código de Processo Civil Coimbra, Almedina, 1999, pag. 465.
[2] Obra citada pág. 465-466.
[3] In Recursos em Processo Civil–Novo Regime, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra, Almedina, 2008, pag. 141-142.
[4] In www.dgsi.pt
[5] In CJ STJ XIX, III, 126.
[6] Abrantes Geraldes, obra citada pag. 126.
[7] Veja-se a este propósito o recente Ac. do STJ 22/02/2018 proc. 8948/15.1T8CBR.C1.S1), em cujo sumário se afirma que “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, enuncie a decisão alternativa que propõe e, tratando-se de prova gravada, que indique com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido” (negrito e sublinhados nossos) In www.dgsi.pt
[8] Não obstante também, tal como o primeiro, não ter sido subscrito por unanimidade.
[9] Cfr., v.g. Vaz Serra, “Direito Probatório Material”, in BMJ, nº 112, pág. 190.
[10] Cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207.
[11] Cfr. Vaz Serra, ob. e loc. cit.
[12] In Código Civil Anotado, vol. I, pp. 454 a 456.
[13] Na pág. 466.
[14] In “O Enriquecimento e o Dano, pag. 42 e segs.
[15] Tomamos sempre por referência a 2ª perícia que foi, como já referiu, a que foi valorizada em termos probatórios pelo tribunal recorrido.
[16] Este facto objecto de correcção na decisão da impugnação da decisão da matéria de facto nos termos aí referidos.
[17] Valor correspondente à clarabóia.
[18] Valor correspondente às louças sanitárias.
[19] Neste valor o Réu recorrente parece deduzir o valor referido no ponto 61. da fundamentação factual no montante de € 8.978,36 o que, diga-se, se nos afigura em incorrecto, pois que, como se afirma na decisão recorrida cujo entendimento, com o qual concordamos, e que não foi questionado, não permitindo a factualidade apurada determinar a percentagem ou proporção da contribuição da Autora e do Réu (através da dita sociedade) para a valorização do imóvel deste último, à falta de outros elementos mais concretos, e considerando que a construção em causa foi levada a efeito à luz de uma união de facto que então existia–e que perdurou pelo menos durante 11 anos-por recurso a um critério de equidade [art. 4º, al. a) e 566º, n.º 3 do Código Civil], é adequado fixar tal contribuição na proporção de metade do valor de tais bens.