Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20397/15.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
ARRESTO
IMÓVEL APREENDIDO EM INSOLVÊNCIA
SECÇÕES DE COMÉRCIO
Nº do Documento: RP2016041820397/15.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 623, FLS.76-81)
Área Temática: .
Sumário: O procedimento cautelar de arresto em que se pretende o arresto de um imóvel apreendido no âmbito de um processo de falência é da competência material das secções de comércio onde pende o referido processo de falência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc n.º 20397/15.7T8PRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 20397/15.7T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
O procedimento cautelar de arresto em que se pretende o arresto de um imóvel apreendido no âmbito de um processo de falência é da competência material das secções de comércio onde pende o referido processo de falência.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 20 de agosto de 2015, na Instância Central Cível da Comarca do Porto, com referência aos autos de liquidação do ativo nº 784/03.4TBTMR, B… intentou procedimento cautelar de arresto contra:
- a Massa Falida de C…, SA e os Credores da Massa Insolvente;
- D…, Lda.;
- E…, Lda.;
- F…, Lda..
A final pede que se ordene o arresto do prédio urbano sito na Rua …, nº ….[1], Porto, composto de casa de rés do chão e 1º andar, com a superfície coberta de 68 m2, área bruta de construção de 136 m2 e logradouro com a área total de 245 m2, inscrito na matriz sob o artigo 2672 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição nº 1470, para garantia dos seus direitos de crédito, seja para garantia da conservação do prédio como sua propriedade, seja, caso assim não se entenda, para garantia dos prejuízos causados pela E…, seja para garantia da benfeitorias integradas pelo requerente no prédio, nas quais despendeu trinta mil euros e que incorporam no prédio um valor de cinquenta mil euros.
Para fundamentar a sua pretensão de arresto, o requerente alega o seguinte:
- o imóvel cujo arresto requereu constitui a sua casa de habitação desde pelo menos 2008, data em que o mesmo lhe foi dado de arrendamento pela sociedade E…, Lda., para habitação, mediante a renda mensal de cem euros, sendo celebrado na mesma altura e relativamente ao mesmo imóvel contrato-promessa de compra e venda;
- inicialmente, cerca de 1996, o referido imóvel foi-lhe entregue pelo gerente da E…, o Sr. G…, mediante um contrato-promessa de compra e venda que não foi efetivado;
- posteriormente, devido à necessidade de compensação de danos do requerente causados pela E…, o prédio foi-lhe entregue em compensação e desde então o requerente habita o imóvel, introduz-lhe melhoramentos, zelando pela sua conservação e dele obtendo todas utilidades suscetíveis de serem obtidas, de forma pacífica, contínua, sem oposição, à vista de toda a gente, convicto de estar a exercer um direito próprio;
- o Sr. G… “sempre se afirmou, ele e a alegada empresa, como proprietária do indicado imóvel, sendo neste prédio a sede da E…”;
- o requerente e o Sr. G… fizeram diversas buscas para localizar o imóvel nas Finanças e na Conservatória para procederem à escritura de venda, o que não conseguiram;
- o imóvel tem mais de oitenta anos, encontrava-se degradado, tendo o requerente suportado, a expensas suas, o restauro parcial do telhado, no que despendeu mais de dez mil euros;
- porque o prédio estava adaptado apenas a escritório, a fim de o adaptar a casa de habitação, o requerente fez divisórias novas, fez uma cozinha nova e equipada no 1º andar, fez instalações de água e um novo quadro elétrico, despendendo mais de vinte mil euros;
- de igual modo, pintou a casa, reforçou e colocou novas caixilharias e reforçou a porta do 1º andar e o portão da rua, reconstruiu e alteou o muro exterior e reconstruiu o portão de acesso;
- o requerente levou a cabo as obras com a firme convicção de que era o dono do prédio, sem qualquer oposição, nomeadamente das requeridas, nelas despendendo um valor de trinta mil euros;
- o Sr. G… convenceu o requerente a celebrar, simuladamente, uma escritura pública de compra e venda, em 30 de setembro de 2003, de uma casa de habitação e de dois lotes para construção, tudo do requerente, sitos em Esposende, a favor da E…, com vista à constituição de uma sociedade imobiliária, tendo em vista a venda destes bens, para obter dinheiro, dada a existência de créditos sobre o requerente, que era necessário liquidar;
- os referidos bens foram apreendidos pela Fazenda Nacional para pagamento de € 1.930.000,00, em execução fiscal movida à sociedade E…, o que o impediu de vender os lotes de terreno que possuía para pagar a credores dívidas familiares, até que recentemente os vendeu pelo preço de cento e vinte mil euros, quando os tinha prometido vender pelo preço de duzentos mil euros;
- o requerente foi forçado a intentar ação no Tribunal Judicial de Esposende para recuperação das suas propriedades e que foi julgada procedente;
- reconhecendo os prejuízos decorrentes da simulação e para compensação dos mesmos, o Sr. G… entregou-lhe o imóvel sito na Rua … e antes descrito, sem qualquer outro pagamento, tendo-se comprometido a celebrar escritura;
- em finais de 2014, o requerente foi alertado por uma funcionária de uma leiloeira que o imóvel estava registado na Conservatória do Registo Predial a favor da sociedade C…, declarada insolvente e que iria ser vendido no processo de insolvência nº 784/03.4TBMR, do Tribunal de Comércio da Comarca de Santarém;
- o requerente invocou junto da administradora da insolvência e de um administrador substituto a sua qualidade de arrendatário e de preferente na venda, juntando prova do depósito da renda que passou a ser feito a favor da massa insolvente, não tendo a administradora da insolvência reconhecido qualquer direito ao requerente, celebrando contra-promessa de compra e venda do imóvel;
- no contexto da insolvência, a sociedade D…, SA, credora da insolvente, estava autorizada a comprar para si ou indicar comprador, entre outros, o referido imóvel sito na Rua …, pelo preço de quinze mil euros;
- há cerca de oito dias, o requerente recebeu uma carta da F…, Lda. em que alegava ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda de diversos imóveis com a massa insolvente da sociedade C…, um dos quais é o sito na Rua …, pelo preço de quinze mil euros, com sinal de três mil euros, exigindo-lhe a entrega imediata do imóvel;
- a compra pela F… em vez da D… por ser uma compra feita pela empresa do filho do seu sócio, adquirida em 17 de Abril de 2015, expressamente para esse efeito, constitui um negócio simulado, sujeito a impugnação pauliana;
- a D… SA tem diversos débitos, encontra-se sem atividade desde 2007, tendo duas ações executivas a correr contra si nos valores de € 3.463.40 e de € 626.351,01;
- o requerente vai intentar ação contra a Massa Insolvente e demais intervenientes para anulação deste contrato-promessa de compra e venda, na parte relativa ao imóvel sito na Rua … e intentar ação declarativa negativa da propriedade da insolvente sobre o prédio em questão.
Em 24 de agosto de 2015, o requerente foi convidado a esclarecer por que razão menciona no cabeçalho do requerimento inicial o processo nº 784/03.4TBTMR que identifica como autos de liquidação do ativo, bem como o valor que indica como sendo o do procedimento cautelar.
O requerente ofereceu novo requerimento inicial indicando o valor de € 130.000,00 e suprimindo as referências ao processo nº 784/03.4TBTMR, identificado como autos de liquidação do ativo.
Em 27 de agosto de 2015, o requerente foi convidado a juntar aos autos certidão da Conservatória do Registo Comercial relativa à sociedade C…, SA ou a indicar código de acesso a tal certidão, bem como certidão da decisão que decretou a insolvência da mesma sociedade, com nota de trânsito em julgado e indicação da fase em que se encontram tais autos, devendo ainda, querendo, alterar o seu rol de testemunhas, sob pena de se considerar não escrito o nome da sexta testemunha que oferece no requerimento inicial.
O requerente juntou aos autos as pretendidas certidões e prescindiu da testemunha que arrolou em último lugar.
Em 01 de setembro de 2015, o requerente foi convidado a juntar aos autos certidão integral da Conservatória do Registo Comercial relativa à sociedade C…, SA e ainda para, querendo, se pronunciar sobre a competência do tribunal.
O requerente ofereceu a solicitada certidão e pronunciou-se no sentido da competência do tribunal a quo.
Em 03 de Setembro de 2015, foi proferida a seguinte decisão[2]:
B…, …, residente na R…., nº …., Porto, veio INTENTAR PROCEDIMENTO CAUTELAR E ARRESTO CONTRA:
1º- A Massa Falida de C…, SA., NIPC ………, representada pela Ex.mª Srª Liquidatária Drª H… – com domicilio profissional na Rua … nº .., AVEIRO, e contra os credores da massa insolvente;
2º - D… LDA -, NIPC ………, Sediada na Estrada …, Tomar.
3º- E…, NIPC: ………, empresa de Obras Publicas, Ldª com sede na R. …, Porto , representada pelo gerente I…, residente …, Alverca do Ribatejo.
4º - F…, LDA, NIPC: ………, sociedade por Quotas sediada na Rua …, nº. .., Lugar de …., Santarém, pedindo que se ordene o arresto do prédio identificado em 1º, para garantia dos direitos de credito do requerente, da conservação do prédio como sua propriedade, caso assim se não entenda, para garantia dos prejuízos causados pela E…, ou garantia do pagamento das benfeitorias integradas pelo requerente no prédio, em que despendeu 30.000,00 , incorporados no prédio um valor de 50.000,00 euros, com registo oficioso do arresto.
Como fundamento, alega, em suma, para o caso que agora nos interessa, que, em finais de 2014, foi alertado para o facto do prédio que identifica no seu art. 1.º, registado na CRP a favor da 1ª requerida C…, que se encontra insolvente, iria ser vendido na Liquidação da Insolvência, respeitante ao processo de Insolvência nº 784/03.4TBTMR, do Tribunal de Comercio da Comarca de Santarém, vindo a apurar que a empresa D… Sa, credora da Insolvente, estava autorizada a comprar para si ou indicar comprador para os alegados 5 imóveis, todos pela quantia de 150.000,00 euros, correspondendo ao indicado imóvel, o preço de 15.000,00 euros, após o que recebeu uma carta da empresa F… Ldª , com sede em Tomar, promitente compradora , dando conta de ter celebrado em 4 de Agosto corrente, um contrato promessa de compra e venda com a massa Insolvente da empresa C… sobre diversos imóveis, cuja escritura se encontra designada para o dia 2 a 17 de Setembro, o que constitui uma violação grave dos seus direitos, bem sabendo os intervenientes desse contrato que o prédio não é propriedade da Falida e que o Requerente o ocupa e restaurou o imóvel, com todos os custos dai decorrentes, apenas visando, por essa via, apoderarem-se do prédio e das benfeitorias realizadas pelo requerente.
Conclui, assim, que o objectivo é proceder de imediato à venda ou transferir para terceiros, como forma de impedir os alegados direitos do Requerente, sendo certo que a compra pela F… em vez da D…, constitui um negócio simulado e sujeito a impugnação pauliana, por ser uma compra feita pela empresa do filho do seu sócio, adquirida, em 17 de Abril de 2015, expressamente para este efeito, assistindo-lhe o direito de defender o seu imóvel e os seus créditos, resultantes das obras efectuadas no local, e da indemnização devida pela E… e seus representantes legais, pelos valores de 30.000,00 euros e 100.000,00, respetivamente.
Assim, apesar de alegar que o referido imóvel lhe pertence, bem pedir o arresto do mesmo como forma de acautelar o seu direito de crédito (?) que os aqui requeridos, na sua versão e pela via mencionada, pretendem coarctar.
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Apreciando e decidindo, apreciando a excepção de competência material deste tribunal como se impõe ao abrigo do disposto no art. 97.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
Decorre do disposto no art. 85.º, n.º 1, do CIRE, que ‘declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência (…)’.
Por sua vez, decorre do preceituado no art. 88.º, n.º 1, 1.ª parte, do mesmo diploma, que ‘a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência’.
Sem margem para qualquer dúvida, refere o art. 89.º, n.º 2, desse mesmo diploma, que ‘as acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária.’
Já quanto à competência do Tribunal de Comércio, dispõe o art. 128.º, n.º 3, da LOSJ, que a competência a que se refere o n.º 1, respeitante aos processos de insolvência e os processos especiais de revitalização, abrange os respectivos incidentes e apensos.
Pedindo-se o arresto de um bem imóvel registado a favor da insolvente, há que ter em conta o que se estabelece no art. 391.º, n.º 1, do C.P.C. ou seja, que "o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor’.
Ora, tendo-se requerido o arresto necessário se tornaria que se verificassem cumulativamente os seguintes requisitos da providência cautelar requerida:
a) existência de crédito por parte do requerente;
b) justo receio de perda da garantia patrimonial.
O arresto visa, portanto, afastar o perigo, para o credor, de perda da garantia patrimonial do devedor.
Posto isto, daqui decorre que o arresto incide sobre bens do devedor e que só faz sentido se assim for porque só os bens deste podem acautelar o receio da perda de garantia patrimonial.
Mas, como tal questão se prende antes com a apreciação e decisão de mérito, para o caso que agora nos importa, já devidamente evidenciado no anterior despacho atinente à apreciação da competência material deste tribunal, tal apenas releva para esse concreto fim, na medida em que a competência integra um pressuposto processual que precede a questão do fundo da causa.
Como referido no douto Acórdão do STJ, datado de 15.4.2015, registado na página da dgsi, com o número de processo 197/14.2TTALM.L1.S1, quanto a um conflito suscitado entre o tribunal de trabalho e do comércio, ‘é pacífico que esse pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, sem embargo de não estar o tribunal adstrito, neste domínio, às qualificações que autor e/ou ré tenham produzido para definir o objecto da acção.
Por isso se diz que na fixação da competência do Tribunal, em razão da matéria, se deve atender «…à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo» (Acórdão do S.T.J. de 27/9/94 – processo n.º 858/94), sendo que, para os sobreditos efeitos, importará considerar, em suma, os termos em que a acção se acha proposta – seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se reclama a tutela judiciária, o acto ou o facto de onde terá dimanado esse direito e, enfim, a qualificação dos bens em disputa) – cfr. Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1956, páginas 88 e 89’.
Assim, perante as considerações aí tecidas quanto ao caso objecto de tal decisão, considerou-se resultar do acto a constituição de dívidas para a massa insolvente e, assim, ser aplicável o regime previsto no artigo 89.º, n.º 2, segundo o qual “[a]s acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária”, não se tratando já, portanto,’… da possibilidade do administrador de insolvente considerar relevante a apensação das acções pendentes, tal como dispõe o artigo 86.º, mas sim da própria lei determinar concretamente que tais acções relativas a dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com isto alterando, por apelo à competência extensiva dos tribunais do comércio, a normal reserva de competência material do tribunal do trabalho para a apreciação de créditos laborais emergentes da cessação do contrato de trabalho».
Conclui-se, como tal, estar em causa uma questão que implica a discussão da existência de dívidas da massa insolvente e, consequentemente, não restar quaisquer dúvidas quanto à competência do tribunal de comércio, aduzindo o que a este respeito é defendido também por Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (‘Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado’, Almedina, 2013, pág. 269-271) quando aí referem que «[a] proibição de instauração de acções do n.º 1 respeita apenas às executivas, não incluindo as declarativas. Mas, mesmo estas, deverão, nos termos do n.º 2, correr por apenso ao processo de insolvência, não devendo os seus titulares recorrer à reclamação de créditos prevista no art. 128.º ou à verificação ulterior do artigo 146.º.
No acórdão citado, aduz-se, ainda, que ‘na interpretação destes preceitos, bem como nos demais que regulam o processo de insolvência e recuperação de empresa, é imperioso ter presente que a ‘finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal (art. 1.º/1 do CIRE), postula a observância do princípio ‘par conditio creditorum‘, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes susceptíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes».
In caus, atenta a providência requerida, é incontroverso, que o requerente invoca a existência de um crédito, quando muito resultante das benfeitorias que realizou no imóvel e, assim, de uma hipotética dívida da massa insolvente , que consubstancia um pedido de natureza pecuniária a projectar-se na 1.ª requerida, por se tratar de um bem registado em seu nome, daqui resultando que, por não ser um bem das demais, como tal bem poderia garantir um eventual crédito sobre estes, mas tral sempre será uma questão a atentar em momento posterior e nessa estrita medida.
Daqui resulta, em suma, que, invocando o requerente um crédito sobre a massa insolvente que pretende acautelar por via do arresto de um bem imóvel apreendido nos autos de insolvência por lhe pertencer, face ao que consta do registo, face ao que, é referido no art. 89.º, n.º 2, do CIRE (as acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência), bem como no art. 128.º, n.º 3, da LOSJ, (que a competência a que se refere o n.º 1, respeitante aos processos de insolvência e os processos especiais de revitalização, abrange os respectivos incidentes e apensos) e que, uma vez que todos os demais requeridos têm uma directa ligação à massa insolvente, não só como credores, mas também como participantes num conluio entre as partes, no âmbito do processo de insolvência em curso, visando coarctar o direito do requerente, competente é o tribunal do comércio por, quanto mais não fosse, o único bem em causa, objecto do arresto que se pretende, integra a massa insolvente a liquidar, única, como tal susceptível de ser afectada ou o seu posterior comprador no âmbito desse mesmo processo.
De qualquer das formas, mesmo que assim não se entendesse quanto às demais requeridas, sempre o resultado final seria essencialmente o mesmo, na medida em que, a ter o requerente qualquer crédito sobre elas, não vem pedir o arresto de bens a estas pertencentes, mas sim de um terceiro, a aqui 1.ª requerida, insusceptível de ser arrestado como garantia de um crédito pertencente a outrem que não o titular do bem.
Por essa via, então, também a providência, quanto a tais requeridas, teria de ser liminarmente indeferida.
Assim sendo, como se entende, considero este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para apreciar o litígio dos autos e competente o Tribunal de Comércio onde corre o processo de insolvência, indeferindo, assim, liminarmente o requerimento inicial, ao abrigo do disposto no art. 99.º, n.º 1, do NCPC
Custas pelo requerente.
Notifique.

a) As acções que correm por apenso á Insolvência, são exclusivamente aquelas que dizem respeito a bens indiscutivelmente pertencentes ao insolvente, que não é esse o presente caso ou as de reclamações de credores da Massa Insolvente.
b) Apenas as acções e providencias cautelares referentes a dividas a credores reconhecidos, e outras questões respeitantes aos bens pertencentes á Massa Insolvente, correm por apenso ao processo de insolvência e é esse o Tribunal Competente para decidir tais questões.
c) Quando está em causa um prédio não pertencente á massa insolvente mas a um terceiro, o Tribunal competente é o Tribunal Comum da Comarca onde o imovel se situa, conforme determina o CPC.
d) Seja pela inclusão tardia na massa insolvente e pela junção aos autos de uma fotografia que retrata um outro prédio, em ruinas e abandonado, da mesma rua do Porto, onde se situa o imóvel em apreço, verifica-se que o prédio não pertence nem nunca pertenceu á Insolvente, com perfeito conhecimento deste facto.
e) Verifica-se que deste modo, foi incluído por manifesto erro decorrente do mero registo predial.
f) E demonstra o completo desconhecimento do prédio, e bem assim a falta de animus possidendi.
g) A apreensão após o decurso de mais de 10 anos de pendencia do processo de Insolvencia, sem que tenha havido actos de conservação e Administração por parte da Insolvente ou da Administradora, constitui um facto que demonstra que o mesmo não pertencia, nem tal admitia.
h) O recorrente tem o direito de defender a sua habitação e propriedade, atendendo ás varias decisões plausíveis de direito, assistindo-lhe o direito de intentar o arresto para impedir que o prédio seja adquirido por terceiros, numa espécie de coligação, em que se sente defraudado.
i) Sempre que existe conluio e coligação de interesses e, laços familiares entre os vários sócios de cada uma das sociedades, seja da Insolvente, seja da credora, seja da compradora, existe fundamento para impugnação pauliana.
j) O arresto é o meio de defender os direitos do recorrente, que é alguém exterior ao processo de Insolvência, ou mero terceiro de boa fé, numa providencia cautelar, atento além do mais a realização de benfeitorias autorizadas, necessárias e de boa fé que constituem um direito de credito sobre o imóvel.
k) Quando a questão essencial a debater em juízo, respeita á propriedade do imóvel, que era propriedade da E…, possuída, gerida, administrada e cuidada, por esta,desde há mais de 20 anos, sem intervenção e actuação, mínima que fosse, da C…, a questão deve ser resolvida pelos Tribunais Comuns da localização do prédio.
l) Tanto mais que a Insolvente nunca soube da existência deste prédio, nem nunca reconheceu este imóvel como sua propriedade , bem sabendo que sempre pertenceu á E…, Ldª.
m) Por sua vez, a E… transmitiu para o recorrente, a posse do referido imóvel, muito tempo antes de a C… ser considerada insolvente .
n) existindo entre a E…, a C…, a D… e a F…, relações directas de parentalidade entre os sócios.
o) que podem também justificar o erro da inclusão do imóvel na Massa Falida.
p) Trata-se de facto de um erro que foi praticado, tal como, o erro de incluir na apresentação do património para venda, um outro prédio da mesma rua, velho, em ruínas e abandonado.
q) O que além de demonstrar o desconhecimento, igualmente demonstra o reconhecimento de ausência de posse e a falta de ânimus .
r) A questão da Propriedade do imóvel, é necessariamente do foro dos Tribunais Comuns e não do Tribunal de Comercio nem tem de correr por apenso á acção de Insolvência.
s)Por isso, tratando-se de uma acção de Direitos reais, tem de ser intentada no Tribunal onde o mesmo se situa.
t)E por outro lado, sendo a Insolvência da “execução do património global do devedor”, para efeitos de pagamento dos créditos dos credores, como meio de protecção destes.
u) O que in casu inexiste, visto que os credores não recebem o produto da venda, pertencente ás empresas J….
v)Não existe pois fundamento para se concluir que o presente arresto deve ser intentado no Processo de Insolvência.
x)O arresto é seguido de acção própria que o recorrente tem de intentar e que pelas indicadas razões, tem autonomia, se destaca e constitui uma acção própria que não tem de ser intentada por apenso á acção de Insolvência que, alias, corre seus termos, no Tribunal de Comercio da Comarca de Santarém.
z)Devendo pois ser considerado procedente o recurso e devendo ser proferido Acórdão a anular a decisão recorrida e a ordenar o prosseguimento dos autos de arresto.
aa)A sentença proferida viola o disposto no artigo 128º nº 1 3 da LOSJ .e as regras de competência dos Tribunais comuns nos termos do artigo 70º do CPC.
Com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, atenta a simplicidade da questão decidenda e a circunstância de ter natureza exclusivamente jurídica, dispensaram-se os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é de saber se a circunstância de se colocar em crise a titularidade em termos de direito de propriedade de imóvel apreendido para certa massa insolvente é suficiente para que tal litígio seja dirimido nos tribunais comuns e para arredar a competência universal do tribunal da insolvência.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários e suficientes à dilucidação da questão objeto do recurso constam do relatório deste acórdão e resultam dos próprios autos, com força probatória plena.
4. Fundamentos de direito
A circunstância de se colocar em crise a titularidade, em termos de direito de propriedade de imóvel apreendido para certa massa insolvente é suficiente para que tal litígio seja dirimido nos tribunais comuns e para arredar a competência universal do tribunal da insolvência?
O recorrente pugna pela “anulação” da decisão recorrida fundamentando tal pretensão, em síntese, na afirmação de que o procedimento cautelar só teria de correr por apenso ao processo de insolvência da sociedade C…, Lda. se acaso visasse o arresto de imóvel da titularidade da insolvente, o que não é o caso dos autos.
Cumpre apreciar e decidir[3].
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 85º do CIRE[4], “[d]eclarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
Esta previsão compreende-se atenta a natureza universal do processo de insolvência (veja-se o nº 1, do artigo 1º do CIRE), natureza que para cumprir a finalidade do processo de insolvência requer que tudo quanto possa influir na composição da massa insolvente seja atraído para a órbita desse processo. Atente-se que à luz deste preceito, a competência universal do processo de insolvência mantém-se mesmo quando sejam demandados terceiros, bastando que o resultado da ação em apreço possa influenciar o valor da massa.
A circunstância do recorrente pretender colocar em crise a titularidade em termos de direito de propriedade da insolvente C…, Lda., que beneficia da presunção dessa titularidade decorrente de registo de aquisição inscrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, não tem qualquer relevo para a dilucidação da problemática da competência em razão da matéria. É que a ilisão dessa inscrição a favor da insolvente relativamente a bem apreendido para a massa insolvente, obriga aquele que se afirma dono da coisa apreendida a lançar mão do procedimento de restituição e separação de bens, previsto no artigo 141º, nº 1, alínea c), do CIRE e, anteriormente, no artigo 201º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
É ininteligível a afirmação do recorrente de no caso nenhum credor reclamante recebe o produto da venda do imóvel apreendido, posto que esse valor pertence às empresas J… e, além disso, surge agora desgarrada e em via de recurso, sem que tenha qualquer arrimo em tudo quanto foi alegado em sede de requerimento inicial.
Nos termos do disposto na alínea a), do nº 1 e nº 3, do artigo 128º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, compete às secções de comércio preparar e julgar os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização, sendo que tal competência abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.
Embora o processo de insolvência, rectius de falência relativo à sociedade C…, Lda. seja anterior à nova orgânica judiciária, por força do disposto no nº 1, do artigo 104º, do decreto-lei nº 49/2014, de 27 de março, transitou para a Secção de Comércio da Comarca em que atualmente se insere.
Assim, por tudo quanto precede, bem andou o tribunal a quo em indeferir liminarmente o procedimento cautelar de arresto intentado pelo ora recorrente, com fundamento em incompetência em razão da matéria.
Improcede o recurso, sendo as suas custas da responsabilidade do recorrente, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, em confirmar o despacho proferido em 03 de setembro de 2015.
Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 18 de abril de 2016
Carlos Gil
Carlos Querido
Alberto Ruço
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[1] No entanto, toda a documentação junta aos autos aponta no sentido do prédio se situa no nº …..
[2] Notificada por via eletrónica ao requerente em 07 de setembro de 2015.
[3] Atento o objeto do recurso, não nos debruçaremos sobre as variadas questões quer de forma, quer de mérito que o presente procedimento suscita, mas apenas sobre a problemática da competência material do tribunal recorrido.
[4] Abreviatura de Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.