Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
172/20.8T9PFR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: SIGILO PROFISSIONAL
ADVOGADO
PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO INTERESSE PREPONDERANTE
Nº do Documento: RP20231122172/20.8T9PFR-C.P1
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: AUTORIZADA A QUEBRA DO SIGILO PROFISSIONAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Resulta do artigo 92.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados que o dever de sigilo do advogado não é absoluto; ele pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como, por exemplo, o interesse do Estado na prossecução da investigação criminal, ou o direito às garantias de defesa em processo criminal.
II - O artigo 135.º, n.º 3 do Código de Processo Penal salvaguarda expressamente o “princípio da prevalência do interesse preponderante” como fator decisivo na análise de situações que envolvam o segredo profissional.
III - Na situação em apreço, afigura-se indispensável-imprescindível à descoberta da verdade material, para a decisão do objeto do processo, ouvir a advogada indicada pelo arguido, uma vez que a mesma terá acompanhado a assistente na elaboração do seu testamento e da escritura de doação, atos em relação aos quais o arguido está acusado de ter convencido a assistente a efetuar por meio de “estratagemas”; negar neste caso a quebra do sigilo seria para além de obstar à descoberta da verdade, também coartar o direito constitucionalmente consagrado à plena e lídima defesa por parte do arguido no processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 172/20.8T9PFR-C.P1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No âmbito dos autos de processo comum (tribunal colectivo), do Juiz 4 do Juízo Central Criminal de Penafiel, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, em que é arguido AA, acusado pela prática de um crime de burla p.p. pelos artºs 217º nº1 e 218º nº2 al. a) e c) todos do CP. Dos factos constantes da acusação verifica-se que se mostra indiciado que “desde 2015 a assistente e mãe do arguido sofre de “forma definitiva de demência, pelo que as suas faculdades neuro-cognitivas têm vindo a sofrer envelhecimento neurológico, determinando este uma amnésia anterógrafa e retrógrada, com défice de atenção e alteração das suas funções cognitivas, nomeadamente em termos de lógica, de concentração e vigilância.”
Nessas circunstâncias, tal qual relata a acusação formulada contra o arguido, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, veio este a beneficiar de diversas transferências e disposições patrimoniais feitas pela sua mãe, sem que tivesse esta consciência do que estava a fazer, designadamente no caso da escritura de doação, “o arguido convenceu igualmente a sua mãe de que o imóvel onde habitavam, da propriedade desta, necessitava de regularização junto da Câmara Municipal, de umas obras que nele haviam sido feitas. E com vista a essa regularização era necessário a BB se deslocar à Repartição dessa entidade para “assinar uns papeis”,” (pontos 10º e 11º da acusação negrito nosso), o que aquela fez “Convencida que efectivamente o arguido lhe estava a falar a verdade (…)”, (ponto 12º da acusação.) “E não satisfeito com a referida doação, sob o mesmo pretexto, no dia 3/12/2019 levou de novo a sua mãe ao mesmo cartório Notarial, e aí, a ofendida subscreveu o testamento de fls. 323 e 324, no qual a ofendida instituiu o arguido seu herdeiro da sua quota disponível, esta constituída pelo legado acima referido, ou seja o móvel, onde ambos residiam.”(ponto 13º da acusação negrito nosso) , “Pelo que, foi mercê dos referidos “estratagemas” que o arguido conseguiu convencer a BB a praticar os factos descritos, isto é, a instituí-lo seu Procurador, a entregar-lhe o seu cartão multibanco e a realizar as referidas disposições patrimoniais.” (Ponto 15º da acusação.)
O arguido arrolou como testemunha CC, advogada de profissão, a qual no decurso da audiência de discussão e julgamento, em momento prévio à prestação de depoimento recusou prestar depoimento, alegando que tinha tomado conhecimento dos factos por causa do exercício das suas funções de advogada, “(uma vez que se tratava de conhecimento que lhe adveio da sua actividade profissional de advogada, isto é, conhecimento que lhe adveio de ter acompanhado a assistente BB na elaboração do seu testamento e escritura de doação).” Na sequência foi dada a palavra ao ilustre mandatário do arguido pelo mesmo foi requerido que não sendo prestado o consentimento pela Assistente seja considerado “como aplicável princípio do interesse preponderante, por forma a ser determinado o levantamento do sigilo profissional”.
O Ministério Público nada opôs ao requerido.
Tendo sido dito pelo ilustre mandatário da Assistente que a “assistente não presta o consentimento ao requerido” e que se “opõe ao requerido por falta de fundamento para o efeito.” Tudo cf acta de audiência de julgamento de 26/4/2023, fls.82,83.
Pelo Exmº Srº Juiz Presidente foi então proferido o seguinte despacho (transcrição)
(…)
“Na sequência da pergunta feita pelo Il. Mandatário do arguido, a testemunha CC, advogada, invocou o segredo profissional.
Tal invocação, ao abrigo do disposto no artigo 135.º, n.º 1 do C. P. Penal, é tempestiva por ser no momento próprio para a testemunha o fazer.
Atendendo a que a invocação do segredo profissional surge devido à atividade da testemunha, é legitima.
Face à invocação do segredo profissional, suscitou o arguido o incidente de levantamento de sigilo profissional, por entender que o interesse da justiça, no vertente caso, é preponderante e superior ao segredo profissional invocado pela testemunha.
Tal requerimento mostra-se tempestivo, uma vez que surge na sequência da invocação da testemunha do segredo profissional pela testemunha, para não responder à pergunta que havia sido feita.
Assim, e antes de mais, para instruir o respetivo incidente, determina-se se oficie, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 135.º do C. P. Penal, ao respetivo organismo representativo, a Ordem dos Advogados, Parecer sobre o segredo profissional invocado, e da necessidade da respetiva quebra, pela testemunha aqui presente.
Para o efeito, suspende-se a inquirição da testemunha CC.
Oportunamente, caso se mostre viável, será designada nova data para a sua inquirição.
Conclua no incidente que vier a ser apensado a estes autos a fim de ser determinado a peças processuais a serem juntas.
Uma vez que não qualquer outra prova a produzir, suspende-se a presente audiência de julgamento, ficando os autos a aguardar a decisão que vier a ser proferida quanto aos dois incidentes de levantamento do segredo profissional pendentes.
Oportunamente, será designada data para continuação da audiência de julgamento.
Notifique.”

(…)

Oficiado à Ordem dos Advogados, solicitando Parecer nos termos do artº 135º nº4 do CPP, pela mesma foi emitido parecer no sentido de ser legítima a escusa da Srª Advogada, com fundamento, e em conclusão nas seguintes razões:
“.a) Os factos de que tem conhecimento encontram-se sujeitos a sigilo profissional, porquanto os mesmos foram conhecidos no exercício da função de advogado e por causa dela e podem resultar de revelações efectuadas pela cliente (Assistente nos autos) pelo que tal factualidade se encontra sob segredo profissional, por força do disposto no corpo e na alínea a) do nº1 do artº 92 do EOA;
.b) O advogado apenas pode revelar factos sujeitos a segredo quando devidamente dispensado por parte do Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados;
c) A Exmª Dr CC não obteve ainda dispensa de segredo profissional por parte do Exmº Senhor Presidente do Conselho Regional do Porto.”

Notificados do Parecer pronunciaram-se:
BB/Assistente, e em síntese, no sentido de que a testemunha Drº CC, interveio nos autos na qualidade de mandatária do arguido tendo substabelecido sem reserva no actual mandatário, depois de ter atuado em “suposta pois não aceite representação da Assistente”, “com propósitos/fins que se afigura ser para eventualmente poder intervir como testemunha e deste modo influir, viciar, alterar ou prejudicar o apuramento da verdade dos factos, tanto que, sobre os mesmos factos, continua a ser a sua mandatária (do arguido) e que por dever legal de patrocínio, está incumbida de lhe assegurar a defesa”, pelo que por “falta de fundamentação” e “desnecessidade para o apuramento da verdade dos factos” deverá ser rejeitada a quebra de segredo profissional.

. O arguido AA, pronunciou-se no sentido de tendo a testemunha conhecimento directo dos factos, face ao princípio da prevalência do interesse superior, deve ser declarada a quebra de sigilo.

Pelo Exmº Srº Juiz foi então proferido despacho a suscitar o incidente da quebra de sigilo nos seguintes termos:

“O arguido AA requereu levantamento do sigilo profissional da testemunha CC, Advogada, nos termos e com os fundamentos aí invocados.
No caso em apreço investiga-se a prática do crime de burla agravada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, als. a) e c) do C. Penal.
Conforme referido no despacho proferido, face à qualidade de advogada da assistente BB e o art.º 135.º, n.º 1 do C. P. Penal, a escusa é legítima.
No entanto, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente aos princípios invocados pelo arguido no seu requerimento, bem como por ser fundamental à descoberta da verdade material, justifica-se a quebra do dever de segredo profissional.
Como tal, ao abrigo do disposto nos art.ºs 135.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., suscita-se o incidente de quebra do sigilo profissional perante o Tribunal da Relação do Porto.
Notifique e extraia a certidão promovida e remeta-se ao Tribunal da Relação do Porto, a fim de ser decidido o incidente.
D.N.…”

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer no sentido de se deferir o requerido levantamento de sigilo profissional.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
O presente incidente de quebra de sigilo foi suscitado pelo Senhor Juiz que preside à audiência de julgamento, a pedido do mandatário do Arguido, por ter considerado que a recusa da testemunha da Srª advogada CC era legítima, sendo, por isso, necessária a intervenção do tribunal superior para fazer cessar o dever de segredo, considerando ainda que o depoimento em causa se revela fundamental à descoberta da verdade.
A tramitação da quebra de sigilo nos casos de escusa de testemunha em depor por factos abrangidos pelo Segredo profissional encontra-se estabelecida no artº 135º do CPP.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “O incidente de quebra de sigilo profissional está dividido em duas fases: a questão da legitimidade da escusa é tratada no nº3 do artigo 135º; a questão da justificação da escusa é tratada no nº3 do artº 135º.” [1]
O segredo profissional do advogado encontra-se estabelecido no artº 92º do EAO (Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro..) que dispõe:
“-1 O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever.…”
Resulta do artº 135º a competência desta Relação para a decisão do incidente.
Atento o disposto na alínea a) do nº1 do citado artº 92º do EOA afigura-se que os factos que se pretendem esclarecer, advieram ao conhecimento da ilustre mandatária no exercício da sua profissão, afigurando-se também a este tribunal ser legítima a escusa.
Como escreve o conselheiro Santos Cabral, “O segredo profissional define-se como a proibição de revelar factos ou acontecimentos, de que se teve conhecimento ou que foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional. Consubstancia-se o mesmo em termos genéricos na reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções, ou como consequência do seu exercício em relação a factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão. O segredo profissional é, assim, o atributo correlativo indispensável de todas as profissões que assentam numa relação de confiança: «nem o médico, nem o advogado, nem o padre poderiam cumprir a sua missão se as confidências que lhes são feitas não fossem asseguradas por um segredo […]” [2]
Assim, compreende-se que o âmbito do sigilo profissional do advogado seja entendido em termos amplos, enquanto reflexo directo da tutela do direito à intimidade consagrado no artº 26ºda CRP.
E continuando a socorrer-nos das palavras do Conselheiro Santos Cabral, “Pressuposto do correcto desempenho da advocacia é a confiança que o cliente deposita no advogado e que este deve fazer por merecer não revelando factos ou exibindo documentos abrangidos pelo segredo profissional.”
Contudo, o tribunal superior àquele em que se pretende inquirir um advogado deverá intervir em termos de ponderação de direitos, sendo que como resulta do citado artº 92º nº4 do EOA o dever de sigilo do advogado não é absoluto.
E este dever pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como por exemplo o interesse do Estado na prossecução da investigação criminal, ou o direito às garantias defesa em processo criminal.
Como já resulta das regras gerais, a ilicitude é excluída quando o facto for praticado no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade [artigo 31.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal]; e em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, a lei estabelece que não é ilícito o facto de quem visa satisfazer dever ou ordem de valor igual ou superior ao dever a sacrificar [artigo 36.º, n.º 1, do Código Penal].
Também o artigo 135.º, n.º 3 do Código de Processo Penal] salvaguarda expressamente o “princípio da prevalência do interesse preponderante” como factor decisivo na análise de situações que envolvam o segredo profissional.
Sobre a ponderação daquele princípio escreve António Gama que a obtenção do depoimento não pode ser ordenada sem a ponderação segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante “ nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos, tendo como pano de fundo o valor relativo dos interesses imediatamente em confronto: os interesses protegidos pelo segredo numa dupla faceta, o interesse do público da confiança numa certa actividade profissional ou empresarial e no seu regular funcionamento e por outro a reserva da vida privada dos particulares que recorreram a esses profissionais, com graduações consoante se esteja perante um círculo mais íntimo (v.g. sigilo médico), ou mais periférico (v.g. esfera patrimonial); em contraponto o interesse público na realização da justiça e exercício do ius puniendi. Só o propósito de preservação da confiança, de resto, é que pode justificar a autonomia do sigilo profissional em face da privacidade da própria informação sujeita a sigilo. Protege-se a informação sujeita a sigilo não, ou não apenas, pela natureza privada dessa informação, natureza privada que, aliás, pode nem existir, mas pelo simples facto de interceder um sigilo profissional» ...”[3]
Ora na situação em análise, afigura-se indispensável-imprescindível à descoberta da verdade material, para a decisão do objecto do processo, ouvir a Exmª Advogada CC, indicada pelo arguido, uma vez que a mesma terá acompanhado a assistente na elaboração do seu testamento e da escritura de doação, actos em relação aos quais o arguido está acusado de ter convencido a Assistente a efectuar por meio de “estratagemas”. Negar neste caso, a quebra do sigilo seria para além de obstar à descoberta da verdade, fundamento invocado pelo Sº Juiz no despacho em que suscita a quebra do sigilo a este tribunal, e seria também coartar o direito Constitucional a plena e lídima defesa por parte do arguido no processo.
Estamos perante a imputação de um ilícito grave, crime de burla qualificada, artº 218º nº2 als a) e c) do CP, punível com pena de 2 a 8 anos de prisão em que se fazem sentir as necessidades de protecção de bens jurídicos patrimoniais, de forma especialmente intensa.
Nota-se que as reservas sobre a independência do depoimento da testemunha, manifestadas pela Assistente, em nada relevam a esta decisão, uma vez que competirá ao tribunal de julgamento em sede própria, a apreciação da respectiva credibilidade de acordo com as regras processuais dos artºs 124º a 127º e 374º nº2 do CPP.
Assim, entendemos que, no caso concreto, o interesse na descoberta da verdade material e o direito às garantias de defesa, é preponderante face ao dever/direito ao sigilo e, como tal, deve prevalecer sobre ele. Pelo que, à luz do “princípio da prevalência do interesse preponderante” [artigo 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal], se reconhece que deve ser quebrado o sigilo profissional da Srº Drª CC para prestar depoimento no processo relativamente aos factos supra descritos.
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III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em dispensar a Exmª Srª Drª CC do dever de sigilo profissional para prestar depoimento no processo acima identificado

Sem tributação.
Notifique e dê conhecimento aos autos principais.

Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 22/8/2023
Lígia Figueiredo
José Quaresma
Pedro M. Menezes
______________
[1] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 3ª edição, pág-361.
[2] Ob.cit.pág. 536,537.
[3] . António Gama in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 3.ª edição, anotação ao art. 135.º, pág.167