Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1058/08.0TBFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA
PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE APARENTE
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
CHAMAMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RP201607071058/08.0TBFLG.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 629, FLS.157-169)
Área Temática: .
Sumário: I - A inércia das partes pode determinar a deserção da instância, o que ocorre quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses ou, tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, este se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, em qualquer caso por negligência das partes e carecendo de ser julgada por despacho do juiz.
II - Na ponderação a fazer, o juiz não pode deixar de considerar o dever de gestão processual que recai sobre si próprio, nos termos enunciados no artigo 6.º do Código de Processo Civil.
III - No âmbito da expropriação e relativamente aos intervenientes processuais, releva o denominado princípio da legitimidade aparente, perante o qual a expropriante pode dirigir-se às entidades constantes das respetivas inscrições prediais e fiscais, mesmo que estas não sejam as verdadeiras e atuais titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar e sem que tal determine ulteriores anulações do processo.
IV - O juiz pode, oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, assim suprindo a inércia, erro ou negligência do expropriante e evitando que, por incompleta indicação por este dos interessados, a instância seja julgada extinta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1058/08.0TBFLG.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I - A inércia das partes pode determinar a deserção da instância, o que ocorre quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses ou, tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, este se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, em qualquer caso por negligência das partes e carecendo de ser julgada por despacho do juiz.
II - Na ponderação a fazer, o juiz não pode deixar de considerar o dever de gestão processual que recai sobre si próprio, nos termos enunciados no artigo 6.º do Código de Processo Civil.
III - No âmbito da expropriação e relativamente aos intervenientes processuais, releva o denominado princípio da legitimidade aparente, perante o qual a expropriante pode dirigir-se às entidades constantes das respetivas inscrições prediais e fiscais, mesmo que estas não sejam as verdadeiras e atuais titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar e sem que tal determine ulteriores anulações do processo.
IV - O juiz pode, oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, assim suprindo a inércia, erro ou negligência do expropriante e evitando que, por incompleta indicação por este dos interessados, a instância seja julgada extinta.
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
No âmbito dos presentes autos de expropriação litigiosa, é expropriante a sociedade Infraestruturas de Portugal, S.A., antes denominada EP, Estradas de Portugal, S.A., melhor identificada nos autos.
1. - Está na origem do processo a expropriação de uma parcela de terreno, identificada pela referência …, relativa à obra “A../IP.: … – … – IP../A.., Sublanço … – …”, com a área de 1.553 m2, a destacar de um prédio situado na freguesia …, concelho de Felgueiras, inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo 253 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o número 491/20060731.
Após a realização da arbitragem e em obediência ao disposto no artigo 51.º, n.º 1, do Código das Expropriações, a expropriante remeteu ao respetivo tribunal de comarca, então Tribunal Judicial de Felgueiras, em 5 de maio de 2008, o processo de expropriação, consignando constarem como proprietários B… e C… e incluindo no processo documentação vária, nomeadamente, guia de depósito no valor correspondente ao que foi atribuído em sede de arbitragem (fls. 5), acórdão de arbitragem (fls. 6 a 10), auto de posse administrativa (fls. 27), relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” (fls. 34 a 40), certidão de registo predial (fls. 73 e 74) e certidão das Finanças (fls. 77).
Determinada a notificação dos expropriados, ambas as cartas vieram devolvidas, com a menção de “Faleceu” em relação a B… (fls. 90) e com a menção de “Destinatário desconhecido” em relação a C… (fls. 91), constando de ulterior informação, de 28 de maio de 2008, solicitada às autoridades policiais, ser esta desconhecida na morada e desconhecer-se o atual paradeiro (fls. 92 e 94).
Em 2 de junho de 2008, o tribunal de comarca proferiu o despacho a que se refere o artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações, adjudicando a propriedade da parcela à entidade expropriante (teor de fls. 96).
Este despacho foi notificado à expropriante; perante a devolução (fls. 102 e 103) das notificações enviadas a B… e C…, na qualidade de expropriados, em 6 de junho de 2008 foi pedido a solicitador de execução que promovesse a citação dos mesmos.
Em 24 de junho de 2008, pelo solicitador de execução foi citado D…, na alegada qualidade de cabeça de casal da herança de B… (teor de fls. 148) e de C… (teor de fls. 149), sendo consignado nas certidões que os citandos já tinham falecido (teor de fls. 150).
Em 25 de junho de 2008, a expropriante – então denominada “EP, Estradas de Portugal, S.A.” – apresentou recurso da decisão arbitral (original a fls. 114).
Em 15 de julho de 2008, foi também apresentado recurso da decisão arbitral por D…, invocando este para o efeito a qualidade de cabeça de casal da herança de B… (original a fls. 130).
Proferido despacho a determinar a notificação deste recorrente, para juntar aos autos documentos comprovativos da qualidade invocada, veio o mesmo dizer (fls. 142) que o nomeado B… faleceu em 7 de dezembro de 1969, no estado de solteiro; sucedeu-lhe como um dos herdeiros seu sobrinho, o ora requerente D…, por ser filho de E…, irmã do nomeado B…, afirmando ainda o
requerente que é o sobrinho mais velho com quem vivia o falecido ao tempo da sua morte, daí resultando a invocada qualidade de cabeça de casal. Apresenta os seguintes documentos: certidão de assento de óbito de B… (fls. 143) e certidões de nascimento, uma referente a si próprio (fls. 144) e outra a sua mãe, E… (fls. 155), confirmando que o requerente é sobrinho de B….
Foi então proferido despacho, em 7 de novembro de 2008, determinando a notificação do “recorrente para apresentar o respetivo incidente de habilitação de herdeiros” (fls. 157).
Nessa mesma data, o mandatário do requerente D… foi notificado deste despacho (fls. 158).
Em 27 de novembro de 2008 foi proferido despacho (fls. 159) determinando que os autos aguardassem “o impulso processual das partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 51.º, n.º 2, alínea b), do Código das Custas Judiciais e 285.º do Código de Processo Civil” (redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, reportando-se esta norma à interrupção da instância). Os mandatários da expropriante e do requerente D… foram notificados deste despacho (fls. 160 e 161).
A expropriante veio então apresentar requerimento, em 5 de dezembro de 2008, onde afirma que, tendo apresentado o recurso da decisão arbitral, não recebeu desde então qualquer outra notificação, perante o que, desconhecendo qualquer movimentação processual posterior, entende não ser compreensível o que vinha de ser decidido. Concluiu requerendo que fosse esclarecido este despacho (de 27 de novembro de 2008).
Em 11 de dezembro de 2008, na sequência de despacho que o determinou (teor de fls. 168), a expropriante foi notificada do teor de fls. 142 (requerimento de D…, acima referido) e 157 (despacho de 7 de novembro de 2008, determinando a notificação do “recorrente para apresentar o respetivo incidente de habilitação de herdeiros”, também acima referido).
A expropriante, em 8 de janeiro de 2009 (teor de fls. 170), veio requerer que se insistisse com os apresentantes dos documentos para que informassem se a habilitação de herdeiros se encontrava efetuada, devendo nesta hipótese juntar prova da mesma e requerendo, na eventualidade de não ser comprovada a habilitação de herdeiros ou a mesma não ser requerida judicialmente em apenso aos presentes autos, a nomeação de um curador provisório, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 41.º do Código das Expropriações. Argumenta nos seguintes termos: resulta dos documentos juntos que o falecimento do expropriado é anterior ao processo; nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do CE/99 (dispositivo que estabelece um desvio notável relativamente ao regime comum) o
falecimento de qualquer interessado só determina a suspensão da instância depois da adjudicação da propriedade e da posse, ou só da primeira conforme o caso; nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 40.º do mesmo diploma legal, é reconhecida a legitimidade da intervenção dos interessados conhecidos na pendência do processo, ao abrigo do princípio da legitimidade aparente que norteia todo o processo expropriativo.
Em 14 de janeiro de 2009, na sequência de despacho que o determinou, D… foi notificado nos termos e para os efeitos requeridos pela expropriante, a fls. 170.
Em 6 de fevereiro de 2009, sem qualquer outro desenvolvimento processual, foi proferido despacho determinando que os autos aguardassem o impulso processual das partes; os mandatários do expropriante e do requerente D… foram notificados deste despacho.
Em 20 de fevereiro de 2009, a expropriante solicitou a aclaração deste despacho proferido em 6 de fevereiro, requerendo ainda a notificação do despacho que recaiu sobre o seu requerimento de 8 de janeiro de 2009.
Através de requerimento de 10 de março de 2009 (fls. 174), D… apresentou nos autos, relativamente à identificação dos herdeiros de B…, falecido em 1969, os seguintes documentos:
- Certidão de escritura de habilitação de herdeiros, lavrada em 27 de abril de 2005 e onde se declara serem seus herdeiros três irmãos germanos que lhe sobreviveram e que entretanto também tinham falecido (incluindo E…) e catorze sobrinhos, sendo estes em representação de dois outros irmãos germanos previamente falecidos (teor de fls. 175 a 182);
- Certidão de escritura de habilitação dos herdeiros de E… (irmã de B…) e marido F…., entretanto falecidos em 1976 e 1977 e onde se declara serem seus únicos herdeiros os cinco filhos do casamento, incluindo o requerente D…, tendo sido lavrada a escritura em 18 de maio de 1983 (teor de fls. 183 a 189).
Proferido despacho determinando o exercício do contraditório, a expropriante, em 17 de março de 2009, foi notificada deste despacho e do teor do requerimento e documentos de fls. 174 a 189, anteriormente referidos.
O interessado D…, notificado para identificar o nome e as moradas dos sucessores do falecido B…, em 24 de setembro de 2009 veio dizer que tais elementos já constavam dos documentos juntos a fls. 174 e seguintes; em 18 de fevereiro de 2010, tendo sido notificado para o efeito, veio indicar a morada da sucessora G….
Em 25 de fevereiro de 2010, foi determinada a notificação de D… para juntar aos autos a habilitação de C…, o que não se concretizou, apesar de sucessivas prorrogações de prazo, vindo o respetivo mandatário a comunicar, em 26 de janeiro de 2011, o falecimento de D… – ocorrido em dia não determinado de dezembro de 2010 – e a juntar, em 8 de junho de 2011, a respetiva certidão de óbito (fls. 217) e cópias certificadas da respetiva habilitação de herdeiros (fls. 220 a 222) e de testamento (fls. 223 a 226).
Em 14 de fevereiro de 2011, a expropriante foi notificada do despacho que ordenou que fosse levada ao seu conhecimento a informação do falecimento de F… e, em 14 de junho de 2011, foi notificada dos aludidos documentos de fls. 215 a 226.
Por despacho exarado em 4 de setembro de 2012, foi determinada a notificação do mandatário do cabeça-de-casal, D…, para, atento o falecimento deste, informar no prazo de 10 dias a pessoa que passou a exercer o cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de B…, devendo comprovar tal qualidade a fim de os autos poderem prosseguir; a notificação foi remetida em 5 de setembro de 2012.
Em 15 de julho de 2013 foi proferido despacho (fls. 232 e 233 dos autos) com o seguinte teor:
«Nos presentes autos, verifica-se que os expropriados B… e C…, e em nome de quem ainda se encontra registada a parcela objeto da presente expropriação, faleceram.
Assim sendo, os presentes autos não podem prosseguir os seus trâmites sem estar regularizada a presente instância quanto aos mesmos, uma vez que, neste momento, e em termos processuais não temos ninguém com legitimidade reconhecida para seguir, em sua representação os trâmites da presente expropriação; nem tão pouco sabemos se o recurso interposto a fls. 125 e ss. dos autos, e como sendo dos expropriados o foi por pessoa legitimada para tal.
Dos autos apenas constam várias habilitações de herdeiros, e de onde se pode aferir que relativamente ao expropriado B… já são conhecidos os seus sucessores; no entanto, quanto à expropriada C… desconhece-se por completo quem são os mesmos; além de que, não foi por nenhuma das partes deduzido qualquer incidente de habilitação.
No entanto, o Tribunal não pode substituir-se às partes, e cumpre às partes e principais interessados pelo regular andamento do processo e pela regularização da instância.
Assim sendo, deverão as mesmas ser notificadas para a regularização da presente instância (Entidade Expropriante, inclusive); sendo que, no caso dos expropriados, deverão ser notificados os sucessores conhecidos dos mesmos e constantes das diversas habilitações de herdeiros dispersas que foram sendo juntas.
Notifique e DN.»
Este despacho foi notificado às diferentes pessoas identificadas nas certidões de fls. 175 a 189, na qualidade de “habilitados”, determinando-se diligências no sentido de obter a morada de quatro dos destinatários cujas cartas vieram devolvidas com a menção de “endereço insuficiente”.
Por requerimento de 11 de outubro de 2013, notificado à mandatária da expropriante por via eletrónica, H… informou os autos relativamente aos herdeiros de C…, informando ainda que esta faleceu em 13 de setembro de 1927.
Pelo requerimento de fls. 255, foi presente nos autos, em 14 de janeiro de 2014, a indicação dos nomes e moradas dos herdeiros sobrevivos de C…, sendo proferido despacho a determinar que se desse conhecimento do seu teor às partes (teor de fls. 258), o que se materializou na notificação dos mandatários constituídos, incluindo da expropriante.
Em 12 de fevereiro de 2014 foi determinado que, atento o despacho proferido a fls. 232 e 233, acima transcrito, os autos aguardassem “o devido impulso processual ou que algo seja requerido”.
Este despacho e o que consta a fls. 232 e 233 foram notificados aos dois mandatários constituídos nos autos, incluindo da expropriante.
Por despacho de 11 de novembro de 2014 foi determinada a requisição, entre outros documentos, de certidão completa e narrativa do prédio a que se reportam os autos, constando a mesma de fls. 267 a 272 dos autos, emitida em 19 de dezembro de 2014, registando os titulares ativos nas proporções de 1/6 e 1/12 (por sucessão) e 9/12 (por sucessão hereditária, sendo aqui sujeito passivo B…).
Em 8 de janeiro de 2015 foi proferido o seguinte despacho (fls. 273):
«Fls. 272.
Conforme resulta da certidão do registo Predial de fls. 73/74 e da certidão do Registo Predial completa cuja junção aos autos foi ordenada pelo Tribunal, o único que assume a qualidade de expropriado da parcela n.º … (parcela deste autos) é B… e, não C…, tal como consta do despacho de adjudicação de fls. 96.
Encontra-se junto aos autos a certidão do assento de óbito do Expropriado, da qual resulta que o seu decesso data de 07/12/1969.
Não obstante tal realidade, em 02/06/2008 foi proferido o despacho de adjudicação da propriedade da parcela que foi notificado à Entidade Expropriante (cfr. fls. 99).
Atento o exposto e, ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código das Expropriações julgo suspensa a presente instância.
Notifique, sendo com cópia de fls. 96, de fls. 99, de fls. 143 e de fls. 268 a fls. 271 para melhor esclarecimento.»
Este despacho foi notificado aos dois mandatários constituídos nos autos, com cópias dos documentos mencionados, incluindo a mandatária da expropriante, conforme teor de fls. 275.
Em 9 de julho de 2015, a expropriante apresentou requerimento (teor de fls. 276 a 279) expressando o entendimento de que «devem os autos prosseguir para conhecimento da habilitação dos herdeiros de D…, como interessados nos presentes autos, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 40.º do CE/99», requerendo que tal seja ordenado, depois de ouvidas as herdeiras habilitadas à herança de D…, identificadas a fls. 218 e seguintes.
Apreciando este requerimento, foi proferido despacho em 21 de setembro de 2015 (fls. 280), afirmando que não foi deduzido qualquer incidente de habilitação de herdeiros nestes autos, pelo que se mantinha suspensa a instância «até que tal suceda com a correspetiva notificação sentença de habilitação de herdeiros (artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil)». Este despacho foi notificado, nomeadamente, à expropriante, conforme teor de fls. 281.
Em 2 de novembro de 2015 foi proferido despacho nos seguintes termos:
«Atenta a data do despacho que determinou a suspensão da instância (08/01/2015) e o disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem.»
O despacho foi notificado aos mandatários constituídos, nomeadamente, da expropriante (fls. 284), que nada disseram.
Foi então proferida, em 27 de novembro de 2015, a decisão que é objeto do presente recurso, nos seguintes termos:
«Nestes autos de ação especial de expropriação litigiosa em que assume a qualidade de Expropriante E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E. e assumem a qualidade de Expropriados B… e C…, foi adjudicada à Entidade Expropriante a parcela n.º … de terreno com a área de 1.553 m2, a destacar do prédio situado no lugar de …, freguesia …, Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 491 e inscrito à matriz rústica sob o artigo 253.º (cfr. despacho de fls. 96).
A Entidade Expropriante interpôs o recurso de fls. 115 a fls. 123 ao Acórdão Arbitral.
O cabeça-de-casal D…, em representação da herança aberta por óbito de B…, interpôs de fls. 130 a fls. 132 recurso à decisão arbitral.
Por despacho de fls. 159, datado de 27/11/2008, foi ordenado que os autos aguardassem o impulso processual das partes.
Em 8 de janeiro de 2015 proferiu-se um despacho a explicar e decidir quem é Interessado/Expropriado, mais se determinou a suspensão da instância nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Código das Expropriações, com fundamento no decesso do Expropriado B….
O referido despacho foi regularmente notificado às partes, conforme resulta documentado a fls. 274 e a fls. 275.
Até à data não foi deduzido qualquer incidente de habilitação de herdeiros, conforme verificado pelo despacho de fls. 280.
Por despacho de fls. 283, determinou-se a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a deserção da presente instância.
Regularmente notificado tal despacho às partes, conforme resulta documentado a fls. 284 e a fls. 285, nada vieram dizer aos autos.
Cumpre decidir.
Aqui chegados, conclui-se que nenhuma das partes praticou o ato processual indispensável para a prossecução dos autos, dedução do incidente habilitação de herdeiros do Expropriado, que também poderia ser deduzido pela Entidade Expropriante nos termos do artigo 351.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviveram como qualquer dos sucessores (…)” (sublinhado nosso).
Ninguém deduziu o incidente.
Ninguém se pronunciou sobre a declaração de deserção quando notificados para tal.
Decorrido o prazo a que alude o artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, continua sem se praticar o único impulso processual adequado para a prossecução dos autos, pelo que se impõe declarar a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, com a consequente extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea c), do mesmo diploma legal.
Decisão.
Com os fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar deserta e, por conseguinte, extinta a instância, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 1 e n.º 4 e 277.º, alínea c), ambos do Código de Processo Civil.
Notifique.
Sem custas por não serem devidas.
No que toca à quantia depositada nos autos, aguardem os autos o prazo a que alude o artigo 37.º, do Regulamento das Custas Processuais.
(…)»
2.1 - A expropriante, não se conformando com a sentença proferida, veio interpor recurso, concluindo a motivação nos seguintes termos:
«1) - Não estão os autos a aguardar o impulso processual das partes, estão os autos a aguardar o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 40.º do CE/99, por duas vezes requerido; aguardando-se como tal despacho de pronúncia até à data não conhecido muito haveria a fazer pelo Tribunal e não pelo expropriante antes de julgar a instância deserta por falta de impulso processual das partes.
2) - Em nome do princípio da colaboração e da adequação formal, o Tribunal a quo tinha por dever (i) chamar aos autos as pessoas constantes da escritura de habilitação, (ii) ordenar as diligências necessárias à nomeação de um curador provisório, bem assim como (iii) ordenar a intervenção do Ministério Público em representação do Estado.
3) - Nos termos do disposto no artigo 2133.º n.º 1 alínea e) do CC, é o Estado sucessor do interessado conhecido; nessa medida, impunha-se desde logo a intervenção do Ministério Público em representação do Estado.
4) - Não se entende por que razão estariam os autos a aguardar o impulso do expropriante, quando este não é responsável senão por impulsionar o seu recurso de arbitragem.
5) - Falhando a habilitação de herdeiros, não é o expropriante responsável pelo impulso dos autos, devendo o Tribunal suprir oficiosamente essa deficiência ou até antecipar-se a ela, cumprindo o n.º 2 do artigo 41.º do Código das Expropriações.
6) - Ordenar a suspensão da instância sem mais, sem dar vista ao Ministério Público, sem chamar os herdeiros conhecidos, sem se pronunciar quanto ao requerido cumprimento do n.º 2 do artigo 40.º do CE/99, julgando deserto um recurso (que nem sequer se chegou a admitir!) e consignar em depósito o montante da decisão arbitral, é uma arbitrariedade e uma violação do interesse público.
7) - O processo de expropriação é um processo que necessita de um maior poder de iniciativa do julgador na remoção dos obstáculos, quando as partes conhecidas não podem fazer mais – sozinhas – para permitir a concretização do litisconsórcio necessário passivo, não pode o julgador limitar-se a suspender a instância até que as partes impulsionem a habilitação.
8) - Perante o princípio da legitimidade aparente instrutor do processo de expropriação, a obrigatoriedade do expropriante requerer a habilitação torna-se incompreensível.
9) - O regime da deserção não deve ser aplicado aos processos de expropriação (cfr. Ac de 09-07-2015 da RL “É duvidoso que no processo de expropriação, atento o seu carácter publicista, seja aplicável o instituto da deserção da instância com a correspetiva extinção”).
10) - No entanto, mesmo que assim se não entendesse, no que se não concede, ainda assim não decorreu o prazo de seis meses a que se refere o artigo 281.º n.º 1 do CPC, na medida em que se suspenderia sempre nas férias judiciais.
11) - O tribunal a quo não pode fazer uma aplicação automática da deserção como foi feito, ou seja, mediante a mera verificação do prazo de seis meses desde o despacho que ordenou a suspensão da instância. O Dign.º Tribunal recorrido tinha de ter identificado que impulso processual é que era esperado de cada uma das partes e que conduta é que foi omitida.
12) - Posteriormente à decretada suspensão da instância, a 09 de julho de 2015, a aqui recorrente requereu ao tribunal que fossem desencadeadas várias diligências pelo Tribunal, isto porque havia informação nos autos de quem eram os herdeiros do expropriado.
13) - Para que seja julgada a instância extinta por deserção é preciso que resulte demonstrado que essa paragem seja devida a uma injustificada inércia da parte com o ónus de promover o prosseguimento dos autos. Não resulta demonstrado que o expropriante seja responsável pelo impulso de nada quanto à habilitação, tanto mais que, conforme já se referiu, as habilitações estão feitas, são conhecidas, e o que deveria era o Tribunal recorrido ter promovido a notificação desses herdeiros.
14) - Impunha-se ainda, e isto porque não é a deserção um instituto que opere automaticamente, que o Tribunal informasse das diligências que promoveu oficiosamente e qual o seu resultado e o que decidiu quando lhe pediram expressamente o cumprimento do n.º 2 do artigo 40.º
15) - E não basta dizer que se informou as partes que os autos estavam suspensos desde 08 de
janeiro de 2015. Para além do decurso do prazo de seis meses desde a decretada suspensão, era preciso que fossem os autos informados dos resultados das diligências que o tribunal deveria ter oficiosamente desencadeado em ordem à convocação dos herdeiros conhecidos.
16) - Decretada a suspensão, ainda assim há que proceder à prática de atos urgentes, na medida em que a organização da representação legal é um ato urgente.
17) - Tendo os presentes autos informação da escritura de habilitação de herdeiros de B…, o Tribunal recorrido deveria ter oficiosamente procedido à sua habilitação, não só quando teve conhecimento da escritura de habilitação de B…, mas também quando teve conhecimento dos herdeiros habilitados do sobrinho e cabeça de casal D… pelo que, nestas circunstâncias e tal como se sumariou no Ac. da Relação de Lisboa de 09-07-2015 “dispondo nos autos dos elementos necessários, deva oficiosamente proceder à habilitação dos herdeiros do expropriado falecido”.
18) - O Dign.º Tribunal recorrido decretou a extinção da instância antes mesmo de ter conhecido da admissibilidade do recurso de arbitragem que o expropriante interpôs. A instância sempre teria de se considerar extinta antes de se ter iniciado e portanto, não deveria ter sido ordenado o disposto no artigo 37.º do CE/99, mas sim a devolução do processo de expropriação administrativo ao expropriante.
19) - O tribunal recorrido ao não conhecer dos pedidos para cumprimento do disposto no n.º e do artigo 41.º do CE/99, absteve-se de se pronunciar sobre pedido de que devesse conhecer, pelo que a decisão proferida é nula, nulidade esta que desde já se invoca.
20) - O Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 6.º do CPC, o artigo 40.º n.º 2 e o artigo 41.º n.º 2 e o 615.º n.º 3 do CPC.»
Termina afirmando que se deve julgar procedente por provado o recurso, revogando-se a decisão recorrida que julgou a instância extinta e ordenando-se a sua substituição por outra que julgue a instância em curso, ordenando-se ainda que sejam realizadas as diligências que oficiosamente se tenham por necessárias à intervenção dos herdeiros habilitados do expropriado.
2.2 - Não houve qualquer resposta.
3. Colhidos os vistos e na ausência de razões que obstem ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela recorrente definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui precisar, traduzindo-se nas seguintes questões:
■ A alegada nulidade da sentença recorrida.
■ O procedimento do tribunal perante o falecimento do expropriado, em processo de expropriação, e a alegada inaplicabilidade neste processo do regime da deserção e não preenchimento dos respetivos requisitos, aqui se incluindo a alegada falta de decurso do prazo para que se verifique a deserção.
II)
Fundamentação
1. Matéria de facto.
Relevam aqui os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório que antecede.
2. A alegada nulidade da sentença recorrida.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade por omissão de pronúncia decorre do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma legal – onde se determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução que tenha sido dada a outras, e que não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Acolhendo o ensinamento ainda atual do Prof. Alberto dos Reis, não enferma da nulidade a sentença “que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (“Código do Processo Civil Anotado”, volume V, páginas 142 e 143).
No caso dos autos, ao longo dos vários anos em que, em termos anómalos, se tem prolongado o processo, verifica-se a sucessão de atos que se deixou parcial e sumariamente enunciada, culminando na prolação da sentença que julgou extinta a instância, por deserção, sendo esta – no que concerne ao processo civil e como regra geral – a consequência da inércia das partes.
A recorrente pretende que se verifica a nulidade desta sentença porque não se pronunciou relativamente ao cumprimento do disposto nos artigos 40.º, n.º 2, e 41.º, n.º 2, do Código das Expropriações.
A este propósito, em 8 de janeiro de 2009, a expropriante veio requerer que se insistisse com os apresentantes dos documentos reportados ao falecimento do expropriado B…, para que informassem se a habilitação de herdeiros se encontrava efetuada e, na afirmativa, o comprovassem, requerendo ainda a nomeação de um curador provisório, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 41.º do Código das Expropriações. Em 14 de janeiro de 2009, na sequência de despacho que o determinou, D… foi notificado nos termos e para os efeitos assim requeridos. Em 6 de fevereiro de 2009, sem qualquer outro desenvolvimento processual, foi proferido despacho determinando que os autos aguardassem o impulso processual das partes, o que tem implícito o entendimento de que a estas cabe diligenciar pelo prosseguimento dos autos.
Em despacho de 15 de julho de 2013, o tribunal expressou o entendimento de que não lhe cabe a regularização da instância, não podendo substituir-se às partes para esse efeito, determinando a notificação de todos os interessados para a regularização da presente instância, incluindo a entidade expropriante, e no caso dos expropriados, a notificação dos sucessores conhecidos dos mesmos e constantes das diversas habilitações de herdeiros dispersas que foram sendo juntas (reportando-se às certidões de fls. 175 a 189 e de fls. 221 e 222, antes mencionadas).
Em 9 de julho de 2015, a expropriante apresentou requerimento expressando o entendimento de que «devem os autos prosseguir para conhecimento da habilitação dos herdeiros de D…, como interessados nos presentes autos, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 40.º do CE/99», requerendo que tal seja ordenado, depois de ouvidas as herdeiras habilitadas à herança de D…, identificadas a fls. 218 e seguintes.
Apreciando este requerimento, foi proferido despacho em 21 de setembro de 2015, afirmando que não foi deduzido qualquer incidente de habilitação de herdeiros nestes autos, pelo que se mantinha suspensa a instância «até que tal suceda com a correspetiva notificação da sentença de habilitação de herdeiros (artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil)». Este despacho tem implícito o entendimento de que não se verificam os pressupostos enunciados nos artigos 40.º, n.º 2, e 41.º, n.º 2, do Código das Expropriações.
Neste entendimento, perante as anteriores decisões em que se determinou a notificação das partes para impulsionarem os autos e a decisão que, ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código das Expropriações, julgou suspensa a instância, considerando que cabia às partes suscitarem a intervenção dos herdeiros dos expropriados falecidos, o tribunal proferiu a decisão sob recurso, sem que haja omissão de pronúncia, quando é certo que pressupõe ainda que não deixam de operar as normas que disciplinam a habilitação de herdeiros.
Assim, não se afigura que haja a pretendida omissão de pronúncia e que a sentença recorrida esteja por essa via ferida de nulidade: entendendo que cabia aos expropriados e à própria expropriante suscitarem a habilitação dos herdeiros dos falecidos expropriados e que os mesmos, durante mais de seis meses, nada diligenciaram, fez operar a deserção.
Importa então ver se não se mostram preenchidos os requisitos da deserção e, como pretende o recorrente, o procedimento que se impõe ao tribunal em processo de expropriação, perante o falecimento de expropriado, sem que tenha aqui aplicação o regime da deserção.
3. Breve enquadramento legal.
Considerando as regras gerais de processo civil vigentes na data em que os presentes autos deram entrada em juízo, a instância suspendia-se quando falecesse alguma das partes, sendo que, junto ao processo documento que provasse o falecimento ou a extinção de qualquer das partes, ocorria de imediato a suspensão, salvo se já tivesse começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estivesse inscrito em tabela para julgamento, casos em que a instância só se suspendia depois de proferida a sentença ou o acórdão, cessando a suspensão, neste caso, quando fosse notificada a decisão que considerasse habilitado o sucessor da pessoa falecida [artigos 276.º, n.º 1, alínea a), 277.º, n.º 1, e 284.º, n.º 1, do Código de Processo Civil].
Assim, o prosseguimento dos autos pressupunha a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, a qual podia ser promovida tanto por qualquer das partes que sobrevivessem como por qualquer dos sucessores e devia ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não fossem requerentes, com simplificação se a qualidade de herdeiro ou aquela que legitimasse o habilitando para substituir a parte falecida já estivesse declarada noutro processo, por decisão transitada em julgado, ou reconhecida em habilitação notarial (artigos 371.º, n.º 1, e 373.º).
A inércia das partes tinha consequências: considerava-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando estivesse interrompida durante dois anos, sendo a deserção julgada no tribunal onde se verificasse a falta, por simples despacho do juiz ou do relator e determinando a extinção da instância – artigos 291.º e 287.º, alínea c), do Código de Processo Civil.
Estas regras não prejudicavam o poder de direção do processo pelo juiz, enunciado no artigo 265.º.
A reforma da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, ocorrida no decurso da presente ação e aplicável nos seus termos subsequentes (artigo 5.º da referida lei), manteve estas regras gerais, com algumas alterações.
Assim, as regras relativas à suspensão da instância mantêm-se nos artigos 269.º, n.º 1, alínea a), 270.º, n.º 1, e 276.º, n.º 1), do Código de Processo Civil, na atual redação deste diploma.
O prosseguimento dos autos continua a pressupor a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, nos termos antes enunciados e que agora constam nos artigos 351.º, n.º 1 e 353.º.
E, com alguma diferenciação relativamente ao regime anterior, a inércia das partes continua a ter consequências: considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses ou, tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, este se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes, sendo a deserção julgada no tribunal onde se verifique a falta, por despacho do juiz ou do relator, continuando a deserção a determinar a extinção da instância – artigos 281.º e 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil).
Importa no entanto salientar que “a deserção da instância, enquanto causa da extinção da instância, deixou de ser automática, carecendo de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial”, pelo que, “no despacho que julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de fazer uma valoração do comportamento destas, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta efetivamente da sua negligência, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, e por força do princípio da cooperação, reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto” – acórdão proferido em 26 de fevereiro de 2015, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 2254/10.5TBABF.L1-2, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt).
E, na ponderação a fazer, o juiz não pode deixar de considerar o dever de gestão processual que sobre si recai, nos termos enunciados no artigo 6.º do Código de Processo Civil, estabelecendo que cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio, em prazo razoável, providenciando oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo, gerindo o processo de modo a obter andamento célere em colaboração com as partes (artigo 7.º do mesmo diploma). E aqui cabe a obrigação de explicitar nos autos um concreto dever que caiba sobre uma ou ambas as partes, de modo que as mesmas fiquem conscientes de que o processo aguarda o seu impulso sob pena de deserção.
No caso específico do processo de expropriação, o mesmo dá satisfação ao princípio enunciado no artigo 62.º da Constituição, com as particularidades exigidas pela sua razão de ser e as regras enunciadas em legislação própria, resultante da Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, e subsequentes alterações.
O processo expropriativo desenvolve-se em duas fases distintas, o que mais se evidencia em relação à expropriação litigiosa, seguindo-se a uma fase inicial essencialmente administrativa uma fase judicial, sem prejuízo da intervenção de órgãos judiciais na fase inicial, nomeadamente em defesa do expropriado.
É assim que, relativamente aos intervenientes processuais e acolhendo o ensinamento de José Osvaldo Gomes (“Expropriações por Utilidade Pública”, páginas 371 e 377), releva o denominado princípio da legitimidade aparente, “pelo que a expropriante pode dirigir-se às entidades
constantes das respetivas inscrições prediais e fiscais (…), mesmo que estas não sejam as verdadeiras e atuais titulares dos direitos que incidem sobre o imóvel a expropriar”; da consagração deste princípio emergem como corolários lógicos que a não intervenção do verdadeiro titular dos direitos em causa não determina, em regra, a anulação dos atos já realizados e, se o proprietário já tiver falecido ou falecer entretanto, desconhecendo-se os seus herdeiros, não é necessário fazer-se a habilitação daqueles, continuando o processo os seus termos legais e a instância só se suspenderá depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse, prevalecendo aqui razões de celeridade processual e, principalmente, de interesse público; e, se for o Estado o sucessor do interessado falecido, nos termos do artigo 2133.º, n.º 1, alínea e), do Código Civil, não haverá lugar à suspensão da instância, prosseguindo o processo com o Ministério Público a intervir em representação do Estado.
Nesse enquadramento, estabelece o artigo 40.º do Código das Expropriações que têm legitimidade para intervir no processo a entidade expropriante, o expropriado e os demais interessados (n.º 1), sendo que a intervenção de qualquer interessado na pendência do processo não implica a repetição de quaisquer termos ou diligências (n.º 2).
O conceito de interessado é definido pelo artigo 9.º do Código das Expropriações, nos termos do qual se consideram interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos (n.º 1), tendo-se por interessados os que no registo predial, na matriz ou em títulos bastantes de prova que exibam figurem como titulares dos direitos antes referidos ou, sempre que se trate de prédios omissos ou haja manifesta desatualização dos registos e das inscrições, aqueles que pública e notoriamente forem tidos como tais (n.º 3).
E nos termos do artigo 41.º do mesmo diploma, o falecimento, na pendência do processo, de algum interessado só implica a suspensão da instância depois de notificada à entidade expropriante a adjudicação da propriedade e posse, esta no caso de não ter havido investidura administrativa (n.º 1); havendo interessados incapazes, ausentes ou desconhecidos, sem que esteja organizada a respetiva representação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, nomeia-lhes curador provisório, que será, quanto aos incapazes, na falta de razões ponderosas em contrário, a pessoa a cuja guarda estiverem entregues (n.º 2), na certeza de que, no caso de o processo de expropriação ainda não se encontrar em juízo, o juiz determina a sua remessa imediata, para os efeitos do número anterior, pelo período indispensável à decisão do incidente (n.º 3) e que a intervenção do curador provisório cessa logo que se encontre designado o normal representante do incapaz ou do ausente ou passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificara a curadoria (n.º 4).
Na leitura deste quadro legal que é feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão proferido em 9 de julho de 2015, no âmbito do processo 886/06.5TBMFR.L1-2, disponível na base de dados do IGFEJ, antes referida, «o juiz do processo de expropriação, após a adjudicação da propriedade e posse à entidade expropriante, quando tenha conhecimento do óbito de algum interessado, não pode passivamente limitar-se a suspender a instância nos puros termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 269.º e do artigo 270.º Código de Processo Civil, até que se mostre «notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida», desinteressando-se em absoluto do conhecimento destes sucessores. Deverá questionar os restantes interessados no processo relativamente à respetiva identidade, diligenciando, se necessário, em função dessas informações para vir a concretizar tal identidade, pois que, em última análise, se tais sucessores continuarem «desconhecidos», ter-lhes-á que nomear curador provisório e fazer prosseguir o processo, só cessando este a respetiva intervenção quando passem a ser conhecidos os interessados cuja ausência justificou a curadoria.
O que implica, por um argumento de maioria de razão, que dispondo nos autos dos elementos necessários deva oficiosamente proceder à habilitação dos herdeiros do expropriado falecido.
Por isso, concorda-se com o referido no acórdão desta Relação (e Secção) de 22/2/2008 (reporta-se ao acórdão proferido pela Relação de Lisboa no processo 10390/2007-2, igualmente disponível na mesma base de dados) quando no sumário do mesmo se diz que «na fase judicial do processo de expropriação o juiz deve participar ativamente no esforço de determinar quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado», e no respetivo texto, citando-se o Ac RE 27/4/1995 (publicado na “Coletânea de Jurisprudência”, tomo II/1995, página 270) se observa que «a ativa participação do juiz na fase judicial da expropriação para a obtenção da identificação de quem tem legitimidade para intervir no processo na qualidade de expropriado(s) se justifica num processo em que os expropriados são privados da propriedade e/ou da posse sem que tenham recebido ou mesmo sem que tenha sido fixada, em termos definitivos, a indemnização a que têm direito – arts 15.º/2, 51.º/5, 52.º CE».
No citado Ac Relação de Évora admite-se que o «juiz possa oficiosamente ordenar notificações para intervenção no processo dos interessados não chamados», mencionando-se que a notificação oficiosa desses interessados foi admitida no Ac STJ de 20/10/1981, BMJ 315-315, e «pelo menos em termos implícitos» no Ac RE de 2/12/76, CJ 1976, 53-740, Ac RL 12/6/84 CJ 1984, 53-154 e Ac STJ 20/12/84, referindo-se ainda que, «há sérios interesses do expropriado e demais interessados a proteger, que aconselham um papel ativo, oficioso, do juiz, que este não tem noutras ações. Pode, de algum modo, dizer-se que, nesse processo, se esbate o papel de impulsionador e delimitador da ação que, em regra, cabe ao autor, não sendo este a definir, pelo menos nos termos absolutos em que comummente o faz, a relação jurídica controvertida, nos seus aspetos objetivos e subjetivos».
Este entendimento não se restringe ao atual Código das Expropriações; na vigência do anterior código já havia uma leitura ativa relativamente à intervenção do Tribunal, afirmando-se então (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26 de Junho de 1997, no âmbito do processo 0013272, disponível na mesma base de dados): «(…) O objetivo da lei é conseguir que todos os interessados tenham intervenção no processo expropriativo (cf. art. 40.º), prevenindo mesmo o aparecimento de novos interessados (cf. art. 36.º n.º 4). Daí que se entenda poder o juiz, mesmo oficiosamente, ordenar a notificação, para intervenção no processo, dos interessados que o não tenham sido antes.
Trata-se, sem dúvida, de um desvio relativamente ao procedimento adotado para o comum das ações reguladas na lei do processo, em que é o autor que define quem vai figurar do lado passivo e é apenas a pedido das partes que se verifica a intervenção de outros interessados na relação jurídica processual.
Mas a natureza publicística e as demais especificidades do processo de expropriação – e particularmente de expropriação litigiosa – em que os expropriados e demais interessados são privados da propriedade e da posse sem terem recebido ou mesmo sem que tenha sido fixada, de modo definitivo, a indemnização a que têm direito, justificam tal solução, que protege e acautela interesses sérios e reais – e, como tal, dignos de especial proteção – dos interessados.
Como acentua o já citado Ac. Rel. Évora de 27-4-95, o papel de impulsionador e delimitador da ação que, em regra, cabe ao autor, aparece esbatido no processo de expropriação, não sendo ele, neste processo, a definir, em termos absolutos, a relação jurídica controvertida, nos seus aspetos objetivo e subjetivo.
O juiz pode, pois, oficiosamente, chamar ao processo outros interessados que não tenham sido convocados pelo expropriante, assegurando-lhes a defesa dos seus direitos, designadamente no que respeita à fixação da indemnização, assim suprindo a inércia, erro ou negligência do expropriante e evitando que, por incompleta indicação por este dos interessados, a instância seja julgada extinta”.»
4. O procedimento do tribunal perante o falecimento do expropriado, em processo de expropriação, e a alegada inaplicabilidade neste processo do regime da deserção e não preenchimento dos respetivos requisitos, incluindo a alegada falta de decurso do prazo para que se verifique a deserção.
Importa começar por salientar que, apesar das particularidades do processo de expropriação e da intervenção especialmente relevante que aí é atribuída ao juiz no desenvolvimento do processo, não deixa de se verificar a possibilidade de inércia das partes e suas consequências e, nessa medida, a possibilidade de operar a deserção da instância.
No caso dos autos, o processo foi iniciado, na fase judicial, tendo como expropriados B… e C…, alegadamente proprietários do prédio.
Não se evidencia que C… fosse então titular de direito de propriedade relativamente ao prédio em questão, ou qualquer outro direito relevante, constando na certidão de registo predial de fls. 73 como sujeito passivo na aquisição de ½ por B…, em partilha judicial.
Isso mesmo é reconhecido no despacho acima transcrito, proferido em 8 de janeiro de 2015 e que suspendeu a instância.
De qualquer modo, como resulta dos factos que se deixaram sumariados no relatório inicial, pouco depois do ingresso dos autos em tribunal – ocorrido em maio de 2008 – e do início dessa fase processual que é neles afirmado que ambos os alegados expropriados – B… e C… – já tinham falecido, em datas muito anteriores ao desencadear do processo de expropriação, mesmo com referência à fase de procedimento administrativo. A certidão de fls. 143, apresentada nos autos em 2008, comprova que B… faleceu em 7 de dezembro de 1969; em 2013 foi informado nos autos que C… faleceu em 13 de setembro de 1927, sem que no entanto, compulsados os autos, se veja este facto comprovado documentalmente.
Impunha-se nos autos a determinação dos herdeiros do alegado expropriado, B…, enquanto titular
que foi do prédio a que se reportam os autos; opera aqui a princípio da legitimidade aparente, antes caracterizada, na medida em que então já eram interessados na expropriação, não B…, mas os seus herdeiros.
Foi entretanto citado D…, o qual se apresentou nos autos, como herdeiro e cabeça de casal da herança de B…, interpondo recurso da decisão arbitral.
Pelo mesmo e após as ocorrências mencionadas no relatório inicial, vieram a ser apresentadas nos autos a certidão da escritura de habilitação de herdeiros de B…, aí constando a identificação dos diferentes herdeiros, incluindo E…, sua irmã e entretanto falecida, bem como a certidão da escritura de habilitação de herdeiros por óbito desta, mãe do requerente D…, sendo este e os irmãos os seus únicos herdeiros.
Perante estes elementos, não é evidente que estejamos aqui perante incapazes, ausentes ou desconhecidos que justificassem o procedimento enunciado no artigo 41.º, n.º 2, do Código das Expropriações.
Também não estamos perante facto que configure, em bom rigor, os pressupostos do n.º 1 do mesmo artigo 41.º, na medida em que o falecimento de B… não ocorreu na pendência do processo, mas muitos anos antes.
Considerado o quadro legal que anteriormente se deixou enunciado, impunha-se ao tribunal recorrido que – independentemente da intervenção e procedimento da expropriante – providenciasse pela notificação dos interessados, qualidade que resulta do teor dos documentos de fls. 175 a 189, de modo que pudessem intervir nos autos.
Perante os elementos que constam no processo, esse procedimento não se verificou, apenas tendo sido citado D…, ainda que na qualidade de herdeiro e cabeça de casal da herança de B….
Já no decurso do processo este veio a falecer (em dezembro de 2010). A análise dos documentos de fls. 175 a 189 e 221, antes mencionados, evidencia que as herdeiras de D… são comuns à herança de B….
A habilitação de herdeiros, relativamente a D…, não foi suscitada, seja pelos próprios herdeiros, seja pela expropriante.
Contudo, o prolongamento do processo não se restringe a esta omissão e desta não deriva a ausência dessas herdeiras, vindo essencialmente do facto do próprio tribunal não ter determinado a intervenção dos interessados herdeiros de B….
A conjugação destes elementos leva a que se questione a negligência relativa à expropriante, sem que haja fundamento válido para julgar deserta a instância; por outro lado, a intervenção dos interessados não depende de incidente de habilitação, impondo-se que se revogue a decisão recorrida e que, descendo os autos à primeira instância, aí se determine a notificação dos diferentes interessados, habilitados como herdeiros de B… pelas escrituras antes mencionadas, com certidões a fls. 175 a 189, considerando-se ainda a certidão de fls. 220 a 222, do despacho de adjudicação e para os termos do presente processo de expropriação.
Esta conclusão torna inútil a apreciação de outros argumentos da recorrente, particularmente a alegada falta de decurso do prazo para que se verifique a deserção.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, dando provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, que julgou a instância extinta por deserção, devendo os autos prosseguir os seus termos normais e o tribunal recorrido, perante a subsistência da instância, determinar as diligências necessárias à efetiva intervenção dos interessados no âmbito do presente processo de expropriação.
Sem custas.
*
Porto, 7 de julho de 2016.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes