Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | NUNO MARCELO NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO | ||
| Descritores: | OCUPAÇÃO DE IMÓVEL INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS DIREITO DE RETENÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP2025112415062/23.4T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/24/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGAÇÃO PARCIAL | ||
| Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - À Relação cumpre alterar ou corrigir a matéria de facto, na sequência de impugnação ou mesmo oficiosamente, quando ela contenha factualidade essencial ou complementar da qual, mercê do art. 5.º/1 e 2 do CPC, o tribunal recorrido não devesse ter tomado conhecimento. II - Além da observância dos ónus estabelecidos no art. 640.º do CPC, a reapreciação da factualidade em segunda instância depende ainda de a impugnação evidenciar idoneidade para interferir no mérito da causa e no desfecho do recurso. III - Em caso de ocupação de imóvel, gratuita e temporariamente, consentida pelo proprietário, a realização de obras destinadas a assegurar a sua habitabilidade, que com aquele tenham sido acordadas, concede aos seus autores o direito à indemnização por benfeitorias necessárias e úteis, estas contanto que não possam ser levantadas sem detrimento do bem, mesmo que, posteriormente, aqueles tomem de arrendamento o imóvel por contrato que exclua semelhante direito. IV - Nas regras de interpretação e integração dos contratos, pontificam os ditames da boa fé, por força dos quais, na dúvida sobre a inclusão desse direito, é devida indemnização por benfeitorias realizadas em imóvel dado subsequentemente de arrendamento, quando o senhorio tenha incentivado os inquilinos a fazê-las. V - Mercê do disposto no art. 1273.º do Cód. Civil, a indemnização por benfeitorias necessárias corresponde ao custo que elas importaram para o autor, enquanto para as benfeitorias úteis está subordinada a dois limites, o primeiro fornecido pelo referido custo com a sua realização e o segundo pelo valor emergente das benfeitorias à data da entrega ao proprietário. VI - Em consequência, não se apurando o concreto valor de um desses limites, tem de relegar-se a fixação da indemnização pelas benfeitorias úteis para momento ulterior, nos termos da primeira parte do art. 609.º/2 do CPC. VII - O direito de retenção por benfeitorias não deve ser reconhecido quando o bem está na detenção de quem as realizou por força de contrato diverso daquele ao abrigo do qual elas foram realizadas e que se extinguiu com a celebração do acordo posterior, do qual já não resulta semelhante direito. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 15062/23.4T8PRT.P1 ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL): Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo 1.º Adjunto: Filipe César Osório 2.º Adjunto: Jorge Martins Ribeiro RELATÓRIO. AA, com o NIF ...39, residente na Avenida ..., ..., ..., no Porto, propôs acção declarativa, em processo comum, contra BB, titular do NIF ...69, e esposa, CC, portadora do NIF ...85, residentes na Rua ..., também no Porto. Pediu a condenação dos RR.: a) a verem declarada a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação pela senhoria; b) a entregarem imediatamente o locado à A., livre e devoluto de pessoas e coisas, nos exatos termos em que se encontrava; e c) solidariamente, no pagamento à A. de indemnização de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, desde Abril de 2023 inclusive, até à data da entrega do prédio referido em 1 desta P.I., bem como nos correspondentes juros de mora à taxa legal. Para o efeito e em síntese, alegou ser dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, situada no 4.º andar direito do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto a seu favor, através da Ap. ...22/06/14, por lhe ter sido adjudicada em partilha da herança por óbito dos seus pais. Sucede que sobre esse imóvel havia sido celebrado contrato de arrendamento escrito, datado de 04 de Março de 2015, entre a herança de DD, com o NIF ...12, antepossuidor da A., e os RR., estes como arrendatários, outorgado pelo prazo de cinco anos, com início em 01.04.2015 e termo em 31.03.2020, sendo as suas prorrogações de três anos. Assim, dado o termo da renovação contratual em 31.03.2023, a A., por carta registada com aviso de receção datada de 15 de Novembro de 2022 e recebida a 24 do mesmo mês, comunicou ao R. marido que o contrato não seria renovado além do dia 31 de Março de 2023. Todavia, chegado esse dia, os RR. não entregaram à A. o locado livre de pessoas e coisas, continuando a habitá-lo sem intenção de o desocupar. Na contestação e a título de excepção, os RR. começaram por invocar que entre as partes foi acordado, verbalmente e antes da outorga do contrato, que o seu final não ocorreria antes de decorridos, pelo menos, 15 anos, que a sociedade imobiliária que elaborou o documento actuou no quadro da sua atividade profissional, em representação dos interesses da sua representada, a senhoria, sem ter dado a conhecer as condições contratuais e em oposição com o acordado previamente entre RR. e que as cláusulas primeira e sétima não correspondem à vontade das partes, pelo menos às vontades dos RR., seja quanto ao prazo de duração do contrato, seja quanto à realização de obras e responsabilidade pelos custos e sua execução. Para além disso, afirmaram que o contrato foi assinado a 4 de março de 2015, sendo que a primeira renda liquidada pelos RR foi a referente a Abril de 2015, tendo sido acordado que o início do contrato apenas ocorreria a partir de 1 de abril de 2015. Em acréscimo, a habitação localiza-se num prédio que tem mais de 60 anos, sendo que o réu e a ré contam com 69 e 70 anos de idade, respectivamente, padecendo ainda o réu marido de doença oncológica da qual resulta incapacidade de grau superior a 60%. Mais, impugnaram parte da matéria constante na petição inicial e deduziram reconvenção. Para tanto e em resumo, alegaram que, por acordo verbal entre a anterior senhoria e RR., em data que não sabem precisar, mas durante o mês de fevereiro de 2015, ocuparam, com autorização da então senhoria, a habitação em crise nos autos, não para a habitarem, mas para executarem as obras que haviam acordado verbalmente que consistiam na reparação de paredes tetos, pavimentos, renovação da cozinha e seus equipamentos, substituição da sanita, canalizações, reparação das caixilharia interiores, sendo que a execução das obras na habitação arrendada teve uma duração de cerca de um mês, período durante o qual os RR. permaneceram numa outra habitação. Nessas trabalhos, realizados em várias divisões da casa e que especificaram devidamente, alegaram os RR. ter suportado um custo total não inferior a € 20.012,90, tendo sido destinadas a dotar o locado das condições de habitabilidade normais, mínimas e adequadas ao seu fim, a habitação, e eliminar as humidades existentes, contribuindo para a valorização do imóvel e aumentando o seu valor patrimonial, em montante bastante superior, atendendo aos custos actuais dos materiais de construção e mão-de-obra no mercado. Em consequência, subsidiariamente, para o caso de procedência da acção, pediram a condenação da A. no pagamento das despesas por si suportadas a título de benfeitorias, no valor não inferior a 20.012,90€, a actualizar tendo em conta os valores da inflação, ao qual deverá ainda acrescer os juros legais. Pedindo ainda fosse declarado e reconhecido o direito de retenção da R., por referência ao locado até que o valor das referidas benfeitorias, acrescido dos juros de mora, seja efetivamente liquidado. Por fim, pediram fosse julgado inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica, proporcionalidade e igualdade, o normativo do nº3 do artigo 14.º, da Lei nº 13 de 2019, de 12.02, devendo ser interpretado da seguinte forma: “o arrendatário que à data de entrada em vigor da presente lei, resida há mais de 20 anos no locado ou tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %, o senhorio apenas pode opor--se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil; Entende-se que a proteção dos arrendatários mais desfavorecidos, no caso concreto os portadores de deficiência com grau superior a 60% de incapacidade só estará garantida se for bastante uma das três circunstâncias descritas no normativo, bastando-se, pois, com a alegação e a prova da incapacidade do arrendatário com grau superiora a 60%, para que o senhorio esteja impedido de deduzir a comunicação de não renovação do contrato, sob pena da referida norma violar o principio constitucional da proporcionalidade, da segurança jurídica e da igualdade (…)”. A A. ofereceu réplica, na qual, em suma, defendeu que quanto à duração do contrato de arrendamento em apreço, bem como à realização de obras ou benfeitorias, o que ficou acordado entre as partes foi o firmado nas cláusulas 1.ª, 6.ª e 7.ª do documento, que os RR. leram e assinaram em sinal da sua concordância. Afirmou igualmente que, caso os RR. tenham realizado as obras que alegam, e o tenham feito com autorização da senhoria, no que não concede, sempre o teriam feito de livre vontade, bem sabendo que as mesmas ficariam a pertencer ao locado, sem possibilidade de retenção ou das quais pudessem ser indemnizados, nos termos do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, para além de serem exagerados os valores indicados pela realização de trabalhos. No mais, impugnou a generalidade da factualidade articulada na contestação e no pedido reconvencional, dele devendo ser absolvida. Regularizada a questão da taxa de justiça devida pelos RR., foi proferido despacho saneador no qual o tribunal recorrido: a) admitiu a reconvenção, b) fixou o valor da causa em € 31.762,00, c) dispensou a realização da audiência prévia, d) procedeu ao saneamento da instância em termos tabelares, e) identificou o objecto do litígio e f) seleccionou os temas da prova. Realizada a audiência de julgamento, em três sessões, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e a reconvenção improcedente; em consequência: a) Declarou cessado por caducidade decorrente da oposição à renovação, desde 31.03.2023, o contrato de arrendamento celebrado entre a herança aberta por óbito de DD, cuja posição de senhoria actualmente é da A., AA, e os RR. BB e CC, tendo por objecto a fracção designada pela letra “H”, para habitação, situada no 4.º andar direito do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...05 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... - H, da freguesia ...; b) Condenou os RR. BB e CC a entregarem à A., AA, a fracção locada, livre e devoluta de pessoas e bens; c) Condenou os RR. a pagarem à A. as rendas vencidas desde a data referida em A) até à efectiva restituição do locado, à razão de € 332,00 (trezentos e trinta e dois euros) mensais, que serão elevadas ao dobro após o trânsito em julgado da presente decisão; e d) Absolveu a A./Reconvinda da totalidade dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos RR./Reconvintes. Dessa sentença, inconformados, os RR. interpuseram o presente recurso, admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. despacho de 30/9/2025), que integrou as conclusões seguintes: (…) Finalizaram com o pedido de que a apelação seja julgada procedente, com a revogação da sentença recorrida e julgando-se a acção improcedente; subsidiariamente, alterando-se a decisão de mérito e julgando-se a reconvenção procedente por provada. A contraparte não ofereceu resposta e prescindiu do prazo para o efeito. Nada obsta ao conhecimento da apelação, a qual foi admitida pela forma e com os efeitos legalmente previstos. * OBJECTO DO RECURSO. Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objecto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC). Assim sendo, importa em especial apreciar: a) Se foi validamente deduzida, releva e procede a impugnação da matéria de facto, quanto aos pontos provados sob nº1.2; 1.3; 1.15; 1.25 e aos pontos não provados nº2.5; 2.6; 2.7; 2.12; 2.13 (conclusões I a XXXIII); b) Se a comunicação da não renovação do contrato reportada a 31.03.2022, deverá ser julgada ineficaz, mercê da prévia caducidade do arrendamento (conclusões XLIV a XLVII); c) Se o nº3 do artigo 14º da Lei nº13 de 2019 de 12.02, interpretado de acordo com a Constituição, conduz à improcedência da acção, sendo inconstitucional na interpretação oposta (conclusões XLVIII e seguintes); e d) Se, independentemente da alteração da decisão de facto, os RR. têm direito à indemnização por benfeitorias (conclusões XXXIV a XLIII). * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Sem prejuízo das consequências que poderão advir da impugnação à matéria de facto, que incidiu sobre os pontos que vão destacados a itálico e que cumpre apreciar adiante, importa primeiramente atender aos factos julgados provados na decisão recorrida, e que são os seguintes: 1) A A. é dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “H”, para habitação, situada no 4.º andar direito do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...05 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... - H, da freguesia .... 2) Por lhe ter sido adjudicada em partilha da herança por óbito dos seus pais DD e EE. 3) Por contrato de arrendamento escrito celebrado em 4 de Março de 2015, a herança de DD, com o NIF ...12, antepossuidor da A., deu de arrendamento aos RR., e estes aceitaram, a fração autónoma referida em 1.1. 4) O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01.04.2015 e termo em 31.03.2020, sendo as suas prorrogações de 3 anos. 5) Foi acordado o pagamento de uma renda anual no montante de € 3.900,00 (três mil e novecentos euros), a pagar em duodécimos de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros) no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que respeitasse, na A..., Lda., com sede na Rua ..., Sala ..., ... Porto, ou noutro local ou modo que a senhoria por escrito viesse a indicar. 6) O contrato de arrendamento renovou-se por períodos sucessivos de 3 anos. 7) Por carta registada com aviso de receção datada de 15 de Novembro de 2022 enviada para o R. marido, e recebida pelo R. marido em 24 de Novembro de 2022, a A. comunicou-lhe o seguinte: “Exmo. Senhor BB Rua ... ... PORTO Assunto: Denúncia de Contrato de Arrendamento Eu AA, portador do NIF: ...39, proprietária da habitação no 4º andar direito da Rua ..., nesta cidade, na ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, venho pela presente missiva informar V. Exa: de que o contrato de arrendamento não vai ser renovado além do dia 31 de Março de 2023. V. Exa. restituirá ao proprietário o imóvel e dependências, completamente livre de equipamentos aí colocados, e em bom estado de conservação. Caso venham a existir benfeitorias realizadas por V. Exa. ficarão a fazer parte integrante do bem imóvel, sem direito a indemnização ou retenção, nos termos da lei civil. Fica expressamente entendido que terá que sair do imóvel e dependências a partir da data já indicada. Todas as chaves e suas cópias, terão de ser devolvidas ao proprietário ou seu representante, ou em local a combinar. Com os melhores cumprimentos, AA Porto, 15 de Novembro de 2022”. 8) Por carta registada com aviso de receção datada de 15 de Novembro de 2022 enviada para a R. esposa, e recebida por esta em 24 de Novembro de 2022, a A. comunicou-lhe o seguinte: “Exma. Senhora CC Rua ... ... PORTO Assunto: Denúncia de Contrato de Arrendamento Eu AA, portador do NIF: ...39, proprietária da habitação no 4º andar direito da Rua ..., nesta cidade, na ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, venho pela presente missiva informar V. Exa: de que o contrato de arrendamento não vai ser renovado além do dia 31 de Março de 2023. V. Exa. restituirá ao proprietário o imóvel e dependências, completamente livre de equipamentos aí colocados, e em bom estado de conservação. Caso venham a existir benfeitorias realizadas por V. Exa. ficarão a fazer parte integrante do bem imóvel, sem direito a indemnização ou retenção, nos termos da lei civil. Fica expressamente entendido que terá que sair do imóvel e dependências a partir da data já indicada. Todas as chaves e suas cópias, terão de ser devolvidas ao proprietário ou seu representante, ou em local a combinar. Com os melhores cumprimentos, AA Porto, 15 de Novembro de 2022”. 9) Chegado o dia 31/03/2023 os RR não entregaram à A. o locado livre de pessoas e coisas, continuando a habitá-lo não tendo intenção de o desocupar e entregar à A. 10) A cláusula Sexta do contrato estipula o seguinte: “Não é permitido fazer obras ou benfeitorias sem autorização da senhoria, dada por escrito, a não ser as de conservação e limpeza necessárias que, desde já, se estipula serem da obrigação dos arrendatários, bem como a substituição dos vidros que entretanto se partirem qualquer que seja a causa”. 11) A cláusula Sétima do contrato estipula o seguinte: “Todas as obras de conservação e limpeza necessárias, bem como as autorizadas nos termos da cláusula anterior, ficam a pertencer ao prédio em que se integram, sem que os arrendatários possam alegar retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização”. 12) Durante o mês de fevereiro de 2015, os RR. ocuparam, com autorização da então senhoria, a habitação em causa nos autos para executarem as obras que haviam acordado verbalmente com esta, através da mediadora, A..., Lda., que consistiam na reparação de paredes tetos pavimentos, renovação da cozinha e seus equipamentos, substituição da sanita, reparação das caixilharias interiores, etc. 13) Tais obras, destinadas à reabilitação e conservação das condições habitacionais, foram transmitidas à pessoa que se apresentou como senhoria, por intermédio dos seus representantes, os sócios/ gerentes da imobiliária A... e funcionários. 14) Durante o mês de fevereiro de 2015, na posse das chaves da habitação, antes da outorga do contrato escrito, os RR. contrataram trabalhadores da construção civil: picheleiro, carpinteiro e trolha e iniciaram os trabalhos de execução das obras no interior da habitação. 15) O contrato junto com a p.i. como doc. n.º 3 havia sido elaborado e redigido pela Sociedade imobiliária que atuou no quadro da sua atividade profissional, em representação dos interesses da sua representada, a senhoria. 16) A representante da então senhoria, a sociedade comercial A... dedica-se, há longos anos, à gestão dos imóveis, incluindo-se nas suas funções a elaboração e outorga de contratos de arrendamento, no interesse e em representação dos senhorios, emissão de recibos, receção de rendas etc., sempre na defesa e interesses dos seus clientes, no caso, da então senhoria. 17) À data da ocupação pelos réus, a habitação apresentava várias deficiências, seja ao nível do pavimentos, tetos e paredes, como ao nível das canalizações, seja da cozinha, seja da casa de banho, hall sala e quartos. 18) O prédio é de construção antiga, tendo-sido edificado há mais de 60 anos. 19) A habitação em causa, antes das obras executadas pelos RR apresentava deficiências várias, concretamente ao nível de pavimentos, paredes tetos, cozinha: - pavimento deteriorado, tacos levantados, em parte apodrecidos; -Paredes rachadas, escurecida com tinta a descascar; - tetos fendilhados e tinta a descascar; -Canalizações calcificadas e obsoletas; - equipamento e móveis de na cozinha apodrecidos, antigos sem fechadura ou puxadores e ferragens e portas empenadas; - autoclismo e sanita partidos avariados e sem funcionar. 20) O estado de conservação deficiente da habitação era do conhecimento da então senhoria e dos seus representantes, sócios gerentes da A.... 21) Em fevereiro de 2015 os Réus executaram na habitação arrendada os seguintes trabalhos: - Fornecimento e Instalação de cilindro 80Lts “Belma” ou equiparado e acessórios 320,00€ Quarto de banho e WC: - 1 Resguardo - 1 Coluna monocomando para duche - 1 Sanita, 1 autoclismo, 2 tampos sanita - 1 Bidé - 1 Móvel 80 branco c/ lavatório - 3 Misturadoras 690,00€ - Lixar e Polir chão quarto banho, WC 1.140,00€ Cozinha: - Vitrificar mosaico do chão 180,00€ - 11 módulo cozinha 1.600,00€ - Transporte e Montagem da cozinha 260,00€ - 1 Tampo granito pedras salgadas 300,00€ - 1 Lava-loiça “TEKA” 82,90€ - Placa Vitrocerâmica + Forno “TEKA” 350,00€ Serviço de Pintor: - Reparação de paredes e de todos os tetos - Pintura de todo o apartamento, tetos em branco e paredes c/tinta lavável branca nuvem - Reparar e pintar teto da cozinha - Reparar e Pintar tetos dos 2 quartos de Banho - Reparar e pintar paredes do WC, arrumos e despensa - Reparar e Pintar marquise 8.510,00€ Raspar/lixar e Pintar todas as madeiras: - 10 portas interiores - 1 porta de entrada, - 1 porta da sala 2 folhas - 1 janela cozinha - Substituir puxadores diferentes dos de origem - Substituir dobradiças - Guarnições e Rodapés 5.630,00€ Fornecimento e colocação de teto falso na sala Fornecimento e colocação de teto falso na hall entrada Fornecimento e colocação de teto falso no Q. Banho 1.950,00€. 22) Nas obras executadas no interior da habitação os RR. suportaram um custo total de cerca de 20.000,00€. 23) Por se tratar de incorporação de materiais no edifício, como o sendo o caso de pintura, reparação das caixilharias, colocação de tetos novos em pladur, as obras realizadas pelos RR. não podem ser levantadas. 24) As obras realizadas no locado pelos RR., para além de conservarem as condições do locado contribuíram para a valorização, embelezamento do imóvel tornando-o mais funcional. 25) Estando de boa fé e em contrapartida de uma redução no valor da renda mensal inicialmente pretendida pela senhoria, que se verificou, os RR. executaram quase todas as obras em momentos anteriores à outorga do contrato. * Por outro lado, foram julgados não provados os seguintes factos: 2.1) Em dia do mês de fevereiro de 2015, previamente à data da outorga do contrato escrito, a antiga senhoria e os RR, por acordo verbal, firmaram vontades no que diz respeito à duração da relação de arrendamento, concretamente que o fim do arrendamento não ocorreria antes de decorridos pelo menos 15 anos. 2.2) Tais obras, destinadas à reabilitação e conservação das condições habitacionais, foram transmitidas diretamente pelos RR. à senhoria. 2.3) A sociedade imobiliária não deu a conhecer as condições contratuais e em oposição com o acordado previamente entre RR., sendo que o contrato em causa havia sido elaborado por profissionais do ramo da gestão imobiliária, representantes da senhoria em divergência das conversações anteriores garantidas pela senhoria, transmitidas aos RR. 2.4) Por sua vez, os RR, confiando no acordado previamente com a senhoria, numa data em que já haviam iniciado os trabalhos de construção na habitação aqui em causa e confrontados com o documento, que não leram, limitaram-se a apor as suas assinaturas, ou seja, a única intervenção dos arrendatários no doc.3 da PI foi aporem a assinatura num documento previamente elaborado pelos representantes da senhoria cujo teor estava em divergência com as negociações previamente estabelecidas entre as partes. 2.5) Estando de boa fé e confiando nas palavras tranquilizadoras dos representantes da senhoria e nas desta, os RR. executaram quase todas as obras momentos antes da outorga/assinatura do contrato, ou seja, acreditando no prazo prolongado da relação de arrendamento e no direito ao reembolso dos custos do investimento em obras, no termo daquele. 2.6) As cláusulas contratuais apostas no documento- designado contrato – junto como doc. 3 da PI-, concretamente as constantes das clausulas primeira e sétima não correspondem à vontade das partes, pelo menos às vontades dos RR. seja quanto ao prazo de duração, seja quanto à realização de obras e responsabilidade pelos custos e sua execução. 2.7) O reu e a ré contam com 69 e 70 anos de idade, respetivamente, sendo que o reu marido padece de doença oncológica, sendo portador de uma incapacidade de grau superior a 60%, resultado do estado avançado da doença oncológica. 2.8) Na sequência da troca de missivas, foi vontade das partes renovar os termos do contrato, porquanto a atual senhoria e RR. acordaram em dar sem efeito o teor das referidas missivas e acordaram e renovar o contrato sendo que as partes acordaram que a renda seria atualizada em mais de 250,00€, o que a senhoria concordou. 2.9) Os trabalhos efetuados no imóvel foram os estritamente necessários para eliminar as humidades, impermeabilizar e isolar as paredes, isolar pavimento reduzindo assim os índices de insalubridade do interior da habitação. 2.10) As obras levadas a cabo pelos RR. incluíram a colocação de novas canalizações. 2.11) Actualmente e em consequência direta e necessária das obras executadas pelos RR., encontra-se o locado valorizado não só no montante realmente despendido, mas num valor bastante superior. 2.12) Estando de boa fé e confiando nas palavras tranquilizadoras dos representantes da senhoria e nas desta, os RR. executaram as obras, acreditando quer no prazo prolongado da relação de arrendamento, quer no reembolso dos custos do investimento em obras. 2.13) Sendo certo que os réus convictos da concretização do acordado verbalmente, realizaram as obras de melhoramento na casa que, de outro modo, não as teriam efetuado. * SOBRE A ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. Como se sabe, a admissibilidade do recurso em matéria de facto depende do cumprimento de alguns ónus. De acordo com o disposto no artigo 640.º/1 do Código de Processo Civil, é imposto ao recorrente que especifique: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas Enquanto o nº2 prevê que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Por outro lado, segundo o art. 607.º do mesmo diploma, aplicável em segunda instância mercê do disposto no art. 663.º/2, é imposto ao tribunal que tome ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (nº4). Finalmente, determina o art. 662.º/1 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Do referido quadro legal resulta que certas patologias da decisão da matéria de facto podem ser conhecidas oficiosamente pelo tribunal de recurso, ao passo que, ocorrendo erro de julgamento sobre factos relevantes, a apreciação factual a empreender pela segunda instância depende da impugnação da parte. Assim, segundo a doutrina, ocorrendo erro quanto à força de determinados meios de prova, “a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a primeira instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (…), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte” (A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 335-6). E idêntico tratamento deve ser concedido pelo tribunal ad quem, não apenas aos casos em que a decisão de facto da primeira instância traduza matéria de direito ou consubstancie juízos meramente conclusivos, mas também, segundo pensamos, quando exceda a factualidade que lhe é lícito conhecer. Trata-se, na verdade, nesta segunda espécie, a nosso ver, de apenas mais um exemplo “das modificações que podem ser oficiosamente operadas [pela Relação] relativamente a determinados factos cuja decisão [em primeira instância] esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Ob. cit., p. 340). Sendo certo que, no campo das normas imperativas, ainda que de natureza processual, está incluída a disposição do art. 5.º/1 do CPC, segundo a qual às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. Acrescentando o nº2 que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz, entre o mais: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; No caso dos autos, porém, verifica-se que a matéria factual que justifica a intervenção e a correcção deste Tribunal da Relação do Porto foi igualmente objecto de impugnação por parte dos recorrentes. Na verdade, a análise do recurso evidencia, segundo entendemos, que os recorrentes cumpriram as exigências previstas no art. 640.º do CPC, indicando os concretos pontos de facto que, a seu ver, foram incorretamente julgados, os meios probatórios que, na mesma óptica, justificariam outra decisão e a concreta resposta que consideram justificada para a referida factualidade. E entre os pontos impugnados no recurso da factualidade julgada provada, figura o facto provado nº25, que reza assim: “Estando de boa fé e em contrapartida de uma redução no valor da renda mensal inicialmente pretendida pela senhoria, que se verificou, os RR. executaram quase todas as obras em momentos anteriores à outorga do contrato”. Todavia, a primeira parte da referida resposta afigura-se manifestamente conclusiva, socorrendo-se do conceito da boa-fé de modo desgarrado de qualquer concreta acção apreensível da realidade e que obnubila ou deixa de esclarecer as circunstâncias de modo, tempo e lugar inerentes à autêntica factualidade. Vício do qual padece igualmente a parte final, com a única diferença face à inicial de que, enquanto ali se empregaram considerações de cariz conceitual, agora fez-se uso de uma fórmula vaga – quase todas as obras – que, além de carecer da devida concretização, constitui ainda redundância atenta a descrição dos trabalhos realizados e da sua data nos pontos 21 e 22 provados. De modo que, o relevante e factual naquele ponto nº25 resume-se à indicação da existência de uma contrapartida de uma redução no valor da renda mensal inicialmente pretendida pela senhoria, que se verificou. Todavia, vistos todos os articulados oferecidos pelas partes, constata-se que em nenhum deles foi alegado semelhante facto. Nem tácita, nem expressamente, sequer concludentemente, A. e RR. jamais afirmaram no processo, como resulta do relatório antecedente, a possibilidade de as obras terem sido realizadas pelos segundos tendo em vista ou na expectativa de uma contrapartida baseada na redução do valor da renda. Da mesma forma, o tribunal recorrido não colocou à consideração das partes a discussão e eventual demonstração desse facto, como claramente se constata pela análise do processo, dos temas da prova e do teor das actas da audiência de julgamento. No entanto, a factualidade essencial apenas pode ser atendida se for alegada pelas partes, nos termos do art. 5.º/1 do CPC, e embora possam ainda ser considerados pelo tribunal os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, para tal efeito é indispensável que aquelas sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, segundo prescreve o nº2 daquela disposição legal. Algo que acarreta, como explica a jurisprudência, “a possibilidade de produzir prova e contraprova sobre eles”, a qual “só pode ser proporcionada se o tribunal, antes de proferir a sentença, sinalizar às partes os factos que, apesar de não terem sido por elas alegados, se evidenciaram na instrução da causa e sejam relevantes para a decisão da mesma, permitindo que estas se pronunciem sobre eles e concedendo-lhes prazo para indicarem os meios de prova que pretendam produzir (cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/12/2023, relator João Cura Mariano, proc. 2017/11.0TVLSB.L1.S1, acessível na mesma base de dados em linha). Em consequência, mesmo que os factos complementares ou concretizadores possam, nessa qualidade, ser “decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, reconvenção, defesa por excepção (…), só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/2/2016, relator António Carvalho Martins, proc. 2316/12.4TBPBL.C1, disponível na página electrónica do DR). Razões pelas quais, não tendo sido alegado nem colocado à consideração das partes a discussão e a possível prova desse facto, numa parte, e face à sua natureza conclusiva e redundante, na outra, impõe-se a exclusão do ponto 25 do elenco da factualidade relevante destes autos, o que se decide. * SOBRE A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. Quanto ao mais, porém, entendemos que a impugnação factual realizada pelos RR. carece de relevância para o desfecho do recurso e da causa. Com efeito, independentemente da observância dos ónus estabelecidos no art. 640.º do CPC, a reapreciação da factualidade em segunda instância depende também de, segundo as soluções plausíveis da questão de direito, a impugnação evidenciar idoneidade para interferir nesse desfecho. É que, atentas as regras gerais de gestão processual e de proibição da prática de actos inúteis, consagradas nos arts. 6.º e 130.º do CPC, a falta de interesse dos factos para a decisão final constitui circunstância impeditiva da reapreciação da prova. Como bem se compreende, se os factos impugnados, conjugados com aqueles que têm de manter-se inalterados, por falta de impugnação e não existir quanto a eles motivos para intervenção oficiosa, não tiverem a virtualidade de alterar o segmento decisório objecto de recurso, a sua reapreciação será inútil e nenhum proveito poderá trazer às pretensões essenciais das partes. Neste sentido, tem sentenciado o Supremo Tribunal de Justiça que “nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto, por se tratar de ato inútil” (cfr. Acórdão de 09/02/2021, proc. 27069/18.3T8PRT.P1.S1, da autoria de Maria João Vaz Tomé e disponível em jurisprudencia.pt). Entendimento que, aliás, tem sido sucessivamente reiterado pela nossa mais alta instância para destacar que “de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte”. Para concluir, com essa premissa, que “o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/11/2023, relatado por Mário Belo Morgado, no proc. 835/15.0T8LRA e acessível em www.dgsi.pt). Volvendo ao caso dos autos, constata-se que parte da impugnação, referente aos pontos provados sob nº2, 3 e 15, apenas pode interessar para a questão da prévia caducidade do arrendamento que os RR. suscitaram, nas conclusões XLIV a XLVII, com base na circunstância de o contrato ter sido celebrado pela cabeça-de-casal e atenta a extinção dos seus poderes com a partilha da herança. O que, em rigor, traduz uma questão nova, que jamais foi colocada pelos RR. em qualquer dos articulados oferecidos em primeira instância e que, por isso, ficou arredada do debate feito em julgamento e na sentença recorrida. No entanto, está há muito consolidado o entendimento de que, visando a reapreciação da decisão de primeira instância, quer de direito quer de facto, os recursos não se destinam a suscitar e decidir questões novas, que não tenham sido tempestivamente colocadas no tribunal recorrido. Como salienta a jurisprudência, “as questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/10/2020, processo 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, relator Juiz Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, acessível na base de dados da DGSI em linha). Tal como vem preconizando este Tribunal da Relação do Porto: “na medida em que os recursos visam por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, está vedado ao tribunal de recurso apreciar as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, salvo se de conhecimento oficioso” (cfr. Acórdão de 10/1/2022, processo nº725/17.1T8VNG.P1, relator Fátima Andrade, também disponível em dgsi.pt). Verificando-se que, no caso dos autos, relativamente à questão da prévia caducidade do contrato, estão presentes os dois fundamentos subjacentes à proibição de invocação e conhecimento de matérias novas, que não sejam de conhecimento oficioso, no âmbito do recurso: o princípio da preclusão, impedindo a parte de suprir faltas de acção, no momento processual próprio, imputáveis à falta da diligência devida, por um lado e, por outro, a finalidade associada aos recursos, que se destinam a reapreciar questões. Sem permitir, pois, o surgimento de outras que possam ser decididas com supressão do duplo grau de jurisdição e a inerente perturbação do princípio basilar do contraditório nas decisões judiciais. Não é aceitável, pois, a utilização ínvia da instância de recurso para a alegação de questões que jamais foram introduzidos pelas partes no objecto do processo nos momentos legalmente definidos para o efeito. Em acréscimo, salvo melhor juízo, crê-se que a alegada prévia caducidade do contrato de arrendamento carece de qualquer relevância para a decisão de mérito. No entendimento dos RR., o contrato caducou, ope legis, no momento da partilha, cuja data conhecida é a de 14/06/2022, atenta a cessação dos poderes da cabeça-de-casal que actuou como senhorio e nos termos do art. 1051.º, alínea c), do Código Civil. Todavia, o que sucedeu com a partilha da herança em causa não foi a extinção do arrendamento, mas, isso sim, a assunção da posição contratual de senhorio, com efeitos desde a abertura da sucessão, pela pessoa a quem o imóvel foi adjudicado, nos termos conjugados dos arts. 1057.º, 2031.º, 2032.º, 2050.º/2 e 2052.º do mesmo diploma legal. Ao passo que a locação do bem integrado na herança não partilhada, por parte da cabeça-de-casal, representou apenas um acto integrado nos poderes ordinários de administração da herança que, até à sua liquidação e partilha, legitimamente lhe pertenciam, ao abrigo do art. 2079.º do Código Civil. De modo que, a eventualidade de o arrendamento ter caducado no momento da partilha deve considerar-se totalmente afastada, tanto mais que isso colidiria de modo inadmissível com a estabilidade da posição dos inquilinos. Mesmo, porém, que essa caducidade tivesse ocorrido em Junho de 2022, a verdade é que ela não impediria a eficácia da comunicação da nova proprietária, realizada em Novembro do mesmo ano, com o propósito de obter a restituição do imóvel com efeitos em Março de 2023, pois ainda não teria decorrido o prazo de um ano previsto no art. 1056.º do CC para a renovação do contrato. Em consequência, mostram-se irrelevantes as alterações pretendidas pelos RR. à matéria de facto inscrita nos pontos provados sob nº2, 3 e 15 e improcedente a segunda questão que colocaram no objecto do recurso. * Estreita ligação com as suas alegações de direito tem também a impugnação factual realizada pelos RR. sobre o ponto 2.7 da factualidade não provada, que se cinge à incapacidade de grau superior a 60% de que, segundo afirmam, padecerá o R., na medida em que ela apenas importa para a questão da inconstitucionalidade suscitada nas conclusões XLVIII e seguintes. A esse propósito, defende-se no recurso que o normativo do nº3 do art. 14.º da Lei nº13 de 2019, de 12/02, deverá ser interpretado, sob pena de violação da Constituição, no sentido de que, tendo o arrendatário à data de entrada em vigor da presente lei, residência no locado há mais de 20 anos no locado, ou idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%, o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil. E daí que se pretenda a comprovação daquele grau de incapacidade de um dos arrendatários como requisito necessário e bastante, na tese preconizada por quem interpôs o recurso, para espoletar a séria limitação imposta ao senhorio, naquela disposição legal, ao poder de se opor à renovação do contrato. Sem que se vislumbre interesse no referido facto no âmbito da aplicação de qualquer outra norma legal ou instituto jurídico pertinente para o caso dos autos. Simplesmente, o nº3 do art. 14º da Lei nº 13 de 2019, de 12/02, reporta-se somente aos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no n.º1 do art. 26.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro e, portanto, aos “contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro”. Ao passo que, muito diversamente, o contrato de arrendamento em análise nos nossos autos, definido pelas partes para vigorar desde 1/4/2015, foi celebrado na vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, e sucessivamente alterado. Deste modo, a inconstitucionalidade foi invocada no recurso a respeito de uma norma que não tem qualquer aplicabilidade ao presente processo. Algo que, aliás, foi acertadamente destacado na decisão de primeira instância, quando assinalou que “parece igualmente importante realçar que o dispositivo legal convocado pelos RR. não tem aplicação ao caso concreto”. Para acrescentar que, “como decorre da própria letra do n.º 3 do art.º 14.º da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, a norma aplica-se aos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no n.º 1 do art.º 26.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, ou seja, aos contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro”. E concluir que esse “não é, pois, o caso do contrato dos autos, que foi celebrado em 4 de Março de 2015, portanto, já na vigência do NRAU”. Em argumentação que, ademais, não foi enfrentada no recurso, que sobre ela nenhuma palavra dedicou e optou por insistir na arguição de inconstitucionalidade sem cuidar da sua concreta associação à decisão da causa. Assim sendo, importa concluir pela total irrelevância da impugnação factual dirigida ao ponto 2.7 da matéria não provada, por um lado e, por outro, pela improcedência da terceira questão enunciada no objecto do recurso. * Contudo, a falta de interesse para o desfecho do recurso e para a decisão da causa estende-se ainda, segundo pensamos, à censura manifestada pelos RR. à restante matéria de facto não provada questionada na sua impugnação. Recorde-se que, nessa parte, foram os seguintes os factos impugnados: 2.5) Estando de boa fé e confiando nas palavras tranquilizadoras dos representantes da senhoria e nas desta, os RR. executaram quase todas as obras momentos antes da outorga/assinatura do contrato, ou seja, acreditando no prazo prolongado da relação de arrendamento e no direito ao reembolso dos custos do investimento em obras, no termo daquele. 2.6) As cláusulas contratuais apostas no documento- designado contrato – junto como doc. 3 da PI-, concretamente as constantes das clausulas primeira e sétima não correspondem à vontade das partes, pelo menos às vontades dos RR. seja quanto ao prazo de duração, seja quanto à realização de obras e responsabilidade pelos custos e sua execução. 2.12) Estando de boa fé e confiando nas palavras tranquilizadoras dos representantes da senhoria e nas desta, os RR. executaram as obras, acreditando quer no prazo prolongado da relação de arrendamento, quer no reembolso dos custos do investimento em obras. 2.13) Sendo certo que os réus convictos da concretização do acordado verbalmente, realizaram as obras de melhoramento na casa que, de outro modo, não as teriam efetuado. Está em causa, pois, afastando o que é conclusivo ou repetição de matéria apurada noutras respostas do tribunal recorrido, saber se os RR. acreditaram num “prazo prolongado da relação de arrendamento e no direito ao reembolso dos custos do investimento em obras” diferentes do previsto no contrato, se o teor das cláusulas primeira e sétima não correspondia à sua vontade e se, perante contrato diverso do que foi acordado verbalmente, não teriam realizado as obras. Todavia, os RR. não impugnaram a resposta negativa dada ao facto nº2.1, que se reportava ao referido acordo verbal, e de cuja ausência na factualidade provada resulta a perda de qualquer sentido em averiguar, nesta instância, se foi por terem confiado num acordo não demonstrado que eles fizeram as obras. Da mesma forma, os RR. não colocaram em crise a falta de prova sobre a factualidade do ponto nº2.3, no âmbito do qual foi investigado se a sociedade imobiliária que elaborou o texto do contrato não deu a conhecer as condições do contrato escrito supostamente diversas do acordado previamente entre as partes e se concluiu que essa omissão de informação não se comprovou. Em consequência, a alegada crença eventualmente desconforme à realidade do teor do contrato assinado pelas partes jamais poderia configurar a existência de cláusulas contratuais abusivas que os RR. imputaram à A., para constituir somente, no plano jurídico, mera divergência não intencional entre a vontade daqueles e as declarações constantes do texto do contrato. Algo que a doutrina denomina de erro-obstáculo, traduzindo a situação em que o contraente “não se apercebe de que a declaração tem um conteúdo divergente da sua vontade real”, expressa na máxima latina “aliud dixit, aliud voluit” (cfr. C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., pp. 495-6). E cuja relevância vem tratada no art. 247.º do Cód. Civil em termos que de modo nenhum são aplicáveis ao caso dos autos, quer por gerar a anulabilidade, que não foi suscitada e teria de o ser (art. 287.º do CC), quer por exigir que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro. Emergindo, assim, de matéria de facto que não foi alegada pela parte nem averiguada pelo tribunal nos factos impugnados, tanto mais que, como se disse, os RR. não contrariaram a ausência de prova sobre o acordo verbal de sentido diverso e sobre a omissão de informação das cláusulas vertidas no contrato escrito. Em consequência, sem prejuízo da eliminação do ponto 25 da factualidade provada, acima decidida, rejeita-se a impugnação à matéria de facto deduzida pelos RR., mercê da sua irrelevância para a decisão da causa, na parte restante. * SOBRE A INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS E O DIREITO DE RETENÇÃO. Uma vez que as considerações anteriores, embora versando directamente a relevância da factualidade impugnada, resolveram as questões relativas à prévia caducidade do arrendamento (conclusões XLIV a XLVII) e à inconstitucionalidade do nº3 do art. 14º da Lei nº13 de 2019, de 12.02 (conclusões XLVIII e seguintes), resta apreciar o último ponto do objecto do recurso, assente em saber se, a despeito ou independentemente da improcedência da impugnação factual, os RR. têm direito à indemnização por benfeitorias. Mercê do nº1 do art. 1273.º do CC, tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Ao passo que, nos termos do seu nº2, quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias úteis, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 216.º do CC, existem três categorias fundamentais de benfeitorias: necessárias, úteis ou voluptuárias. As primeiras são as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentam o valor do bem; e voluptuárias aquelas que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante. Este quadro legal demonstra, em primeiro lugar, que apenas o possuidor, e não já o mero detentor, beneficia do regime das benfeitorias. Existem, contudo, alguns detentores aos quais o legislador especificamente reconhece o mesmo direito e entre eles contam-se, quer o arrendatário, nos termos do art. 1074.º/5 do CC, quer o comodatário, de acordo com o disposto no art. 1138.º/1 do mesmo diploma legal. Daqui resultando a necessidade de definir previamente, no caso dos autos, com importância para a decisão sobre o pedido reconvencional, qual a situação jurídica dos RR. face ao imóvel no momento da realização das obras. Neste conspecto, apurou-se desde logo que os trabalhos de requalificação do imóvel foram executados em Fevereiro de 2015 (factos provados nº21 e 22). Para além disso, e ainda com maior relevo, ficou demonstrado que, nessa data, os RR. ocuparam, com autorização da futura senhoria, a habitação em causa nos autos, a fim de executarem as obras que haviam acordado verbalmente com esta, através da mediadora, consistentes na reparação de paredes tectos, de pavimentos, renovação da cozinha e seus equipamentos, substituição da sanita, reparação das caixilharias interiores, entre outras (facto nº12). Diversamente, o contrato de arrendamento foi celebrado em 4 de Março de 2015 e nele foi definido expressamente que o início da sua vigência apenas ocorreria no início do mês seguinte, em 1 de Abril de 2015 (pontos nº3 e 4). Daqui resultando, se bem pensamos, que não foi ao abrigo do contrato de arrendamento que as obras foram executadas, até porque os contraentes tiveram o cuidado de definir o início de produção dos seus efeitos para data diversa da realização dos trabalhos e, inclusivamente, da assinatura do acordo. Em consequência, não nos parece legítima a opção de considerar que o direito que para os RR. pode resultar da execução das obras deve submeter-se ao regime, de exclusão da indemnização e do levantamento das benfeitorias, que as partes fixaram apenas para vigorar no arrendamento e em momento posterior. Por isso, afastada expressamente pelos contraentes a vigência do contrato de arrendamento no momento da sua realização, impõe-se concluir que os trabalhos foram executados na esteira do acordo verbal de ocupação do imóvel em Fevereiro de 2015, com autorização da cabeça-de-casal da herança a que ele pertencia, destinada a esse específico propósito e sem a fixação de qualquer retribuição devida pela ocupação, pelo menos, diversa da execução da obra. À luz destes factos, procurando o enquadramento jurídico adequado para tal acordo, configura-se de imediato, a nosso ver, a presença de elementos próprios do comodato, definido na lei como o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir (art. 1129.º do CC). Devendo notar-se que a natureza gratuita da cedência e a qualificação do acordo como comodato não são excluídas pela circunstância de ter sido atribuída aos RR. a incumbência de realizar as obras, sendo de “aceitar que o pagamento de despesas referentes ao período a que se reporta o uso, como despesas de condomínio e até o respetivo imposto não afastam a gratuitidade” (cfr. Júlio Vieira Gomes, Comentário ao Código Civil, Contratos em especial, UCP, p. 571). Não se tratou, ademais, no tocante à realização das obras, de uma verdadeira contrapartida devida pela ocupação, capaz de desvirtuar a qualificação do acordo no âmbito do comodato, mas apenas da finalidade subjacente à cedência do gozo do imóvel. Tanto mais que no comodato, ao contrário do que sucede no arrendamento, o comodante não é obrigado a assegurar ao outro contraente o uso do bem, por força do art. 1133.º/1 do CC, sendo por isso ao comodatário a quem compete a realização das diligências necessárias para o efeito. E só assim se compreende, por outro lado, que a lei garanta ao comodatário, nos termos do art. 1138.º/1 do CC, o direito sobre as benfeitorias, equiparando-o a esse nível ao possuidor de má fé. Ora, reconhecendo-se o direito às benfeitorias ao detentor que no comodato fez obras sem ter sido incumbido de o fazer, o mesmo deve ser reconhecido, por maioria ou igualdade de razão, quanto ao comodatário que realizou as obras em observância do que havia sido estipulado a título de finalidade do acordo e preliminarmente à outorga de um contrato de arrendamento. Como já se decidiu na jurisprudência, “são de boa fé [para o efeito de gerar o direito à indemnização] as benfeitorias realizadas em local cedido verbalmente, com vista a posterior celebração de contrato de arrendamento comercial, tendo o proprietário acompanhado e concordado com a sua realização” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/4/2008, relator Abrantes Geraldes, processo nº 1786/2008-7, disponível na mesma base de dados). Para além disso, mesmo admitindo que a execução das obras como causa última da ocupação prévia do imóvel pode conduzir ao enquadramento do acordo como contrato atípico, isso não nega as componentes do comodato que nele estão presentes, desde logo quanto à entrega do gozo do imóvel temporariamente, e a sua subordinação ao disposto nos arts. 1129.º e segs. do Código Civil. Com efeito, envolvendo a coexistência de cláusulas próprias de mais que uma modalidade contratual, ele é susceptível de configurar, como é reconhecido na jurisprudência, “um contrato inominado, cuja regulamentação se encontra em primeiro lugar nas suas próprias cláusulas, depois nas disposições gerais e, finalmente, nas normas da figura típica mais próxima” (cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 20/5/2015, relator Orlando Afonso, proc. 6427/09.5TVLSB.L1.S1, disponível na citada base de dados). Sendo certo que as normas da figura mais próxima susceptíveis de reger a execução do acordo, pelo menos no que tange à ocupação exercida pelos RR., correspondem às regras do comodato. Em terceiro lugar, porquanto, apesar do silêncio dos contraentes, no acordo de Fevereiro de 2015, sobre o destino das benfeitorias, as regras de interpretação e integração dos contratos conduzem ao reconhecimento do direito aos RR. Na verdade, nos termos do art. 239.º do CC, na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta. Em sentido equivalente, salienta a jurisprudência que “não se provando o sentido da vontade real dos declarantes, a declaração valerá (artigo 236, n.º 1 do CC) com o sentido que o real declaratário lhe daria, sendo ele uma pessoa razoável, diligente e de boa-fé” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/10/2022, relator José Eusébio Almeida, proc. 97/20.7T8PVZ.P1, na citada base de dados). E esta prevalência da boa fé impõe, a nosso ver, seja reconhecido o direito às benfeitorias aos RR., tanto mais que, como já se julgou, “configura abuso de direito a invocação de cláusula contratual que negam o direito a indemnização por benfeitorias, pela realização de obras no locado, quando o senhorio tenha incentivado a inquilina a fazê-las e acompanhado e supervisionado a sua realização” (cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10/9/2020, relator Maria do Rosário Morgado, processo nº 19639/17.9T8LSB.L1.S1, também disponível em dgsi.pt). Ao invés, “o pedido de restituição aos arrendatários do valor das despesas que ao longo de anos fizeram no locado em vantagem do imóvel insere-se dentro dos limites da valorização proporcionada no locado pelas obras por si efetuadas e como tal não pode consubstanciar um abuso de direito” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/5/2018, relator Luís Correia de Mendonça, processo nº 869/14.1T8LSB.L1-8, na mesma base de dados). Ficando assente, deste modo, que as benfeitorias realizadas escapam ao regime estabelecido no contrato de arrendamento celebrado e executado pelas partes posteriormente e, para além disso, que são idóneas à constituição de um direito na esfera jurídica dos RR., importa agora proceder à configuração deste e, sendo o caso, à quantificação do respectivo valor. À vista dos factos provados, verifica-se que os trabalhos, exaustivamente descritos no ponto 21, resultaram da necessidade de colmatar deficiências várias (facto 19) e que não apenas conservaram as condições do imóvel, como também contribuíram para a respectiva valorização (facto 24). Considerando a gravidade das deficiências apontadas no facto nº19, estamos em crer que as obras no chão, tectos, paredes, pinturas, janela, marquise, madeiras, guarnições, dobradiças e rodapés, em rigor, constituem benfeitorias necessárias, por servirem para impedir a deterioração do imóvel. Assim sendo, e como a realização de benfeitorias necessárias concede ao seu autor direito a ser indemnizado pelo respectivo custo, nos termos do art. 1273.º/1 do CC, entendemos que, face à quantificação de valores constante do facto nº21, os RR. têm direito, desde já, à indemnização de € 14.140,00 (8.510 + 5.630). No restante, atenta a descrição do ponto 21, estão em causa benfeitorias úteis, das quais resultou a valorização do prédio mas sem que se apurasse que servissem para evitar a respectiva destruição ou deterioração. Valendo tal qualificação, dispõe o art. 1273.º/2 do CC que o possuidor tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias úteis realizadas, desde que não as possa levantar sem detrimento para o bem e de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. Neste particular, crê-se que a placa de vitrocerâmica e o forno podem ser levantados pelos RR. sem detrimento do imóvel, com a consequente dedução do respectivo no valor (€ 350,00) na indemnização devida por benfeitorias úteis. Enquanto, no mais, a exigência para a concessão da indemnização está igualmente demonstrada na espécie em juízo, valendo nesse plano a inviabilidade de levantamento que resulta do facto provado nº23 para as obras e das quais é possível distinguir aqueles electrodomésticos. Por fim, importa finalmente resolver a questão do cálculo da indemnização das benfeitorias úteis segundo as regras previstas para o enriquecimento sem causa. Assim convocando o art. 479.º do CC, segundo o qual a obrigação, em geral, compreende o valor correspondente ao que foi obtido à custa do empobrecido, embora subordinado à medida máxima do locupletamento do beneficiado à data da citação ou do conhecimento da falta de causa. O que significa, em sede de indemnização por benfeitorias úteis, ao abrigo do art. 1273.º do CC, a imposição de dois limites, o primeiro dado pelo custo que elas importaram ao autor e o segundo pelo valor das benfeitorias à data da sua entrega e que já considera a eventual depreciação resultante do uso e do decurso do tempo. No mesmo sentido, refere-se a doutrina aos “dois limites à indemnização: o valor das benfeitorias ao tempo da entrega e o seu custo”, defendendo que o actual Código Civil continua a impor a sua aplicação, à semelhança do que sucedia anteriormente ao abrigo do diploma de 1867 (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª ed., pp. 42-3). Ou seja, “não pode o interessado receber mais do que o investido”, mas “o valor a receber não deve superar o enriquecimento que tiver existido” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/4/2008, acima citado). No caso dos autos, porém, não se provou o quantum de um desses limites, tendo merecido resposta negativa, sem impugnação dos RR., a questão factual de saber se “actualmente e em consequência direta e necessária das obras executadas pelos RR., encontra-se o locado valorizado não só no montante realmente despendido, mas num valor bastante superior” (facto não provado nº2.11). Em consequência, nessa parte, tem de relegar-se a fixação da indemnização por benfeitorias úteis para momento ulterior, nos termos dos art. 358º ss e 609.º/2 do CPC. Subordinando-a, no entanto, ao limite máximo apurado, quanto ao custo que as benfeitorias importaram para os RR. e que, deduzido do montante das benfeitorias necessárias e do valor atribuído aos equipamentos que podem ser levantados, ascende a € 5.510,00 (cfr. factos 21 e 22), sem prejuízo dos juros de mora eventualmente devidos desde a quantificação, nos termos do art. 805.º/3 do CC. E ainda sem perder de vista que, tal como sucede nas benfeitorias necessárias, caso prevaleça para as úteis o valor correspondente a esse custo, em detrimento do montante acrescido que as benfeitorias aportaram ao imóvel (se este for superior), estará em causa “uma dívida de valor, sendo, por isso, suscetível de atualização, tendo em conta a depreciação do valor originário do seu custo” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2018, relator Tomé Gomes, proc. 214/14.6T8BJA.E1.S2, disponível na página electrónica do STJ). * Apesar do reconhecimento do direito dos RR. às benfeitorias, a mesma resposta não é justificada, se bem pensamos, quanto ao direito de retenção que por eles foi reclamado em primeira instância, para tal concorrendo duas ordens de motivos.Desde logo, no plano processual, porque não dedicaram qualquer conclusão ao referido tema, inviabilizando a sua afirmação em segunda instância, atenta a regra segundo a qual são as conclusões que definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC). Em segundo lugar, porque o contrato com base no qual as benfeitorias foram realizadas extinguiu-se previamente à vigência do arrendamento que agora permite que os RR. estejam na detenção do bem. Ora, nos termos previstos no art. 755.º/1, al. e), do CC, gozam do direito de retenção o depositário e o comodatário, sobre as coisas que lhes tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes. Todavia, o imóvel está agora entregue aos RR., não por força do comodato ou do contrato atípico anterior, com base no qual os trabalhos foram realizados, mas por força do arrendamento que o extinguiu e que já não concede aos inquilinos a faculdade de retenção agora reclamada. De modo que, estando agora o imóvel na detenção dos RR. em consequência do arrendamento, perde sentido o reconhecimento de uma retenção que apenas poderia ser inerente a uma detenção diversa e anterior. Existiram, pois, dois momentos perfeitamente distintos, um entre Fevereiro e Abril e o outro depois de Abril, tudo se passando como se, do primeiro para o segundo, o imóvel tivesse regressado à posse do proprietário, já restaurado, para depois ser novamente entregue aos RR. já no âmbito do arrendamento. E se foi tal distinção temporal que permitiu reconhecer aos RR. o direito às benfeitorias, dela também resulta o afastamento da faculdade de retenção, que era exclusiva do primeiro momento e tendo igualmente em conta que, “uma vez entregue o imóvel ao proprietário, não é legítima a invocação do direito de retenção com fundamento no direito de indemnização pelas benfeitorias realizadas” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/4/2008, acima citado). Procede o recurso, pois, parcialmente, quanto à questão das benfeitorias. * DECISÃO: Pelo exposto, concedendo-se parcial provimento à apelação, decide-se: a) julgar parcialmente procedente a reconvenção e condenar a A. no pagamento da quantia de € 14.140,00 e do valor que, com o máximo de € 5.510,00, se liquidar ulteriormente, a título de benfeitorias realizadas pelos RR. na fracção indicada no ponto 1 dos factos provados, tudo acrescido da actualização segundo a inflação desde a data da sua realização e dos juros que se vencerem desde a data da comunicação da sua quantificação, nessa parte revogando a decisão recorrida; b) no mais, confirmar essa decisão e negar provimento à apelação. Custas da acção pelos RR.; custas da reconvenção e do recurso na proporção do decaimento, que se fixa em 3/4 para a A. e no restante para aqueles, quanto à reconvenção, e em partes iguais quanto ao recurso (art. 527.º do CPC). * SUMÁRIO ………………………………………………………………………………………. ………………………………………………………………………………………. ………………………………………………………………………………………. (o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico) Porto, d. s. (24/11/2025) Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo Filipe César Osório Jorge Martins Ribeiro |