Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3045/16.5T8BRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
RESPONSABILIDADES DOS GERENTES
DEVER DE SE APRESENTAR À INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP202101143045/16.5T8BRG.P1
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade prevista no artigo 78º, nº1 do CSC tem como sujeitos passivos os gerentes e pressupõe que, em virtude da inobservância culposa, por parte deles, de disposições legais ou contratuais de protecção dos credores, o património social se torne insuficiente para a satisfação das dívidas sociais.
II - Tal responsabilidade só surge se o dano atingir o património social e o devedor o tornar insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade.
III - Nestes casos não há lugar à presunção da culpa a que se refere o art.º 72º do CSC, razão pela qual o ónus da prova da mesma está sujeito à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art.º 487º do Código Civil.
IV - Em sede de qualificação da insolvência,há responsabilidade dos gerentes quando, do atraso à insolvência, resulte prejuízo para os credores.
V - A omissão do dever de requerer a insolvência da empresa não é por si só suficiente para que se classifique a insolvência como culposa, havendo que fazer prova de que essa omissão criou ou agravou a situação de insolvência da empresa.
VI - A responsabilização dos sócios gerentes de sociedade por quotas nos termos do art.º 78.º, nº1, do CSC, por referência à violação do disposto no art.º 18.º do CIRE, exige para além da alegação e prova dos factos que evidenciem a existência de uma situação de insolvência e da violação do dever de apresentação imposto por este último preceito, a alegação e a prova de que dessa omissão resultaram danos para a sociedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3045/16.5T8BRG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B…, casada, residente em …, …, …, …, Alemanha, intentou a presente acção declarativa com a forma de processo comum contra C…, divorciada, residente na Rua …, n.º…, Vila Nova de Gaia, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 346.226,93 €uros, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal, após a citação, até integral pagamento, para além das custas.
Para tanto alegou, em suma, que é credora da sociedade, D…, Lda., sociedade essa que foi declarada insolvente, sendo certo que, no processo de insolvência, reclamou o seu crédito e o mesmo foi-lhe reconhecido.
Mais alegou que, no processo de insolvência, acabou por não ser ressarcida de qualquer valor.
Alegou, também, que a ré era a única sócia e gerente dessa sociedade.
Alegou, ainda, que a Ré registou na Conservatória do Registo Comercial um aumento do capital de 900.000 €uros, realizado em “dinheiro” pela sócia E…, SA, passando o mesmo para o montante de 1.000.000,00 €uros.
Acontece que a autora tomou conhecimento que não existe prova, de facto, da entrada desse “dinheiro”, tendo existido apenas uma mera “operação de cosmética” contabilística quanto à “entrada” daqueles 900.000,00 €uros.
Por outro lado, ainda que esse aumento tivesse existido, o mesmo foi totalmente anulado nos 3 exercícios seguintes, sendo que o valor contabilizado em “Imobilizado” e em “Realizável” foi empolado, contabilisticamente, face aos valores de mercado dos bens constantes no Inventário de mercadorias, sendo que o activo da empresa representa apenas 20% do valor contabilizado, tornando muito inferior o valor do Passivo.
Assim, foram realizadas “ficticiamente” operações contabilísticas nos exercícios de 2013 e 2014, sendo que o valor dos Capitais Próprios, relativamente “positivo”, assentou num aumento de capital inexistente no valor de 900.000 €, sendo que este aumento de capital foi totalmente anulado, contabilisticamente, nos 3 exercícios seguintes.
Não obstante a ré saber que tais procedimentos punham em causa a própria situação dos capitais próprios da empresa, que eram, de facto, inferiores a metade do capital social, a mesma não fez para inverter essa situação, como era sua obrigação legal.
Por outro lado, a Ré, enquanto única gerente daquela sociedade, sabendo que esta se encontrava na impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas – superiores a 1.000.000,00€, há mais de 3 anos – nada fez para, nessa data, apresentar a sociedade à insolvência.
Pelo contrário, não só aumentou o Passivo, como manipulou as contas da sociedade a seu bel-prazer, para dar a aparência de lucro quando, na verdade, aquela empresa há mais de 3 anos se encontrava insolvente.
Assim, a ré, enquanto sócia e única gerente da D…, Lda., violou disposições legais/contratuais que visam a protecção dos credores sociais e configura “ilicitude” geradora da responsabilidade, enquanto gerente da mesma, nos termos do disposto no art.78º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
Com efeito, a mesma manipulou as contas da sociedade e promoveu um aumento do capital social de 900.000 €, mas cujo dinheiro não “entrou” na empresa, a não ser de modo “fictício”, na sua contabilidade.
Além disso, a ré celebrou um “contrato de cessão de crédito” em 27.12.2013, de 501.905,12 euros sobre a empresa F…, Lda., com sede em Luanda, Angola, a favor da sócia E…, SA - empresa esta que é pertencente a seus familiares, entre eles, o seu próprio marido - apesar da D… se encontrar então, de facto, na falência, sabendo a Ré que o elevadíssimo Passivo da D… era manifestamente superior ao activo e que a D… apresentava, permanente e sucessivamente, resultados negativos, pelo menos, desde o ano de 2011.
De todo o exposto resulta que a ré favoreceu alegados “credores” familiares, em detrimento dos credores sociais.
Por outro lado, a mesma sabia estar perdido mais de Metade do Capital Social, por este, pelo menos desde 2011, ser inferior a metade do mesmo, em manifesta violação do disposto no art.35º do Código das Sociedades Comerciais e sabia que aquela sociedade não só tinha um Passivo superior ao Activo desde 2011, como colocou a D… na impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas desde 2011, e que mesmo assim, enquanto única gerente da sociedade, não a apresentou tempestivamente à insolvência, o que manifestamente demonstra violação do disposto no art.º 3º, nº1, e 22º do CIRE.
Entende, assim, a autora que estão verificados os pressupostos para a ré ser condenada a pagar o valor do seu crédito reconhecido no processo de insolvência e não pago.
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Devidamente citada, a ré deduziu contestação, pugnando pela improcedência da acção.
Deduziu, igualmente, um pedido de condenação da autora como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e indemnização a ser favor.
Alegou, em síntese, que, até 2010, a E1…,SA aportou em dinheiro mais de 1 M € à D1… e era sua credora por serviços prestados de mais de 500.000€.
Por qualquer das vias teria sido possível concretizar o aumento de capital, fosse por utilização de dinheiro aportado fosse por um mix de dinheiro e conversão de créditos.
Assim, o aumento de capital existiu de facto, as entradas em dinheiro foram até superiores aos 900.000€.
Mais alega que o valor do capital próprio das sociedades não é apenas variável dos aumentos/diminuições de capital social e resultados económicos dos exercícios.
Diz que existem outras operações que podem fazer variar para cima ou para baixo o valor dos capitais próprios e que não podem interferir com o resultado económico.
Quanto ao valor do activo da massa insolvente diz a ré que o mesmo deveria ser acrescido dos créditos sobre terceiros que a D1…, Lda. tinha, onde se englobava a verba de 22.961,51€ que tinha sobre a Autora, sendo que o Administrador de Insolvência fez a gestão que entendeu conveniente para recuperar os créditos dos clientes.
Afirma que a Autora devolveu à D1…, Lda. aquando do encerramento da loja 2.572 peças, que valorizou em 27.429,29€.
A massa insolvente tinha 50.632 peças e estas peças valorizadas ao preço médio que a Autora valorizou as peças devolvidas (10,66€) dá o valor de 539.737,12€.
Refere que o valor de venda do imobilizado e stock da D1…, Lda. não foi o valor constante do Auto de arrolamento de bens, sendo que a venda foi feita ao preço negociado pelo Administrador de Insolvência.
A D1…, Lda. adquiriu o imobilizado que foi objecto do Auto de Arrolamento de bens por 282.208,94€, que contabilisticamente estava valorizado à data da insolvência em 33.506,04€ e foi valorizado no Auto de Arrolamento de Bens por 15.550,00€.
Ao valor de 33.506,04€ acresce o valor contabilístico activo de montagem das lojas e armazém no total de 263.732,00€ e que foi valorizado no auto de arrolamento de bens por zero.
Recorda que no imobilizado não se englobam apenas os bens móveis apreendidos pelo Sr. Administrador de Insolvência.
No mapa de imobilizado está englobado também o valor das obras efectuadas nas lojas e sede da D1…, que com o fecho da empresa ficaram nos locais, não sendo objecto de arrolamento nem de venda- Benfeitorias em Propriedade Alheia.
Que nesta situação está o valor de aquisição de 263.732,00€.
No stock a 31-12-2014 faziam parte inúmeras peças, valorizadas em 210.263,92€ que se encontravam em curso de fabrico e como tal nada se realizou pelas mesmas.
A Ré tem consciência que nos anos de 2012, 2013 e 2014 houve um acentuado decréscimo de proveitos, que esta procurou, no mesmo período, compensar com uma redução de custos.
No obstante isso, a D1…, Lda. não estava em situação de insolvência nos termos do art.º35 CSC, desde logo porque a Ré negociou perdões de dívida com diversos credores, com inerente reflexo na manutenção dos rácios de capital de modo a não incumprir o disposto no citado preceito legal.
Alega que se tratou de diversos perdões de divida negociados pela Ré e que foram alvo de tributação em sede de IRC por representarem Variações Patrimoniais Positivas tributadas em IRC.
Afirma que esta explicação foi dada a conhecer ao AI após a elaboração do seu relatório, pelo que a conclusão de que a empresa se encontraria em insolvência técnica, pelo menos desde 2013, foi tirada pelo Sr. Administrador de Insolvência antes de conhecer as explicações para o facto do valor de imobilizado conter obras de valor avultado em propriedade alheia e dos perdões de dívida, tudo levando a que, quando questionado na Assembleia de Credores se a contabilidade da insolvente revelava indícios de insolvência culposa este se tivesse manifestado no sentido negativo.
Reconhece a Ré que a empresa não vinha sendo rentável estava demonstrado nos números.
Mas, defende que a mesma cumpria, também, os requisitos do art.º 35º CSC.
Relativamente ao crédito que a D1…, Lda. detinha sobre a F… (empresa angolana a quem tinha prestado serviços) afirma que o mesmo vinha do ano de 2011, sendo que na data em que o crédito foi cedido este já tinha pelo menos dois anos, o que pressuponha que já era um crédito de cobrança duvidosa – art.78º-A CIVA, sendo que a D1…, Lda. tinha pouquíssimas expectativas de vir a receber esse valor.
Por outro lado, a conta da E1… na D1…, Lda. continuava credora, à data da cessão de créditos aqui em causa, no montante de 511.564,76€, na conta ………. e de 16.482,01€, na conta ………..
Afirma que a cessão de créditos efectuada à E1…, SA foi contabilizada para abater ao saldo credor da conta ………., que passou a ser de 9.659,64€.
Diz ser não menos importante que a E1…, SA tinha uma representação estável em Angola, facto que poderia facilitar o recebimento nesse país do aludido montante, seja directamente ou via encontro de contas, razão pela qual acedeu “ser paga” parcialmente através da cessão desse crédito.
No entanto, tanto quanto é do conhecimento da Ré, até hoje a E1…, SA ainda não logrou receber qualquer montante da F… resultante da cessão de créditos efectuada.
Neste contexto, defende que mal se compreende como se pode considerar favorecimento de credores pagar uma dívida com um crédito de cobrança duvidosa.
Diz ter-se tratado, sim, de um bom negócio para a D1…, Lda. que lhe abriu a possibilidade de diminuir o passivo e livrar-se de uma dívida que muito dificilmente conseguiria cobrar.
Salienta que todos os movimentos contabilísticos realizados na contabilidade da D1..., Lda. têm correspondência com a realidade que espelham e que se encontram assentes nos pareceres técnicos necessários.
Diz que a Ré nunca confundiu o património e os interesses da sociedade com o seu património particular.
Por fim vem defender que a Autora não ignora a falta de fundamento da pretensão deduzida, assente em meras conjecturas sem qualquer suporte factual, omitindo factos e deturpando outros, designadamente na parte que refere que o aumento de capital não se encontra reflectido na contabilidade da E1…, SA e um dos documentos que ela própria junta atesta isso mesmo.
Afirma que a Autora altera, pois, conscientemente a verdade dos factos, omitindo outros essenciais, com o objectivo de se locupletar, de forma despudorada, à custa da Ré.
O seu comportamento reveste-se de especial gravidade, traduzindo um absoluto desprezo pelos mais elementares direitos da Ré, causando prejuízo na sua imagem e bom nome.
Afirma que a presente acção trouxe para a Ré angústia e preocupação, tanto mais que a Autora, não satisfeita, ainda participou criminalmente com base nos mesmos argumentos.
Diz que para além disso diz que tudo o exposto lhe causa indignação pela forma como se vê a ser tratada, obriga-a a suportar encargos judiciais avultados com a sua defesa, bem como a despender tempo na preparação do mesmo.
Conclui defendendo que deve a Autora ser condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização condigna, indemnização que, atendendo a todos os prejuízos que a mesma traz à Ré não deve ser inferior a 40.000,00€.
Os autos prosseguiram os seus termos com a apresentação pelas partes dos seus meios de prova.
Na sequência dos mesmos e por despacho oportunamente proferido (cf. fls.1133), o tribunal determinou a notificação dos Srs. Peritos para juntarem aos autos os extractos de conta corrente, declarações fiscais, demonstrações financeiras, balancetes, lançamento em diário e documentos de suporte de registo a que tiveram acesso para a elaboração do relatório pericial, diligência que os mesmos cumpriram.
Posteriormente, (cf. fls.1144 e seguintes), veio a autora requerer que os mesmos Peritos juntassem uma série de documentos e prestassem esclarecimentos.
Na sequência de tal pedido e a fls.1154, foi proferido despacho no qual se indeferiu o pedido de junção de documentos.
Quanto aos esclarecimentos determinou-se sim que os Srs. Peritos fossem convocados para a audiência de julgamento a fim de prestarem os esclarecimentos tidos por convenientes.
A autora veio interpor recurso deste despacho.
Os autos prosseguiram os seus termos, com a realização da audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgou a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, se absolveu a Ré do pedido formulado pela Autora.
Em despacho prévio à prolação da referida sentença, decidiu-se não admitir o recurso antes interposto do despacho de fls.1154, considerando-se que o mesmo apenas poderia vir a ser impugnado no recurso que viesse a ser interposto da decisão final, ou, caso não houvesse recurso dessa decisão, num recurso a interpor após o trânsito em julgado dessa decisão.
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Com o recurso interposto da decisão a autora apresentou desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações nas quais manifesta a sua intenção de interpor também recurso do despacho de fls. 1154.
A ré contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso (do despacho e da sentença), tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
No mesmo despacho apreciou-se, e afastou-se, a nulidade (por contradição entre despachos), suscitada pela autora/apelante, relativamente ao recurso do despacho de fls.1154.
Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
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Por seu turno a ré/apelada, nas suas contra alegações pugna pela improcedência do recurso e pela confirmação do despacho e da sentença que são objecto do recurso.
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Perante o antes exposto resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas:
No recurso do despacho de fls.1154:
1ª) O erro do despacho recorrido e a contradição entre este despacho e o proferido a fls.1133;
2ª) A violação do princípio do contraditório e a nulidade prevista no art.195º, nº1 do CPC.
No recurso da sentença:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A inexistência/invalidade da deliberação da sociedade D1…, Lda. que em 2010 determinou o aumento do seu capital social;
3ª) A responsabilização da ré nos termos do disposto no art.º 78º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais.
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Iniciando a nossa análise pelo recurso do despacho proferido a fls.1154, o que a propósito da 1ª questão suscitada importa referir é o seguinte:
Como ficou já visto, nas suas alegações de recurso a autora/apelante vem dizer, desde logo, que o despacho recorrido enferma de erro porque no mesmo se afirma que os Srs. Peritos vieram juntar os documentos requeridos, quando de facto não os juntaram.
Não tem no entanto razão nesta sua alegação.
Assim, dos elementos que temos ao nosso dispor nos autos o que se retira sem quaisquer dúvidas, é que na sequência do requerimento apresentado pela autora B…, os Srs. Peritos vieram juntar ao processo vários documentos, aqueles a que segundo os mesmos tiveram acesso.
Ora ninguém pode questionar, nem mesmo a autora, que a junção de tais documentos teve lugar.
É certo que não nenhuns outros foram juntos ao processo alegadamente por falta de acesso aos mesmos por parte dos Srs. Peritos.
Ora no despacho recorrido o Tribunal “a quo” teve o cuidado de fazer tal referência dizendo expressamente o seguinte: “se não juntaram outros é porque não acederam aos mesmos.
Em suma, não incorre o mesmo despacho no erro que lhe é agora apontado.
Agora a contradição entre o despacho recorrido e o anteriormente proferido a fls.1133.
Vejamos:
É o seguinte o teor do aludido despacho de fls.1133:
Notifique os Srs. Peritos do teor de fls. 1131/1132, devendo, em 10 dias, juntar aos autos os extractos de conta corrente, declarações fiscais, demonstrações financeiras, balancetes, lançamentos em diário e documentos de suporte de registo a que tiverem acesso para a elaboração do relatório pericial.
Quanto ao despacho recorrido e na parte que para este efeito releva, é o seguinte o seu respectivo teor:
Por despacho de fls.1133 determinou-se a notificação dos Srs. Peritos para juntarem aos autos os extractos de conta corrente, declarações fiscais, demonstrações financeiras, balancetes, lançamentos em diário e documentos de suporte de registo a que tiverem acesso para a elaboração do relatório pericial, tendo os Srs. Peritos vindo aos autos fazer essa junção.
A autora veio, a fls.1145 e seguintes, requerer que os Srs. Peritos juntem uma série de documentos e prestem esclarecimentos.
Ora, quanto ao primeiro pedido afigura-se-nos que não faz qualquer sentido notificar os Srs. Peritos para juntarem tais documentos porquanto os mesmos já juntaram aos autos aqueles a que tiveram acesso.
Se não juntaram outros é porque não acederem aos mesmos.
Verifica-se, pois, que não existe qualquer contradição entre o que foi determinado a fls. 1154 e o que que antes havia sido ordenado a fls.1133.
E isto porque o segundo foi proferido na sequência da informação prestada pelos Srs. Peritos e segundo a qual tinham feito a junção ao processo de todos os documentos a que tiverem acesso.
Daí que o entendimento da Sr.ª Juiz “a quo” e segundo o qual não faz sentido proceder a nova insistência junto dos Peritos dos autos.
Por isso, improcede também aqui o recurso da autora/apelante.
Cabe agora avaliar a pretensa violação do princípio do contraditório e a invocada nulidade prevista no art.195º, nº1 do CPC.
Na tese do recurso ao indeferir ao requerido a fls.1145 o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 3º, nº3 do CPC.
Não tem no entanto razão.
Assim a propósito da questão que agora se discute e que culminou na decisão recorrida, teve sempre a autora a possibilidade de sobre a mesma se pronunciar nos termos e nos prazos que a lei prevê e concede.
Ou seja, foram pontualmente cumpridas as regras do contraditório expressamente previstas no art.º 3º, nºs 2 e 3 do CPC.
Por fim e diversamente do que se defende neste recurso, ao decidir-se como se decidiu no despacho ora recorrido com as razões já antes melhor referidas, não se impediu a autora/apelante de obter prova documental bastante que lhe permitisse demonstrar o 1º Tema de Prova.
Ou seja, o despacho proferido e os actos processuais que estiveram na sua base não são subsumíveis na previsão legal do art.º 195º, nº1 do CPC.
Deste modo, também nesta parte improcede o recurso interposto pela autora/apelante.
Em suma, nenhum fundamento existe para a revogação do despacho proferido a fls.1154 o qual e por isso se confirma inteiramente.
É agora o momento de apreciar e decidir as questões que dizem respeito ao recurso da sentença recorrida, sendo a primeira a que tem a ver com a impugnação da decisão da matéria de facto.
Para tanto, importa recordar aqui qual o conteúdo da mesma decisão e que é o seguinte:
“2.Fundamentação de facto:
A. Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1.A “D…, Lda.” (doravante designada por D1…) tinha por objecto social “Serviços de design; comércio, exportação, importação e representação de grande variedade de produtos, nomeadamente vestuário, calçado, acessórios de moda, mobiliário, artigos de decoração, produtos de higiene e perfumaria, fabrico de vestuário e acessórios de moda”.
2.Essa sociedade foi constituída em 19/4/2005 com um capital social de €100.000,00, dividido em três quotas: uma de €34.000,00 pertencente à, aqui, ré, uma no valor de €65.000,00 pertencente a “E…, SA” (doravante designada por E1…) e uma outra no valor de €1.000,00 pertencente a G…
3.A E1… deixou de ter qualquer quota na D1… desde 2010, tendo a respectiva cessão de quotas sido levada a registo em 21.09.2011.
4.A ré foi sempre gerente dessa sociedade.
5.Em 20/9/2011 foi registado um aumento do capital social dessa empresa para 1.000.000,00 através da entrada de €900.000,00 em dinheiro subscrito pela E1… em reforço da sua quota.
6.Por força desse aumento de capital a E1… passou a ter uma quota no valor de €945.000,00, a ré uma quota de €34.000,00 e uma outra quota no valor de €20.000,00 e G… uma quota de €1.000,00.
7.O aumento de capital referido em 5, foi movimentado contabilisticamente através da Nota de Lançamento n.º01200428.
8.No mês de Dezembro de 2010 não entrou na D1… a quantia de 900.000,00 euros entregue pela E1….
9.A D1… foi declarada insolvente em 28/4/2015 no processo de insolvência n.º1748/15.0T8GMR que correu termos da secção central de Comércio de Guimarães, J1.
10.Por apenso ao processo de insolvência referido, a, aqui, autora intentou acção de verificação ulterior de créditos que correu termos sob o n.º 1748/15.0T8GMR-E no qual, em 21/9/2015 foi proferida sentença que reconheceu à, aqui, autora o crédito reclamado no montante de €346.226,93 a graduar como crédito comum, acrescido de juros a graduar como crédito subordinado.
11.Por despacho de 6/6/2016 proferido no processo de insolvência referido em 6. foram homologados os pagamentos da insolvência de acordo com o mapa de rateio cuja cópia se encontra junta a fls. 96/99 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12.O passivo reconhecido no processo de insolvência ascende a 1.867.750,96 €uros.
13.Os bens apreendidos para a massa insolvente pelo Sr. Administrador da insolvência nomeado no processo de insolvência foram os descritos no auto de apreensão cuja cópia se encontra junta a fls. 84 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que foram avaliados pelo mesmo em €25.650,00.
14.Em 31/12/2010 foi realizada uma assembleia geral da D1… cuja acta se encontra junta a fls. 101 e seguintes na qual consta que o ponto primeiro da ordem de trabalhos era o seguinte: “Apreciação e votação do aumento do capital social da sociedade de cem mil para um milhão de euros por entrada em numerário”.
15.Nessa acta ficou a constar que a, aqui, ré propôs que fosse aprovado um aumento do capital social da sociedade de 100.000,00€ para 1.000.000,00€, mediante a entrada em dinheiro de 900.000,00€ do sócio E1…, proposta essa aprovada por unanimidade.
16.Em 27/12/2013 a D1…, na qualidade de cedente, e a E1…, na qualidade de cessionária, outorgaram o contrato denominado “Contrato de cessão de créditos” cuja cópia se encontra junta a fls. 184/185 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual consta que “A primeira outorgante é titular de um crédito sobre a firma F…, Lda.” (…) no montante de €501.905,12.
A primeira outorgante é devedora à segunda outorgante de, pelo menos, €501.905,12.
Para pagamento parcial da sua dívida, a primeira outorgante cede à segunda outorgante o crédito melhor identificado pelo valor de €501.905,12.”
17.A referida cessão de créditos foi reflectida na contabilidade da D1… para abater parte do passivo que tinha na E1…, não tendo existido qualquer alteração do valor dos capitais próprios, nem qualquer outro impacto que não a redução do activo e do passivo em igual valor.
18.O valor contabilizado na D1… em imobilizado e realizável (stock existente na empresa) é superior ao valor pelo qual os bens apreendidos para a massa foram vendidos no processo de insolvência.
19.A E1… aportou até à data do aumento de capital o valor de 1.392.262,90€ em dinheiro e tinha a receber o valor de 560.013,20€ em facturação, sendo que parte desse valor foi usado para o aumento do capital social referido em 5.
20.No mapa de imobilizado está englobado o valor das obras efectuadas nas lojas e sede da D1… que, com o fecho da empresa, ficaram nos locais, não sendo objecto de arrolamento nem de venda.
21.Tais obras estavam contabilizadas como benfeitorias em Propriedade Alheia no valor de aquisição de 263.732,00€
22.Do stock a 31-12-2014 faziam parte inúmeras peças, valorizadas em 210.263,92€ que se encontravam em curso de fabrico.
23.Tais peças não foram vendidas em sede de processo de insolvência.
24.A ré negociou, nos anos de 2011 e 2012, perdões de dívidas da D1… com diversos credores, com inerente reflexo na manutenção dos rácios de capital e que foram alvo de tributação em sede de IRC por representarem Variações Patrimoniais Positivas tributadas em IRC.
25.Esta explicação foi dada a conhecer ao AI após a elaboração do seu relatório.
26.A conclusão de que a empresa se encontraria em insolvência técnica pelo menos desde 2013 foi tirada pelo Sr. Administrador de Insolvência antes de conhecer as explicações para o facto do valor de imobilizado conter obras de valor avultado em propriedade alheia e dos perdões de dívida.
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B.Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
1.Foi realizada uma mera operação cosmética contabilística quanto à “entrada” dos 900.000,00 €uros referidos em 4 dos factos provados.
2.Tal montante não deu entrada na D1… de qualquer forma.
3.Os valores contabilizados na D1… em “Imobilizado” e em “Realizável” foi contabilisticamente empolado e não correspondia aos valores reais.
4.O valor real do imobilizado e do realizável existente na D1… representa apenas 20% do valor contabilizado.
5.A D1… está numa situação de insolvência desde 2013.
6.Nos exercícios de 2013 e 2014 foram realizadas operações contabilísticas fictícias na D1…, sendo que, em 2011, 2012, 2013 e 2014, a situação líquida da D1… foi sempre negativa em mais de metade do Capital Social.
7.A ré manipulou as contas da D1… para dar a aparência de lucro não obstante a D1… estar há mais de três anos em situação de insolvência.
8.A E1… é pertença de familiares da ré, entre eles, o próprio marido da ré.
9.O contrato de cessão de créditos referido em 16 dos factos provados, descapitalizou a D1…, beneficiando a E1… em detrimento dos demais credores da D1….
10.Tal contrato dissipou ou diminuiu o capital social da D1….
11.A autora não recebeu o crédito que lhe foi reconhecido sobre a D1… em consequência da actuação da ré.
12.A D1… adquiriu o imobilizado que foi objecto do Auto de Arrolamento de bens por 282.208,94€, que contabilisticamente estava valorizado, à data da insolvência, em 33.506,04€.
*
Ora segundo nos é dado perceber, (cf. páginas 93 a 98) das alegações de recurso, a impugnação da decisão de facto aqui deduzida pela autora/apelante, incide sobre os seguintes pontos de facto antes melhor descritos (e salientados a “negrito”):
Os pontos 8 e 19 dos factos provados;
Os pontos 1, 2 e 11 dos factos não provados.
Sendo estes os pontos de facto impugnados, é desde logo fundamental perceber como na decisão recorrida foi justificada a resposta afirmativa ou negativa a cada um destes pontos.
Assim e quanto ao ponto 8 dos factos provados o que foi feito constar foi o seguinte:
Do teor da contestação resulta claro que a ré admite nos autos que no mês de Dezembro de 2010 não entrou na D1… a quantia de 900.000,00 euros em numerário entregue pela E1…, razão pela qual foi dada como assente a factualidade ínsita no ponto 8.
Quanto ao ponto 19 dos factos provados o que ficou a constar foi o seguinte:
Quanto à factualidade ínsita no ponto 19 valorou-se, desde logo, o relatório pericial junto ao processo. Com efeito, na resposta ao quesito 10 os Srs. Peritos explicaram que, pelo extracto dos movimentos na conta de bancos na contabilidade da D1…, verificaram a existência de entradas (dinheiro e depósitos) da E1… no valor de €1.392.262,90 e no esclarecimento prestado a fls. 879 referem que, no extracto da conta de cliente da E1…, verificaram o valor de €560.013,20 referente a prestação de serviços e outros.
Valorou-se ainda o depoimento de H… que explicou, de forma clara, que a E1… tinha aportado para a D1… várias tranches de dinheiro ao longo de vários anos, aportes esses que foram posteriormente usados para o aumento de capital social que foi levado a cabo. Do seu depoimento resultou, pois, evidente que os créditos que a E1… tinha sobre a D1… foram incorporados como aumento do capital social, corroborando o que referiu em audiência a própria ré.
Por outro lado, valorou-se ainda o depoimento da testemunha I… (técnica de contabilidade) que explicou que trabalhou na E1… de 2007 a 2014 e teve conhecimento que, em 2010, a D1… fez um aumento de capital e “usou” para o mesmo os valores que estavam contabilizados, quer na D1…, quer na E1… referente a transferências e pagamentos que a E1… tinha feito à D1…, transferências e pagamentos esses que, efectivamente, ocorreram.
Da conjugação de tais depoimentos resultou, assim, que o aumento de capital realizado na D1… foi realizado com base nas entradas e pagamentos que a E1… já tinha realizado ao longo de vários anos, sendo que as contas de ambas as sociedades foram movimentadas para esse efeito.
Assim, entende este tribunal que, não obstante ter resultado provado, que no mês de Dezembro de 2010 não entrou na D1… a quantia de €900.000,00 entregue pela E1…, não foi feita prova bastante neste processo que a entrada dos 900.000,00 euros do aumento de capital realizado na D1… se tratou de uma mera operação cosmética contabilística e que tal montante não deu entrada na D1… de qualquer forma (pontos 1 e 2 dos factos não provados).
A autora, ao alegar que tal aumento de capital se tratou de uma mera operação de cosmética contabilística, quis fazer crer ao tribunal que a E1… não aportou para a D1… qualquer valor.
A verdade é que não crê este tribunal que tenha sido feita prova segura e bastante nos autos que a E1… não aportou qualquer valor para a D1…. Pelo contrário, na contabilidade da D1… há entradas (depósitos e transferências) com indicação da E1… feitas entre 2005 e 2010 em contas bancárias existentes no J…, K… e L… conforme resposta ao quesito 10 do relatório pericial superiores a 1 milhão de euros.
E, embora os Srs. Peritos refiram que desconhecem se tais transferências e depósitos foram usados para o aumento de capital, a verdade é que a ré e as testemunhas H… e I… explicaram que, efectivamente, o foram, sendo certo que tais testemunhas demonstraram não ter qualquer interesse na presente decisão, pelo que os seus depoimentos mereceram credibilidade.
Valorou-se, ainda, quanto a essa factualidade a informação e os documentos juntos aos autos pela E… onde a mesma explica que prestações de serviços prestou à D1…, bem como quais os valores que entregou àquela para que a mesma pudesse exercer a sua actividade.”
Quanto ao ponto 1 dos factos não provados e no seguimento da motivação já antes descrita no que toca ao ponto 19 dos factos provados, foi feito constar o seguinte:
“Assim, entende este tribunal que, não obstante ter resultado provado, que no mês de Dezembro de 2010 não entrou na D1… a quantia de €900.000,00 entregue pela E1…, não foi feita prova bastante neste processo que a entrada dos 900.000,00 euros do aumento de capital realizado na D1… se tratou de uma mera operação cosmética contabilística e que tal montante não deu entrada na D1… de qualquer forma (pontos 1 e 2 dos factos não provados).
A autora, ao alegar que tal aumento de capital se tratou de uma mera operação de cosmética contabilística, quis fazer crer ao tribunal que a E1… não aportou para a D1… qualquer valor.
A verdade é que não crê este tribunal que tenha sido feita prova segura e bastante nos autos que a E1… não aportou qualquer valor para a D1…. Pelo contrário, na contabilidade da D1… há entradas (depósitos e transferências) com indicação da E1… feitas entre 2005 e 2010 em contas bancárias existentes no J…, K… e L… conforme resposta ao quesito 10 do relatório pericial superiores a 1 milhão de euros.
E, embora os Srs. Peritos refiram que desconhecem se tais transferências e depósitos foram usados para o aumento de capital, a verdade é que a ré e as testemunhas H… e I… explicaram que, efectivamente, o foram, sendo certo que tais testemunhas demonstraram não ter qualquer interesse na presente decisão, pelo que os seus depoimentos mereceram credibilidade.
Valorou-se, ainda, quanto a essa factualidade a informação e os documentos juntos aos autos pela E1… onde a mesma explica que prestações de serviços prestou à D1…, bem como quais os valores que entregou àquela para que a mesma pudesse exercer a sua actividade.”
Por fim e no que toca aos pontos 9, 10, 11 e 12 dos factos não provados o que se consignou foi o seguinte:
Quanto à factualidade ínsita no ponto 9 apuramos nos autos que foi outorgado entre a D1… e a E1… o contrato de cessão referido no ponto 16 dos factos provados.
Contabilisticamente a D1… tinha um crédito sobre a empresa F… no montante de €501.905,12 sem que, nos autos, tenha sido feito qualquer prova da inexistência desse crédito.
Através do contrato de cessão de créditos a D1… cedeu à E1… tal crédito detido sobre a F…, sendo que, em pagamento dessa cessão, abateu o seu passivo. Assim, o desaparecimento desse crédito do activo da empresa correspondeu ao desaparecimento de um valor do passivo correspondente.
Consequentemente, não se alcança existir qualquer descapitalização da sociedade através da outorga desse contrato.
Por outro lado, se nos autos se tivesse feito prova de que a E1… conseguiu cobrar da F… esse crédito poderia questionar-se se essa cessão beneficiou esse credor em detrimento dos demais.
Com efeito, se não tivesse existido essa cessão, o Sr. Administrador da insolvência poderia apreender para a massa o crédito da D1… sobre a F… e, cobrando-o, o produto do mesmo serviria para pagar aos vários credores da D1… de acordo com a sentença de graduação.
A verdade é que nos autos a autora não fez prova de que a E1… conseguiu cobrar esse crédito.
Pelo contrário, da prova produzida em audiência resultou que a E1… não conseguiu cobrar esse valor.
Assim, não foi feita qualquer prova de que essa cessão foi feita em benefício da E1… e em detrimento dos demais credores.
E também não foi feita qualquer prova de que tal contrato dissipou ou diminuiu o capital social da D1… (ponto 10 dos factos não provados).
Aliás, salientamos que no relatório pericial apresentado os Srs. Peritos concluíram, unanimemente, que, através desse contrato de cessão, “a D1… liquidou um passivo cedendo um activo de igual montante, não tendo existido qualquer alteração do valor dos capitais próprios, nem que outro impacto que não a redução do activo e do passivo em igual valor”.
Quanto à factualidade ínsita no ponto 10 dos factos não provados apuramos nos autos que a autora não recebeu o crédito que lhe foi reconhecido no processo de insolvência da D1….
E apuramos que não o recebeu já que o produto da venda dos bens aprendidos na insolvência foi usado para pagamentos de credores graduados antes do crédito da autora.
No entanto, não foi feita prova nos autos de que esse não recebimento derivou de qualquer actuação da ré.
Com efeito, a autora alegou nos autos que a ré manipulou as contas da D1…, promoveu um aumento do capital social cujo dinheiro não entrou nas contas da sociedade, celebrou um contrato de cessão de créditos em favorecimento de credores familiares em detrimento dos demais credores, e que sabia que estava perdido mais de metade do capital social pelo menos desde 2011, para além de não ter apresentado a sociedade à insolvência no prazo legal.
Entende, por isso, que a ré agiu dolosamente.
Ora, a verdade é que não fez prova de que existiu qualquer manipulação das contas, designadamente que houve empolamento de determinados valores.
Não fez prova que o aumento do capital social não se baseou em entradas de valores na empresa. Como acima dissemos, não entrou, na data desse aumento, qualquer valor em numerário na D1… mas, anteriormente, a E1… já tinha aportado para a D1… valores superiores a um milhão de euros.
Não foi feita prova nos autos que a cessão de créditos tinha sido realizada em benefício de alguns credores e em prejuízo de outros, nem que estivesse perdido mais de metade do capital social da D1….
E não foi feita prova nos autos de que existiu um incumprimento do dever de apresentação à insolvência desde logo porque não se fez prova desde que data a D1… estava em situação de insolvência. Acresce que não existiu prova que esse atraso provocou prejuízos aos credores, entre eles, à autora.
Da análise do relatório pericial resulta evidente que a D1… sofreu um grave decréscimo de vendas e proveitos, sendo que, das regras de experiência comum, resulta que existiu um cenário de crise generalizada que afetou grande parte das empresas portuguesas.
A D1… era uma empresa que produzia bens que se dirigiam a um segmento de mercado alto sendo de acreditar que, nesse cenário de crise generalizada, tenha sofrido perdas de rentabilidade.
Assim, não crê este tribunal que possa concluir com certeza que a autora não recebeu o seu crédito em consequência de qualquer actuação dolosa da ré.”.
Mas para além de questionar a convicção probatória acabada de referir, a autora/apelante também pretende ver “integrado” nos factos provados um outro facto com a seguinte redacção:
Não foi elaborado o relatório a que se refere o art.º 28º do CSC no âmbito do aumento de capital referido em 5.”.
Tudo isto na sequência do requerimento que então formulou e do despacho que a propósito foi proferido na audiência de julgamento realizada no dia 18.02.2020 (cf. acta de fls.1212 e seguintes).
Vejamos, pois, do fundamento destas várias pretensões da autora/apelante:
Relativamente ao ponto 8 dos factos provados e revisitando o que foi feito constar pela autora/apelante nas suas alegações, o que a mesma quer, no fundo, é ver reformulada nos seguintes termos a respectiva redacção:
No mês de Dezembro de 2021 não entrou na D1… a quantia de 9000.000,00 euros a que se refere o facto 5 pela E1….”
Na tese da autora/apelante a alteração que propõe tem por base o que pela própria E1… foi declarado no processo a fls.398.
Ora o que então foi declarado (cf. ponto 1 do mesmo requerimento), foi o seguinte:
A E…, SA não efectuou um único movimento para pagamento do aumento de capital da sua quota na D…, Lda.”
Perante tal declaração pode pois dizer-se como disse o Tribunal “a quo” que no mês de Dezembro de 2010 não entrou na D1… a quantia de 900.000,00 euros entregue pela E1….
E a ser assim, não vemos qualquer justificação para tendo apenas por base a referida declaração da E1…, atender aos considerandos tecidos pela autora/apelante a páginas 97 e 98 das suas alegações e assim proceder à alteração de redacção agora proposta.
Deste modo e no que toca ao ponto 8 dos factos provados improcede a pretensão recursiva da autora/apelante.
Relativamente aos restantes pontos de facto que a autora/apelante impugna (o ponto 19 dos factos provados e os pontos 1, 2 e 11 dos factos não provados), não merece reparo a convicção obtida pelo tribunal “a quo”, convicção que está justificada nos termos já antes aqui deixamos melhor referidos.
Assim e contrariamente ao que agora se defende neste recurso, consideramos desde logo que não existem razões para questionar o valor dos depoimentos prestados em julgamento quer pelos Peritos que subscreveram o exame pericial junto ao processo a fls.729 e seguintes, quer pela testemunhas indicadas pela ré/apelada, H… e I…, quer ainda pela própria ré, C…, em depoimento de parte, depoimentos esses cujas respectivas gravações não deixamos de ouvir, como aliás nos era imposto.
Vejamos, pois:
No que toca ao ponto 19 dos factos provados e à questão do movimento de saldos que esteve na base do aumento de capital, revelaram-se fundamentais os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos na audiência de julgamento do dia 18.02.2020 (neste sentido cf. a gravação com início a 09:54:30 e fim a 10:56:45), onde os mesmos confirmaram o seguinte:
Que quando foi feito o aumento de capital verificaram que houve um movimento contabilístico para o registo desse aumento de capital;
Que esse movimento contabilístico teve a sua origem em saldos que a E1… tinha na D1…;
Que esses saldos acumulados estavam registados em contabilidade;
Que por força do saldo existente foi possível realizar uma transferência de 900.000,00€, para a conta de capital da D1….
Que tais movimentos financeiros foram verificados aquando da peritagem.
A este propósito foi também relevante os depoimentos prestados em julgamento pela ré em depoimento de parte (cf. gravação com início a 11:30:33 e fim az 12:13:39) e as declarações das testemunhas H… (cf. gravação com início a 14:16:33 e fim a 15:18.44) e I… (cf. gravação com início a 15:19:27 e fim a 15:20:00).
Assim nestes depoimentos, que se revelaram isentos e credíveis, o que se pode salientar é o seguinte:
Quanto à Ré, a mesma começou o seu depoimento por confirmar que de facto os 900.000,00€ não entraram na empresa no dia em que foi realizado o aumento de capital e lavrada a acta, referindo que tal montante foi entrando desde que a sociedade foi constituída em Abril de 2005 e até aquele momento.
Esclareceu ainda que o dinheiro foi entrando na sociedade sob a forma de transferências, de empréstimos, pagamentos e prestação de serviços vários.
Disse ainda não ter dúvidas de que na data em que foi concretizado o aumento de capital esse dinheiro já se encontrava na sociedade.
Quando confrontada sobre a forma como acompanhava as contas da empresa referiu ter como formação o curso de Design, área que naturalmente domina, confiando a terceiros a execução das questões referentes à contabilidade da empresa.
Foi por isso que cumprindo as orientações de tais pessoas, procedeu como procedeu na questão do aumento de capital da empresa.
Mais referiu ter feito a declaração para o registo na convicção de que o dinheiro havia realmente entrado na sociedade de que era gerente e estando certa que procedia de acordo com a verdade.
Quanto à testemunha H… que referiu ter sido TOC primeiro da E1… e depois da D1…, o mesmo referiu o seguinte:
Disse não ter dúvidas quanto à existência de vários reforços financeiros da E1… para a D1…, os quais se iniciaram logo na data de constituição da sociedade e em diversos momentos e valores.
Afirmou ainda estar certo que tais valores foram utilizados no aumento do capital social da D1….
Esclareceu que a E1… chegou a ter diversas sociedades relativamente às quais era financiadora, realidade que chegou a pôr em causa a operação em causa nos autos.
Confirmou que tais operações, de saída de capital da E1… e de entrada de capital na D1…, estão devidamente contabilizadas em cada uma das empresas.
Aludiu ainda à existência de outras contas na empresa para além das que estão documentadas nos autos, referindo também que a entrada em vigor do POC veio a provocar modificações na organização contabilística.
Quanto à natureza das Prestações Suplementares, cuja existência foi dito ter sido ignorada nas contas e em determinada data, esclareceu que as mesmas são créditos passiveis de serem devolvidos aos sócios se forem respeitadas determinadas as condições que constam do art.º 213º do CSC.
Em relação às declarações prestadas pela testemunha I…, o que cabe salientar é o seguinte:
Referiu ter exercido funções na contabilidade da E1… na altura em que foi realizado o aumento de capital que agora se discute.
Disse não ter dúvidas que desde a sua constituição a D1…, Lda. era apoiada financeiramente não apenas pela E1…, referindo que o aumento de capital foi feito com base nos saldos que existiam na altura na empresa e que tornaram tal operação possível.
Tais depoimentos coincidem com o que foi feito constar no requerimento que a E1… juntou ao processo em 12 de Janeiro de 2017 e no qual se afirma que o aumento de capital não foi feito num único movimento mas antes ao longo do tempo (2005 – 2010) através dos vários valores que foi aportando para a D1….
Importa ainda considerar os inúmeros documentos que foram juntos com tal requerimento e dos quais se retira a realização de tais operações financeiras.
A este propósito é ainda relevante considerar a resposta dada no relatório pericial ao quesito 10 e também os esclarecimentos que quanto ao mesmo foram prestados pelos Peritos.
A ser assim bem decidiu pois a Sr.ª Juiz “a quo”, quando deu como provada a matéria contida no ponto 19 dos factos provados e como como não provada a matéria inscrita nos pontos 1 e 2 dos factos não provados, afastando assim a tese de que o aumento de capital terá sido uma mera operação de cosmética contabilística sem qualquer reflexo real nas contas das duas empresas e mais concretamente na contabilidade da D1….
E perante tal constatação falece, necessariamente, a pretensão recursiva da autora/apelante no que toca ao ponto 11 dos factos não provados.
Assim a matéria alegada pela autora/apelante e que acabou vertida no mesmo ponto 11 tinha por base a tese segundo a qual, a autora não recebeu o crédito que viu reconhecido sobre a D1… por virtude da actuação da ré.
Resulta evidente que o facto vertido no mesmo ponto 11 está intimamente ligado com os contidos nos pontos 9 e 10, pontos que não são objecto do recurso aqui interposto pela autora/apelante.
E sendo assim, importa recordar aqui qual a forma como foi fundamentada a resposta negativa a estes dois pontos de facto, fundamentação essa cujo conteúdo já aqui foi reproduzido.
Cabe ainda dizer que tal fundamentação merece o nosso total acolhimento.
Assim e no que toca aos pontos 9 e 10 e tanto mais que nem sequer foram objecto de impugnação da autora/apelante neste seu recurso, mantém-se as razões que estiveram na base da decisão que quanto a eles acabou por ser proferida em 1ª instância.
E o mesmo ocorre, necessariamente, no que toca à matéria contida no ponto 11, este sim impugnado no presente recurso.
Na verdade e como ficou já visto, ficou desde logo por provar que o aumento de capital em discussão nos autos foi fictício.
Por outro lado, ficou também por provar que o contrato de cessão de créditos celebrado em 27.12.2013 descapitalizou a D1… e beneficiou a E1… em prejuízo dos demais credores da primeira.
Está igualmente por provar que tal contrato dissipou ou diminuiu o capital social da D1….
E sendo assim e porque nenhuma prova suficiente foi produzida, também não se pode concluir, como faz a autora/apelante, que foi por força da actuação da ré, que a autora não recebeu o crédito que lhe foi reconhecido sobre a D1….
Ou seja não valem agora como não valiam antes os argumentos trazidos pela autora/apelante ao processo e agora repristinados a páginas 95, 96, e 97 das suas alegações de recurso.
Em suma, nenhum fundamento existe para considerar provado o facto inscrito no ponto 11.
Improcede também aqui o recurso interposto pela autora/apelante.
Nestes termos e por não estarem verificados os pressupostos para o efeito previstos no art.º 662º, nº1 do CPC, não se altera a decisão aqui proferida sobre a matéria de facto.
É pois com esta matéria de facto que cabe apreciar a 2ª e última das questões aqui suscitadas.
Como sabemos a autora inicia o enquadramento jurídico deste seu recurso na inexistência/invalidade da deliberação da sociedade D1… Lda. que no ano de 2010 determinou o aumento do seu capital social.
Para tanto (cf. conclusão 116) das suas alegações) fundamenta a sua pretensão nos seguintes argumentos:
- Na inexistência de deliberação que fundamente o referido aumento de capital (em espécie);
- Na nulidade da deliberação que esteve na base deste aumento de capital.
Vejamos, pois, se com fundamento:
Como vem entendendo a doutrina maioritária, muita da qual está citada na decisão recorrida, “o aumento de capital por entradas consistentes em créditos sobre a sociedade é lícito” (cf. entre outros, Raul Ventura, Alterações ao Contrato de Sociedade, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 2ª edição, Almedina, 1986, pág.141).
Como bem se afirma na sentença recorrida, no caso dos autos apurou-se que existiu um aumento de capital social da D1… através da conversão de créditos que a E1… tinha sobre aquela.
Por outro lado está já visto que, contrariamente à tese da autora/apelante, não estamos perante um aumento de capital social meramente fictício mas sim um aumento de capital social que teve por base entradas em numerário, realizadas emanos anteriores.
A ser assim tal aumento de capital social deve ser tido como real e efectivo e não como aparente e fictício.
Ora é consabido que segundo o disposto no artigo 28º, nº1 do CSC, “as entradas em bens diferentes de dinheiro devem ser objecto de um relatório elaborado por um revisor oficial de contas sem interesses na sociedade, designado por deliberação dos sócios na qual estão impedidos de votar os sócios que efectuam entradas”.
É referido e bem na sentença recorrida, que “no caso em apreço não foi alegado nem resultou provado que tenha sido elaborado qualquer relatório elaborado por um revisor oficial de contas aquando da “transformação” dos montantes anteriores entregues pela E1… à D1… que terão servido para aumento de capital”.
No entanto também nós entendemos que tal obrigação de elaborar qualquer relatório não existia pelo facto de não estarem em causa entradas em bens diferentes de dinheiro.
E isto por se ter apurado que as entradas da E1… na D1… foram realizadas em dinheiro ao longo dos anos (entre 2005 e 2010).
Deste modo não se mostram pois violadas as regras prescritas no nº1 do art.º 28º do CSC.
Mas para além disso, a autora/apelante também suscita o não cumprimento do disposto nos artigos 56º, alínea d) e nas alíneas a), c), d), f) e g) do nº1 do art.º 87º do CSC.
Não tem no entanto razão nesta sua pretensão, face ao que se apurou e consta dos pontos 14, 15 e 16 dos factos provados cujo conteúdo aqui damos novamente por reproduzido.
Ou seja face ao que ali consta e atentas as circunstâncias concretas da situação dos autos deve concluir-se que no caso se mostram suficientemente cumpridas as exigências impostas pelas referidas disposições legais.
Por isso nenhum fundamento existe para se concluir nem pela inexistência nem pela invalidade da deliberação que em 31.12.2010 determinou o aumento do capital social da sociedade D1…, Lda.
Finalmente e segundo a autora/apelante, a actuação da ré/apelada deve ser enquadrada na previsão legal do art.º 78º, nº1 do CSC.
Mas também aqui carecem de razão os seus argumentos.
Se não vejamos:
Segundo o supra referido dispositivo legal, “os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.
Por seu lado no nº2 da mesma norma estabelece-se que sempre que a sociedade ou os sócios não o façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606.º a 609.º do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular.
Como bem se recorda na sentença recorrida, a responsabilidade prevista no mesmo artigo tem como sujeitos passivos os gerentes e prevê a responsabilidade delitual destes, pressupondo que, em virtude da inobservância culposa, por parte deles, de disposições legais ou contratuais de protecção dos credores, o património social se torne insuficiente para a satisfação das dívidas sociais.
Estamos nestes casos perante uma acção pessoal e directa para o exercício de um direito do credor que viu a satisfação do seu crédito impossibilitada pela diminuição do património da sociedade devedora, diminuição essa determinada por um acto danoso, ilícito e culposo do seu gerente.
O gerente/administrador constitui-se assim no dever de indemnizar os credores sociais sempre que pratique um acto danoso, ilícito e culposo, com os elementos específicos indicados no n.º1.
Todos aceitam que a responsabilidade só surge se o dano atingir o património social e o devedor o tornar insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores da sociedade.
Exige-se, pois, que tal dano de natureza patrimonial tenha efeitos na sociedade.
A aplicação de tais regras exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- Que o facto do gerente constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos interesses dos credores sociais;
- Que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos;
- Que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano.
Como se refere na decisão recorrida, a responsabilidade baseada nesta norma limita-se à actuação do gerente no exercício das suas funções.
Mais, a regra legal não sustenta outra responsabilidade que não resulte desse exercício, durante e por causa do exercício das funções de administração da sociedade.
Deste modo, os gerentes só respondem, assim, para com os credores sociais quando o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos, mediante prova de que essa insuficiência tenha resultado da inobservância culposa de disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores.
A insuficiência do património da sociedade pode gerar danos indirectos ou mediatos para aqueles credores, decorrentes do facto de o acervo patrimonial ser insuficiente para a satisfação dos seus créditos.
Continuando a subscrever as considerações tecidas na decisão recorrida, também para nós se mostra importante ter presente que o que deve ser valorado é o estatuto económico da sociedade comercial o qual não se limita apenas ao capital social, mas que deve também ter em conta toda a situação patrimonial da empresa.
Assim sendo, a diminuição do património social produzida pela inobservância de normas legais do direito societário, constitui um dano directo da sociedade, desde que se verifique o necessário de causalidade, e um dano indirecto dos credores sociais, desde que essa diminuição se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
É igualmente relevante não esquecer que segunda a tese doutrinal maioritária não há aqui lugar à presunção da culpa a que se refere o art.º 72º do CSC, razão pela qual o ónus da prova da mesma está sujeito à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no art.º 487º do Código Civil.
A ser deste modo, mostra-se pois necessária a verificação de todos os requisitos ou pressupostos deste tipo de responsabilidade, nomeadamente o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do autor da lesão e o resultado danoso.
Ora no caso dos autos, deve ser para todos claro que a autora/apelante não conseguiu fazer a prova de que a ré/apelada tenha culposamente inobservado alguma disposição legal ou contratual destinada à protecção dos credores da sociedade D1…, Lda.
Incumbia-lhe fazer a prova, não só de que o património da sociedade se tornou insuficiente para garantir o cumprimento dos compromissos assumidos, como também que foi devido ao comportamento ilícito da ré que tal insuficiência de património ocorreu.
Concretizando:
Em primeiro lugar não se pode concluir que exista qualquer fundamento para responsabilizar a ré por ter existido um aumento do capital social meramente fictício.
E isto porque existiu, sim, um aumento do capital social que teve por base entradas em numerário que ocorreram em anos anteriores.
Por isso tal aumento de capital foi real e efectivo e não meramente fictício e aparente.
Também não provou que a alegação da autora segundo a qual a ré empolou contabilisticamente o valor do imobilizado e realizável, razão pela qual a mesma ré não pode ser responsabilizada com esse fundamento.
Quanto à cessão do crédito que a D1… tinha sobre a F… à E1… não foi feito nenhuma prova de que esse contrato beneficiou esse credor E1… em prejuízo dos demais credores sociais.
Da matéria de facto provada não foi feita prova de que estava perdido mais de metade do capital social, pelo que também com base nesse fundamento não podia proceder a acção.
Por último defendeu a autora/apelante que a ré sabia que a D1…, não só tinha um Passivo superior ao activo desde 2011 e que colocou a D… na impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas desde esse ano.
Defende também que, enquanto única gerente da sociedade, não a apresentou tempestivamente à insolvência, o que em seu entender demonstra violação do disposto no art.º 3º, nº1 e 22º do CIRE.
Todos sabemos que em sede de qualificação da insolvência, há responsabilidade dos gerentes quando, do atraso à insolvência, resulte prejuízo para os credores.
Por outro lado, ninguém questiona que a omissão do dever de requerer a insolvência da empresa não é por si só suficiente para que se classifique a insolvência como culposa, havendo que fazer prova de que essa omissão criou ou agravou a situação de insolvência da empresa.
Ora nos autos está desde logo por provar que, no caso em apreço, a D1… estava numa situação de insolvência desde 2011.
Também ficou por provar que a não apresentação à insolvência da D1… agravou a situação da autora.
Mais, não foi feita prova nos autos de que a insuficiência do património social para satisfação do crédito da autora resultou de qualquer comportamento culposo da ré.
Como bem se afirma na decisão recorrida, a responsabilização dos sócios gerentes de sociedade por quotas nos termos do art.º 78.º, nº1, do CSC, por referência à violação do disposto no art.º 18.º do CIRE, exige para além da alegação e prova dos factos que evidenciem a existência de uma situação de insolvência e da violação do dever de apresentação imposto por este último preceito, a alegação e a prova de que dessa omissão resultaram danos para a sociedade.
Tudo isto em termos de permitir estabelecer um nexo causal entre os danos e a omissão de apresentação à insolvência.
Ou seja, no caso dos autos cabia à autora alegar e provar que a ré tinha actuado com a consciência do prejuízo que para os credores decorria na não apresentação tempestiva à insolvência ou pelo menos que se conformava com a verificação desse resultado.
E tal prova não foi claramente conseguida.
Por tudo isto, bem andou o Tribunal “a quo” quando entendeu não ser possível concluir pela responsabilização da ré nos termos peticionados pela autora.
Deste modo, merece assim confirmação a decisão que julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido formulado pela autora.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirmam-se o despacho e a sentença objecto deste recurso.
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Custas a cargo da autora/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto 14 de Janeiro de 2021
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos