Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3797/17.2T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO IN ITINERE
AGRESSÃO FÍSICA POR TERCEIROS
Nº do Documento: RP202106233797/17.2T8MAI.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo o trabalhador sinistrado alegado que foi seguido por dois indivíduos quando saiu do seu local de trabalho, deslocando-se para casa, vindo a ser agredido por um deles, e não tendo as rés, seguradora e entidade patronal, posto em causa estes factos, ou alegado, que o agressão em questão não ocorreu no trajecto habitual ou tempo de deslocação necessário, na tentativa de conciliação ou nos articulados, não podem invocar em sede de alegações de recurso a falta de prova de tal trajecto e tempo, pelo que se devem ter por suficientes os aludidos factos alegados e dados como provados para qualificar o evento como acidente de trabalho in itinere.
II - A teoria do risco de autoridade, assentando na responsabilidade do empregador decorrente da possibilidade do exercício da autoridade por parte deste sobre os seus trabalhadores, dispensa o nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente.
III - Constitui acidente de trabalho in itinere a agressão de trabalhador por terceiros, que o seguiram quando saiu do trabalho, dirigindo-se para casa, ainda que não se tenha procedido à identificação dos mesmos, ou determinado o motivo de tal agressão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3793/17.2T8MAI.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, residente na …, …, R/C Esq., …, com patrocínio oficioso do Ministério Público, após infrutífera tentativa de conciliação, veio intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra a Companhia de Seguros – C…, S.A., com sede no …, nº .., 3º, Lisboa, e D…, Lda., com sede na Rua …, …., ….
Pede a condenação das rés a pagarem-lhe:
“A Ré Seguradora:
- A pensão actualizável de 1.900,54€, devida a partir do dia 4/09/2018, calculado com base no salário transferido de 7420,00€ e na IPP de 36,591%, conforme as disposições conjugadas dos arts. 48º, nº 3, al. c) e 75º da citada Lei 98/09, de 4/09;
- A quantia de 7.420,20€ reclamada na tentativa de conciliação, a título de diferença na indemnização pelos períodos de IT’s, calculada com base no supra referido salário anual e no art. 48º, nº 3, al. d) e e) da citada Lei nº 98/09 nas ITP’s;
- A quantia de 50,00€, a título de despesas de transportes – art. 25º, nº 1, al. f) da citada Lei nº 98/09;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre a pensão desde o dia seguinte ao da alta, sobre a diferença na indemnização por IT’s desde os respectivos vencimentos e sobre as despesas de transporte desde a tentativa de conciliação.
A 2ª Ré Entidade Empregadora:
- A pensão actualizável de 1.070,65€ (e não 1.130,75€ como por lapso se reclamou na tentativa de conciliação), devida a partir do dia 4/09/2018, calculado com base no salário não transferido de 4.180,02€ e na IPP de 36,591%, conforme as disposições conjugadas dos arts. 48º, nº 3, al. c) e 75º da citada Lei 98/09, de 4/09;
- A quantia de 4.652,97€ (e não 4.782,06€ como por lapso se reclamou na tentativa de conciliação), a título de diferença na indemnização pelos períodos de IT’s, calculada com base na diferença entre o salário anual reclamado e o salário transferido para a Ré Seguradora e no art. 48º, nº 3, al. d) e e) da citada Lei nº 98/09 nas ITP’s;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre a pensão desde o dia seguinte ao da alta, sobre a diferença na indemnização por IT’s desde os respectivos vencimentos.”
Alega em síntese: O Autor no dia 7/07/2016, pelas 18H35/18H40, quando saiu do seu local de trabalho e se dirigia para casa, foi seguido e abordado por dois indivíduos, na Rua …, …, Maia, tendo um deles atingido e agredido com uma «soqueira» na face; Em consequência da agressão o Autor recebeu tratamento no serviço de urgência da USL Matosinhos, EPE (episódio nº ……..) e sofreu traumatismo da hemiface esquerda, olho esquerdo, arcada dentária superior. Fractura dos ossos da face e de peças dentárias; O Autor à data do acidente de trabalho supra descrito trabalhava sob as ordens, direcção e instruções da 2ª Ré no exercício das suas funções de lavador de veículos e auferia a remuneração anual de 11600,02€; A responsabilidade por acidentes de trabalho encontra-se transferida para a 1ª Ré; Como consequência directa e imediata do acidente sofreu o A.: Anteposição discal bilateral e fractura dos dentes 13,21 e24;Dor na articulação temporo mandibular esquerda à mobilização da amndíbual; Diminuição da fenda bucal; No auto de exame médico efectuado no INML foi atribuído ao A. uma IPP de 36,591%; O A. encontrou-se com ITA no período de 8/07/2016 a 19/08/2016 (43 dias) e com ITP de 70% de 20/08/2016 a 3/09/2018; A Ré seguradora pagou ao A. a título de indemnização por ITA a quantia de 611,89€; O A. despendeu em deslocações obrigatórias ao tribunal e ao INML a quantia de 50,00€.
Citadas as rés, veio a ré seguradora contestar, alegando, em síntese: Configurando uma “agressão” premeditada e sem relação com o trabalho já que os agressores, esperaram por dois dias seguidos na via pública pelo autor, não estamos perante um acidente, desde logo, enquanto evento naturalístico e de carácter imprevisível; Trata-se de um facto de causa humana, premeditado, sem relação com o trabalho do autor; Examinado o A. por especialista e submetido a exame de RMN maxilo-facial por duas vezes, das mesmas não resultavam evidência de lesão mas tão só da presença de artrose da articulação temporo-mandibular à esquerda que nenhuma relação tem com o alegado traumatismo por agressão; Antes se trata de patologia anterior e pré-existente; Do mesmo modo que o A. já padecia de falta de peças dentárias que não resulta comprovado terem sido perdidas devido à agressão relatada; na conciliação não foi narrado o acidente como “supra-descrito” mas numa versão diferente num dia e no momento em que saia do trabalho, quando agora se constata ter ocorrido depois de antes lhe terem feito uma espera e não tendo os factos ocorrido na “saída do local de trabalho” mas numa outra rua que não a Rua do Chouso sequer.
Também a ré empregadora contestou, alegando, em síntese: O Autor encontrava-se subtraído à autoridade patronal da Ré; o Autor foi agredido em consequência de actos ou factos que evidenciam o seu anterior envolvimento com os agressores; Estando por isso em si, Autor, o fundamento, conquanto ilícito e doloso, da agressão que o vitimou; Que não na sua entidade empregadora, por causa dela, pelas funções que lhe estão confiadas ou por causa dos seus colegas de trabalho; as quantias recebidas pelo Autor não resultaram de uma contrapartida pelo trabalho prestado, mas uma mera comparticipação em despesas por si realizadas; Pelo que não fazem parte integrante da sua remuneração.
Foi proferido despacho saneador, que transitou em julgado, e fixada a matéria de facto assente e a base instrutória, que sofreu reclamação, a qual não foi atendida.
Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova pessoal produzida.
Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada, na qual se decidiu a final: “julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, nessa sequência, decide-se:
1. condenar a ré seguradora a pagar ao autor:
a) o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 799,88€, com início no dia 04/09/2018;
b) 3.233,45€ a título de diferenças nas indemnizações por it ́s;
c) 50€ referentes a despesas suportadas pelo sinistrado com deslocações obrigatórias;
2. condenar a ré empregadora a pagar ao autor:
a) o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 457,99€, com início no dia 04/09/2018;
b) 2.251,80€ a título de diferenças nas indemnizações por it ́s;
c) condenar ambas as rés a pagarem ao autor os legais juros de mora, sendo os incidentes sobre o capital de remição devidos desde 04/09/2018 e os referentes às indemnizações it ́s contabilizados nos termos previstos pelo art. 72º nº 3 da Lei nº 98/2009 de 04/09.”
Fixou-se à acção o valor de € 26.359,29.
Inconformada, interpôs a ré seguradora recurso de apelação, concluindo:
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Também a ré empregadora interpôs recurso de apelação, concluindo:
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O Ministério Público, em representação do recorrido, alegou, concluindo:
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O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, não tendo emitindo parecer devido ao patrocínio do autor.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pelas recorrentes:
I. Erro na apreciação da matéria de facto;
II. (Des)caracterização do acidente.

II. Factos provados
Em primeira instância foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:
1. O autor nasceu no dia 19/09/1985 (cfr. fls. 66/67) – al. A) da FA.
2. No dia 07/07/2016, o autor foi vítima de uma agressão, tendo recebido tratamento no serviço de urgência da USL, Matosinhos, EPE (Episódio nº ……..) – al. B) da FA.
3. Nesse dia, pelas 18h35m/18h40m, após ter saído do seu local de trabalho (sito na Rua …, nº .., …, Maia) e quando regressava a casa, o autor foi seguido por dois indivíduos, vindo a ser agredido na face, por um deles – resposta ao facto 1º da BI.
4. Em consequência da agressão de que foi vítima, o autor sofreu: traumatismo da hemiface esquerda, olho esquerdo, arcada dentária superior – fractura dos ossos da face e de, pelo menos, três peças dentárias – resposta ao facto 3º da BI.
5. O autor sofreu 43 dias de ITA (entre 08/07 e 19/08/2016) e 745 dias de ITP de 30,8% (entre 20/08/2016 e 03/09/2018) – resposta ao facto 4º da BI.
6. As lesões sofridas pelo autor consolidaram-se clinicamente no dia 03/09/2018 – al. C) da FA.
7. Como consequência directa e imediata da referida agressão, o autor apresenta como sequelas: a) dor na articulação temporo mandibular esquerda à mobilização da mandíbula; b) diminuição da fenda bucal (distância máxima entre o bordo incisal dos incisivos superiores e inferiores igual a 32 mm); e c) fractura dos dentes 13, 24 e 21 – resposta ao facto 5º da BI.
8. Em consequência da referida agressão, o autor ficou afectado de uma IPP para o trabalho de 15,4% – facto resultante do decidido no Apenso A.
9. O autor foi submetido a duas RMN maxilo-facial (cfr. docs. de fls. 304v e de fls. 305) – resposta ao facto 6º da BI.
10. O autor apresenta ainda falta de outras peças dentárias – resposta ao facto 8º da BI.
11. À data, o autor exercia funções de lavador de veículos, sob as ordens, direcção e fiscalização da segunda ré, auferindo um salário mensal ilíquido de 530€, acrescido de 4,30€ a título de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho – al. D) da FA.
12. Nos doze meses anteriores à data referida no facto nº 2, a ré empregadora pagou ao autor, sob a rubrica “ajudas de custo”, um montante global de 3.207,98€, sendo: 285,14€ em Julho, 285,14€ em Agosto, 285,14€ em Setembro, 261,09€ em Outubro, 285,14€ em Novembro e 376,60€ em Dezembro de 2015 e 289,17€ em Janeiro, 310,01€ em Fevereiro, 68,02€ em Março, 385,74€ em Abril, 323,80€ em Maio e 52,99€ em Junho de 2016 – al. E) da FA, rectificada oficiosamente.
13. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº AT-…….., na modalidade de prémio fixo, válido e eficaz à data dos factos, a ré empregadora tinha a sua responsabilidade infortunistica laboral (decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo autor) transferido para a ré seguradora pela retribuição anual ilíquida de 7.420€ (530€x14) – al. F) da FA.
14. A ré seguradora pagou ao autor, a título de indemnização por ITA, o montante global de 611,89€ – al. G) da FA.
15. Com deslocações obrigatórias ao tribunal e ao INML, o autor despendeu 50€ – al. H) da FA.
Mais se provou que:
16. Correu termos pela 1ª Secção do DIAP da Maia o Inquérito nº 747/16.0GAMAI, instaurado contra desconhecidos, no qual foi ofendido o aqui autor e que teve subjacente a agressão aqui em causa, inquérito esse que foi alvo de despacho de arquivamento (cfr. doc. de fls. 214 a 289).
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente os constantes dos factos 1 (quando se refere que a agressão foi perpetuada com uma soqueira), 2 (“No dia anterior, quando saiu do trabalho, o arguido havia já sido seguido por um indivíduo que circulava num motociclo?”), 4 (quanto à alegação de o autor ter estado com ITP de 70%), 5 (quando se refere que o autor apresenta como sequela “anteposição discal bilateral” e que a diminuição da fenda bucal é de 3 cm), 6 (quando se refere que, das RMN, resulta a “existência de artrose da articulação temporo-mandibular à esquerda”), 7 (“Sendo que tal quadro clínico é anterior à agressão descrita nos autos?”), 8 (que o quadro aí descrito seja anterior a 07/07/2016), 9 (“A agressão aqui em causa deveu-se ao envolvimento que já existia entre o autor e os agressores?”), 10 (“Sendo que o autor é uma pessoa conflituosa e dado a desentendimentos e desacatos?”) e 11 (“Os montantes pagos pela ré empregadora ao autor a título de “ajudas de custo” destinavam-se a comparticipar despesas pelo mesmo realizadas?”), todos da BI.

III. O Direito
1. Erro na apreciação da matéria de facto (recurso da ré seguradora)
1.1. Alega a recorrente seguradora: “Resposta ao ponto 1 da BI (ponto 3 dos factos provados da sentença); (...) “a recorrente, desde logo não se conforma com o segmento “quando regressava a casa”. Não foi produzido nenhum meio de prova do qual resultasse a conclusão que o A. se dirigia para casa.” De seguida enumera várias razões de discordância quanto à decisão relativa a tal facto, com indicação dos elementos de prova que a fundamentam, referindo, nomeadamente: “Não foi produzido nenhum meio de prova do qual resultasse a conclusão que o A. se dirigia para casa. Em bom rigor esse non liquet probatório, não se queda pelo in itinere mas extende-se mesmo ao evento traumático. (…) Alude depois a Mma Juiz a quo às declarações do próprio autor em depoimento de parte. Ora o A. prestou depoimento de parte a requerimento da ré patronal aos pontos 9º e 10º da BI (cfr. acta ref. 415610638), sendo certo que, destinando-se o depoimento de parte à confissão, não pode o mesmo ser aproveitado para a consideração de factos favoráveis ao depoente. Terminado o mesmo a Mma Juiz a quo mandou consignar na acta ”findo o depoimento que antecede, e após a formulação de esclarecimentos pelos ilustres Mandatários, a Mma. Juiz mandou exarar em ata não haver lugar à assentada por não ter havido confissão dos factos. (depoimento de parte gravados na plataforma informática Habilus Media Studio – inicio 15:10:54, fim: 15:32:20). É por isso, absolutamente surpreendente que a Mma. Juiz a quo recorra alegadamente, a esse depoimento que não visa a produção de prova testemunhal, retirar o convencimento a respeito de factos sobre os quais o mesmo não versou, que o mesmo não contém e, cujo único contributo, pela sua incongruência, foi no sentido de suscitar elevadíssimas dúvidas quanto à versão apresentada pelo sinistrado e a certeza de que os factos não ocorreram nos moldes alegados e quesitados.”
Respondeu o Ministério Público: “Em primeiro lugar, e para além da motivação da matéria de facto feita pela M.ª Juíza «a quo», o legal representante da RR Entidade Empregadora, Sr. F…, que nas declarações de parte prestadas na sessão de 2/07/2020, diz «que o Autor foi agredido ao sair da porta da empresa, mas que não presenciou a agressão» e declarou, sem qualquer hesitação (vd. a partir dos minutos 17,59/18,00) «que a hora de saída do A. do local de trabalho era às 6 horas ou 6 e meia». Acresce que, ao contrário do alegado pelas recorrentes, a Ma. Juiza «a quo» não presumiu que o A. foi a agredido após ter saído do seu local de trabalho e quando regressava a casa, Tal conclusão resulta claramente do depoimento de parte do A. prestado na sessão de 2/07/2020 quando ao minuto 3,54/3,55 declarou «deslocava-me para casa», quando ao minuto 9,57/9,57, a instâncias do ilustre advogado da Ré E.E., declarou «o meu trajecto é sempre casa». De igual modo, resultou do depoimento da parte do A. e do depoimento da testemunha E…, sessão de 24/09/2020,a partir das 14H50, que a agressão ocorreu quando o A. procurava abrir porta do seu veículo automóvel que se encontrava estacionada nas imediações da seu local de trabalho, mais concretamente próximo do entroncamento entre a rua sem saída do estabelecimento comercial da E.E. e a estrada principal. O A. esclareceu, ainda, que para perfazer o trajecto para casa demorava cerca de 7 minutos. Afigura-se-me que o facto de o A., depois de várias hesitações e incertezas quanto à hora da agressão, compreensíveis uma ocorreram há mais de 4 anos, declarar que saiu do trabalho para se deslocar para o seu veículo automóvel cerca das 17H35/17h40 é irrelevante, face ao tom peremptório das declarações prestadas pelo legal representante de Ré E.E. Assim, tendo como assente que o A no dia 07/07/2016, pelas 18h35m/18h40m, após ter saído do seu local de trabalho (sito na Rua …, nº .., …, Maia) e se preparava para entrar no seu veículo automóvel, que se encontrava estacionado nas proximidades do seu local de trabalho, para regressar a casa – como sempre fazia – foi agredido na face, por um indivíduo, cuja motivação e identidade não foi possível apurar.”
Consta da motivação da decisão: “Quanto ao acidente propriamente dito, para além de o autor, em sede de depoimento de parte, ter reiterado a sua versão, importa referir que, da certidão referente ao inquérito crime resulta terem sido visualizadas as imagens captadas pelo sistema de videovigilância instalado na ré empregadora (referentes aos factos denunciados e aqui estão em causa). Como consignado na cota junta a fls. 225, se é certo que não foi possível vislumbrar qualquer agressão, não se poderá ignorar que aí se refere expressamente que se vê “a chegada de dois indivíduos num motociclo” (os quais não foi possível identificar), assim como que os mesmos foram abordados por alguém que se encontra no interior de um veículo automóvel cuja propriedade se encontra registada em nome da mesma ré (vide, também, cópias das fotografias de fls. 226 a 228). Ou seja, a versão adiantada pelo autor acaba por ser parcialmente corroborada pelo descrito em tal cota, quando à existência do motociclo com dois indivíduos. Note-se que, logo após a agressão, o autor regressou ao interior das instalações da empregadora e relatou o sucedido ao legal representante da mesma – não se podendo deixar de mencionar que nos causa alguma perplexidade o facto de, quando inquirido no âmbito do inquérito crime e questionado quanto a conhecer ou ter falado com os suspeitos momentos antes do sucedido, esse legal representante se ter limitado a responder “não se recordar” (cfr. auto de inquirição de fls. 243), sendo que, quando inquirido em julgamento, o legal representante confirmou que o veículo em causa era efectivamente aquele que o mesmo conduzia. E, pese embora a participação do acidente efectuada pela empregadora, por si só, nada prove, o certo é que, na mesma, não foi suscitada qualquer dúvida quando à sua ocorrência, como não raras vezes sucede (cfr. doc. de fls. 14 a 16). Existe, no entanto, essa certeza: o autor sofreu, efectivamente, a alegada agressão quando se dirigia do trabalho para casa, desconhecendo-se, contudo, a razão pela qual a mesma ocorreu (aliás, o processo crime foi arquivado por impossibilidade de identificação dos agressores e já não por não se ter apurado a ocorrência da agressão – cfr. fls. 251/252 e fls. 276). Refira-se que, pela testemunha E… (o qual referiu ter assistido à agressão), foi igualmente corroborada a versão dos factos defendida pelo autor, seja quanto à agressão propriamente dita, seja quanto à intervenção de dois intervenientes num motociclo (tal como já havia relatado no âmbito do inquérito crime – cfr. fls. 268/269). Já F… (legal representante da ré empregadora) veio a julgamento dizer não ter estado com o autor logo após a agressão, entrando assim em contradição com o que o próprio havia relatado quando inquirido no DIAP (cfr. auto de inquirição de fls. 243 – “refere que tomou conhecimento dos fatos em causa, pelo próprio Denunciado, este último, mal foi agredido, entrou no local de trabalho e relatou o sucedido”).”
Estabelece-se no nº 2 do art. 452º do CPC que, quando o depoimento de parte seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair.
Porém, nos termos do disposto no art. 411º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, sendo certo ainda que, conforme disposto no art. 452º, nº 1, do mesmo Código, o juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa.
Para José Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, 2ª edição reimpressão, 2009, pág. 153, “A prova dos factos da causa deixou, no processo civil actual, de constituir monopólio das partes: de acordo com o art, [411], o juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as dilincias necessárias ao apuramento da verdade. Trata-se do prinpio do inquisitório, que constitui o inverso do prinpio da controvérsia: ao juiz cabe, no campo da instrução do processo, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados [art. 417-1). O papel do juiz-árbitro encontra-se definitivamente ultrapassado.”
Nem está em causa o princípio do contraditório pois a tomada oficiosa de declarações à parte não impede as partes de intervir, nomeadamente, solicitando pedidos de esclarecimento à mesma parte, de contraditar, de solicitar que sejam tomadas declarações à parte contrária. Refere a propósito José Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 111, “No plano da prova, o princípio do contraditório exige que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa, que lhes seja consentido fa-lo até ao momento em que melhor possam decidir da sua conveniência, tidas em conta, porém, as necessidades de andamento do processo, que a produção ou admissão da prova tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que estas possam pronunciar-se sobre a apreciação das provas produzidas por si, pelo adversário ou pelo tribunal.”
Ou seja, o depoimento de parte não é mais um mero meio de obter a confissão da parte contrária, podendo ser mesmo usado, ainda que oficiosamente, como meio de prova de outros factos relevantes para a decisão, a valorar livremente pelo tribunal.
Conforme refere João Paulo Remédio Marques, em “A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos”, Revista Julgar, nº 16, 2012, acessível em http://julgar.pt, pág. 157, “Constranger a parte a depor sobre factos que apenas possam ser objecto de confissão (factos desfavoráveis), ou permitir que ela deponha sobre factos que lhe são favoráveis, tendo em vista conduzir à conclusão de que esse facto não se verifica (facto que assim se torna desfavorável para o depoente), significa, de antemão, coarctar-lhe substancialmente a mera possibilidade de lograr uma decisão de mérito favorável”. Acrescentando na pág. 160, “uma das espécies de prova atípica é, como referi, a prova adquirida por modo diferente daquele que é consentido. E se se admite a utilização, para fins probatórios, de meios destinados a outros fins (v. g., a sentença estrangeira, mesmo não revista ou confirmada; a sentença penal condenatória e absolutória: arts. 674.º-A e 674.º-B do CPC), os quais não são sequer produzidos de modo diverso do previsto na lei, então, por maioria de razão, faz todo o sentido admitir a valoração das declarações de parte favoráveis ao próprio depoente – seja como princípio de prova, seja como indício ou base de presunção judicial, seja, para muitos, como prova livre. A actual ausência de uma previsão expressa na lei portuguesa não pode inviabilizar a eficácia deste meio de prova, o qual será visto e recuperado como prova atípica. A irregularidade ou a nulidade do acto que afecta a produção da prova não impede a valoração dessa prova. Pois, não deixa de se tratar de uma manifestação sensível da demonstração de alegações sobre factos. Para além da “prova privilegiada” extraída de uma confissão judicial – que impõe ao juiz a atribuição de um certo valor probatório, vinculando-o – e a livre apreciação da prova fundada na pudente convicção do julgador, temos ainda a possibilidade de, atenta a exclusão da ciência privada e o respeito pelo contraditório e pela defesa, o juiz poder retirar elementos de convicção de todo o material probatório que lhe é apresentado, incluindo a valoração de declarações favoráveis ao próprio depoente inseridas naturalmente num fundo mais vasto”. Concluindo na pág. 168, “VI. A recusa do tribunal em admitir e valorar livremente ou apenas como base de presunções naturais as declarações favoráveis do depoente implica, desde logo, uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos e das demais posições jurídicas subjectivas.”
Estas considerações, tecidas a propósito do Código anterior assumem ainda maior pertinência no âmbito do novo CPC, aqui tendo plena relevância.
Retomando o caso vertente:
Sob a epígrafe extensão do conceito, preceitua-se no art. 9º, nº 1, al. a), da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais: Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido no trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste. Esclarecendo-se no nº 2, que a alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: a) Entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego; b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho; c) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição; d) Entre qualquer dos locais referidos na alínea b) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente; e) Entre o local de trabalho e o local da refeição; f) Entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional. Mais se concluindo no nº 3 que, não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
Conforme se refere no acórdão do STJ de 25 de Setembro de 2014, processo 771/12.1TTSTB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “a caracterização dos acidentes de trajecto depende, assim, de dois elementos fundamentais: a via de ligação, o iter, entre os locais considerados, e o tempo normalmente gasto nessa deslocação. Quer um quer outro destes dois elementos podem ser objecto dos ajustamentos previstos no nº 3 do mesmo dispositivo, motivados nas circunstâncias atendíveis acima referidas”.
Na petição inicial foi alegado apenas o seguinte: “1º O Autor no dia 6/07/2016 quando saiu do seu local de trabalho sito na Rua …, nº .., ….-… …, Maia, constatou que se encontravam dois indivíduos à porta do seu local de trabalho num motociclo com os capacetes colocados nas cabeças, tendo sido seguido por um deles, aparentemente ara ver qual o caminho que o Autor fazia para casa. – vd certidão extraída do processo de inquérito nº 747/16.0GAMAI a fls. 213 e ss dos autos. 2º O Autor no dia 7/07/2016, pelas 18H35/18H40, quando saiu do seu local e se dirigia para casa, foi seguido e abordado por dois indivíduos (aparentemente os mesmos que viu no dia anterior) na Rua …, nº .., ….-… …., Maia, tendo um deles atingido e agredido com uma «soqueira» na face. – vd. fls. 7, 198, auto de tentativa de conciliação e certidão extraída do processo de inquérito nº 747/16.0GAMAI a fls. 213 e ss dos autos.”
A seguradora aceitou na tentativa de conciliação, na fase conciliatória, que o evento aqui em causa seria um acidente de trabalho. É certo que só os factos que constem da acta da tentativa de conciliação podem ser objecto de confissão e não a conclusão jurídica deles extraída, no caso de que o sinistro seria um acidente de trabalho (conforme acórdão do STJ de 11 de Maio de 2017, processo 1508/10.5TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt). Porém, consta da acta que, “quando saia do local de trabalho foi seguido e abordado por dois indivíduos que o agrediram”, e este facto foi admitido como verdadeiro pela recorrente seguradora.
Por outro lado, ouvida integralmente a prova produzida, temos que o autor declarou que quando saiu do trabalho se dirigiu para o seu carro que se encontrava estacionado nas proximidades, (na rua principal”, e quando ia abrir a porta do carro foi agredido. Por seu lado, o legal representante da ré empregadora confirma que o autor, pouco depois de sair regressou ao local de trabalho referindo ter sido agredido, o que se coaduna com a agressão nas proximidades de tal local.
O depoimento da testemunha E… que referiu ter assistido à agressão não é perceptível, não se logrando alcançar o local onde a mesma possa ter ocorrido, e as restantes testemunhas nada sabiam sobre tal matéria.
Certo é que nenhuma das rés, a seguradora ou a empregadora, alguma vez questionaram que o autor não se dirigisse a casa, ou que a agressão tenha ocorrido fora do trajecto habitual ou normal para o efeito (lembre-se que a agressão ocorreu à saída do local de trabalho quando o autor ia abrir a porta do seu carro), ou que tenha ocorrido para lá do tempo necessário a efectuar tal percurso, tenho ocorrido logo após a saída do trabalho.
Assim se conclui que a decisão relativa a este facto é a que resulta da conjugação da globalidade da prova produzida, assumindo-se como natural e lógica, estando de acordo com as regras da experiência e senso comuns, não tendo sido alegados pelas rés factos que a contradissessem.
Todas as restantes considerações aduzidas pela recorrente seguradora não abalam a convicção expressa, sendo naturais eventuais incongruências e contradições. Diga-se, nomeadamente quando à hora de saída do trabalho, que o autor referiu que andava a sair pelas 17.30 horas, mas nunca afirmou peremptoriamente que isso tivesse ocorrido no dia da agressão, ainda que entendesse que assim seria. O que resultou seguro da prova, como se referiu supra, foi que o autor foi agredido logo após sair do trabalho, quando se dirigiu ao seu veículo para nele se deslocar, segundo ele, para sua casa. Igualmente nada tem de estranho que o autor regressasse ao local de trabalho após a agressão, uma vez que a associação a eventual ligação do patrão à agressão terá sido feita posteriormente, depois de ver as imagens captadas pela câmara de segurança instalada no local.
Assim, improcede a impugnação quanto a este aspecto da impugnação.
1.2. Mais alega a recorrente seguradora: “b) Resposta aos pontos 3 e 5 da BI (factos provados 4) e 7) da sentença); (…) Como resulta evidente, a recorrente apenas não se conforma com os segmentos “. Em consequência da agressão de que foi vítima” e “como consequência directa e imediata da referida agressão” já que no mais não questiona as lesões e sequelas descritas, o que entende que não resultou provado foi a sua relação causal com o evento – agressão no regresso a casa – cuja comprovação se impugnou no ponto anterior. Por isso, são exactamente os mesmos meios de prova e as mesmas considerações sobre eles que se invocam aqui por remissão para concluir que devem os pontos em causa ser alterados para: “4. Em circunstâncias de modo, tempo e lugar não apuradas, o autor sofreu: traumatismo da hemiface esquerda, olho esquerdo, arcada dentária superior - fractura dos ossos da face e de, pelo menos, três peças dentárias – resposta ao facto 3º da BI; 7. Como consequência do referido traumatismo, o autor apresenta como sequelas: a) dor na articulação temporo-mandibular esquerda à mobilização da mandíbula; b) diminuição da fenda bucal (distância máxima entre o bordo incisal dos incisivos superiores e inferiores igual a 32 mm); e c) fracturados dentes 13, 24 e 21 – resposta ao facto 5º da BI.””
A existência da agressão encontrava-se já provada, na matéria de facto considerada assente no saneador, e levada ao ponto 2º da matéria de facto provada, que não foi objecto de reclamação, pelo que, considerando ainda a decisão quanto ao ponto 3 impugnado, não há que proceder a qualquer alteração quanto aos ora impugnados.
Nesta medida improcede mais este aspecto da impugnação.
1.3. Finalmente alega a recorrente seguradora: “c) O ponto 8 dos factos provados da sentença; (...) Pelas mesmíssimas razões e meios de prova acima referidos nos pontos anteriores, não se conforma a recorrente com o segmento “Em consequência da referida agressão...”. Porém, aqui, ocorre ainda mais uma. É referido que se trata de uma transposição do decidido na sentença proferida no apenso A, mas a transposição não é fiel, excede-a. Da douta decisão consta tão só que “determina-se que o mesmo se mostra afectado de uma IPP para o trabalho de 15,4%.” sem que dela resulte a causa das sequelas que geram essa IPP, designadamente a que vem acrescentada na sentença. Donde, deve ser alterada a resposta dada a este ponto de facto para “o autor está afectado de uma IPP para o trabalho de 15,4% - facto resultante do decidido no Apenso A.”
É entendimento pacífico que a fixação do nexo causal entre o sinistro e o a lesão é determinada em sede de matéria de facto na sentença e não na decisão relativa à determinação da incapacidade, sem prejuízo da contribuição que os Srs. Peritos possam aduzir sobre a matéria.
Pelas razões já expostas no ponto anterior, não merece qualquer censura a decisão ora em causa, pelo que também aqui se indefere a impugnação.

2. (Des)caracterização do acidente
2.1. Alega a recorrente empregadora: “Resulta igualmente desse elenco de factos assentes pela instância que a agressão de que resultaram sequelas físicas para o A., foi perpetrada cerca das 18h35 / 18h40, quando regressava a casa. Porém, não foi dado como assente qual o horário de trabalho a que o A. estava obrigado. Perante o desconhecimento desse facto, não é possível concluir, ao contrário do que sucede na sentença recorrida, se o momento em que ocorreu a agressão é, ou não, circunstância impeditiva de considerar a verificada a conexão com o trabalho por via da extensão estabelecida pelo art. 9º da LAT (Lei nº 98/2009, de 4-9). Acresce que, consoante é assinalado na pg. 16 da sentença recorrida, não foi alegado qual o trajecto que o A. fazia habitualmente no regresso a casa, desconhecendo-se, porque não foi igualmente alegado, nem dado como provado, se no dia em que a agressão ocorreu o A. tinha adoptado o trajecto habitualmente efectuado para se dirigir a casa. Por outro lado, dos factos provados não consta, e por isso não é possível saber, qual o concreto local em que a agressão se consumou, designadamente pela identificação da respectiva rua ou localidade, pelo que se desconhece – sendo defeso afirmar ou presumir – se o A. estava efectivamente a regressar a casa ou se, depois de abandonar o seu local de trabalho, efectuava um percurso com diferente destino do regresso a casa. Segue-se que a sentença recorrida não podia ter dado como provado que a agressão do A. teve lugar quando regressava a casa.”
Alega a recorrente seguradora: “em algum momento referem o destino, muito menos o trajecto do A. ou se este se estava a deslocar para algum lado. Depois da impugnação supra da decisão de facto, em que vemos que o autor confirma que saiu às cinco e meia (17,30h) e a agressão ocorreu às 18,35h, também cai por terra o pressuposto do cabimento temporal entre o evento e o “tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”. Isto posto, é forçoso concluir que, a “certeza” afirmada acima pela Mma Juiz quanto à ocorrência da agressão quando o sinistrado regressava a casa, pode ter assento em poderes de adivinhação, mas, não o pode ter na prova produzida. (...) No in itinere estamos perante uma figura extensional da tutela infortunistico-laboral cujos fundamentos se foram sedimentando no risco de sinistralidade potencial num trajecto que o trabalhador tem de percorrer para poder executar a sua prestação na relação laboral. E, o facto de se tratar de uma extensão, diríamos mesmo excepção, demanda do julgador exigências reforçadas de apuramento factual de que não se pode apartar, abraçando um cómodo e conclusivo “regressava a casa”.”
Respondeu o Ministério Público, em representação do recorrido: “salvo devido respeito e melhor opinião, e para além dos doutos argumentos aduzidos pela Ma. Juíza «aquo», que nos abstemos de reproduzir, a fim de não se tornarem fastidiosas estas contra alegações de recurso, afigura-se-me que estamos, assim, perante um acidente de trabalho in itinere.”
Consignou-se na sentença sob recurso: “aquando da agressão, o autor tinha saído das instalações da ré empregadora (onde tinha estado a trabalhar) e intentava regressar a casa. É certo que não foi alegado na presente acção qual o trajecto que habitualmente o autor fazia, assim como também se desconhece se, aquando dos factos, seria ser esse o adoptado. Porém, para a presente decisão, tais informações são irrelevantes pois é inquestionável que o autor acabava de sair do seu local de trabalho e ia para casa (sendo que a agressão se deu nas imediações da empresa, como decorre da circunstância de o autor ter regressado a tais instalações). Na verdade, como estatui o art. 10º nº 1 da LAT, “A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho”. Consagrou-se, pois, uma presunção juris tantum, pelo que ao sinistrado basta alegar e provar que a lesão sofrida ocorreu no trajecto casa-trabalho-casa. Incumbirá, por seu turno, às rés ilidir tal presunção, ou seja, demonstrar alguma causa que exclua a responsabilidade das mesmas e, na presente situação, tal não sucedeu (designadamente que o autor fosse uma pessoa conflituosa e já tivesse tido algum envolvimento com os dois indivíduos intervenientes na sua agressão).Estamos, assim, perante um acidente de trabalho in itinere.”
A questão foi já abordada no ponto anterior a propósito da impugnação relativa à matéria de facto. A matéria de facto deve ser impugnada autonomamente, conforme resulta expresso do disposto no art. 640º do CPC, não se podendo invocar o erro de julgamento da matéria de facto como fundamento de impugnação da decisão jurídica.
Assim, não tem cabimento o argumento de que o facto de se tratar de um “acidente in itinere” deve levar a uma diferente a forma de apreciar a prova, com maior exigência, criando-se uma espécie de presunção de não ocorrência do acidente. Se os factos provados são ou não suficientes para caracterizar o acidente é já questão diversa.
Quanto a esta importa referir o seguinte:
Nos articulados das rés, ou mesmo na tentativa de conciliação, nem a recorrente seguradora, nem a recorrente empregadora, põem em causa que o acidente/agressão tivesse ocorrido no percurso do recorrido do local de trabalho para casa, assim como que tivesse ocorrido no percurso habitual. Não suscitando, portanto, a questão de ter ocorrido em percurso diferente do habitual, ou fora do período temporal necessário para o efeito, pelo que não se nos afigura que o possam fazer nesta altura.
A propósito refere Júlio Vieira Gomes, em O Acidente de Trabalho, O acidente in itinere e a sua descaracterização, 2013, pág. 177, “A circunstância de hoje o acidente in itinere ser tutelado mesmo que o trajeto não acarrete qualquer agravamento do risco permite, quanto a nós, uma visão um pouco lassa do elemento temporal ou cronológico. No fundo, este elemento temporal indicia o elemento teleológico que parece ser, ele sim, o essencial: o trajeto tutelado é, em princípio, aquele que o trabalhador empreende ao sair da sua residência habitual ou ocasional com intenção de se deslocar para o seu local de trabalho e aqueloutro, de regresso a essa mesma residência habitual ou ocasional, a partir do seu local de trabalho, uma vez terminada a sua prestação.”
Ou seja, não tendo as recorrentes posto oportunamente em causa o percurso feito pelo autor – ir por um trajecto em vez de outro – nunca antes tendo suscitado essa questão, que deveria ser suscitada nos articulados, afigura-se que o facto provado sob o nº 2 é suficiente, não resultando da prova, analisada face à sua impugnação, que deva ser eliminado, ou alterado.
Para situação em tudo semelhante à dos presentes autos (com única nuance de se tratar de trajecto de casa para o trabalho), considerou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2005, processo 10755/2004-4, acessível em www.dgsi.pt, “No que concerne ao trajecto normalmente utilizado pelo trabalhador sinistrado e ao período de tempo ininterrupto habitualmente gasto entre a sua residência e o local de trabalho, considerou o tribunal “a quo, que apesar de ter sido “... apurado que o A. sofreu a agressão quando saía de casa, a pé, a fim de se deslocar para o estabelecimento onde trabalhava, e onde entrava ao serviço meia hora depois, não é possível concluir que o acidente tenha ocorrido no percurso para o trabalho.” Conclusão que claramente repudiamos, com efeito o acidente ocorreu à saída de casa do recorrente, num momento em que estava, no que podemos chamar, no ponto de partida do percurso da sua deslocação, não sendo possível, falar de qualquer interrupção ou desvio desse percurso normal, dada que aquele ponto de partida faz sempre parte do seu trajecto habitual.”
Assim, tem-se por suficiente o que consta da matéria de facto provada para se concluir que o autor sofreu a agressão por terceiros, nas circunstâncias que constam dos autos, no trajecto entre o local de trabalho e a sua residência, para eventual efeitos do disposto no art. 9º, nº 1, al. a), da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
2.2. Mais alega a recorrente empregadora: “crime não é, e não pode ser, acidente. Na verdade, do confronto dos enunciados conceitos surpreende-se que acidente de trabalho e crime são realidades jurídicas distintas e inconfundíveis, pelo que o seu tratamento e consequências são igualmente diferentes. Ora, a agressão física sofrida pelo A. – que apenas consente a conduta dolosa (cfr. art. 143º do CP) –, não resultou de qualquer evento súbito, imprevisto e não intencional, ocorrido no local e no tempo de trabalho, pelo que não pode ser juridicamente configurada como um acidente, muito menos de trabalho in itinere. Cuidando-se de um crime doloso praticado na via pública – pese embora em local concretamente não apurado impeditivo da conclusão que correspondia ao trajecto de regresso a casa –, a esfera do risco de autoridade ou económico transferiu-se para o A., passando a caber-lhe, em exclusivo, a sujeição aos perigos daí advenientes, uma vez que só a si cabia controlar as circunstâncias e as condições do local em que se encontrava, estando sob o seu domínio a vigilância e as capacidades de modificação e de reacção perante a possibilidade de ser agredido por um terceiro – neste sentido, vd. Ac. STJ de 7-10-2015, proc. nº 408/13.1TBV.L1-4, www.dgsi.pt. A ofensa à integridade física dolosamente infligida ao A. não correspondeu, nem foi proveniente, de qualquer risco criado ou agravado pela sua qualidade de trabalhador, sendo certo que não foi resultado da relação laboral estabelecida com a recorrente. Sem prescindir. Quem, como o A., é seguido na via pública por dois indivíduos e depois é agredido por um deles, não é vítima de uma circunstância fortuita, nem o facto é inesperado. Riscos normais do trajecto in itinere são, designadamente, uma queda, um atropelamento, um acidente de viação, isto é, acontecimentos cuja normalidade e previsibilidade se aceitam à luz do risco próprio, ou habitualmente criado, quando se circula na via pública. Um crime doloso não é um acontecimento que se possa considerar previsível ou expectável, muito menos normal, pelo que não constitui, nem representa, um risco próprio do trajecto adoptado pelo A. no regresso do local de trabalho para casa. Assim sendo, também por este ângulo subsidiário de análise de alcança que a ofensa à integridade física sofrida pelo A. não tem previsão nos arts. 8° e 9°, nº 1, al. a), da LAT. Resulta das regras da experiência, e da razoabilidade que lhes subjaz, que entre os perseguidores e agressor do A. houve necessariamente um facto anterior causal da agressão, no sentido em que a agressão não foi espontânea, facto esse a que o A. agredido não foi obviamente alheio. Ora, à luz do senso comum, essa interacção anterior entre o A. com os dois indivíduos que o seguiram, não pode deixar de ser considerada causal da agressão física que lhe foi depois infligida por um deles. (…) No caso dos autos é relevante e diferenciadora a inexistência de qualquer relação entre o A. e o seu agressor, ou entre o agressor e a recorrente, maxime de ordem laboral, que possa ter contribuído, mesmo indirectamente, para potenciar, facilitar ou consumar a agressão.”
Acrescenta a ré seguradora: “não encontrou a Mma. Juiz nenhum elemento que permitisse relacionar a alegada agressão com o trabalho. Acontece que os fundamentos para a qualificação do acidente de trabalho in itinere, não se podem revelar absolutamente indiferentes e alheios aos riscos da prestação de trabalho, do local e tempo de trabalho. (...) Esse risco de autoridade patronal, extravazando o local de trabalho e a execução da prestação de trabalho, estendeu-se para a protecção do trabalhador dos riscos potenciais que esse trajecto casa-trabalho-casa veio trazer ao trabalhador e que justifica a a transferência do encargo com a reparação dos danos para a esfera do empregador. Ora se isso se compreende antes os riscos possíveis, mais ou menos prováveis, verificadas certas circunstâncias (como acontece com um atropelamento, um acidente de viação, uma queda, o atingimento por objectos no trajecto, o atingimento por descarga eléctrica no trajecto, entre outros) já não se afigura que, uma agressão por um terceiro, mesmo a ter ocorrido no trajecto, sem que se demonstre relação com o trabalho, possa ser compreendida no leque de situações que o empregador pudesse prever e acautelar. Uma situação dessas – agressão por desconhecidos, sem motivo conhecidos na via pública – nenhuma relação tem com o local de trabalho, com o tempo de trabalho, ou sequer com o trajecto de casa para o trabalho. E muito menos, com a capacidade previsional da entidade patronal que se possa compreender nos riscos de sinistralidade laboral que esta assume com a constituição da relação laboral.”
Respondeu o Ministério Publico: “a tendência das teorias mais recentes é a de considerar que o risco é inerente ao cumprimento do dever de comparecer no lugar do trabalho, para nele executar a sua prestação, resultante do contrato de trabalho (ou equiparado) como uma das suas obrigações instrumentais ou acessórias. Neste sentido, o trabalhador é obrigado a fazer o percurso necessário para poder comparecer no lugar pré-determinado, usando as vias de acesso e os meios de transporte disponíveis, a fim de que a entidade empregadora possa contar com a sua prestação. Se a teoria que considera o trajecto adequado à deslocação, como sendo já o local de trabalho, pode achar-se forçada, ela permite, sem grande esforço, que um eventual acidente ocorrido seja tido como acidente de trabalho, no tempo do cumprimento de uma obrigação que, sendo acessória, é indispensável para o perfeito cumprimento da obrigação de prestação da actividade laboral. Aliás, a lei quando se refere ao trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo sinistrado, apenas quer limitar o conceito de acidente de trabalho aos percursos utilizados pela generalidade das pessoas e ao tempo médio gasto para percorrerem o caminho casa-trabalho-casa. Na realidade, eventos externos, súbitos e violentos como os acidentes rodoviários e ataques criminosos de terceiros incluem-se nos acidentes in itinere.”
Considerou-se na sentença: “salvo o devido respeito por opinião diversa, para que se esteja perante um evento caracterizado como acidente de trabalho, ao contrário do que resulta da defesa das rés, não exige a lei que o mesmo ocorra na execução ou por causa da execução de tal actividade, sendo suficiente que, por algum meio, o sinistrado esteja ainda sob controlo/autoridade da sua entidade empregadora. O supra enunciado terceiro requisito (elemento causal) não se refere ao nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente mas antes entre este último e a lesão sofrida pelo sinistrado. Como defende o Prof. Júlio Vieira Gomes, “o acidente de trabalho não se reduz, no nosso ordenamento, ao acidente ocorrido na execução do trabalho, nem havendo sequer que exigir uma relação causal entre o acidente e essa mesma execução do trabalho”, cfr. O Acidente de Trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, 2013, pg. 97. Precisamente por assim ser é que o conceito de local de trabalho é alargado nos moldes previstos pela al. a) do nº 2 do art. 8º e do art. 9º, designadamente aos lugares nos quais o trabalhador se encontre ou se tenha de dirigir por forma a exercer as suas funções.”
Não nos merece censura a decisão quanto a este ponto, sendo certo que a mesma menciona doutrina e jurisprudência pertinente à sustentação de tal ilação. Efectivamente, nos termos do art. 8º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, considera-se acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Esclarece, por seu lado o nº 2 do mesmo preceito que, para efeitos daquela lei, entende-se por: a) “Local de trabalho” todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador; b) “Tempo de trabalho além do período normal de trabalho” o que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”
A este propósito considerou-se no acórdão do STJ de 29 de Junho de 2005, processo 05S574, acessível em bdjur.almedina.net, “o fundamento da responsabilidade objectiva, no domínio dos acidentes de trabalho, começou por assentar apenas na teoria do risco, no pressuposto de que a actividade profissional tinha, em potência, um risco. Para haver lugar à indemnização bastava demonstrar que o acidente era causa normal do risco próprio daquela actividade (risco de exercício de actividade). Acontece que, posteriormente, se entendeu que a responsabilidade objectiva por acidentes de trabalho também encontrava justificação no risco de integração empresarial (inclusão do trabalhador na estrutura da empresa, sujeitando-o à autoridade do empregador) – teoria do risco de autoridade. Ora esta teoria assenta numa noção ampla de acidente de trabalho, considerando que o risco não deriva só da actividade profissional desenvolvida. E como sabemos a crescente socialização do risco tende a amplificar ainda mais aquela noção.”
Conforme refere Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, 2006, pág. 809, “a responsabilidade objectiva emergente de acidentes de trabalho, não obstante assentar no risco profissional. em certos casos tem sido alargada com base na ideia de risco empresarial, também designado risco de autoridade. Trata-se do risco de ter trabalhadores, que não deriva só da actividade desenvolvida.”
Acrescentando-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24 de Setembro de 2019, processo 564/15.4T8EVR.E1, acessível em www.dgsi.pt, “A teoria do risco económico ou de autoridade em que assenta o conceito de acidente de trabalho e as suas extensões, previstos, respetivamente, nos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), remete não para um risco específico de natureza profissional, mas para um risco genérico ligado ao conceito amplo de autoridade patronal, ou seja, o acidente tem de ter uma conexão com a relação laboral e não propriamente com a prestação laboral em si.”
Também no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 11 de Setembro de 2017, processo 62/15.6Y7PRT.P1, igualmente acessível em www.dgsi.pt, se considerou que “A teoria do risco de autoridade, assentando na responsabilidade do empregador decorrente da possibilidade do exercício da autoridade por parte deste sobre os seus trabalhadores, dispensa o referido nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente, bastando-se com alguma relação entre o trabalho e o acidente.”
Assim, conclui Júlio Vieira Gomes, ob. cit., págs. 99 a 102: “o acidente de trabalho pode consistir em um acidente ocorrido quando se presta socorro a terceiros ou, inclusive, numa situação em que o trabalhador é agredido ou vítima de uma “partida de mau gosto”, quer o autor desse facto ilícito seja um colega, quer se trate de um terceiro estranho à relação laboral. No caso de a agressão proveniente de um colega ou, mesmo, de um terceiro, encontrar a sua razão de ser em motivos conexos com o trabalho tem-se verificado ao nível do direito comparado, uma atitude mais receptiva à consideração do acidente como acidente de trabalho. Existe, ao invés, uma forte resistência, em alguns ordenamentos, em considerar como acidentes de trabalho as agressões de que o trabalhador seja vítima, mesmo no local e no tempo de trabalho, por razões inteiramente estranhas à relação laboral ou por razões ou motivos que não foi possível apurar. No nosso sistema, em que no domínio dos acidentes de trajeto, a jurisprudência portuguesa tem reconhecido a existência de um acidente de trabalho indemnizável quando o trabalhador é vítima, por exemplo, de um roubo por esticão, parece-nos que seria paradoxal exigir, ao invés, para que uma agressão ocorrida no tempo e local de trabalho fosse acidente de trabalho, a demonstração da sua conexão com a relação laboral. Aliás, importa não esquecer que mesmo crimes de que o trabalhador seja vítima no tempo e local de trabalho, aparentemente não conexos com a sua qualidade de trabalhador e com a sua prestação, podem, ao menos, ter sido facilitados por essa qualidade ou condição. O conhecimento dos horários de trabalho ou do local de trabalho, pode ter potenciado ou facilitado a agressão e ser tido em conta no plano do agressor.”
Esta considerações têm plena aplicação ao caso vertente, embora aqui a agressão não tenha ocorrido no local e tempo de trabalho, importando considerar que o autor foi seguido pelos agressores a partir do local de trabalho e quando deixou este, o que desde logo liga o evento ao trabalho. Sendo certo que se entende que o risco de autoridade é extensivo aos acidentes ocorridos in itinere, no percurso casa-trabalho e vice versa. Acresce que a agressão, ainda que não relacionada directamente com o trabalho, está ainda assim abrangida pelo risco de autoridade.
Ou seja, se este risco de autoridade abrange não apenas o ocorrido no local de trabalho, mas também no percurso, a agressão ocorrida no percurso está também abrangida. E o trajecto não tem que apresentar um risco especial de agressão, não é actualmente exigido um risco ou perigo especial do trajecto, como pretende a ré empregadora.
Neste sentido pronunciou-se o acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Março de 2017, processo 364/12.3TUGDM.P1, acessível em www.dgsi.pt e em jusnet.wolterskluwer.pt, bem como os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2005, supra referido, e de 15 de Maio de 2019, processo 20644/15.5T8LSB.L1-4, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 31 de Maio de 2007, processo 907/04.6TTVIS.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Face ao exposto, improcedem ambas as apelações.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a impugnação relativa à decisão sobre a matéria de facto e improcedentes ambas as apelações das rés, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelas recorrentes.

Porto, 23 de Junho de 2020
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes