Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
360/20.7T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: SANEADOR SENTENÇA
NULIDADE
LEGISLAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE À COVID-19
INSTRUÇÃO DE PROVA
FACTOS ESTABILIZADOS
Nº do Documento: RP20210211360/20.7T8PNF.P1
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Atenta a legislação que veio estabelecer medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2 e da doença Covid-19 quanto à realização de diligências processuais (artigo 7.º, n.º 5 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/mar. (DR I, n.º 56), na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 06/abr. (DR I, n.º 68), não ocorre qualquer nulidade quando é desde logo proferido saneador-sentença que conheça do mérito da ação, sem que previamente retome a audiência prévia que já tinha sido iniciada e ficou suspensa, em virtude das partes terem, de acordo com o tribunal, prescindido em retomar a sua continuação.
II - Não existe qualquer instrução de prova a realizar quando as diligências probatórias requeridas não sejam dirigidas a quaisquer factos controvertidos, em virtude de estarem estabilizados os factos essenciais da causa de pedir, sendo neste caso admissível que se profira despacho-saneador sentença que conheça do mérito da ação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 360/20.7T8PNF.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes: Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1. Neste processo n.º 360/20.7T8PNF do Juízo Central Cível de Penafiel, J3, da Comarca do Porto Este, em que são:

Recorrentes/Autora (A): B…

Recorrido/Réu (R): C…

foi proferido saneador-sentença em 18/set./2020 onde se decidiu o seguinte, conforme passamos a transcrever:
“a) reconhecer o direito de usufruto à Autora sobre o prédio objeto e identificado na presente ação;
b) julgar, no mais, a acção improcedente, e absolver o réu dos restantes pedidos.
Custas a cargo da autora, considerando que o único pedido que obteve
procedência não foi contestado pelo réu.”
1.1. A A. em 05/fev./2020 demandou o R. invocando que foram casaram entre si em 24/jan./1978, tendo ocorrido o correspondente divórcio em 06/nov./1997 e que nesta última data celebraram uma escritura pública de doação do prédio identificado, atribuindo a nua propriedade aos seus dois filhos, em comum e partes iguais, reservando o usufruto para a primeira e o segundo, destinado a casa de morada de família. A A. passou a residir em Valongo, com a filha D…, e o R. naquela casa morada de família com o filho E…, muito embora aqueles se deslocassem a esta última casa aos fins-de-semana e durante as férias, até que em finais desse ano de 2006 o R. impediu a A. de entrar no mencionado prédio. Para o efeito a A. invoca ser comproprietária desse prédio (1405.º e 1406.º Código Civil) e do seu direito de usufruto (1439.º e ss. Código Civil) para ter acesso a esse prédio, terminando com o seguinte pedido:
Assim, nestes termos e nos demais de direito, deve a ação ser julgada procedente por provada e em consequência ser reconhecido o direito de usufruto à Autora sobre o prédio objeto e identificado na presente ação e ainda, ser o Réu condenado a entregar o prédio à Autora na medida do direito constituído.
Deve ainda ser condenado o Réu a indemnizar a Autora num valor nunca inferior a €250,00 por cada mês que impeça a Autora de usar e fruir o imóvel, valor que se contabilizará desde a data da citação da presente ação até à data da entrega efetiva do respetivo prédio”.
1.2. O R. contestou em 29/fev./2020 aceitando o essencial dos factos alegado na petição inicial (p.i.), precisando que no acordo decorrente do divórcio, sem dependência de qualquer prazo, condição ou contrapartida, A. e R. acordaram em atribuir exclusivamente a este último o referenciado prédio como casa de morada de família, aí residindo com a sua atual mulher, com quem se casou em 30/jul./2016, pugnando pela improcedência da ação.
1.3. Por despacho proferido em 04/mai./2020 foi invocado o disposto no artigo 7.º, n.º 5 da Lei n.º 1-A/2020, com as alterações da Lei n.º 4-A/2020, de modo a saber se estavam reunidas as condições próprias para praticar actos processuais, sendo nessa mesma ocasião notificadas as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade futura da audiência prévia ser realizada por escrito, bem como a possibilidade de entretanto vir a ser celebrada transação e, caso esta não seja possível, indicarem conjuntamente a seleção acordada da matéria assente, sem prejuízo de realização de uma vídeo-chamada.
1.4. Por despacho proferido em 22/mai./2020 e constatando a falta de resposta das partes, consignou-se na parte final o seguinte:
“Pela nossa parte há total disponibilidade para colaboração directa nessa solução, tendo em vista o nosso papel de mediador, podendo, caso entendam útil e necessário, solicitar ao Tribunal o agendamento de uma reunião virtual através de videochamada ou Skype para efectivação virtual dessa tentativa de conciliação.
Notifique e, logo que levantadas as referidas restrições legais, os autos prosseguirão os seus termos normais.”
1.5. A A. em 22/mai./2020 veio responder sustentando que os seus filhos e do R. são agora maiores e residem em casas próprias, deixando a primeira de residir em Valongo.
1.6. Por despacho proferido em 23/jun./2020 foi decidido o seguinte:
“Para a realização da audiência prévia, a realizar à distância através da aplicação cisco webex e com as finalidades previstas no art. 591º, n.º 1, als. a) a g), do CPC, designa-se o dia 7/07/2020, pelas 14 horas.
Notifique, cumprindo-se o disposto no art. 594º, n.º 2, do CPC.”
1.7. No decurso da audiência prévia realizada em 07/jul./2020 as partes requereram a suspensão da instância por 15 dias tendo em vista a possibilidade de acordo, constando ainda o seguinte na correspondente acta:
Mais se comprometeram a finda a suspensão da instância informar os autos se conseguiram ou não chegar a acordo.
Mais, os Ilustres Mandatários das partes concordaram que as restantes finalidades desta audiência prévia sejam exercidas por escrito, caso o acordo não seja possível.
.............................................
DESPACHO
Face ao requerido pelo Patrono nomeado e Mandatário do Réu, defere-se a suspensão da instância pelo prazo requerido, nos termos do art. 272.º, n.º 1 do CPC.
Findo o prazo de suspensão, notifique os Mandatários no sentido de, no prazo de 3 dias, informarem se chegaram ou não a acordo.
Findo esse prazo abra conclusão nos autos.”
1.8. Tendo as partes sido notificadas para se pronunciarem no sentido de ter havido acordo, tanto o R. em 14/set./2020 como a A. em 17/set./2020 informaram que não chegaram a acordo, nada mais alegando.
2. A A. insurgiu-se contra o referido saneador-sentença, tendo em 21/out./2020 interposto recurso, pugnando no sentido da sua revogação, com a consequente, procedência da ação, apresentando as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso tem por objecto o saneador-sentença proferida em 18 de setembro de 2020, no que tange apenas à improcedência da ação, mais concretamente, na absolvição do Réu, C…, nos pedidos relativos “A condenação do Réu a entregar o prédio à Autora na medida do direito constituído”; “A condenação do Réu a indemnizar a Autora num valor nunca inferior a €250,00 por cada mês que impeça a Autora de usar e fruir o imóvel, valor que se contabilizará desde a data da citação da presente ação até à data da entrega efectiva do respetivo prédio”.
2 - A recorrente discorda da decisão proferida sobre a matéria de direito, decisão que pelo presente recurso se impugna.
3 - Com o presente recurso visa, a Recorrente, questionar a apreciação da prova feita do que resultará ser posta em crise a douta decisão respeitante à Autora, ora Recorrente;
4 – A presente ação sendo de valor superior a metade da alçada da Relação, deveria ter a Meritíssima Juíza, finda a fase dos articulados e do pré-saneador, convocado audiência prévia, a fim de proporcionar às partes prévia discussão de facto e de direito, o que manifestamente não foi feito, dado ter sido suspensa pelos motivos expostos;
5 – Ao não ter sido convocada audiência prévia com vista a cumprir-se o princípio do contraditório e a permitir as partes a discussão de facto e direito, uma vez que havia já intenção da decisão final (Saneador-Sentença), verificou-se uma nulidade, impugnável agora, pela Autora ora recorrente, por meio do presente recurso, implicando assim a revogação da decisão que dispensou a convocação da audiência prévia e a consequente
anulação do saneador-sentença proferido, com os devidos e legais efeitos;
6 – Além do mais, toda a matéria de facto assenta em meros documentos e ainda matéria controvertida que não deve exclusivamente apenas e por si merecer o entendimento colhido pelo Tribunal a quo, devendo sim ser dada como oportunidade de se realizar em sede de julgamento a prova de tudo o que foi alegado conforme o que demais acima já se expôs;
7 – É entendimento da Autora, apelante, recorrente, que a sentença viola o preceituado nos artigos 607.º e da alínea d) do artigo 615.º ambos do CPC e os artigos 3.º, n.º 3; artigo 6.º, n.º 1, 456.º, 574.º, 595.º e 607.º do CPC, violando-os e outros que doutamente saberão suprir, devido ao erro de julgamento (errar in judicando), por distorção da realidade factual (error facti) na aplicação do direito (error juris) já que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa e por falta de pronúncia quanto a elementos de prova e a sua adequação ao caso que nem sequer tiveram oportunidade de se discutir em sede de audiência prévia e muito menos em sede de julgamento.
8 – Houve assim igualmente manifesto erro de julgamento na matéria de facto por incorrecta interpretação da lei e indevida aplicação dela aos fatos provados.
9 – Face ao exposto deve a douta sentença ser substituída por outra que possibilite discutir em condições de garantir a prossecução do direito do contraditório dando como procedentes a totalidade dos pedidos da Recorrente ad quem.
3. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido a esta Relação onde foi autuado em 18/dez./2020, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
4. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso.
5. O objeto deste recurso incide sobre a nulidade por omissão da audiência prévia (a), a extemporaneidade do despacho saneador sentença (b).

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. O saneador-sentença
“III. Os autos comportam todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da acção.
Com efeito, os factos necessários ao conhecimento do mérito da acção estão assentes e os que se mantêm controvertidos não se mostram necessários, salvo melhor opinião, para aquele efeito, pois, independentemente da sua prova ou não prova, sempre o desfecho da causa seria o mesmo.
.....................................................
III. Dos factos assentes:
Articulando o objecto do litígio com a matéria de facto alegada nos articulados, é, pelo menos, factualidade assente:
A) A Autora e Réu casaram no regime de comunhão de adquiridos em 21 de janeiro de 1978, na igreja paroquial …, freguesia do concelho de Lousada (cfr. certidão do registo civil junta com a petição inicial como doc.º n.º 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
B) Desse casamento nasceram dois filhos, E… e D….
C) Por sentença proferida pelo Tribunal de Amarante de 06 de novembro de 1997 verificou-se a dissolução por divórcio do casamento entre a Autora e Réu, tendo o respectiva sentença transitado em julgado em 17 de novembro de 1997.
D) Em 06 de novembro de 1997, Autora e Réu, por escritura pública celebrada no cartório notarial de Amarante, doaram aos seus filhos E… e sua filha D…, em comum e partes iguais, com reserva de usufruto para ambos os doadores e por conta das respectivas quotas disponíveis, a nua propriedade do prédio urbano, destinado a casa de morada de família (cfr. doc.º n.º 2 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, usufruto que foi registado na Conservatória do Registo Predial de Lousada a favor da autora e do réu, através da apresentação n.º 1 de 25/11/1997.
E) O prédio urbano doado é composto por “casa de rés-do-chão, com a área coberta de cento e oito metros quadrados e logradouro com quatrocentos e noventa e dois metros quadrados”, situado no …, na freguesia ….
F) Na descrição atualizada do identificado prédio urbano, consta o seguinte “artigo matricial n.º 1035, situa-se no distrito do Porto, concelho de Lousada, freguesia …, na Rua …, n.º .., …, ….-…, …, é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões de utilização independente, habitação com 2 pisos com a tipologia T4, 600 m2 de área total do terreno”.
G) O Réu ficou a residir no prédio objeto da doação.
H) A filha D… ficou a residir com a Autora e o filho E… com o Réu.
I) Aquando do decretamento do divórcio e no respectivo processo, foram homologados acordos, entre eles, o respeitante ao destino da casa de morada de família - o prédio supra descrito.
J) Nesse acordo, autora e réu declararam o seguinte: “A casa de morada de família é atribuída ao requerente marido” – o réu.
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2. Fundamentos do recurso
a) Nulidade por omissão da audiência prévia
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 - NCPC) estabelece no seu artigo 195.º, n.º 1 do NCPC que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” – sendo nosso o negrito, agora e adiante. Acrescenta-se no n.º 2 que “Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.” E como não se trata de uma nulidade de conhecimento oficioso, porquanto não está no catálogo previsto na I parte do n.º 1 do artigo 196.º do NCPC, o tribunal “só pode conhecer sobre reclamação dos interessados”, como decorre da II parte deste mesmo segmento normativo. O prazo para reclamar segue a regra geral de 10 dias, enunciada no artigo 149.º, n.º 1 do NCPC.
A jurisprudência tem constantemente assinalado que estando o vício de irregularidade amparado, ainda que indireta ou implicitamente, por um despacho judicial, o meio idóneo para se reagir contra essa ilegalidade, havendo a possibilidade de recurso, é mediante a impugnação desse despacho – neste sentido e como exemplo dessa consistência vejam-se os Ac. TRE de 05/nov./1998 (Des. Granja Fonseca), Ac. TRL de 11/jul./2019 (Des. Micaela Sousa), ambos em www.dgsi.pt.
O mesmo NCPC veio regulamentar de modo destacado a gestão inicial do processo e a audiência prévia. Assim, a disciplina da gestão inicial do processo passou a constar do seu artigo 590.º, enumerando-se no seu n.º 1 os casos de indeferimento liminar e consagrando-se no seu n.º 2 que “Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.”. Mais acrescentou-se nos dois segmentos seguintes o âmbito desse convite, distinguindo-se o convite para o suprimento das irregularidades processuais (n.º 3), do convite para o aperfeiçoamento da matéria de facto (n.º 4) – neste último enunciado normativo consta que “Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”. No subsequente n.º 5, 6 disciplinou-se os articulados aperfeiçoados e no n.º 7 a irrecorribilidade do despacho de aperfeiçoamento. Neste bloco normativo passou-se a agrupar e a condensar os casos de indeferimento liminar e de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial irregular ou deficiente, que na versão inicial do CPC de 1961 estavam, respetivamente nos artigos 474.º e 477.º do CPC 1961, sendo deslocados com a Reforma de 1995/96 (Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/dez.), o primeiro para o artigo 234.º, n.º 5 – logo a seguir para o artigo 234.º - A (Decreto-Lei n.º 180/96, de 25/set.) – e o segundo para o artigo 508.º, como se fosse um despacho pré-saneador. A Reforma de 1995/96 veio constringir as hipóteses de indeferimento liminar e alargar à contestação as possibilidades de aperfeiçoamento. Daí que relativamente ao despacho liminar ou pré-saneador a “novidade” do NCPC seja apenas na sua nomenclatura normativa e sistematização, porquanto manteve a essência da Reforma de 1995.
Por sua vez, no artigo 591.º passou-se a regular a audiência prévia, preceituando-se o seguinte:
1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
2 - O despacho que marque a audiência prévia indica o seu objeto e finalidade, mas não constitui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa.
3 - Não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários.
4 - A audiência prévia é, sempre que possível, gravada, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 155.º.
No subsequente artigo 592.º mediante a epígrafe “Não realização da audiência prévia”, consigna-se no n.º 1 que “A audiência prévia não se realiza: a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º [irrelevância da revelia], b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados”, aditando-se no n.º 2 que “Nos casos previstos na alínea a) do número anterior, aplica -se o disposto no n.º 2 do artigo seguinte.”.
Logo adiante no artigo 593.º, respeitante à “Dispensa da audiência prévia”, consagra-se o seguinte:
“1 - Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.
2 - No caso previsto no número anterior, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, o juiz profere: a) Despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; b) Despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; c) O despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º; d) Despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas.
3 - Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos previstos nas alíneas b) a d) do número anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia; neste caso, a audiência deve realizar-se num dos 20 dias seguintes e destina -se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 591.º”.
Mais uma vez confrontando o NCPC com o anterior CPC de 1991, mais precisamente com a referenciada reforma de 1995/96, podemos encontrar algumas similitudes com a audiência preliminar e a sua dispensa, então previstas nos artigos 508.º-A e 508.º-B – correspondendo este preceito ao n.º 5 do artigo 508.º-A, na redação inicialmente conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/dez.. O desenho legislativo da audiência prévia institui esta enquanto modelo intercalar do processo, de modo a possibilitar o debate oral, o contraditório e a participação processual, sendo obrigatório no caso de o processo findar quando se conheça desde logo do mérito da ação, incluindo o conhecimento das excepções peremptórias, sendo facultativo quando o processo tenha de prosseguir ou finde mediante a apreciação de uma excepção dilatória já discutida. E a audiência prévia tem finalidades distintas, assumindo-se como principais, quando são estruturantes, ou secundárias, quando estas são dispensáveis. A realização de audiência prévia que não possibilite a integralidade das suas finalidades principais, como seja a ocorrência de um debate oral sobre as controvérsias conducentes ao conhecimento do mérito da ação através do saneador-sentença, integra uma nulidade, porquanto omite uma irregularidade com influência no exame da causa.
A jurisprudência tem sido dominante no sentido de que a não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui uma nulidade processual, podendo esta ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação, assim como do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão – neste sentido, entre outros, Acs. de TRP 12/nov./2015 (Des. Filipe Caroço), 12/set./2019 (Des. Judite Pires), 27/set./2019 (Des. Aristides Rodrigues de Almeida); Acs TRL de 22/mar./2018 (Des. Teresa Soares), 20/dez./2018 (Des. Luís Espírito Santo), 30/mai./2019 (Des. Isoleta Almeida Costa), 11/jul./2019 (Des. Ana Azeredo Coelho); Ac. TRG de 10/out./2019 (Des. Paulo Amaral); Ac. TRE de 10/mai./2018 (Des. Mata Ribeiro), 24/mai./2018 (Des. Tomé Ramião), 18/out./2018 (Des. Vítor Sequinho); Ac. TRC 03/mar./2020 (Des. Maria Catarina Gonçalves). E como se refere no citado acórdão do TRP de 12/nov./2015 “Mesmo quando a questão tenha sido debatida nos articulados, a decisão de dispensa deve ser precedida da consulta das partes (art. 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), assim se garantindo não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, mas também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa” – todos acessíveis em www.dgsi.pt. Muito recentemente no Ac. do TRP de 03/dez./2020, subscrito por estes signatários, considerou-se que “A realização de audiência prévia que não possibilite a integralidade das suas finalidades principais, como seja a ocorrência de um debate oral sobre as controvérsias conducentes ao conhecimento do mérito da ação através do saneador-sentença, integra uma nulidade, porquanto omite uma irregularidade com influência no exame da causa.” – acessível em www.dgsi.pt.
No entanto, os factos subjacentes a este posicionamento estavam longe dos acontecimentos que levaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar o estado de pandemia da Covid-19 em 11/mar./2020 e ao surgimento da legislação respeitante à crise sanitária decorrente dessa pandemia – acessível em https://dre.pt/legislacao-covid-19. Assim, na sequência da Lei n.º 1-A/2020, de 19/mar. (DR I, n.º 56) que veio estabelecer medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2 e da doença Covid-19, o seu artigo 7.º, mediante a epígrafe “Prazos e diligências” e na redação conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/abr. (DR I, n.º 68), passou a consagrar no seu n.º 1 que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, a decretar nos termos do número seguinte”. Mais adiante no n.º 5 acrescentou-se que “O disposto no n.º 1 não obsta: a) À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; b) A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.”
No decurso da audiência prévia realizada em 07/jul./2020 e como decorre da correspondente acta, as partes “Mais se comprometeram a finda a suspensão da instância informar os autos se conseguiram ou não chegar a acordo. Mais, os Ilustres Mandatários das partes concordaram que as restantes finalidades desta audiência prévia sejam exercidas por escrito, caso o acordo não seja possível. ...”. Ora quando as partes informaram que não obtiveram o acordo, podiam as mesmas pronunciar-se por escrito sobre as demais finalidades dessa audiência prévia, o que não fizeram. Daí que não se possa assacar ao tribunal recorrido qualquer omissão conducente à nulidade por via da ausência do debate oral no âmbito da audiência prévia, porquanto as mesmas, e certamente atenta a conjuntura pandémica decorrente da Covid-19, aceitaram debater por escrito, não o tendo feito por sua livre iniciativa e responsabilidade. Aliás, esta alegação recursiva está muito próxima da litigância de má fé processual. Em suma, atenta a legislação que veio estabelecer medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2 e da doença Covid-19 quanto à realização de diligências processuais (artigo 7.º, n.º 5 da Lei n.º 1-A/2020, de 19/mar. (DR I, n.º 56), na redação da Lei n.º 4-A/2020, de 06/abr. (DR I, n.º 68), não ocorre qualquer nulidade quando é desde logo proferido saneador-sentença que conheça do mérito da ação, sem que previamente retome a audiência prévia que já tinha sido iniciada e ficou suspensa, em virtude das partes terem, de acordo com o tribunal, prescindido em retomar a sua continuação.
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b) A extemporaneidade do despacho saneador-sentença
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC) quanto à instrução probatória do processo estabelece no seu artigo 410.º que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova” – sendo nosso o negrito, assim como adiante. Posteriormente no artigo 574.º, n.º 2 preceitua que “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.”. E no que concerne às finalidades do despacho saneador, consagra no artigo 595.º, n.º 1 al. b) que este destina-se a “Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”. Isto significa que só há lugar ao designado saneador-sentença se estiverem estabilizados os factos, não havendo qualquer necessidade de realização da instrução probatória.
No caso em apreço, não descortinamos que tenham sido descurados quaisquer factos essenciais que mereçam a sua instrução probatória e também a recorrente não especifica qualquer factualidade controvertida que mereça tal indagação, ficando-se antes por alusões genéricas. Daí que não tenham sido preteridas quaisquer outras diligências probatórias, porquanto não existe qualquer instrução de prova que se tenha de realizar. Nesta conformidade improcede este fundamento de recurso. Como última nota, será de referir que a recorrente não apontou a violação de qualquer norma de direito substantivo, designadamente do Código Civil, mediante a qual possibilitaria a apreciação recursiva desta Relação quanto a tais fundamentos da sentença recorrida.
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Na improcedência do recurso, as suas custas ficam a cargo da recorrente – cfr. artigo 517.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se negar provimento ao recurso interposto por B… e, em consequência, confirma-se o saneador-sentença.

Custas deste recurso a cargo dos recorridos.

Notifique.

Porto, 11 de fevereiro de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço