Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0644393
Nº Convencional: JTRP00039925
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
ARGUIDO
DIREITO DE DEFESA
NULIDADE
Nº do Documento: RP200701100644393
Data do Acordão: 01/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 243 - FLS 163.
Área Temática: .
Sumário: Se, no cumprimento do artº 50º do DL nº 433/82, apenas foram fornecidos à arguida os factos objectivos da infracção, sem se esclarecer se a imputação subjectiva era feita a título de dolo ou a título de negligência, ocorre uma nulidade sanável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I

1. Por decisão, de 21/12/2005, da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e Publicidade, foi a arguida sociedade B………., Ldª., condenada na coima de € 16.000,00, pela prática da contra-ordenação p. e p. nos termos dos artigos 12.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril.
2. Inconformada, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, no qual formulou as seguintes conclusões:
«1. À arguida devem ser dados a conhecer todos os factos imputados, o que significa que a notificação inicial dos factos que constituem uma eventual infracção devem incluir a intensidade com que o facto foi praticado.
«2. A notificação inicial no que ao elemento subjectivo diz respeito, não define e concretiza se a entidade autuante entende que a arguida agiu com dolo ou com negligência.
«3. De facto dizer-se que na notificação em causa atendeu-se ao Assento nº1/2003, de 25.01, fazendo-se uma breve explanação das modalidades de culpa possíveis (para quem entenda que é um elemento da culpa e não da ilicitude): dolo ou negligência, não permite em rigor saber qual das duas modalidades está a arguida a ser acusada, quando é notório que só pode ser condenada por uma delas.
«4. O entendimento supra explanado foi sufragado pelo Assento nº 1/2003, publicado no D.R. a 25/01/03.
«5. Assim, a arguida invoca, expressamente, a nulidade decorrente da falta de conhecimento da totalidade dos elementos relevantes, de facto e de direito, no processo (notificação inicial), designadamente quanto à culpa, ex vi art. 2º, da Lei nº 116/99, de 4/8, art. 50º DL nº 433/82, art. 119º do CPP.
«6. A arguida foi acusada e veio condenada de ter cometido um ilícito contra-ordenacional, por se encontrar no dia 16 de Junho de 2005, a laborar sem ter a licença de instalação de estabelecimento industrial.
«7. Há muito tempo que o procedimento contra-ordenacional extinguiu-se por efeito de prescrição dado que sobre a prática da contra-ordenação já decorreram 18 anos!!
«8. A recorrente instalou-se naquelas instalações no ano de 1986.
«9. A considerar-se que a arguida praticou o ilícito, sempre se dirá que a coima aplicada é manifestamente excessiva.
«10. A arguida não retirou qualquer benefício económico do cometimento da infracção.
«11. A arguida é uma micro-empresa, laborando apenas com 7 trabalhadores.
«12. E encontra-se actualmente a passar por uma crise, fruto da conjuntura económica que o país atravessa.»
3. Distribuído o recurso ao ..º juízo criminal de Matosinhos, com o n.º …/05.1EAPRT, veio a ser decidido por simples despacho, de 16/05/2006, nos termos do artigo 64.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro[1].
Foi concedido parcial provimento ao recurso, quanto à medida da coima, que foi reduzida para € 9.000,00.
4. É dessa decisão do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que vem interposto, pela arguida, o presente recurso, no qual formulou as seguintes conclusões:
«1. A arguida veio condenada de ter cometido um ilícito contra-ordenacional, por se encontrar no dia 16 de Junho de 2005, a laborar sem ter a licença de instalação de estabelecimento industrial.
«2. A contra-ordenação em causa é de produção instantânea, que deve merecer o inerente procedimento a partir do momento em que um estabelecimento industrial se instala em determinado lugar.
«3. Logo como a Recorrente se instalou naquele local em 1986, há muito tempo que o procedimento contra-ordenacional extinguiu-se por efeito de prescrição.
«4. A não verificação da prescrição por parte do Tribunal a quo faz com que o mesmo tenha violado o art. 27º do RGCO.
«5. A Recorrente aquando da impugnação judicial deduzida por forma a colocar em crise a decisão proferida pela entidade administrativa, que no caso vertente foi a Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE), invocou uma nulidade.
«6. Nulidade essa invocada tendo em consideração o douto Assento proferido pelo STJ nº 1/2003, publicado no DR. a 25/01/03, onde se deliberou fixar a seguinte jurisprudência “Quando em cumprimento do disposto no artigo 50º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.”
«7. A notificação inicial da contra-ordenação datada de 07 de Julho de 2005 não fez a imputação subjectiva dos factos à Recorrente, limitando-se a referenciar as modalidades [de] culpa possíveis: dolo ou negligência.
«8. Daqui resulta que a arguida nunca soube de qual das modalidades da culpa estava a ser acusada, motivo pelo qual aquela referência meramente teórica é manifestamente insuficiente para a obrigatória imputação subjectiva dos factos.
«9. Essa omissão, decorrente da falta [de] conhecimento da totalidade dos elementos relevantes, de facto e de direito, no processo (notificação inicial), designadamente quanto à culpa, ex vi art. 50º DL n.º 433/82, consubstancia uma nulidade nos termos dos art. 120º nº 2 alínea d) e nº 3 alínea c) e 122º nº 1 do CPP e 41º nº 1 do RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações), entendimento esse sufragado pelo Assento do STJ n.º 1/2003, publicado no D.R. a 25/01/03.
«10. Assim sendo, o tribunal de 1ª Instância ao decidir como decidiu violou o disposto no Assento do STJ nº 1/2003, publicado no D.R. a 25/01/03, e consequentemente ao não determinar a nulidade invocada, violou os art. 120º nº 2 alínea d) e nº 3 alínea c) e 122º nº 1 do CPP e 41º nº 1 do RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações).»
5. Admitido o recurso, e na sequência da notificação dessa admissão, foi apresentada resposta pelo Ministério Público, no sentido de não merecer provimento.
6. Nesta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º do Código de Processo Penal[2], o Exm.º Procurador-Geral Adjunto expressou a sua opinião de que, de acordo com o “Assento” n.º 1/03, não se deve considerar sanada a nulidade invocada.
7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.
8. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para a audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.
II

Cumpre decidir.
1. Este tribunal conhece apenas de direito (artigo 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
De acordo com as conclusões formuladas pela recorrente B………., Ld.ª - que definem e delimitam o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP) -, as questões objecto de recurso são as de saber:
- se se encontra extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional;
- se, no cumprimento do disposto no artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, foi cometida uma nulidade que afecta o processado posterior.
2. Comecemos por analisar a decisão recorrida e ver como foram tratadas estas questões, objecto do recurso, uma vez que elas já constituíam também objecto do recurso de impugnação judicial.
2.1. Foram dados por provados os seguintes factos:
«a) No dia 16 de Junho de 2005, uma brigada da Guarda Nacional Republicana, do Destacamento Territorial de Matosinhos – Equipa de Protecção da Natureza e do Ambiente, verificou que a sociedade arguida B………., LDA. mantinha em pleno funcionamento uma unidade industrial têxtil sita [à] Rua ………., nº …., ………., ….-…, Matosinhos.
«b) Por despacho camarário de 7 de Agosto de 1985 foi declarado viável a instalação de estamparias, têxteis, tinturarias ou outras funções similar[es] nos armazéns sitos na rua ………., freguesia de ………. (doc. fls 7).
«c) A empresa já funciona naquelas instalações desde 1986.
«d) Tem contratado com a EDP a potência de 108,11 KVA (doc. fls 24 e ss).
«e) No dia 29 de Setembro de 1988 foi dado de arrendamento à arguida dois armazéns sitos na Rua ………. destinados a actividade de estamparia de tecidos e malhas ao quadro e por transferência (doc. a fls 105).
«f) Não possui a necessária licença de instalação de um estabelecimento industrial, nem comprovativo da efectivação de vistoria pela entidade competente.
«g) A arguida já iniciou junto da Direcção Regional da Economia o respectivo processo de licenciamento.
«h) Em 28 de Maio de 1998 foi apresentado um pedido de processo de licenciamento que não teve seguimento por se encontrar deficientemente instruído (doc. a fls 106).
«i) A arguida pagou em Janeiro de 2005 a quantia de 1411 euros pelo arrendamento do 1º e do 2º armazém.
«j) Em 24 de Janeiro de 2005 a arguida foi notificada para apresentar pedido de licenciamento (doc. fls 52).
«k) Em 11 de Maio de 2005 a arguida apresentou pedido de instalação de estabelecimento industrial (fls 18).
«l) Em 23 de Maio de 2005 foi a arguida notificada para juntar elementos em falta ao pedido de autorização apresentado para instalação de um estabelecimento industrial (doc. fls 5).
«m) Em 7 de Julho de 2005 foi a arguida notificada para os efeitos do art. 50º do DL. nº 433/82.
«n) A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, sabia a sua conduta contrária à lei e punível.
«o) Em 2004 a arguida/recorrente apresentou a declaração de rendimentos de fls. 71/72 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
«p) Em 09-03-2006 foi efectuada vistoria às instalações da arguida.
«q) Na sequência da vistoria realizada foi proposto a 14-03-2006 que fosse concedida autorização de exploração, devendo a arguida dar cumprimento no prazo de seis meses a várias condições (assegurar a iluminação natural em todos os locais de trabalho, os operários devem usar de equipamento de protecção, etc.).
«r) Em 17-03-2006 foi autorizada a exploração industrial da actividade de “acabamentos têxteis e estampagem” pela Direcção Regional da Economia do Norte.»
2.2. Consignou-se, sob a epígrafe «Factos não provados», que:
«Não foi apurado nestes autos o concreto benefício económico retirado pela arguida da prática da contra-ordenação.»
2.3. A motivação da decisão de facto é a seguinte:
«A própria arguida não só não pôs em causa a factualidade noticiada, como juntou aos autos documentos que corroboram a factualidade descrita no auto de notícia. Por isso, é de atribuir força incontestável ao auto de notícia.
«Mais se atendeu
«b) Notificação feita a 7 de Julho de 2005 nos termos do art. 50º do RGCOC, reproduzida a fls. 8 e ss e 12 e ss dos autos, cuja existência a arguida não questiona.
«c) Documentos juntos aos autos a fls 5, fls 7, fls. 11, fls. 12, fls. 16 e ss, fls. 24 e ss, fls 46 a 48, fls 50 e ss, fls 104, fls 105 a 118, cuja autenticidade o Tribunal não tem motivos para questionar. E que foram na sua maioria juntos aos autos pela própria arguida. A que acrescem os documentos entretanto apresentados pela arguida/juntos aos autos a fls.131 e 138 e ss, já em Maio do corrente ano.
«d) Relativamente ao facto não provado, não foi produzida prova sobre o mesmo.»
2.4. Sobre a invocada nulidade, a decisão é a seguinte:

«Da nulidade do procedimento contra-ordenacional
«Dispõe o art.º 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (DL 433/82 actualizado pelos Decretos-Lei 356/89, de 17.10 e DL 244/95, de 14.09) que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”
«Ora, no caso dos autos, a recorrente alega que tal basilar direito não foi assegurado, em virtude de a autoridade administrativa não ter especificado se a infracção era imputável a título de dolo ou negligência.
«Parece-nos que não lhe assiste razão.
«Vejamos.
«Antes de mais, importa referir que é necessário distinguir falta de contraditório e os termos da notificação para os efeitos do art. 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCOC).
«In casu, foi assegurado à arguida a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre (doc. a fls 12 e ss dos autos). Desta feita, o que está realmente em causa é a questão da regularidade da notificação feita nos termos do art. 50.º do diploma mencionado.
«Escrevem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral (In Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2003, pág. 135) que: “à excepção desse núcleo – que impede a prolação de decisão sem ter sido dada ao arguido a possibilidade de “discutir, contestar e valorar” (Parecer nº 18/81 da Comissão Constitucional 16º volume pág. 154) – não existe um espartilho constitucional formal que não tolere uma certa maleabilização do exercício do contraditório.
«No domínio do ilícito contra-ordenacional a sua não estreita equiparação ao ilícito penal confere uma maior maleabilidade na conformação concreta das garantias constitucionais o que corresponde à menor ressonância ética do ilícito contra-ordenacional por contraposição às rigorosas exigências de determinação válidas para o ilícito penal”.
«O facto de a autoridade administrativa ter enunciado na notificação feita nos termos e para os efeitos do art. 50º do Decreto-Lei nº 433/82 que os factos foram cometidos a título de dolo ou negligência não constitui nulidade insanável.
«Trata-se de um acto irregular que não obstou ao exercício do direito de defesa do arguido, nem o seu direito a contradizer as imputações feitas. Prova disso é o facto do arguido não ter suscitado a referida irregularidade quando notificado para exercer o seu direito de audição e defesa. Tal acto cai na previsão do nº 2 do art. 118º do Código de Processo Penal (CPP). Está sujeito ao regime do art. 123º do CPP.
«Nesta linha argumentativa, refere Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado e Comentado, Almedina, 2004, pág. 304) que existe “grande margem de apreciação que se dá ao julgador, nos nº 1 e 2, que vai desde considerar a irregularidade inócua e inoperante até à invalidade do acto inquinado pela irregularidade e dos subsequentes que possa afectar, passando-se pela reparação oficiosa da irregularidade. Trata-se de questões a decidir pontualmente pelo julgador, com muita ponderação pelos interesses em equação, maxime as premências de celeridade e de economia processual e os direitos dos interessados.
«Quando a irregularidade não pode afectar o valor do acto praticado é sempre inócua; quando o pode afectar fica sujeita ao regime indicado. Em qualquer dos casos a arguição pelos interessados está sujeita ao apertado regime de tempestividade estabelecido no nº1”.
«Ora, In casu, a irregularidade não afectou o valor do acto praticado. O arguido exerceu validamente o seu direito de defesa, pronunciando-se sobre os factos que lhe são imputados no auto de notícia. E no exercício do direito conferido pelo art. 50º do Decreto-Lei nº 433/82 não invocou “a nulidade decorrente da falta de conhecimento da totalidade dos elementos relevantes, de facto e de direito, no processo (notificação inicial), designadamente quanto à culpa” (doc. a fls 11).
«Pelo que, a irregularidade está sanada, não se mostrando violados os arts. 50º e 53º do Decreto-Lei nº 433/82, nem o art. 18º da Constituição da República Portuguesa.»
2.5. Quanto à prescrição do procedimento contra-ordenacional, a decisão é a seguinte:
«Da Prescrição
«António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral (pág. 74 da obra citada) definem a prescrição como sendo “uma circunstância extintiva da infracção, antes de tudo, incidindo sobre a existência daquela (fazendo-a cessar), tendo apenas, por reflexo, eficácia sobre a acção contra-ordenacional”.
«Preceitua o art. 27º do RGCOC que o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido 5, 3 ou 1 ano conforme à contra-ordenação seja respectivamente aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a 49.879,79 euros, montante igual ou superior de 2493,99 e inferior a 49.879,79, nos restantes casos.
«O nº 1 do art. 21º do Decreto-Lei nº 69/2003 estabelece que:
«“Constitui contra-ordenação, punível com coima cujo montante mínimo é de 50 euros a 100 euros e máximo de 3700 euros a 44.000 euros, consoante se trate de pessoas singulares ou colectivas, salvo a aplicabilidade de outros regimes sancionatórios mais gravosos previstos em diplomas específicos para as infracções em causa:
«a) a instalação ou alteração de um estabelecimento industrial sem que tenha sido efectuado o pedido referido no nº 1 do art. 12º ou emitida a licença a que se refere o nº 8 do mesmo artigo;”
«Acontece que, a arguida é uma pessoa colectiva à qual é imputado o facto de ter iniciado a sua laboração sem licença de exploração industrial ou documento comprovativo de vistoria da entidade coordenadora.
«Por conseguinte, é de 3 anos o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
«Vem a arguida arguir a prescrição do procedimento contra-ordenacional contra ela instaurado.
«Mais uma vez, parece-nos que não lhe assiste razão, senão vejamos.
«Escrevem os autores anteriormente citados (pág. 75 da obra referida) que “Conquanto a lei refira que o prazo de prescrição se conta a partir da prática da contra-ordenação, a verdade é que, em regra, a contagem do prazo de prescrição não deve nem pode ser feita a partir do momento da prática da contra-ordenação, tal como vem definido no art. 5º deste Regulamento, mas antes a partir do momento (dia) em que o facto se tiver terminado (concluído) (…)”.
«Ora, a contra-ordenação praticada pela arguida iniciou-se com a instalação e início da sua actividade. E tal como a própria arguida refere, há mais de dezoito anos que exerce a sua actividade sem a respectiva licença de instalação em violação do preceituado no art. 9º do Decreto-Lei nº 69/2003, de 10 de Abril. Em suma, ainda não se concluiu a conduta ilícita cominada com coima que a arguida praticou. Continua a recair sobre a arguida a obrigação resultante do nº 1 do art. 12º, ou seja, a obrigação de requerer a licença de instalação de estabelecimento comercial. A própria arguida também reconhece ter apresentado pedidos de instalação de estabelecimento industrial vários anos após ter iniciado a sua actividade, o último dos quais no ano 2005.
«É pois de execução permanente a contra-ordenação em causa.
«Assim, ainda não decorreu o prazo prescricional previsto no art. 27º do RGCOC para a violação do art. 12º do Decreto-Lei nº 69/2003. Pelo que, não está prescrita a possibilidade de perseguição e punição da infractora. Não procede a argumentação do recorrente.»
3. Por razões de precedência lógica, há que começar por conhecer a questão de saber se, na notificação a que se refere o artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, foi cometida uma nulidade e, a ter sido cometida, determinar o seu reflexo no processado posterior.
O artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, consagra o direito de audição e defesa do arguido, na fase administrativa do processo de contra-ordenação, estabelecendo que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.
Tendo surgido divergências jurisprudenciais sobre a extensão com que devia ser assegurado tal direito de audição e defesa do arguido, veio o Supremo Tribunal de Justiça a fixar jurisprudência, pelo “Assento” n.º 1/2003, de 16 de Outubro de 2002, aclarado e rectificado em 28 de Novembro de 2002[3], no sentido de que:
«Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de dez dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa.»
A compreensão da jurisprudência fixada, nos termos da decisão transcrita, não se alcança sem a análise da fundamentação do acórdão, ganhando especial relevância o ponto 13 que contém as conclusões que suportam a decisão.
Delas, destaca-se a conclusão IV (objecto de rectificação), com o seguinte teor:
«IV – Se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), no prazo de dez dias após a notificação (artigos 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação [artigos 120.º, n.º 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 120.º, n.ºs 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação) a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1 do regime geral das contra-ordenações.]»
Se se deve reconhecer, em nosso entender, que na notificação efectuada à recorrente, nos termos do artigo 50.º referido, não lhe foram fornecidos todos os elementos necessários para que ficasse a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, por apenas lhe terem sido indicados os factos objectivos integradores da contra-ordenação sem se esclarecer se a imputação subjectiva era feita a título de dolo ou a título de negligência (a notificação bastou-se com a indicação de que a contra-ordenação era punida a título de dolo e a título de negligência), o que traduz uma omissão dos factos relativos ao tipo subjectivo, também se deve reconhecer, na esteira da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a nulidade cometida se encontra sanada.
Com efeito, a recorrente não a arguiu perante a autoridade administrativa e, no recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa (quando ainda era tempestiva a sua arguição), não se limitou a arguir a nulidade. Arguiu-a, mas aproveitou a impugnação, também, para exercer o seu direito de defesa (dele se prevalecendo), abarcando os aspectos omissos na notificação mas presentes na decisão (a prática dolosa da contra-ordenação). As conclusões 6 a 12 do recurso de impugnação são expressão do exercício do direito de defesa da recorrente e, por isso, nos termos dos artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do CPP, e 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, a nulidade deve considerar-se sanada.
Assim, embora por razões não coincidentes com aquelas em que se baseia a decisão recorrida, o recurso tem de improceder, quanto à questão da nulidade, cometida no cumprimento do disposto no artigo 50.º do Decreto-lei n.º 433/82, afectar a validade do processo.
4. Quanto à extinção, por prescrição, do procedimento contra-ordenacional também não assiste razão ao recorrente.
A instalação, alteração e exploração de estabelecimentos industriais estão sujeitos a licenciamento (artigo 9.º do Decreto-lei n.º 69/2003, de 10 de Abril).
A licença de instalação de estabelecimento industrial é a decisão escrita relativa à autorização para instalar um estabelecimento industrial, emitida pela entidade coordenadora (artigo 2.º, alínea r), do diploma acima referido), a qual deve ser pedida à entidade coordenadora e por esta emitida, observadas as condições e exigências impostas por lei (artigo 12.º do diploma).
Constitui contra-ordenação, punível com coima de € 200,00 a € 44.000,00, tratando-se de pessoas colectivas, a instalação de um estabelecimento industrial sem que tenha sido efectuado o pedido de licenciamento de instalação de estabelecimento industrial ou sem que tenha sido emitida a licença de instalação de estabelecimento industrial (artigo 21.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do diploma).
Não podem restar dúvidas de que a contra-ordenação é permanente.
A situação contrária ao direito mantém-se no tempo. Se se inicia mal ocorre a instalação do estabelecimento industrial sem que tenha sido efectuado o pedido de licenciamento, mantém-se no tempo enquanto permanecer essa instalação do estabelecimento industrial sem que cesse o estado anti-jurídico (a falta de pedido de licenciamento). O facto punível reitera-se continuamente e só termina quando cessa a situação típica.
Não contendo o regime geral das contra-ordenações e coimas regras próprias para a determinação do início da contagem do prazo de prescrição deve aplicar-se o artigo 119.º do Código Penal (nos termos do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, as normas do Código Penal devem ser aplicadas a título subsidiário quando naquele diploma houver uma omissão).
Como tal, o prazo de prescrição, no caso de contra-ordenação permanente, como é aquela que em que a recorrente foi condenada, só corre a partir do dia em que cessar a consumação (artigo 32.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, e artigo 119.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal).
III

Termos em que, pelos fundamentos expostos, negamos provimento ao recurso.
Por ter decaído, condena-se a recorrente em 8 UC de taxa de justiça com honorários ao Exm. defensor, nomeada em audiência, neste tribunal, de acordo com o ponto 6 da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro.

Porto, 10 de Janeiro de 2007
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
Arlindo Manuel Teixeira Pinto

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[1] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
[2] Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP.
[3] Publicado no Diário da República,