Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1938/17.1T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP201812071938/17.1T8VLG.P1
Data do Acordão: 12/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 286, FLS 258-269)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo as partes estipulado no contrato de trabalho que “A primeira outorgante obriga-se a pagar ao segundo outorgante uma retribuição mensal de (..X..) sob a designação de retribuição base e complemento pessoal”, esta última prestação foi acordada como contrapartida do trabalho prestado pelo trabalhador /A e, nos próprios temos da cláusula, para integrar retribuição mensal, ou seja, na noção legal, a retribuição base, devida apenas “em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”.
II - A terminologia utilizada pela Ré – ordenado base, complemento de função e retribuição mensal - não assume relevância para efeitos da qualificação jurídica que cabe fazer. O que interessa é que as partes quiseram definir uma estrutura remuneratória composta por duas parcelas, mas que no seu cômputo se traduz na retribuição base mensal devida ao trabalhador pela disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida.
III - A lei permite que a composição ou, dito de outro modo, a estrutura da retribuição, possa ser definida por estipulações individuais, regulamento interno ou até uso da empresa (art.º 258.º 1, CT/09).
IV - O que estava vedado à Ré era diminuir o valor da retribuição mensal acordada. E, por outro lado, estava-lhe igualmente vedado pagar uma retribuição que fosse inferior à fixada no CCT para a categoria do autor.
V - Os factos evidenciam que a Ré nunca diminuiu o valor da retribuição mensal. Mais, como flui da própria alegação do autor, a Ré observou sempre os valores mínimos fixados em cada ano e para a categoria do autor pelo CCT aplicável.
VI - O que a Ré fez foi alterar a estrutura da retribuição, começando por reduzir a componente “complemento de função” até a fazer desaparecer, mas mantendo o valor devido – a retribuição base mensal – ou actualizando-o em conformidade com as alterações salariais aplicáveis por via do CCT.
VII - Não há, pois, violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
VIII - O princípio da irredutibilidade da remuneração do trabalhador não impede o empregador alterar, quer o quantitativo de algumas delas, quer proceder à sua supressão, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas) resultante da alteração, não se revele inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 1938/17.1T8VLG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo -, B... instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra C..., S.A, a qual foi distribuída ao Juiz 2, formulando os pedidos de condenação da Ré seguintes:
a) Reconhecer como retribuição base o valor global de € 614,50, acrescido de €186,38 de complemento pessoal e respectiva actualização. – art.º 272º do C.T.
b) Pagar ao A. os Complementos Pessoais contratuais assegurados por força do contrato de trabalho outorgado e devidos pelo cumprimento das tabelas mínimas, decorrentes da categoria profissional, por força das funções desempenhadas, anexas à contratação colectiva aplicável, no valor de € 18,175.55 (Dezoito mil, cento e setenta e cinco euros e cinquenta e cinco cêntimos)
Alega, em resumo, que foi admitido ao serviço da ré “C...”, por contrato de trabalho inicialmente a termo certo mas que entretanto se converteu em contrato sem termo, em 03.04.2006, sendo aplicável à relação laboral, por força de Portarias de Extensão, o CCT para o Comércio e Serviços celebrado entre a Associação dos Comerciantes do Porto e outras e o “CESP” e outros. Continuando o autor a trabalhar para a ré, teve a evolução na categoria e o percurso salarial que discrimina.
Nos termos da Cl.ª 7.ª do contrato de trabalho, foi-lhe atribuída a retribuição mensal de € 550,00, lendo-se na mesma: “A Primeira Outorgante obriga-se a pagar ao Segundo outorgante uma retribuição mensal de 550,00 EUR (quinhentos e cinquenta euros), sob a designação de retribuição base e de complemento pessoal”. O complemento pessoal definido pela empresa como o diferencial entre o ordenado base e o montante efectivamente contratado com cada trabalhador, integra a retribuição mensal do A..
Acontece que no seu percurso salarial o autor não sofreu qualquer aumento efectivo e real, visto que o seu complemento pessoal deveria de ter sido aumentado na exacta proporção do seu salário e foi, antes, diminuindo, até ser totalmente consumido, na medida em que a ré procedeu aos aumentos da retribuição base.
Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi a ré notificada para contestar. Contestou a ré, apresentando defesa por excepção e impugnação.
Excepcionando, arguiu a ineptidão da petição inicial. Impugnando, aceita o contrato de trabalho, a natureza retributiva do dito complemento pessoal e a evolução na categoria e o percurso salarial alegados pelo autor, mas nega que lhe seja devido qualquer outro valor para além dos que lhe pagou, alegando ter cumprido integralmente o clausulado no contrato de trabalho e, por outro lado, que não violou qualquer norma legal ou da contratação colectiva.
Pugna pela improcedência total da acção e pede a condenação do autor como litigante de má-fé.
O autor apresentou articulado de resposta para argumentar no sentido da improcedência da excepção deduzida pela ré.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi apreciada a excepção arguida pela Ré e julgada improcedente. Dispensou-se a selecção da matéria de facto assente e a organização da base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, encerrada com o dispositivo seguinte:
-“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a presente acção absolvendo a ré do pedido.
Custas pelo autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Registe e notifique.
Valongo, 23.02.2018
(..)».
I.3 Inconformado com a sentença o trabalhador autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. As alegações de recurso foram finalizadas com as conclusões seguintes:
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I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso. Sustenta-se no mesmo, no essencial, que a retribuição do autor nunca foi reduzida. O que se verifica é que a retribuição era composta por uma retribuição base e por um designado “complemento pessoal”, o qual foi sendo reduzido até ser erradicado da folha salarial, mas mantendo-se o valor da retribuição global.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que segue:
1 - a) Autor e Ré celebraram entre si quatro contratos de trabalho:
• Contrato de trabalho a termo certo a 03 de Abril de 2006 por um período de seis meses, com o seu término em 02 de Outubro de 2006; (Doc. n.º 1 da PI, junto a fls 11 v. e 12)
• Um primeiro aditamento ao Contrato de trabalho a termo certo por um período de seis meses, com inicio em 03 de Outubro de 2006 e com o seu término em 02 de Abril de 2007; (Doc. n.º 2 da PI, junto a fls 13)
• Um segundo aditamento ao Contrato de trabalho a termo certo por um período de um ano, com inicio em 03 de Abril de 2007 e com o seu término em 02 de Abril de 2008; (Doc. n.º 3 da PI, junto a fls 13 v.)
• Um Contrato de trabalho que converte o contrato a termo certo, num contrato sem termo, com início em 03 de Abril de 2008; (Doc. n.º 4 da PI, junto a fls 14 e v.)
2 - Por este contrato o Autor comprometeu-se a prestar sob as ordens, instruções e fiscalização da Ré ou de quem legitimamente a represente no seu centro de trabalho, as suas funções de Operador Ajudante de 2º ano, como efectivamente prestou.
3 - O autor desempenha funções na Avenida ..., ....- Vila Nova de Gaia, estando classificado como Operador de Loja Especializado.
4 - Ao Autor, foi atribuída a retribuição mensal de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros) nos termos da Clª 7 do CT: “ A Primeira Outorgante obriga-se a pagar ao Segundo outorgante uma retribuição mensal de 550,00 EUR (quinhentos e cinquenta euros), sob a designação de retribuição base e de complemento pessoal.”
5 - O horário de trabalho de 40 horas semanais encontrava-se definido contratualmente em cinco dias, com dois dias de descanso semanal e com o máximo de oito horas por dia;
6 - O Autor desempenhava as seguintes tarefas:
• Ligadas com a recepção, marcação, armazenamento, embalagem, reposição e exposição de produtos, atendimento e acompanhamento de clientes.
• Responsável por manter em boas condições de limpeza e conservação, quer o respectivo local de trabalho quer as paletes e utensílios que manuseia.
• Controlar as mercadorias vendidas e o recebimento do respectivo valor.
• Elaborar notas de encomenda ou desencadear, por qualquer forma, o processo de compra.
• Fazer e colaborar em inventários.
• Manter actualizados os elementos de informação referentes às tarefas que lhe são cometidas.
• Desempenhar funções de apoio à manutenção e outros.
7 - No dia 3 de Abril de 2006 o autor é contratado como Operador Ajudante de 1ª, auferindo uma retribuição mensal de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros), a qual incluía o salário de €379,00, acrescida do complemento pessoal de €171,00.
8 - Complemento Pessoal esse definido pela empresa como o diferencial entre o ordenado base e o montante efectivamente contratado com cada trabalhador.
9 - Em Abril de 2007 o A. vê a sua categoria alterada para Operador Ajudante de 2ª.
10 - Em Abril de 2008 o A. vê a sua categoria alterada para Operador de loja de 2ª.
11 - Em Abril de 2011 o A. vê a sua categoria alterada para Operador de loja de 1ª.
12 - Em Abril de 2014 A. vê a sua categoria ser alterada para Operador de Loja Especializado.
13 - Em Março de 2008 o A. viu o seu salário ser alterado de acordo com as Tabelas Salariais e aumentado o seu ordenado base para €403,00, bem como o seu complemento pessoal para €186,38.
14 - O Autor é associado do CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.
15- O autor não obstante ver a sua categoria alterada, vê uma série de alterações relativamente ao seu ordenado e complemento pessoal:
16 - O Autor recebeu a partir de Abril de 2008 o complemento pessoal nos seguintes termos:
Meses Complemento recebido
2008
Abril 111,38€
Maio 68,38€
Junho 68,38€
Julho 68,38€
Agosto 68,38€
Setembro 68,38€
Outubro 68,38€
Novembro 68,38€
Dezembro 68,38€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2009
Janeiro 68,38€
Fevereiro 68,38€
Março 68,38€
Abril 80,17€
Maio 80,17€
Junho 80,17€
Julho 80,17€
Agosto 80,17€
Setembro 80,17 €
Outubro 80,17€
Novembro 80,17€
Dezembro 80,17€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2010
Janeiro 80,17€
Fevereiro 80,17€
Março 86,18€
Abril 86,18€
Maio 86,18€
Junho 86,18€
Julho 86,18€
Agosto 86,18€
Setembro 86,18€
Outubro 86,18€
Novembro 86,18€
Dezembro 86,18€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2011
Janeiro 86,18€
Fevereiro 86,18€
Março 86,18€
Abril 46,68€
Maio 46,68€
Junho 46,68€
Julho 46,68€
Agosto 46,68€
Setembro 46,68€
Outubro 46,68€
Novembro 46,68€
Dezembro 46,68€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2012
Janeiro 46,68€
Fevereiro 46,68€
Março 46,68€
Abril 46,68€
Maio 46,68€
Junho 46,68€
Julho 46,68€
Agosto 46,68€
Setembro 46,68€
Outubro 46,68€
Novembro 46,68€
Dezembro 46,68€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2013
Janeiro 46,68€
Fevereiro 46,68€
Março 46,68€
Abril 46,68€
Maio 46,68€
Junho 46,68€
Julho 46,68€
Agosto 46,68€
Setembro 46,68€
Outubro 46,68€
Novembro 46,68€
Dezembro 45,17€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2014
Janeiro 46,68€
Fevereiro 46,68 (Baixa) €
Março 46,68 (Baixa) €
Abril 0,00€
Maio 0,00€
Junho 0,00€
Julho 0,00€
Agosto 0,00€
Setembro 0,00€
Outubro 0,00€
Novembro 0,00€
Dezembro 0,00€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2015
Janeiro 0,00€
Fevereiro 0,00€
Março 0,00€
Abril 0,00€
Maio 0,00€
Junho 0,00€
Julho 0,00€
Agosto 0,00€
Setembro 0,00€
Outubro 0,00€
Novembro 0,00€
Dezembro 0,00€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
2016
Janeiro 0,00€
Fevereiro 0,00€
Março 0,00€
Abril 0,00€
Maio 0,00€
Junho 0,00€
Julho 0,00€
Agosto 0,00€
Setembro 0,00€
Outubro 0,00€
Novembro 0,00€
Sub. Férias 0,00€
Sub. Natal 0,00€
II.2Aditamento de factos por iniciativa deste tribunal de recurso
No âmbito dos poderes conferidos pelo art.º 662.º n.º1, do CPC, decide-se aditar aos factos assentes os seguintes:
17. No contrato de trabalho que converte o contrato a termo certo, num contrato sem termo, com início em 03 de Abril de 2008, na cláusula 6ª consta: A primeira outorgante obriga-se a pagar ao segundo outorgante uma retribuição mensal de 575,00 EUR (quinhentos e setenta e cinco euros) sob a designação de retribuição base e complemento pessoal”.
18. Em documento datado de 28 de Janeiro de 2002, mencionando como destinatários “todos os trabalhadores” e emitido pela Direcção de Pessoal da Ré, com o assunto “Breve nota das rubricas constantes dos recibos de vencimento”, consta, para além do mais, o seguinte:
Tem esta nota por objectivo clarificar, ainda que em termos sintéticos, e em complemento do que a todos os trabalhadores já foi transmitido, o significado das rubricas que com mais frequência figuram nos recibos de retribuição.
(..)
ORDENADO BASE
É a retribuição mínima constante da tabela salarial correspondente à categoria do trabalhador de acordo com o Contrato Colectivo de trabalho (CCT) em vigor que abrange o ECIGA.
A referida tabela salarial é revista todos os anos em sede de negociação colectiva de trabalho.
COMPLEMENTO PESSOAL
É o diferencial entre o ordenado base tal como acima vem definido e o montante efectivamente contratado com cada trabalhador.
Assim o salário mensal do trabalhador é o somatório do ordenado base e do complemento pessoal.
(..)».
19 – Nos recibos de vencimento entre 3-04-2006 e 1-09-2014, período durante o qual a Ré pagou ao autor a prestação denominada “complemento pessoal”, nos recibos de vencimento constavam as designações “Ordenado Base” e “Complemento pessoal”, com os valores constantes nos factos 15 e 16.
A matéria dada como provada retira-se dos documentos juntos pelo autor com a petição inicial que adiante de indica para cada um dos factos, os quais não foram impugnados:
-facto 17, Doc. n.º 4;
- facto 18, Doc. 5;
- facto 19, recibos de vencimento juntos com a PI.
Acresce referir, quanto aos factos 18 e 19, que o conteúdo fixado visa tornar mais claro o que foi fixado nos factos provados 8, 15 e 16, assente por acordo das partes.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A questão suscitada para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, violando o disposto artigos 258.º 260.º e 129.º, n.º 1, d), do Código do Trabalho.
Comecemos por atentar na fundamentação da sentença, no essencial da parte para aqui relevante, onde consta o seguinte:
.....................................................
.....................................................
......................................................
Uma nota breve, para deixar claro que os factos aditados visam apenas tornar mais compreensível a questão em apreço, não contendendo minimamente com a decisão recorrida.
O autor veio demandar a Ré pedindo que se reconheça “como retribuição base o valor global de € 614,50, acrescido de €186,38 de complemento pessoal e respectiva actualização”. Dito de outro modo, pretende o autor que era devido à Ré, atento os termos contratados, que aumentasse a parte designada como retribuição base em conformidade com o valor fixado para a sua categoria no âmbito da negociação colectiva – aplicando a tabela do CTT - e concomitantemente que mantivesse o valor de € 186,38, o mais alto que lhe foi pago, com a designação “complemento pessoal”, em Março de 2008.
Para que melhor se perceba, enquanto foi pago, ou seja, até Março de 2014, esse complemento teve os valores seguintes (factos 15 e 16):
- 03-04-2006 a Março de 2007: 171,00 €;
- 01-04-2007 a Fevereiro de 2008: 172,00 €;
- em 01-03-2008: 186,38 €;
- 01-04-2008 a Junho de 2008:111,38 €;
- 01-07-2008 a Fevereiro de 2009: 68,38 €;
- 01-03-2009 a Fevereiro de 2010: 80,17 €;
- 01-03-2010 a Março de 2011: 86,18 €;
- 01-04-2011 a Março de 2014: 46,68 €.
Vejamos então.
Da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Abrange quer a retribuição base, quer todas as demais que tenham carácter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho (art.º 258.º CT/09).
Como sintetiza Monteiro Fernandes, reportando-se àquela norma, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 479].
No caso, inicialmente foi acordado entre o Autor e a Ré que “A Primeira Outorgante obriga-se a pagar ao Segundo outorgante uma retribuição mensal de 550,00 EUR (quinhentos e cinquenta euros), sob a designação de retribuição base e de complemento pessoal.” (facto 3).
Em cumprimento do acordado a Ré começou por pagar ao autor um total mensal de €550,00, que surgiam discriminados no recibo sob a denominação “ordenado base” - €379,00 – e “complemento pessoal” - €171,00 (factos 7, 15 e 19).
O contrato celebrado inicialmente a termo certo e depois objecto de duas prorrogações, veio a ser convertido em contrato a termo em 03 de Abril de 2008, mediante acordo reduzido a escrito. Na cláusula 6.ª manteve-se o acordo quanto ao pagamento de uma retribuição mensal “sob a designação de retribuição base e complemento pessoal”.
Até Março de 2014 a ré sempre pagou ao autor um valor a título de ordenado base, acrescido da prestação denominada “complemente pessoal”. Porém, esta veio progressivamente diminuindo, até ao valor de 46,68 €. A partir daquela data a Ré deixou de pagar essa prestação.
No entanto, como o próprio A. alegou e consta provado, enquanto reduzia o valor do complemento pessoal, paralelamente aumentava o ordenado base em conformidade com as actualizações salariais estabelecidas pelo CCT aplicável à relação de trabalho entre si e a Ré. E, quando deixou de pagar aquele complemento, manteve os aumentos sobre o ordenado base devidos para a sua categoria em cada momento, em conformidade com as actualizações da tabela salarial.
Sendo certo, como o autor reconhece, que em momento algum a soma de ambos os valores ou, depois de deixar de lhe ser pago o complemento pessoal, só o valor do ordenado base, ficou aquém da retribuição mínima fixada pelo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para a sua categoria profissional.
Justamente por isso, na sequência desse percurso, a partir de 01-07-2016 a Ré passou a pagar ao autor o valor mensal de 626,79 €, correspondente ao previsto para a categoria de Operador de Loja Especializado (nível VIII), na tabela anexa ao Contrato coletivo entre a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição - APED e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros (Alteração salarial e outras), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 25, 8/7/2016.
O pagamento, até Março de 2014, da prestação sob a denominação “complemento de função”, foi sempre regular e periódico e, logo, sempre se presumiria integrar a retribuição do autor (n.º3, do art.º 258.º).
Mas no caso nem sequer é necessário fazer operar aquela presunção, dado decorrer logo dos termos do contrato de trabalho celebrado – quer o inicial a termo quer o que depois converteu aquele em contrato sem termo – que essa prestação foi acordada como contrapartida do trabalho prestado ou, parafraseando Monteiro Fernandes, “em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”. Dito por outras palavras, ficou acordado que em contrapartida da prestação do trabalho prestado pelo A. a ficava obrigada a assegurar-lhe uma retribuição base mensal cujo valor seria o resultado de duas componentes.
Daí que a sua qualificação como retribuição fique resolvida à luz do disposto nos n.º1 e 2 (primeira parte), do art.º 258.ºCT/09, pois, como de seguida melhor veremos, o que as partes definiram foi o valor, na noção da lei, da “retribuição base”, que denominaram de “retribuição mensal”.
Com efeito, ambas as cláusulas têm a mesma formulação: “A primeira outorgante obriga-se a pagar ao segundo outorgante uma retribuição mensal de (..X..) sob a designação de retribuição base e complemento pessoal”.
A determinação do sentido e alcance da cláusula passa necessariamente pela interpretação das declarações de vontade das partes, à luz da regra estabelecida no n.º1, do art.º 236.º do CC, entendendo-se que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”.
Fazendo apelo a esse critério, dela decorre o seguinte:
i) Acordaram R e A que aquela obrigou-se a pagar em contrapartida do trabalho prestado por este um determinado valor mensal, que denominaram “retribuição mensal”;
ii) Acordaram ainda que esse valor – a retribuição mensal - resultaria do somatório de duas parcelas, a “retribuição base” mais o “complemento pessoal”.
iii) Não ficou definido qual seria o valor de uma e outra parcela.
A decomposição da retribuição mensal naquelas duas parcelas integra-se na prática da Ré, divulgada no documento dado como provado no facto aditado sobre o n.º 18, datado de 28 de Janeiro de 2002, mencionando como destinatários “todos os trabalhadores” e emitido pela Direcção de Pessoal da Ré, com o assunto “Breve nota das rubricas constantes dos recibos de vencimento”, no qual consta, para além do mais, o seguinte:
Tem esta nota por objectivo clarificar, ainda que em termos sintéticos, e em complemento do que a todos os trabalhadores já foi transmitido, o significado das rubricas que com mais frequência figuram nos recibos de retribuição.
(..)
ORDENADO BASE
É a retribuição mínima constante da tabela salarial correspondente à categoria do trabalhador de acordo com o Contrato Colectivo de trabalho (CCT) em vigor que abrange o ECIGA.
A referida tabela salarial é revista todos os anos em sede de negociação colectiva de trabalho.
COMPLEMENTO PESSOAL
É o diferencial entre o ordenado base tal como acima vem definido e o montante efectivamente contratado com cada trabalhador.
Assim o salário mensal do trabalhador é o somatório do ordenado base e do complemento pessoal».
De resto, como também consta provado sob o facto 8, onde se lê: Complemento Pessoal esse definido pela empresa como o diferencial entre o ordenado base e o montante efectivamente contratado com cada trabalhador.
E, como bem refere o recorrente autor na conclusão 9, “Trata-se de um complemento pessoal, acordado aquando da contratação do A./Apelante, não existindo qualquer especificidade que lhe sirva de fundamento”.
Assim, como se disse, essa prestação foi acordada como contrapartida do trabalho prestado e, nos próprios temos da cláusula, para integrar retribuição mensal, ou seja, na noção legal, a retribuição base, devida apenas, recorrendo de novo às palavras de Monteiro Fernandes, “em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”.
A terminologia utilizada pela Ré – ordenado base, complemento de função e retribuição mensal - não assume relevância para efeitos da qualificação jurídica que cabe fazer. O que interessa é que as partes quiseram definir uma estrutura remuneratória composta por duas parcelas, mas que no seu cômputo se traduz na retribuição base mensal devida ao trabalhador pela disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida.
Cabendo assinalar que a lei permite que a composição ou, dito de outro modo, a estrutura da retribuição, possa ser definida por estipulações individuais, regulamento interno ou até uso da empresa (art.º 258.º 1, CT/09).
Saber se uma determinada prestação que o trabalhador recebe integra, ou não, o conceito de retribuição, reveste-se da maior importância. Isto porque a retribuição está sujeita a regras que lhe asseguram uma protecção especial, desde logo, no que aqui releva, contra a diminuição do seu montante, em princípio irreversível.
Com efeito, uma das garantias asseguradas pela lei laboral ao trabalhador consiste na consagração da proibição que imperativamente se impõe ao empregador de “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” [art.º 129.º, n.º1, al.d), CT/09].
No entender do autor a actuação da Ré viola esse direito, sustentando que “[A]o diluir o respectivo complemento em função de um aumento da retribuição-base, obviamente que a R./Apelada produz um abaixamento da retribuição, violando o princípio da irredutibilidade, camuflando desta forma esta evidente redução».
Com o devido respeito, o recorrente incorre num erro de raciocínio ao pretender ver esta prestação – complemento de função – isoladamente e como se a mesma acrescesse à retribuição mensal acordada. Não é isso que decorre do contrato.
Repete-se, no rigor das coisas o que as partes definiram através dessa cláusula foi uma retribuição base (mensal) estruturada de tal modo o que o seu resultado dependia, à partida, da concorrência de duas parcelas. O que estava vedado à Ré era diminuir o valor da retribuição mensal acordada. E, por outro lado, estava-lhe igualmente vedado pagar uma retribuição que fosse inferior à fixada no CCT para a categoria do autor.
Ora, com o devido respeito, os factos evidenciam que a Ré nunca diminuiu o valor da retribuição mensal. Mais, como flui da própria alegação do autor, a Ré observou sempre os valores mínimos fixados em cada ano e para a categoria do autor pelo CCT aplicável.
Por conseguinte, o que a Ré fez foi alterar a estrutura da retribuição, começando por reduzir a componente “complemento de função” até a fazer desaparecer, mas mantendo o valor devido – a retribuição base mensal – ou actualizando-o em conformidade com as alterações salariais aplicáveis por via do CCT.
Não há, pois, violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Como decorre da parte da sentença acima transcrita, para onde se remete, a jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a entidade empregadora está apenas obrigada a manter montantes médios e não a mesma estrutura da retribuição. Assim foi afirmado no acórdão desta Relação e secção de 12-05-2014 [Proc.º 424/10.5TTMAI.P1, Desembargador Rui Penha], também citado na sentença, em cujo sumário se lê: “O princípio da irredutibilidade da remuneração do trabalhador não impede o empregador alterar, quer o quantitativo de algumas delas, quer proceder à sua supressão, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas) resultante da alteração, não se revele inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração”.
E, de igual modo tem sido entendido pela doutrina, designadamente, a também citada na sentença. Pela impressividade do afirmado citaremos apenas Monteiro Fernandes:
Desde que não resulte modificado – ou, melhor, diminuído – o valor total da retribuição (art. 129.º/d)), a estrutura dela pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança da frequência de outro, ou, ainda, a criação de um terceiro. Todavia, a alteração unilateral só é admissível, a nosso ver, quando se refira a elementos fundados nas estipulações individuais ou nos usos, excluindo-se, por conseguinte, os que derivem da lei ou da regulamentação colectiva» [op. cit., p. 498].
Por último, deve ter-se presente que a lei protege o trabalhador da diminuição da retribuição mas não impõe ao empregador que mantenha uma política remuneratória de aumento de salários para além do que decorra da lei – retribuição mínima mensal garantida - ou esteja vinculado por via da negociação colectiva. O A./Apelante poderá não ter beneficiado de aumentos salariais na mesma proporção que vinha tendo, levando a uma menor progressão no salário real, mas o facto da Ré ter adoptado uma política salarial mais restritiva não constitui violação daquele princípio.
Concluindo, improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 7 de Dezembro de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira