Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
912/14.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
VIOLAÇÃO DO DIREITO AO REPOUSO
AO SOSSEGO E Á TRANQUILIDADE DA VIDA FAMILIAR
COLISÃO DE DIREITOS
PRESSUPOSTOS DA PROVIDÊNCIA
Nº do Documento: RP20150708912/14.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento cautelar comum é admissível com carácter antecipatório da decisão de mérito pretendida na acção de que é dependência, quando a lesão já está consumada, como forma de evitar a continuação do dano.
II - Todavia, não pode ser decretado, quando o requerente não prova todos os factos que integrem os requisitos de que depende o seu deferimento.
III - Para aferir da adequação da providência e do prejuízo, havendo colisão de direitos da personalidade, por violação do direito ao repouso, ao sossego e à tranquilidade da vida familiar, com o direito ao exercício da actividade comercial, torna-se necessário proceder a uma casuística ponderação judicial em função do princípio da proporcionalidade e com referência à intensidade e relevância da lesão.
IV - Não obstante a admissibilidade da convolação prevista no n.º 3 do art.º 376.º do CPC, o requerente deve, ao formular o pedido, individualizar a providência concreta que pretende, em conformidade com o princípio dispositivo.
V - Não observa essa exigência a formulação de um pedido em que se pretende que a requerida cesse de imediato ou se abstenha de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos resultantes do seu estabelecimento comercial.
VI - Não sendo decretada a inversão do contencioso, a resolução definitiva do conflito não tem lugar no procedimento cautelar, dada a natureza provisória, mas na acção de que é dependência.
VII - A sanção pecuniária compulsória pressupõe uma obrigação de prestação de facto infungível, positivo ou negativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 912/14.4T8PRT.P1
Da Comarca do Porto – Instância Local - Secção Cível – J5, onde deu entrada em 29/9/2014.
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Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró

Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:

I. Relatório

B…, Juiz de Direito, e mulher, C…, Educadora de Infância, residentes na Rua …, n.º …, ..º Esq., Porto, instauraram o presente procedimento cautelar comum contra D…, S.A., com sede na Rua …, n.º ., Lisboa, pedindo:
a) Que se ordene “que a Requerida cesse de imediato e se abstenha de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos resultantes da actividade de comércio ou outra no seu estabelecimento sito na Rua …, n.º …/…, Porto, designadamente através de aparelhos de refrigeração, de compressores, de aparelhos de ar condicionado, de aparelhos sonoros, designadamente do altifalante interno, do manuseamento, carga e descarga de mercadorias, maxime através de porta paletes, de vozearia e de passos no respectivo pavimento, e que venham a invadir o interior da habitação dos Requerentes”;
b) Que se fixe “a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das medidas decretadas”.

Para tanto, alegaram, em resumo, que têm sido vítimas de barulhos causados pela requerida no exercício da sua actividade comercial no seu estabelecimento, sito no piso imediatamente inferior à sua residência, a várias horas do dia e da noite, perturbando o seu descanso, sossego e bem-estar, desde a sua abertura, em Setembro de 2000.

Foi determinada a citação da requerida, a qual deduziu oposição, alegando, em síntese, que está devidamente autorizada para exercer a sua actividade no local indicado, tem vindo a providenciar pela eliminação ou redução do impacto do seu funcionamento nas habitações, na sequência de queixas apresentadas pelos condóminos, e propõe-se implementar mais medidas; desconhece se o impacto do funcionamento da loja vai ao ponto de perturbar o sossego e repouso dos requerentes, não se justificando qualquer providência. Concluiu pela improcedência da providência requerida ou, para o caso de se concluir pela ofensa de algum dos direitos dos requerentes, que aquela seja substituída por outras que contemplem as medidas que tomará brevemente “ou, eventualmente, por outras que se mostrem mais adaptadas à eliminação dos efeitos dos ruídos e impactos apurados na habitação dos Requerentes”.
A requerida apresentou, ainda, articulado superveniente, que foi admitido, onde alegou ter realizado todas as obras prometidas no art.º 78.º da oposição, designadamente reforço do isolamento da casa das máquinas, isolamento acústico do corredor e das dependências, colocação do tapete de borracha e aplicação de canópias nos altifalantes.

Teve lugar a audiência final, após o que, em 16/3/2015, foi proferida sentença que decidiu julgar a providência cautelar totalmente improcedente.

Inconformados com o assim decidido, os requerentes interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1ª-) A Meritíssima Juiz “a quo” fez uma errada subsunção dos factos ao direito, em violação do nº 3 do artigo 607º do C.P.Civil;
2ª-) A fundamentação expendida na sentença é não só de per si contraditória como colide também frontal e flagrantemente com a abundante matéria de facto dada como provada e que implicaria necessariamente a sua procedência;
3ª-) Tendo a sentença recorrida dado como assente que os Requerentes lograram demonstrar os requisitos essenciais plasmados no nº 1 do artigo 362º, a providência deveria ter sido julgada procedente;
4ª-) A sentença recorrida, ao ter decidido que os ruídos provocados pelo funcionamento do estabelecimento comercial da Requerida, impedem os mesmos de repousar durante a noite e que, como tal, se mostra fundado e sério o receio dos Requerentes de que, a persistir tal situação, resulte lesão grave e dificilmente reparável para o seu direito ao repouso, ao descanso e tranquilidade, enquanto manifestação do direito à integridade física e moral e a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente consagrado, deveria ter desde logo julgado procedente a providência solicitada, obrigando a Requerida a cessar a produção de tais ruídos violadores dos reconhecidos direitos dos Requerentes;
5ª-) A sentença recorrida, ao ter considerado que a Requerida, já depois de ter sido intentada a presente providência, e após ter sido deduzida oposição, efectuou algumas obras tendentes a minimizar os ruídos alegados pelos Requerentes, mas que, não obstante isso, são ainda perceptíveis pelos Requerentes os ruídos provenientes da actividade da Requerida e que os perturbam de forma séria e grave, e ao não ter decretado a providência solicitada, caiu em evidente contradição;
6ª-) Se a própria sentença sindicanda reconhece que a lesão dos direitos de personalidade dos Requerentes, tais como o seu direito ao repouso, ao sossego e à tranquilidade, se iniciou com a actividade da Requerida, e que a mesma se prolonga até hoje e da qual pode resultar lesão grave e dificilmente reparável para tais direitos, não se entende como veio a final julgar a presente providência improcedente;
7ª-) A sentença recorrida padece de flagrante contradição ou oposição entre a fundamentação e a decisão, que a fere de absoluta nulidade, que importa ser apreciada e decidida, com as legais consequências (cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 615º);
8ª-) A sentença recorrida fez uma errada ponderação do conflito de interesses ou de direitos em causa;
9ª-) A sentença recorrida errou ao julgar que a presente providência não poderia ser decretada por ser uma providência abstracta e cuja implementação implicaria a cessação da actividade desenvolvida pela Requerida e, consequentemente, ao encerramento do seu estabelecimento, o que redundaria num sacrifício desproporcionado do direito da Requerida ao desenvolvimento da sua actividade;
10ª-) A sentença em apreço não contém factos, que à Requerida caberia alegar e provar, que permitissem à Juiz “a quo” dizer com a segurança e certeza com que o faz na sentença que a providência, a ser decretada, implicaria a cessação da actividade desenvolvida pela Requerida e, por arrastamento, o encerramento do seu estabelecimento;
11ª-) Em momento algum os Requerentes pediram o encerramento (temporário ou definitivo) do estabelecimento comercial da Requerida, sendo que a Juiz “a quo” leu no pedido formulado o que nele não se continha, bastando ler devida e atentamente o pedido formulado para se inferir que nunca os Requerentes pediram tal encerramento;
12ª-) Os Requerentes apenas pediam nesta providência que se ordenasse que a Requerida cessasse de imediato e se abstivesse de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos incomodativos para os Requerentes e que se fixasse uma quantia a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das medidas que viessem a ser decretadas;
13ª-) Atenta a lapidar factualidade dada como provada, e o pedido formulado pelos Requerentes, o Tribunal deveria ter julgado a providência procedente, condenando a Requerida a abster-se de produzir ruídos que perturbam o sossego, o repouso, o descanso e o sono dos Requerentes e da sua filha, sem que tal implicasse necessariamente o encerramento do estabelecimento da Requerida, como sugere o Tribunal recorrido;
14ª-) A sentença recorrida não fundamentou ou justificou, como deveria, por que razão o estabelecimento da Requerida teria que ser encerrado para deixar de produzir ruídos que perturbassem os Requerentes e o seu direito ao descanso, ao repouso e ao sossego;
15ª-) Mesmo admitindo-se estarmos perante uma colisão de direitos, o Tribunal “a quo”, perante a factualidade apurada, e não tendo os Requerentes pedido o encerramento do estabelecimento da Requerida, estava em condições de condenar esta a efectuar as diligências que reputasse de necessárias à cessação da violação reiterada e persistente dos direitos dos Requerentes, já devida e exaustivamente provados;
16ª-) A Meritíssima Juiz “a quo” errou ao acabar por transferir para os Requerentes o ónus de alegar e de provar quais as medidas concretas que a Requerida deveria tomar com vista à cessação da violação dos direitos dos Requerentes em que ela própria ilicitamente incorreu, pois tal ónus não impedia, nem impende, sobre os Requerentes;
17ª-) Os Requerentes alegaram e provaram todos os requisitos plasmados no artigo 362º do C.P.Civil e conducentes ao decretamento da providência requerida, não lhes competindo especificar quais as medidas ou actos que a Requerida deveria ou deve encetar no sentido de cessar a produção dos ruídos invocados pelos Requerentes, e que se continuam a manifestar, como exaustivamente está provado;
18ª-) Tendo os Requerentes logrado provar que a Requerida produz efectivamente ruídos provenientes do estabelecimento comercial situado imediatamente por debaixo da sua fracção autónoma e que tais ruídos, que ainda hoje são perceptíveis, causam nos Requerentes enorme desgaste a nível físico e psicológico, vivendo os Requerentes num estado permanente de sofrimento, ansiedade e irritação, sentindo-se permanentemente cansados, por dormirem pouco, e revoltados com a situação criada pela Requerida, o que se reflecte negativamente, quer nos seus locais de trabalho, quer nas relações inter-familiares, não cabia aos Requerentes alegar e provar, como sugere a sentença recorrida, que medidas em concreto é que a Requerida deveria ou deve tomar para fazer cessar os ruídos perturbadores do sossego e descanso dos Requerentes;
19ª-) A sentença errou ao defender que a presente providência é abstracta, cuja implementação implicaria, de resto, a cessação da actividade desenvolvida pela Requerente e, consequentemente, ao encerramento do seu estabelecimento;
20ª-) Não obstante o lapso de tempo decorrido desde a propositura da acção e a data da prolação da sentença, e pese embora as obras entretanto levadas a cabo pela Requerida após ter sido citada para a acção e por causa dela, o certo é que os Requerentes continuam a ser ilicitamente incomodados com os ruídos produzidos pelo estabelecimento da Requerida, estejam ou não tais ruídos dentro dos parâmetros legais;
21ª-) Os Requerentes fizeram prova, através do Laboratório de Acústica da Faculdade de Engenharia do Porto, de que os ruídos produzidos pela Requerida não estão dentro dos parâmetros legais;
22ª-) Contrariamente ao decidido, não cabia aos Requerentes, por representar uma clara, injustificada e ilegal inversão do ónus da prova sobre a matéria, fazer prova da intensidade do ruído que ainda persiste, das formas de o eliminar ou de o reduzir, nem tão pouco justificar ao Tribunal por que razão permanece audível pelos Requerentes na sua habitação o ruído proveniente dos aparelhos de refrigeração e compressores, depois de todas as medidas implementadas pela Requerida no sentido de reduzir tal ruido;
23ª-) A sentença padece de evidente contradição ao fazer alusão à circunstância de se desconhecer se os valores detectados no âmbito dos testes acústicos mandados fazer pelos Requerentes (imputando a estes tal omissão), se mantêm actualizados, quando foi o próprio Tribunal quem indeferiu a realização da peritagem solicitada pela Requerida aquando da oposição apresentada;
24ª-) Mesmo que se concluísse, através de peritagem, que os ruídos estariam dentro dos parâmetros legais plasmados na legislação sobre o ruído, esta não consagra ainda assim um direito absoluto de emissão de ruídos abaixo de tais limites, pelo que os ruídos que respeitarem o tecto que consta no Regulamento Geral do Ruido têm ainda que observar a restante legislação sobre a matéria, designadamente a referente aos direitos de personalidade;
25ª-) Mesmo que os ruídos emitidos pelo estabelecimento da Requerida não ultrapassassem os limites consagrados no Regulamento Geral do Ruído, sempre os mesmos teriam ainda que se situar em níveis que respeitassem os direitos de personalidade dos Requerentes;
26ª-) Na ponderação dos interesses ou direitos dos Requerentes e da Requerida, a sentença recorrida errou ao tomar partido único pelos interesses desta última, em claro detrimento dos legítimos direitos e interesses dos Requerentes que acabaram por ficar totalmente desprotegidos, não obstante terem provado que os ruídos se continuam a produzir e a incomodá-los de forma permanente e persistente;
27ª-) A sentença sindicanda errou ao colocar num dos pratos da balança apenas o encerramento do estabelecimento da Requerida como exclusiva medida para fazer cessar os ruídos;
28ª-) Esta ponderação foi erradamente concebida pelo Tribunal recorrido, porquanto os Requerentes jamais pediram o encerramento do estabelecimento da Requerida, e não ficou demostrado ou provado nos autos que esta seria a única solução para fazer cessar os ruídos;
29ª-) Esta incompreensível posição adoptada pelo Tribunal recorrido vai ao absoluto arrepio do que vem sendo defendido pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, incluindo deste Venerando Tribunal;
30ª-) Em caso de colisão de direitos de personalidade, neles se incluindo o direito ao repouso, ao descanso, ao sono e à tranquilidade, e de direitos de natureza económica, designadamente os ligados a actividades de exploração comercial ou industrial, devem prevalecer os direitos de natureza pessoal gravemente perturbados pelo exercício de actividades que, conquanto fossem lícitas, acabavam por ferir terceiros na sua esfera de direitos de personalidade;
31ª-) Tendo a Requerida feito obras desde Janeiro de 2014, depois das queixas dos Requerentes, e até mesmo após a oposição à presente providência, sem que tal implicasse o encerramento, mesmo que temporário, do seu estabelecimento, não se compreende o equívoco do Tribunal recorrido quando estriba a sua decisão em jurisprudência que não é minimamente aplicável ao caso sub judice;
32ª-) O Tribunal “a quo”, reconhecendo o legítimo direito dos Requerentes, acabou por deixá-los totalmente desprotegidos;
33ª) Os Requerentes não têm que ser obrigados a suportar ad aeternum os comprovados ruídos produzidos pela Requerida e que violam o seu direito ao sossego, ao repouso, ao descanso e a um sono tranquilo;
34ª-) A decisão do Tribunal “a quo” foi tão longe e tão radical que nem sequer a Requerida pugnou no sentido da improcedência da providência, quer na oposição que apresentou, quer nas suas alegações orais finais;
3ª-) Face à abundante matéria de facto provada e à ponderação dos interesses em causa dos Requerentes e da Requerida, o Tribunal recorrido deveria ter deferido a providência, condenando a Requerida nos exactos termos peticionados, por se verificarem integralmente preenchidos os pertinentes pressupostos legais.
34ª-) Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 607º, nº 3, 615º, nº 1, alínea c), 362º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, os artigos 25º, 26º, 66º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, o artigo 70º do Código Civil, os artigos 3º e 25º, nº 1, ambos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10.12.1948, o artigo 2º, nº 1, da Lei 65/78, de 13.10, e o artigo 13º, nº 1, do D.L. nº 9/2007, de 17.01,
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se totalmente procedente a presente providência cautelar, com todas as legais consequências, no que farão V.Exas, a sempre Inteira e Costumada JUSTIÇA!”

A requerida contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida, procedendo a uma ampliação subsidiária do âmbito do recurso e terminando com as seguintes conclusões:
“1. A Requerida procedeu a todas as iniciativas que, sem prejuízo da continuidade do funcionamento da sua loja, se revelavam adequadas à eliminação dos ruídos provenientes dos equipamentos da respectiva rede de frio e da actividade da mesma e que pudessem ainda sentir-se na residência dos Requerentes, por forma a perturbar o seu sossego e repouso.
2. Só no período posterior à interposição do presente procedimento cautelar, a Requerida removeu os condensadores do sistema de frio daquela loja, do corredor onde se encontravam para o interior da casa das máquinas, procedeu ao reforço do isolamento desta dependência, procedeu ao isolamento acústico daquele corredor, da dependência onde se encontram os vestiários e do próprio armazém da loja, estendeu o tapete de borracha acústico para absorção de trepidações e ruídos, existente já em parte do piso da loja a toda a zona situada sob a habitação dos Requerentes e ainda zonas adjacentes, para além dela, procedeu ainda à aplicação de canópias nos altifalantes do sistema de som da loja, situados sob a habitação dos Requerentes, para absorção do som emitido pelos mesmos acima do tecto falso, sendo que o volume do som da loja fora já anteriormente reduzido aos mínimos possíveis, dentro da sua finalidade e colocou, no armazém e vestiários da loja, avisos destinados a sensibilizar os trabalhadores que ali prestam serviço, para a necessidade de evitar ruídos e impactos que possam ter repercussão nas habitações superiores do prédio.
3. O aparelho de ar condicionado existente por baixo da habitação dos Requerentes, fora já desligado, em Junho/Julho de 2014.
4. Em 10.12.2014, a Requerida desligou o sistema de som da loja, mais recentemente estendeu o indicado tapete de borracha a toda a placa de vendas, por forma a que todo o piso da loja ficasse por ele coberto, para absorção das trepidações e ruídos provocados por porta-paletes, pelas descargas de mercadorias e por eventuais impactos de passos naquele pavimento e procedeu a alterações na casa das máquinas sendo colocados silenciadores na porta e grelhas acústicas, na entrada e saída de ar daquela dependência.
5. A Requerida manifestou, sempre e designadamente no decurso do presente processo e daquela audiência, total disponibilidade para, sem prejuízo do funcionamento do seu estabelecimento, adoptar, promover e executar todas as medidas necessárias à eliminação dos ruídos produzidos pela actividade da loja, que, por ventura, pudessem e ainda possam afectar o sossego, a tranquilidade e o repouso dos residentes na habitação dos Requerentes ou a redução da sua intensidade, para evitar aquele efeito.
6. Apurou, contudo, que se tornava essencial fazer medições naquela residência, para determinar a intensidade com que, actualmente e depois de todas aquelas alterações, os ruídos perturbadores ali ainda possam ser sentidos e se continuam a ser susceptíveis de provocar os incómodos referidos pelos Requerentes, determinar e isolar a sua específica origem, para tomar as acções que ainda se revelassem necessárias à sua eliminação.
7. E que, sem elas, quaisquer medidas adicionais para aquele fim seriam tomadas à toa, no escuro, sem qualquer percepção dos seus efeitos na residência dos Requerentes e sem qualquer garantia que os pudessem eliminar ou reduzir de forma substancial.
8. Sendo que muitas das medidas já tomadas pela requerida e das que ainda se poderiam eventualmente encarar, contêm custos elevadíssimos, que podem ter sido suportados ou poderiam ainda vir a sê-lo, perfeitamente em vão.
9. Após a interposição do presente procedimento, sempre os Requerentes, intransigentemente, impediram ou recusaram-se a permitir à Requerida a realização de novas medições na sua residência, com a indicada finalidade, no âmbito do processo ou, particularmente, fora dele, ainda que pudessem ser acompanhadas por perito da sua confiança ou por eles realizadas e acompanhadas por perito, ou representante da Requerida.
10. Já depois da produção da sentença recorrida, a Requerida, por carta enviada aos Requerentes, disponibilizou-se, uma vez mais, junto deles, para efectuar as medições do ruído produzido pelos equipamentos e actividade da loja, que, eventualmente, se pudesse ainda fazer sentir na sua residência e promover as posteriores medidas que, face aos seus resultados, ainda se mostrassem necessárias para a sua eliminação, ou redução para níveis aceitáveis para os mesmos.
11. Contudo apesar de avisados daquela carta, os Requerentes não a levantaram ou não a quiseram levantar do correio.
12. Tudo apontando, para que os mesmos não estão interessados numa solução que, rápida e consensualmente, resolva os problemas com aquela origem, que, porventura, ainda subsistam na sua habitação, mas antes em soluções radicais que, mesmo que o não digam, conduzam à paralisação da actividade e encerramento do estabelecimento da Requerida e ao recebimento de uma elevada quantia, pela aplicação da pretendida sanção pecuniária compulsória.
13. A providência requerida não seria, sem o encerramento da loja da Requerida, um meio adequado a assegurar a efectividade do direito ao sossego e repouso dos Requerentes.
14. O enceramento da loja, nas condições existentes, seria assim a consequência inexorável da aplicação das medidas cautelares pretendidas pelos Requerentes.
15. O encerramento do estabelecimento da Requerida, para além de não ter sido requerido, redundaria num sacrifício desproporcionado do direito ao desenvolvimento da sua actividade, envolvendo para ela um dano superior àquele que, com a providência requerida se pretende evitar.
16. A prevalência dos direitos da personalidade deve ser afirmada pelos Tribunais, por forma a que, havendo colisão de direitos, todos eles possam, na medida do possível, produzir igualmente os seus efeitos.
17. A harmonização dos direitos em conflito, no presente procedimento e o respeito pelo direito da Requerida ao exercício da sua actividade, no seu estabelecimento, atenta a sua disponibilidade, para tudo fazer com vista à eliminação dos efeitos dos ruídos ali produzidos, na residência dos Requerentes, imporia sempre que qualquer medida cautelar, com efeito cominatório, que por ventura se entendesse aplicar-lhe, só o pudesse ser, depois de lhe ser dada a possibilidade de realizar, naquela residência, as medições necessárias, para determinar a intensidade e específica origem dos ruídos perturbadores com aquela proveniência, que ali ainda se possam fazer sentir e um prazo razoável para o efeito e para tomar todas as medidas que, face ás mesmas, se mostrassem ainda necessárias para aquele fim.
18. Os ruídos de passos, tacões e vozes produzidos naquele estabelecimento se, por ventura, são ouvidos, na residência dos Requerentes, tal deve-se, fundamentalmente, não à actividade da Requerida, mas ao deficiente isolamento do prédio onde se situam e resultam de uma utilização normal do seu espaço, permitida pelo artº 1346º do Código Civil, integrando-se nas consequências próprias e normais das relações de vizinhança, sem que os seus efeitos sejam merecedores de qualquer tutela jurídica junto de quem os possa sentir, nas fracções vizinhas.
19. A circunstância de os Requerentes não terem pedido o encerramento do estabelecimento da Requerida não obvia a que, na sentença recorrida, não se pudesse ter concluído, face a toda a prova produzida no processo e, particularmente, em julgamento, designadamente quanto a todas as medidas tomadas pela Requerida, para impedir a produção dos ruídos ou dos seus efeitos perturbadores, na residência dos Requerentes, que a única medida que asseguraria o termo das suas queixas, sem novas medições daqueles efeitos, naquela residência, para detecção da sua específica origem, seria a decisão radical de encerramento daquele estabelecimento.
20. Mesmo as medidas tomadas que haviam sido mais consensuais junto dos condóminos do prédio e até reclamadas pelos Requerentes, para pôr termo a ruídos, como os provocados pelo transporte de mercadorias, dentro do estabelecimento - como a extensão do tapete de borracha a toda a superfície de vendas – não obviaram a que aqueles indicassem que, quanto a esse aspecto, a situação se mantinha inalterada
21. Face ás alterações introduzidas nos equipamentos e na actividade da loja da Requerida, posteriormente á data da interposição do presente procedimento cautelar, o resultado de medições que agora viessem a ser feitas, na residência dos Requerentes, ao ruído por eles produzido situar-se-ia significativamente abaixo dos limites impostos pelo Regulamento Geral do Ruído.
22. A necessidade de medições dos ruídos que ainda se façam sentir na residência dos Requerentes não visa, em concreto, saber se os mesmos se encontram abaixo ou acima daqueles limites, mas antes, conhecer a intensidade a partir da qual se tornam incomodativos para os Requerentes, a razão pela qual os mesmos por ventura persistem, após todas as diligências encetadas pela Requerida e melhor determinar a sua específica origem.
23. Caso as medições que se fizessem, nos dias de hoje, na residência dos Requerentes, dessem resultados muito inferiores aos referidos limites, que traduzissem o limiar da percepção dos ruídos emitidos pela actividade da loja ou nem isso, constituiriam um índice relevante do reduzidíssimo grau de incomodidade provocado pelos mesmos, com referência à intensidade e relevância da lesão dos direitos da personalidade dos Requerentes, da forma como eles atentam ou não contra esses direitos e da forma como o Tribunal deva avaliar em concreto a solução mais razoável à coexistência deles com o direito ao exercício da actividade económica da Requerida, naquele seu estabelecimento.
24. Face às alterações introduzidas pela Requerida no seu estabelecimento, aos depoimentos prestados na audiência final e à subsistência das queixas ali manifestadas pelos Requerentes, a Mtma Juiz a quo apercebeu-se que, sem novas medições, com o indicado objectivo, não é possível perceber a intensidade actual dos ruídos, nem interferir em aspectos específicos do funcionamento da loja e dos seus equipamentos, para os eliminar ou reduzir, para níveis suportáveis pelos Requerentes, se for caso disso.
25. Atendendo aos depoimentos prestados, na audiência final, pelas testemunhas Dr. E…, Engº F… e G…, deveria ter sido dado como provado, em rrrrr) dos factos da sentença recorrida, que o aparelho de ar condicionado, existente por baixo da habitação dos requeridos, foi desligado, entre Junho e Julho de 2014 e não em 10 de Dezembro daquele ano.
26. A matéria dada como provada nos pontos fffff), ggggg), hhhhh), lllll), nnnnn) e wwwww) da sentença recorrida, fundamenta-se, exclusivamente, nas declarações de parte dos próprios Requerentes ou nas declarações da sua filha, o que é manifestamente insuficiente para demonstrar aqueles factos, na medida em que lhes interessam e são favoráveis.
27. Tanto mais quanto é certo que são os próprios Requerentes que afirmam que os ruídos provenientes da actividade do estabelecimento da Requerida foram toleráveis, durante os mais do que 13 anos, até Janeiro de 2014, quando, depois, as suas condições só podem ter melhorado e algumas das testemunhas ouvidas no processo, que se deslocaram à sua residência, para medição dos seus efeitos, declararam que não os sentiam.
28. Pelo que, relativamente à matéria de facto de cada uma daquelas alíneas, não deveria a Mtma. Juiz, sem mais, tê-la dado como provada, ou ir mais além de que os Requerentes e a sua filha manifestaram e continuam a manifestar, que sentem os ruídos e que estes lhes provocam os incómodos referidos naquelas alíneas.
Termos em que, negando provimento ao presente recurso e confirmando a sentença recorrida, V. Exas. farão, como sempre, Inteira Justiça!”

Os requerentes/apelantes responderam à ampliação do âmbito do recurso, defendendo a manutenção da matéria de facto impugnada.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, modo de subida e efeito que foram mantidos por este Tribunal.
No despacho que admitiu o recurso, a Ex.ma Juíza pronunciou-se pela inexistência da arguida nulidade.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do actual CPC, aqui aplicável), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, as questões que importa dirimir consistem em saber:
- se a sentença padece de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão;
- e se deve ser decretada a providência cautelar requerida, o que pressupõe indagar sobre a verificação dos respectivos requisitos, o ónus da sua prova e se, havendo colisão de direitos, deve prevalecer o direito dos requerentes, bem como se há lugar à fixação da pretendida sanção pecuniária compulsória.
Para o caso de serem acolhidos os argumentos de facto e de direito dos recorrentes, atenta a ampliação do âmbito do recurso, importará saber se é caso de alteração da matéria de facto impugnada, a título subsidiário, pela recorrida nos termos do art.º 636.º, n.º 2, do CPC[1].

II. Fundamentação

1. De facto

Na sentença recorrida foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:
a) Por escritura pública outorgada em 03/10/1997, perante a Segunda Ajudante do Quinto Cartório Notarial do Porto, os ora Requerentes declararam comprar a “H…, Limitada”, e esta declarou vender àqueles, pelo preço de Esc. 31.000.000$00, a fração autónoma designada pelas letras “BI”, destinada a habitação no 1º andar esquerdo, com entrada pelo n.º …, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Porto, na Rua …, n.ºs … a …, freguesia …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 1.753, de …, afeto ao regime de propriedade horizontal, pela inscrição F-apresentação 41, de 27/07/1995, e inscrito na matriz sob o Art. 12.274 (cfr. certidão da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca junta a fls. 57 a 62 dos autos, e certidão permanente com o código de acesso PP-….-…..-……-……, emanada da referida Conservatória do Registo Predial, comprovativa da composição do prédio, com a individualização de todas as frações autónomas que o constituem, bem como da inscrição da constituição da propriedade horizontal, junta a fls. 63 a 72 dos autos.
b) Tal fração autónoma é constituída por vestíbulo, sala comum, cozinha, despensa, três quartos, dois quartos de banho, W.C., terraço e varanda, tendo a área habitacional de 130 m2, terraço com 40 m2 e a varanda com 8 m2, representando 7,507 por mil do condomínio, conforme extrato da escritura de constituição da propriedade horizontal, cuja cópia se encontra junta a fls. 73 dos autos.
c) A aquisição da propriedade da mesma fração autónoma está inscrita a favor dos ora Requerentes, naquela Conservatória do Registo Predial, pela Ap. 18, de 1997/10/23, conforme certidão permanente junta a fls. 74 dos autos, com o código de acesso PP-….-…..-……-…….
d) É administrador do condomínio do aludido edifício o Sr. I…, conforme resulta da ata n.º 21, relativa à assembleia geral de condóminos realizada no dia 29 de janeiro de 2014, junta a fls. 75 e 76 dos autos, cargo que vem exercendo desde a constituição da propriedade horizontal do edifício.
e) Os condóminos e/ou moradores do mesmo prédio estão sujeitos ao “Regulamento do Condomínio”, cuja cópia se encontra junta a fls. 77 a 84 dos autos.
f) Nos termos do Art. 7.º, n.º 1, al. c) do aludido Regulamento do Condomínio, é expressamente proibido aos condóminos, moradores, visitantes e familiares, “Alterar a tranquilidade do edifício com vozes, cantares ou ruídos incomodativos, devendo regular as máquinas, aparelhos receptores ou reprodutores de som ou outros aparelhos electrodomésticos, de modo a que os ruídos não perturbem os demais utentes do edifício”.
g) Os Requerentes, a partir da outorga da escritura a que se alude em a), e até ao presente, passaram a residir, ininterruptamente, com carácter de permanência na aludida fração autónoma, aí pernoitando, tomando as refeições e recebendo os amigos.
h) O agregado familiar dos Requerentes que reside na aludida fracção autónoma é composto também pela filha de ambos, J….
i) A filha dos Requerentes é estudante universitária, tendo concluído no ano letivo de 2013/2014 o 3º ano do curso de Ciências Farmacêuticas, estando matriculada no 4º ano do mesmo curso no ano letivo de 2014/215, conforme documento junto a fls. 85 dos autos.
j) A Requerida é uma sociedade comercial que tem por objeto a “produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, incluindo medicamentos não sujeitos a receita médica e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, a exploração de centros comerciais, a prestação de serviços e ainda o de importações e exportações”, conforme certidão permanente emanada pela competente Conservatória do Registo Predial, junta a fls. 86 a 94 dos autos.
k) Por carta de 27 de abril de 1999, cuja cópia se encontra junta a fls. 95 dos autos, o administrador do condomínio, Sr. I…, dava conta ao Requerente “que nos estabelecimentos com entrada pelos n.ºs …, …, …, … e …, o Grupo D1… vai abrir uma loja “D…”, acrescentando que, “Na referida loja pretendem instalar uma padaria da classe D com uma área de lares de fornos inferior a 10 m2, necessitando, para o efeito, da autorização dos restantes condóminos”, anexando a tal carta uma cópia da planta do estabelecimento a instalar, conforme documento junto a fls. 96 dos autos.
l) Após obras de adaptação, essencialmente levadas a cabo no Verão de 2000, que se traduziram na ligação interior das frações autónomas correspondentes às entradas com os números …, …, …, …, …, … da Rua …, desta cidade, as quais se situam no rés do chão do edifício, de molde a “criar” um espaço único, no dia 21 de setembro de 2000, a Requerida abriu ao público o estabelecimento em causa, encontrando-se a utilizar aquelas frações para estabelecimento de supermercado, com secções de peixaria, talho e fabrico próprios de pastelaria, panificação e gelados, autorizada por alvará de utilização n.º …, passado pela Câmara Municipal …, no âmbito do processo …../01/CM…, o qual se mantém em funcionamento até ao presente, ali comercializando produtos alimentares e não alimentares, de acordo com o seu objeto social, conforme documentos juntos a fls. 213 a 227 dos autos.
m) O aludido estabelecimento funciona durante todos os dias do ano, ou seja, 7 dias por semana, com exceção do dia de Natal, e está aberto ao público entre as 9h00 e as 20h30.
n) Desde a abertura do aludido estabelecimento, os condóminos, especialmente os moradores nos primeiros andares, como é o caso dos Requerentes, foram-se queixando de vários problemas provocados pela Requerida, designadamente a nível de ruídos relacionados com a sua atividade comercial, problemas esses que foram sendo abordados e discutidos ao longo dos anos, nas reuniões das assembleias gerais de condóminos.
o) Na ata n.º 7 da primeira reunião de condóminos realizada após a abertura do estabelecimento da Requerida, reunião essa ocorrida em 25/01/2001, cuja cópia se encontra junta a fls. 98 a 100, é feita menção de que foi solicitado ao administrador (do condomínio) para “Pressionar o “D…” no sentido de eliminar alguns ruídos que ainda se transmitem às habitações, retirar os contentores que se encontram em frente da entrada … e eliminar a água que cai na garagem (-2)”.
p) Em 2001, foram eliminadas as infiltrações que se verificavam na garagem.
q) Na ata n.º 8, referente à assembleia de condóminos realizada no dia 31/01/2002, cuja cópia se encontra junta a fls. 101 e 102, foi exarado o seguinte:
“Por fim foi solicitado que o "D…" resolvesse os problemas subsistentes, nomeadamente a retirada dos contentores, substituição da porta do posto de transformação, eliminação dos ruídos dentro do armazém e aquando do transporte das mercadorias ao longo da loja; também foram solicitadas garantias que os problemas seriam resolvidos em definitivo de modo a que não estivessem pendentes do maior ou menor cuidado dos funcionários”.
r) Foram eliminados dois dos três contentores inicialmente colocados do lado oposto da Rua …, ao mesmo tempo que se requereu à Câmara Municipal … a instalação de um “molok” fixo, que reduzisse o impacto visual provocado pelos contentores, que veio a ser ali colocado, mais tarde, em terreno adjacente ao do prédio, eliminando-se o contentor existente.
s) Em 2002, foram substituídos a porta e o transformador do posto de transformação existente na galeria do prédio, face a queixas apresentadas pelos condóminos.
t) Na ata n.º 9, referente à assembleia de condóminos realizada no dia 30/01/2003, cuja cópia se encontra junta a fls. 103 e 104, foi exarado o seguinte:
“Por fim, foi solicitado ao Sr. I… que insistisse junto do "D…" para a resolução de alguns problemas subsistentes, nomeadamente, a eliminação de alguns ruídos dentro do armazém e aquando do transporte das mercadorias ao longo da loja, sobretudo aos fins de semana, e a eliminação de alguns ruídos provenientes, aparentemente, dos motores dos balcões frigoríficos”.
u) Na ata n.º 10, referente à assembleia de condóminos realizada no dia 08/01/2004, cuja cópia se encontra junta a fls. 105 e 106, foi exarado o seguinte:
“Por fim, foi solicitado ao Sr. I… que insistisse junto do "D…" para a resolução de alguns problemas subsistentes, nomeadamente, a eliminação de alguns ruídos dentro do armazém, aquando do transporte das mercadorias ao longo da loja, sobretudo aos fins de semana, e a eliminação de alguns ruídos provenientes, aparentemente, dos motores dos balcões frigoríficos”.
v) O piso do estabelecimento da Requerida é revestido a peças de cerâmica de cerca de 20 cm x 20 cm, o que fazia com que, quando os funcionários da Requerida transportavam as mercadorias dentro da loja através dos porta paletes, os ruídos provocados por estes aumentassem e se fizessem sentir significativamente.
w) Com vista a minimizar tal ruído, em data que se situará no ano de 2004, a Requerida mandou colocar no corredor de passagem situado a Nascente da loja, por cima do aludido pavimento cerâmico, uma tira com cerca de um metro de largura, feita de um material sintético, a qual amortece os rodados dos porta paletes quando estes por ali passam, conforme documento juntos a fls. 116 e 117 dos autos.
x) Face ao seu custo, a colocação do referido tapete implicou um elevado encargo para a Requerida.
y) A Requerida não estendeu esse material a toda a superfície da loja.
z) Apesar do piso absorvente de borracha cobrir apenas um dos corredores da loja, o mesmo permite que os porta paletes alcancem, através dele, os intervalos dos expositores de produtos, onde se movimentam sobre o piso, em tijoleira, existente entre eles.
aa) Num dos primeiros anos de funcionamento da loja e face às queixas apresentadas pelos condóminos, os porta paletes foram todos substituídos por outros mais silenciosos, com rodas de borracha.
bb) Os funcionários da Requerida não se limitavam a “circular” com os porta paletes por aquele corredor (parcialmente ocupado por estantes com mercadoria), fazendo-o por toda a loja, com as inerentes consequências a nível do ruído que provocavam.
cc) Na ata n.º 11, referente à assembleia de condóminos realizada no dia 13/01/2005, cuja cópia se encontra junta a fls. 107 e 108, consignou-se: “Também foi solicitado ao Sr. I… que insistisse junto do "D…" para a resolução de alguns problemas subsistentes, nomeadamente, a eliminação de alguns ruídos dentro do armazém, aquando do transporte das mercadorias ao longo da loja, sobretudo aos fins de semana, e a eliminação de alguns ruídos provenientes, aparentemente, dos motores dos balcões frigoríficos. Foi dada autorização, caso seja necessário, para recorrer aos Tribunais a fim de resolver todos os problemas pendentes, em definitivo”.
dd) Os balcões frigoríficos ou não tinham motores próprios que pudessem causar quaisquer ruídos ou vibrações, ou os que os tinham, nunca provocaram maiores ruídos que um simples frigorífico de qualquer habitação.
ee) O frio dos balcões, que não têm motor próprio, é produzido por compressores que sempre funcionaram na casa das máquinas da loja, completamente isolada, em que foram introduzidos amortecedores, nos apoios, com vista a eliminar os impactos de vibrações na estrutura do prédio.
ff) Na ata n.º 12, referente à assembleia de condóminos realizada no dia 17/01/2006, cuja cópia se encontra junta a fls. 109 e 110, foi exarado o seguinte:
“Finalmente, no que se refere à loja do "D…", representada pela Sr.ª D. K… e pelos Srs. L… e G…, que ouviram as queixas dos condóminos, relativamente aos ruídos provocados pelo seu funcionamento, nomeadamente, a continuação do ruído do porta-paletes, apesar das obras, entretanto, feitas, barulhos de ressonância, barulho das descargas e plataforma elevatória e decoração das montras. No que se refere aos ruídos do porta-paletes e de ressonância, ficou combinada a marcação de um dia, em breve, para a realização de testes nas habitações onde os ruídos são audíveis, de forma a aferir o tipo e intensidade de ruídos, de modo a implementar as medidas necessárias (urgentes) para resolver a situação em definitivo. Quanto aos ruídos da plataforma elevatória e das descargas, comprometeram-se a melhorar a situação eliminando os da plataforma e atenuando os das descargas protegendo os estrados, em madeira, com borrachas. Também lhes foi solicitado que as descargas, aos fins de semana e feriados, fossem efetuadas o mais tarde possível. No que se refere aos autocolantes das montras, foi-lhes solicitado que nas montras adjacentes às portas de entrada habitacionais, não fossem colocados, para evitar o aspeto de uma fachada completamente uniforme. Antes de qualquer alteração da decoração exterior deverão dar conhecimento ao administrador”.
gg) No seguimento das queixas apresentadas por condóminos, foi colocada publicidade nas montras da loja, em vinil autocolante, que melhorou significativamente o seu aspeto, recentemente renovado com uma imagem mais atraente.
hh) Para obviar a eventuais efeitos do impacto no corte de carnes, no talho da loja, foram colocadas borrachas, nas bancadas onde o mesmo é efetuado, para as calçar com material absorvente.
ii) Na assembleia de condóminos realizada no dia 29/05/2006, “ficou decidido que caso o "D…" não comece a resolver, de imediato, os problemas apresentados na última assembleia geral, será marcada uma nova assembleia geral extraordinária para tratar do assunto”, conforme resulta da ata n.º 13, cuja cópia se encontra junta a fls. 111 e 112.
jj) Não obstante as sucessivas chamadas de atenção aos responsáveis do estabelecimento da Requerida, o certo é que os problemas do ruído foram persistindo, em maior ou em menor grau.
kk) Na ata n.º 14, referente à assembleia de condóminos realizada no dia 30/01/2007, cuja cópia se encontra junta a fls. 113 e 114, foi exarado o seguinte:
“Quanto ao "D…" o Sr. M… também reclamou do barulho diário, a partir das 7.30H, tendo o representante do estabelecimento informado que se tratava da execução da limpeza, tendo aproveitado para informar que iria tomar providências no sentido de alterar o horário desse serviço e que, relativamente ao barulho do porta paletes, uma vez que o material aplicado no corredor de passagem tinha resultado, o mesmo iria ser estendido a toda a superfície”.
ll) Na assembleia geral de condóminos realizada no dia 29/01/2009, foram exarados na respetiva ata, com o n.º 16, cuja cópia se encontra junta a fls. 118 e 119, os seguintes termos: “Depois, por parte dos condóminos foram feitas reclamações devido aos barulhos provenientes do funcionamento do "D…", nomeadamente os provocados pelo porta paletes, pelas descargas e uma ressonância, durante a noite, sentida nas habitações da entrada … nomeadamente nas habitações do 3° andar”.
mm) Para obviar a ruídos provocados pelos camiões nas descargas, foi promovido um plano de formação para motoristas, onde lhes foram ministradas práticas a observar naquela operação, para que esta tenha o menor impacto possível na vizinhança, com incidência no desligar dos motores, seja do próprio veículo, seja das câmaras frigoríficas que transportam, enquanto aguardam ou descarregam parados em frente da loja.
nn) Em 2009, procedeu-se a uma intervenção na casa das máquinas, com aplicação de apoios antivibratórios, nos equipamentos e compressores ali existentes.
oo) Na assembleia geral de condóminos realizada no dia 18/02/2010, com o n.º 17, cuja cópia se encontra junta a fls. 120 e 121, exarou-se: “No último ponto da ordem de trabalhos, começaram por ser relembrados os problemas causados com o funcionamento do "D…" que persistem há anos e que nunca mais são resolvidos, a saber:
- os barulhos, nomeadamente, os provocados pelo porta paletes dentro da loja (possivelmente quando circula fora do corredor, criado para o efeito com materiais apropriados para atenuarem os ruídos); aliás, o "D…" tinha-se comprometido a revestir todo o piso da loja com esse material e, até à data, não o fez.
- os ruídos provocados pelas descargas e pelos camiões (motores ligados sem necessidade, buzinarem para chamar o pessoal da loja) o que incomoda grandemente os moradores.
Relativamente às descargas, foi informado que o "D…" tinha requerido à Câmara Municipal o desvio da língua do passeio, onde presentemente fazem as descargas, para o parque de estacionamento privativo, frente à plataforma elevatória, de modo a que o trajecto a percorrer pelo porta paletes, seja mais curto.
Também iriam rebaixar o interior do armazém de modo a eliminarem o uso dos estrados, em madeira, para atravessarem a galeria.
- o horário (não ao público) de funcionamento da loja, uma vez que tanto começam às 5.00H como às 7.00H e, às vezes, terminam às 24.00H, sendo que, nestes períodos, notam-se os ruídos de funcionamento do porta paletes, da colocação das embalagens nos locais de venda e o arrastar de paletes etc. Também houve queixas relativamente à música, que, por vezes, é audível nos primeiros andares.
- foi novamente mencionado o cheiro a peixe na galeria e o escorrimento de águas, bem como o acumular de lixo debaixo da plataforma elevatória.
A representante do "D…" tomou nota destas reclamações que irá reencaminhar para a administração”.
pp) Na assembleia geral de condóminos realizada no dia 27/01/2011, com o n.º 18, cuja cópia se encontra junta a fls. 122 e 123, exarou-se: “Depois foram relembrados, mais uma vez, os problemas causados com o funcionamento do “D…” e que persistem há anos, a saber:
- barulhos, nomeadamente, os provocados pelo porta paletes dentro da loja (possivelmente quando circula fora do corredor, criado para o efeito com materiais apropriados para atenuarem os ruídos); aliás, o "D…" tinha-se comprometido a revestir todo o piso da loja com esse material e, até à data, não o fez.
- os ruídos provocados pelas descargas e pelos camiões (motores ligados sem necessidade, buzinarem para chamar o pessoal da loja) o que incomoda grandemente os moradores.
- o horário (não ao público) de funcionamento da loja, uma vez que tanto começam às 5.00H como às 7.00H, sendo que, nestes períodos, notam-se os ruídos de funcionamento do porta paletes, da colocação das embalagens nos locais de venda e o arrastar de paletes etc.
Desta vez os representantes do "D…", comprometeram-se perante a Assembleia, em resolver estes problemas, nomeadamente, no que se refere ao horário, nunca mais começando antes das 8.00 H“.
qq) Na assembleia geral de condóminos realizada no dia 25/01/2012, com o n.º 19, cuja cópia se encontra junta a fls. 124 e 125, fez-se consignar ter sido “chamada uma vez mais a atenção para os barulhos provocados pelo porta paletes dentro da loja do “D…”.
rr) Na assembleia geral de condóminos realizada no dia 21/01/2013, com o n.º 20, cuja cópia se encontra junta a fls. 126 e 127, exarou-se: “Depois foram relembrados, mais uma vez, os problemas causados com o funcionamento do “D…” e que persistem há anos, a saber:
- barulhos, nomeadamente, os provocados pelo porta paletes dentro da loja, possivelmente quando circula fora do corredor, criado para o efeito com materiais apropriados para atenuarem os ruídos; aliás, o "D…" tinha-se comprometido a revestir todo o piso da loja com esse material e, até à data, não o fez.
- os ruídos provocados pelas descargas e pelos camiões (motores ligados sem necessidade, buzinarem para chamar o pessoal da loja) o que incomoda grandemente os moradores.
- ruído provocado na zona do talho com as pancadas do corte de carne.”
ss) Desde a instalação da Requerida no prédio do qual faz parte a fracção autónoma dos Requerentes, no que a estes diz respeito, as queixas que faziam prendiam-se essencialmente com os barulhos provocados pelos porta paletes no interior da loja, barulhos esses audíveis no interior da sua fração.
tt) No início do mês de janeiro de 2014, a Requerida encerrou temporariamente o estabelecimento em causa, com vista à realização de obras de requalificação, as quais se prolongaram durante cerca de três semanas, e, reaberta a loja, foi possível constatar que a mesma sofreu uma remodelação no seu interior, consubstanciada, além do mais, na colocação de novas prateleiras, de novas arcas frigoríficas, e de novas caixas, constatando-se, porém, que o piso da loja não sofreu qualquer alteração, mantendo-se no estado em que se encontrava anteriormente.
uu) A Requerida procedeu à substituição de todos os balcões e armários frigoríficos, por equipamentos mais modernos, eficientes e silenciosos, substituindo, na casa das máquinas, os compressores e condensador ali existentes por equipamentos novos.
vv) Até à reabertura da loja pela Requerida, a principal queixa dos Requerentes prendia-se com os ruídos provocados pelos porta paletes.
ww) A partir da reabertura da loja pela Requerida, começaram a ser perfeitamente audíveis na casa dos Requerentes, especialmente nas zona dos quartos, dia e noite, ininterruptamente, os barulhos provocados pelos condensadores e pelos compressores colocados na chamada casa das máquinas.
xx) O volume de tais ruídos impedia os elementos do agregado familiar dos Requerentes de dormir e de repousar durante a noite, havendo noites em que, conseguindo adormecer já tardiamente, fruto do cansaço, acordavam pelas 2h00, 3h00, 4h00, 5h00 ou 6h00, muito dificilmente conseguindo voltar a adormecer.
yy) Não obstante o horário de abertura ao público da loja ser às 9h00, a “atividade” dos funcionários da Requerida passou a iniciar-se muitas vezes antes das 6h00, pelas 6h00, pelas 6h15, pelas 6h45, e sempre um pouco antes das 7h00, passando, desde então, a ser perfeitamente audíveis na fração dos Requerentes, com especial incidência nos quartos de dormir, os ruídos provocados pelos tacões dos sapatos dos funcionários quando chegavam à loja, pelas conversas em alta voz que não se inibiam de fazer, pela lavagem de materiais, designadamente metálicos, pelo transporte de mercadorias através dos porta-paletes, pelo arrastar de mercadorias no chão, e pela queda de mercadorias no chão, prolongando-se os ruídos provocados pelo manuseamento das mercadorias, designadamente pelos porta paletes, durante todo o dia, até ao encerramento, e não raras vezes até às 22h00, 23h00 ou mais tarde, facto este que estava associado à circunstância de a Requerida, ao longo do dia, efetuar, pelo menos, cinco descargas de mercadorias, através de camiões que para o efeito estacionam na rua, quase em frente ao n.º … (que é a entrada dos Requerentes), nos moldes retratados na foto que se encontra junta a fls. 128.
zz) Passou ainda a ser audível na casa dos Requerentes o som emitido pelo altifalante interno, que os funcionários da Requerente utilizavam para comunicarem entre eles, normalmente para chamarem alguém à “frente de loja”, e que muitas vezes era acionado muito antes da hora de abertura do estabelecimento ao público, bem como o ruído provocado pelos aparelhos de ar condicionado colocados no interior do estabelecimento da Requerida.
aaa) Os Requerentes, de imediato, foram dando conhecimento dos aludidos ruídos, quer à Requerida, na pessoa dos seus responsáveis, nomeadamente na pessoa do gerente da loja, Sr. G…, quer ao administrador do condomínio, quer à competente autoridade policial, quer ainda à competente autoridade administrativa.
bbb) A par das interpelações verbais e telefónicas que os Requerentes de imediato fizeram junto do aludido gerente da Requerida, logo no dia 03/02/2014, pelas 21h23, poucos dias após a reabertura da loja pela Requerida, o Requerente enviou ao administrador do condomínio o email cuja cópia se encontra junta a fls. 129, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor I…
Pelo presente venho informar que, nesta data, procedi à transferência da quantia de € 192,18 para pagamento da minha comparticipação nas despesas do condomínio (1º trimestre de 2014), solicitado na carta de V. Exa. de 30/01/2014, e para o NIB nela indicado.
Aproveito ainda a oportunidade para informar V. Exa. que continuo a ser “vítima” dos ruídos e barulhos provocados pelo “D…”, não obstante as obras levadas a cabo nos últimos dias, e mau grado o signatário, no início das mesmas, ter apelado pessoalmente ao Sr. G…, gerente da loja, para que aproveitassem a realização de tais obras no sentido de eliminarem de vez os ruídos (principalmente os provocados pelo transporte das paletes dentro da loja). Porém, de nada valeram tais apelos, pois que tudo se mantém igual, sendo impossível, por exemplo, descansar um pouco mais aos fins de semana, dado que a actividade começa bem cedo, por vezes muito antes das 7H00.
Obviamente que estas entidades, com a sua actividade, visam o lucro. Porém, não lhes é lícito fazê-lo a qualquer preço, muito menos numa clara violação ao direito ao repouso, ao silêncio, e ao bem estar dos demais condóminos.
Ainda a propósito das referidas obras, foi absolutamente lamentável o que se passou nas últimas semanas, com ruídos permanentes, quer de dia, quer pela noite dentro, num absoluto desrespeito pela lei e pelo Regulamento do Condomínio, num total desprezo pelas pessoas, principalmente dos moradores destes blocos. Aliás, na véspera da reabertura da loja, não se coibiram de trabalhar durante toda a noite, fazendo todo o tipo de ruídos, não deixando as pessoas do meu agregado familiar “pregar olho”, o que fez até com que a minha filha, cerca da 1H30 (da madrugada), tivesse ido à loja reclamar pessoalmente dos barulhos que estavam a fazer. Se calhar fiz mal em não ter chamado a polícia, como ponderei fazer.
E o desprezo e o abuso destas pessoas é tal, que, desde há uns tempos a esta parte, se dão ao luxo (numa clara violação do Regulamento do Condomínio em vigor), de ocupar a galeria (e não são os únicos a fazê-lo), utilizando-a para depósito de mercadorias, de paletes, de pilhas de cartões velhos e outros objectos. Ainda no dia de ontem, por exemplo, estiveram ali em depósito, durante todo o dia, várias paletes e duas pilhas de cartão velho do “D…”, como que a servir de “cartão de visita” para os moradores do …, obrigando até as pessoas a terem que se desviar para poderem aceder às suas habitações. E já para não falar da verdadeira sujeira e degradação que o pavimento da galeria apresenta, principalmente na área circundante ao armazém do “D…”, e obviamente fruto do desgaste provocado pelos porta paletes nas cargas e descargas.
Pelo exposto, solicito que V. Exa. tome as providências que repute necessárias tendentes ao cumprimento da lei e do Regulamento em vigor, de molde a que, de uma vez por todas, se ponha termo a este permanente desgaste físico e psicológico provocado pelas mencionadas situações, que já duram há tempo demasiado, e que, na perspectiva do signatário, não podem continuar impunes.
Com os melhores cumprimentos.
B…”.
ccc) No dia seguinte, 04/02/2014, pelas 22h37, o Requerente enviou novo email ao aludido administrador do condomínio, cuja cópia se encontra junta a fls. 130, no qual afirmou o seguinte:
“Exmo. Senhor I…
Na sequência do meu email de ontem, venho informar V. Exa. que, no dia de hoje, pelas 6H15 (sim, pelas 6H15 da manhã), as pessoas do meu agregado familiar foram abruptamente acordadas pelos ruídos provocados pelo porta-paletes e pelo arrastar de mercadorias no “D…”. De imediato telefonei ao Sr. G…, para o seu telemóvel (forneceu-me, no Verão passado, o respectivo número, quando lhe fiz uma reclamação por causa do ruído provocado pelo ar condicionado), mostrando a minha total indignação pela situação em causa, e pela total falta de respeito e de consideração pelo direito ao repouso e ao descanso dos outros, e avisando-o que, futuramente, passarei a chamar a polícia.
Fica aqui este meu registo, para que V. Exa., tal como referi na minha missiva de ontem, tome as providência que entender, caso entenda fazê-lo.
Com os melhores cumprimentos.
B…”.
ddd) A esses dois emails do Requerente, respondeu, pela mesma via, o administrador do condomínio, em 06/02/2014, pelas 19h10, nos seguintes termos:
“Boa tarde Exº Sr. Dr. B…:
Relativamente aos problemas expostos tenho a informar o seguinte: Quando tive conhecimento do início das obras, logo nos primeiros dias de janeiro, solicitei de imediato a resolução do problema do porta paletes no interior da loja, o qual passa pelo isolamento de toda a superfície com o material igual ao do corredor já existente; aliás, já há anos, que se tinham comprometido a fazê-lo. Entretanto, ontem, comuniquei ao responsável (Dr. E…) pelas lojas da zona norte, a situação que o Sr. Doutor me descreveu bem como a passada na madrugada de ontem. O Dr. E… garantiu-me que tal situação não se voltaria a repetir, embora, pessoalmente, não acredito muito. Se não fosse muito incómodo solicitava-lhe o favor de, sempre que sentisse o ruído do porta paletes ou outro, me comunicasse.
No que diz respeito à ocupação da galeria a promessa foi a mesma embora, já no sábado passado de manhã, lhe tivesse ligado a dar conta da situação a qual se manteve todo o dia e no domingo, aliás conforme o Sr. Dr. a descreveu.
Quanto ao piso da galeria vai ser substituído, logo que o tempo o permita, em toda a zona do ….
Informo ainda que está a ser preparada, por um Advogado, uma exposição para enviar à administração do D… de forma a resolver os problemas definitivamente, pelo que aproveito para perguntar se me permite fazer uso dos seus e:mails, para esse fim.
Com os meus cumprimentos.
I…”, conforme documento junto a fls. 131.
eee) Nesse mesmo dia 06/02/2014, pelas 21h06, o Requerente respondeu ao administrador do condomínio, novamente pela mesma via, nos termos que se transcrevem:
“Exmo. Senhor I…
Boa noite.
Agradeço a pronta resposta de V. Exa. aos meus emails.
Dela ressaltando que, afinal, também V. Exa., no início das obras, fez diligências junto do “D…” no que concerne ao isolamento do piso da loja, de molde a resolver os problemas existentes relacionados com os ruídos provocados pelo porta paletes.
Porém, como se vê, a realidade demonstra que a vontade daquela Entidade está longe de corresponder às manifestações de compreensão e de boa vontade que os seus responsáveis revelam ter quando pessoalmente confrontados com o assunto.
Ora, como V. Exa. bem sabe, os problemas em causa duram já há cerca de 17 anos (basta ler as actas das assembleias de condomínio nas quais, salvo erro, com excepção da deste ano, invariavelmente abordam esta problemática), afigurando-se-me que aquela Entidade age deste modo porque está convicta de que nada lhe acontece, que pode violar a lei e o Regulamento do Condomínio a seu bel-prazer, que o seu poder económico tem mais valor que o direito dos outros, designadamente que se sobrepõe aos direitos de personalidade (consubstanciados, além do mais, no direito ao repouso, ao descanso e ao silêncio) dos condóminos deste edifício, em especial dos residentes nos primeiros andares, contando, certamente, que os pode vencer pelo cansaço...! Nestas circunstâncias, agradeço e peço o empenho de V. Exa. junto dos responsáveis do “D…” no sentido de, definitivamente, passarem a cumprir a lei e o Regulamento do Condomínio, na certeza de que, pela minha parte, e no imediato, passarei a chamar a polícia sempre que as situações que relatei se voltem a repetir, assumindo, então, cada um as suas responsabilidades.
Obviamente que, como solicitado, relatarei de imediato a V. Exa. situações de reincidência por banda daquela Entidade.
Autorizando desde já V. Exa., evidentemente, a fazer uso dos meus e:mails para os fins em causa.
Com os melhores cumprimentos.
B…”, conforme documento junto a fls. 132.
fff) No dia 10/02/2014, pelas 20h16, o Requerente dá a conhecer ao administrador do condomínio a continuação dos ruídos por parte da Requerida, nos termos do email que se encontra junto a fls. 133 e que se transcreve:
“Exmo. Senhor I…
Conforme solicitado anteriormente, venho informar V. Exa. que, no passado sábado, dia 08/02/2014 (como, aliás, referi pessoalmente nesse dia a V. Exa. aquando do incidente na garagem -2 com o jeep de um condómino), os habituais ruídos e barulhos do “D…” começaram pelas 6H30. E no dia de hoje, dia 10/02/2014, começaram exactamente às 6H30. Escusado será dizer que, depois disso, fui forçado a levantar-me, pois não consegui dormir nem mais um minuto...!
Aproveito, ainda, para informar que o “D…” continua a utilizar a galeria a seu bel prazer. Com efeito, ainda à pouco cheguei a casa, cerca das 18H45, e deparei-me com duas pilhas de paletes depositadas na galeria, sendo certo que os funcionários daquela entidade não estavam a efectuar quaisquer trabalhos de carga e/ou de descarga, estando a porta do armazém completamente fechada. Aliás, segundo me informou a minha mulher, tais paletes estavam ali pelo menos desde as 16H50, altura em que ela chegou a casa.
Envio em anexo duas fotos que eu mesmo colhi da situação em causa, uma pelas 18H51, e a outro pelas 18H56, bem como outras três fotos, tiradas no dia 06/02/2014 e no dia 07/02/2014, que retratam situações similares, de ocupação manifestamente abusiva e violadora do Regulamento do Condomínio.
Com os melhores cumprimentos.
B…”.
ggg) No dia 14/02/2014, pelas 20h31, o Requerente envia ao administrador do condomínio novo email com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor I…
Venho dar nota de que os barulhos do D… continuam, logo pela manhã cedo, e não só.
Bem como a ocupação da galeria, como o atestam as fotos tiradas nos dias 11 e 12 de Fevereiro de 2014.
Com os melhores cumprimentos.
B…”, conforme documento junto a fls. 134.
hhh) Atualmente, não se verifica qualquer ocupação da galeria, como a descrita.
iii) No dia 17/02/2014, pela 01h43, o Requerente, através do seu telemóvel com o n.º ………, enviou ao gerente da Requerida, Sr. G..., para o telemóvel deste com o n.º ………, um SMS com o seguinte teor:
“Sr. Gerente: já passa da uma hora e meia da madrugada e em minha casa não se consegue dormir por causa do ruído provocado pela maquinaria (talvez câmaras frigorificas) do v/estabelecimento. Agradeço medidas urgentes com vista à resolução deste grave problema. B…-…, primeiro esquerdo", conforme documento junto a fls. 135 a 138, contendo as mensagens SMS trocadas entre o Requerente e o mencionado gerente da Requerida, Sr. G….
jjj) Com a manutenção dos aludidos ruídos, o Requerente viu-se forçado a chamar a Polícia de Segurança Pública, pelas 06h45 desse mesmo dia 17/02/2014, tendo-se deslocado ao local dois agentes da Esquadra …, Porto.
kkk) Chegados à habitação dos Requerentes, os agentes em causa elaboraram a Participação com o NPP …../2014, da qual se encontra junta certidão a fls. 139 a 143, nela constando expressamente o seguinte:
“À data e hora mencionadas, no exercício das minhas funções, desloquei-me à residência de Sr. B… (participante), onde este me comunicou que desde as 06h15, do estabelecimento descrito como local da ocorrência, o qual se situa por baixo da sua habitação, provém barulho, nomeadamente provocado por maquinaria, coisas a bater e a ser arrastadas, impedindo o seu normal descanso, bem como o descanso dos seus familiares ali residentes.
De seguida e após ter confirmado na residência do participante o ruído descrito, dirigi-me ao estabelecimento em causa, o qual ainda se encontrava encerrado ao público, onde contactei com o seu responsável, Sr. G…, sendo informado da reclamação de ruído proveniente daquele espaço, tendo o mesmo dito que normalmente os trabalhos só começam às 07H00, mas hoje por motivos de inventário começaram às 06h00, desconhecendo que estariam a incomodar alguém, mas que iria tomar medidas para minimizar o barulho produzido”.
lll) Da vinda daquela entidade policial à casa dos Requerentes foi pelo Requerente dado conhecimento ao administrador do condomínio nesse mesmo dia, quer telefonicamente, quer através do email que lhe remeteu pelas 20h51, cuja cópia se encontra junta a fls. 144, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor I…
Na sequência da nossa conversa telefónica de há pouco, venho confirmar que na madrugada que passou, pelas 1H30, ainda não se conseguia dormir em minha casa, face aos ruídos provocados pela maquinaria (frigoríficos., pela avaliação que faço) do D…. Mandei um SMS ao Sr. gerente da loja a manifestar e a dar conta da situação, e bem assim a solicitar resolução urgente deste assunto. Até esta hora não se dignou responder-me, e não creio que o irá fazer. O que demonstra o total desprezo desta entidade pelas pessoas vítimas das suas atitudes.
E para agravar a situação, pelas 6H15 começaram uma vez mais os barulhos matinais, com arrastar de mercadorias, com os porta paletes, etc.. Finalmente vi-me forçado a chamar a polícia, tendo-se deslocado a minha casa dois Srs. Agentes da P.S.P. de …, que entraram em minha casa e constataram pessoalmente os ruídos. Informaram-me que iriam elaborar participação, da qual irei requerer uma certidão dentro de dias no Comando Geral, remetendo posteriormente uma cópia a V. Exa. para os devidos efeitos.
Com os melhores cumprimentos.
B…”.
mmm) No dia 18/02/2014, o gerente da Requerida telefonou ao Requerente solicitando a vinda a casa dos Requerentes de um técnico para medir os níveis de ruído.
nnn) O Requerente respondeu afirmativamente à pretensão do gerente da Requerida, tendo ainda dado conhecimento desse facto ao administrador do condomínio, o que fez telefonicamente.
ooo) Nesse dia 18/02/2014, cerca das 22h30, compareceu na casa dos Requerentes o dito gerente da Requerida, Sr. G…, acompanhado de um engenheiro de ruído, o qual fez vários testes, nos três quartos da casa, direccionados ao impacto provocado pelos condensadores e equipamentos existentes na casa das máquinas da loja, na habitação dos Requerentes, obtendo 27 dcbs, para os primeiros e 25 dcbs, para os segundos, conforme documento junto a fls. 228, tendo ambos abandonado a casa dos Requerentes cerca de uma hora depois.
ppp) No dia 22/02/2014, pelas 08h23, o Requerente remeteu ao administrador do condomínio, o email cuja cópia se encontra junta a fls. 145, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor I…
Infelizmente, apesar das promessas do Sr. gerente do D…, reiteradas quando veio a minha casa no passado dia 18/02/2014, pelas 22H00, acompanhado de um Sr. Engº de ruído (altura em que confirmaram a existência dos ruídos provocados pelas máquinas de refrigeração...), de que iriam resolver os problemas, o certo é que os barulhos provocados pela movimentação de mercadoria, com os porta paletes, continuam.
Assim, no dia 19/02/2014 começaram pelas 7H25, no dia 21/02/2014 começaram pelas 7H20, e hoje, sábado, começaram exactamente às 7H00 (por isso estou e remeter este email a esta hora...), acordando todas as pessoas do meu agregado familiar.
É lamentável que nem ao fim de semana se possa descansar mais um pouco.
A situação está a tornar-se insustentável.
No passo dia 21/02/2014 V. Exa. referiu-me que estaria à espera de uma carta de um responsável do D… a dar conta das diligências que iriam fazer para solucionar os problemas, pelo que agradeço que, com urgência, me informe da evolução do assunto, quando tal acontecer.
Com os melhores cumprimentos.
B…”.
qqq) Ao mesmo tempo que continuava a “queixar-se” ao gerente da Requerida, como sucedeu no dia 26/02/2014, através da mensagem SMS que lhe remeteu pelas 07h43, com o seguinte teor:
"Sr. Gerente: venho alertar para o facto de persistirem os ruídos provocados pela maquinaria do vosso estabelecimento, impedindo as pessoas de dormir. O mesmo sucedendo com a movimentação de mercadorias manhã cedo. A situação está a tornar-se insustentável. B…", conforme documento junto a fls. 135 a 138.
rrr) A tal mensagem do Requerente respondeu o gerente da Requerida, pelas 07h49, dizendo o seguinte:
“Peco desculpa mas hoje até ao momento ouviu barulho de mercadoria?
Necessito da informação para poder ajudar.
Obrigado. G…", conforme documento junto a fls. 135 a 138, replicando o Requerente, pela mesma via, pelas 09H19 desse mesmo dia 26/02/2014, nos seguintes termos:
“Obviamente que sim. Hoje e praticamente todos os dias. Mas sinceramente estou a ficar farto deste tipo de conversa, tudo me levando a crer que os senhores não estão minimamente interessados em resolver os problemas em causa..."
sss) No dia 27/02/2014, pelas 12h17, o administrador do condomínio remeteu ao Requerente o email cuja cópia se encontra junta a fls. 146, a dar conta de que a Requerida estava a fazer obras desde a passada segunda-feira tendentes a resolver os problemas dos ruídos, que as mesmas ficavam concluídas nesse dia, e que lhe haviam marcado um encontro na loja, para esse dia, pelas 19h30, para mostrarem o que foi feito, solicitando ainda a presença do Requerente em tal reunião.
ttt) Como o Requerente já tinha um compromisso previamente agendado para esse dia à noite, deu conhecimento telefónico desse facto ao administrador do condomínio, tendo o mesmo respondido que iria tentar marcar outro dia.
uuu) No dia seguinte, 28/02/2014, pelas 18h56, o administrador do condomínio remeteu ao Requerente o email cuja cópia se encontra junta a fls. 147, nos seguintes termos:
“Boa tarde Senhor Doutor.
Os senhores do D… amanhã nem domingo não têm disponibilidade.
Poderia ficar para segunda feira às 19,30H?
Cumprimentos.
I…”, tendo o Requerente respondido, pela mesma via, pelas 10H40 do dia 01/03/2014, nos seguintes termos:
“Sr. I…
Peço desculpa de só agora estar a responder-lhe, mas ontem cheguei a casa bastante tarde.
Por mim, a reunião pode realizar-se na segunda-feira, pelas 19H30.
No entanto, a ser verdade que foram feitas obras e que estão a implementar medidas para resolver os problemas pendentes, o resultado das mesmas não é minimamente detectável em minha casa. Pois ainda esta madrugada, uma vez mais, foi difícil dormir por causa dos ruídos das máquinas, e de manhã cedo o barulho das descargas e movimentação de mercadoria com os porta paletes parecia um autêntico bombardeamento...!
Cumprimentos.
B…”, conforme documento junto a fls. 148.
vvv) Pelas 06h57 do dia 28/02/2014, o Requerente enviou ao gerente da Requerida nova mensagem SMS, a dar conta da persistência dos ruídos, nos seguintes termos: “Sr. Gerente: Apenas para informar que desde as 5 horas de hoje não mais se conseguiu dormir em minha casa por causa dos ruídos provocados pela v/maquinaria.
Apenas posso concluir que a/actuação é propositada. Não deixarei de os responsabilizar...
B…", conforme documento junto a fls. 135 a 138.
www) Face às queixas apresentadas, na última semana do mês de fevereiro de 2014 e com vista a impedir a propagação de quaisquer ruídos ou vibrações, procedeu-se a uma intervenção nos referidos condensadores, melhorando-se o respetivo sistema antivibrático, com alteração da fixação dos suportes à parede, e procedeu-se à verificação de toda a tubagem da ligação dos condensadores, aos equipamentos da casa das máquinas, por forma a que essa ligação não tocasse em qualquer estrutura ali existente.
xxx) No dia 03/03/2014, pelas 10h27, o administrador do condomínio remeteu ao Requerente o email cuja cópia se encontra junta a fls. 149, a confirmar a reunião na loja da Requerida para as 19h30 desse dia.
yyy) Pelas 19h30 desse dia 03/03/2014, ocorreu uma reunião na loja da Requerida, na qual estiveram presentes o Dr. E…, um responsável pelas obras da Requerida, o engenheiro do ruído que esteve em casa dos Requerentes no dia 18/02/014, o administrador do condomínio, o Requerente, e um irmão do Requerente, Advogado, o subscritor da presente peça processual.
zzz) Em tal reunião o Requerente, de viva voz, reiterou aos responsáveis da Requerida os problemas atinentes aos ruídos do estabelecimento, tendo aqueles dado garantias de que iriam resolvê-los, solicitando nova vinda a casa dos Requerentes na sexta-feira seguinte, pela 01h00, com vista à realização de novos testes de ruído, ao que o Requerente prontamente anuiu.
aaaa) No dia 07/03/2014, o aludido engenheiro de ruído, ao serviço da Requerida, deslocou-se a casa dos Requerentes, pela 01h00, desta feita acompanhado pelo administrador do condomínio, Sr. I…, tendo ali ambos permanecido até às 3h00, e constatando todos que os ruídos dos equipamentos da casa das máquinas e dos condensadores situados fora delas eram audíveis em todos os quartos da habitação.
bbbb) Não obstante tais medições (cujos resultados a Requerida não facultou ou deu a conhecer aos Requerentes), os ruídos continuavam a fazer-se sentir em casa dos Requerentes, circunstância que o Requerente continuava a relatar ao gerente da Requerida, como sucedeu com o SMS que no dia 10/03/2014, pelas 06h15, lhe enviou, com o seguinte teor:
“É lamentável o que os senhores continuam a fazer. Como se não bastassem os ruídos das máquinas durante toda a noite, começam com a movimentação de mercadorias a esta hora...! B…”, conforme documento junto a fls. 135 a 138, bem como ao administrador do condomínio, conforme email que nesse mesmo dia 10/03/2014, pelas 06H48, lhe remeteu, nos seguintes termos:
“Exmo Senhor I…
Como se não bastasse uma noite pessimamente mal dormida por virtude dos continuados ruídos da maquinaria (como à saciedade se constatou na visita que o Sr. Engº de ruido ao serviço do D… fez a minha casa na madrugada da passada sexta-feira, na companhia de V. Exa.), os funcionários da loja não se inibem de continuar a sua saga, tendo começado hoje a actividade exactamente pelas 6H00, com a movimentação de mercadorias e com vozearias entre eles.
Enviei um MS ao S. Gerente a dar conta da minha indignação, o qual, porém, face aos antecedentes, pouco ou nenhum efeito terá.
Assim sendo, solicito a V. Exa. o favor de dar conhecimento desta lamentável situação ao superior destes senhores (Dr. D…?) para que, querendo, tome as providências necessárias para acabar de uma vez com isto...!
Como é evidente, a estas horas da manhã ainda deveria estar a dormir (bem como as demais pessoas do meu agregado familiar...), o que infelizmente não acontece.
Obrigado.
B…”, conforme documento junto a fls. 150.
cccc) A esse email do Requerente respondeu, pela mesma via, o administrador do condomínio, em 19/03/2014, pelas 17h14, nos seguintes termos:
“Boa tarde Sr. Dr. B….
Antes de mais peço desculpa de só agora estar a dar informação sobre o problema do D…, mas só ontem consegui falar com o Dr. E… que, posteriormente, me enviou o E: mail que reencaminho.
Na conversa, fui informado que já estão a decorrer obras para resolver a situação, as quais decorrerão em cinco etapas. A meio dos trabalhos irão solicitar autorização para fazer novas medições em casa do Sr. Doutor.
Também fiquei a saber que os porta-paletes ainda não foram substituídos, por incumprimento do fornecedor, mas estavam à espera de, a todo o momento, os receber.
Logo que saiba mais pormenores de imediato os comunicarei.
Melhores cumprimentos.
I…”, conforme documento junto a fls. 151.
dddd) O email do Dr. E…, a que o administrador do condomínio alude, datado de 19/03/2014, pelas 04h13, tem o seguinte teor:
“Boa noite Exmo Sr. I…,
Na sequência do contacto de ontem, gostaria de o informar que continuamos a tomar diligências de modo a suprimir os assuntos referidos por V. Exa.
Cumprimentos
E…”, conforme documento junto a fls. 151.
eeee) Os “problemas” persistiam, tendo o Requerente interpelado diretamente, via email, aquele alto responsável da Requerida, através do email que lhe remeteu pelas 06h58 do dia 25/03/2014, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor Dr. E…
Como V. Exa. pode constatar, são neste momento de 6H55 da manhã, e infelizmente não consigo dormir desde há mais de uma hora e meia, por causa dos ruídos provindos do v/estabelecimento.
Por isso, aproveito a ocasião para me dirigir a V. Exa., através deste meio, na sequência do email de 19 de Março de 2014, do Sr. Administrador do Condomínio, Exmo. Sr. I…, em que me dava conta do email de V. Exa. da mesma data, no qual o informava “que continuamos a tomar diligencias de modo a suprir os assuntos referidos por V. Exa.”.
Ora, dado que continuam por resolver os problemas que tive a oportunidade de relatar a V. Exa. na reunião ocorrida no passado dia 3 de Março de 2014, não obstante os contínuos alertas sobre o assunto (ainda ontem ao fim da tarde a minha mulher falou pessoalmente com o Sr. G…, gerente da loja, a dar conta dos ruídos provocados com descargas e movimentação de mercadoria na sexta feira, até às 20H45, e bem assim durante todo o fim de semana), solicito que V. Exa., com a maior brevidade, me informe qual o prazo que reputa de suficiente para solucionar definitivamente tais problemas, e que relembro:
- ruídos provocados pelas câmaras de refrigeração, compressores e/ou casa das máquinas;
- ruídos provocados pelos v/funcionários, designadamente com cargas e descargas, com movimentação de mercadorias, com lavagem de materiais, etc., muitas vezes a partir das 6H00, como ocorreu por exemplo no dia de ontem, e que se prolongam por todo dia, impedindo que, pelo menos ao fim de semana, as pessoas do meu agregado familiar possam descansar mais um pouco;
- ruídos provocados pelo aparelho sonoro através do qual são chamados assiduamente funcionários (às caixas, à frente de loja, etc.), e que continua a ouvir-se em minha casa, não obstante a promessa que V. Exa. fez na aludida reunião de que iria resolver de imediato esse problema.
Ficando a aguardar, apresento os melhores cumprimentos.
B…”, conforme documento junto a fls. 152.
ffff) Aquele responsável da Requerida não respondeu ao Requerente, acerca das questões suscitadas.
gggg) A Requerida solicitou, através do administrador do condomínio, nova vinda a casa dos Requerentes com vista à realização de novas medições de ruído, nos termos do email que, no dia 27/03/2014, pelas 16h16, aquele remeteu ao Requerente, nos seguintes termos:
“Boa tarde Sr. Dr. B….
Foi-me comunicado, em conversa telefónica, da minha iniciativa, pelo Dr. E…, que as alterações tendentes a resolver o problema do ruído já estão concluídas. Por outro lado, também já foram trocados os porta paletes. Entretanto, ficaram-me de ligar para se combinar novas medições em casa do Sr. Doutor, pelo que voltarei ao contacto para se efectuar a marcação de acordo com a Sua conveniência.
Agradecia que o Sr. Doutor me comunicasse se os problemas estão resolvidos ou se ainda persistem.
Com os meus cumprimentos.” I…”, conforme documento junto a fls. 153.
hhhh) Os Requerentes não se opuseram à pretendida medição.
iiii) A única alteração que os Requerentes notaram foi uma ligeira diminuição nos ruídos provocados pela maquinaria (câmaras de refrigeração e compressores) do estabelecimento da Requerida.
jjjj) Após marcação prévia, no dia 01/04/2014, deslocou-se novamente a casa dos Requerentes o já mencionado engenheiro de ruído, que se fez acompanhar de um engenheiro de máquinas, tendo ali permanecido desde as 22h00 até às 00h15.
kkkk) Nas medições efetuadas, detetou-se uma redução do nível do ruído provocado pelos condensadores, situados fora da casa das máquinas, para 23 dcbs, obtendo 22 dcbs para os equipamentos da casa das máquinas.
llll) O Requerente marido indicou, na altura, que o ruído daqueles equipamentos se encontrava muito melhor.
mmmm) Aqueles resultados e a confirmação do Requerente marido daquela melhoria convenceram os representantes da Requerida de que a situação, por ali, estaria substancialmente resolvida, convencimento, aliás, apoiado pela cessação das queixas dos Requerentes, quanto aos mesmos.
nnnn) Os Requerentes solicitaram então ao mencionado engenheiro que transmitisse à Requerida para solucionar os demais problemas suscitados, designadamente os referentes aos ruídos do transporte das mercadorias dentro da loja, maxime com os porta paletes.
oooo) Após a visita do engenheiro de ruído a casa dos Requerentes, não mais a Requerida (nem o administrador do condomínio), contactou os Requerentes no sentido de lhes perguntar se os problemas estavam resolvidos.
pppp) Com a remodelação da loja operada no início de 2014, verificou-se um aumento temporário da sua atividade, resultante da necessidade de reposição de produtos, que não se verifica numa situação normal, a qual, pontualmente, impôs um acréscimo de laboração, fora do período das 7h00 às 21h00.
qqqq) Em abril de 2014, para melhorar a operação, os porta paletes existentes foram substituídos por porta paletes novos, com sistema de absorção sonora, no interior e amortecedores otimizados, para eliminar ou reduzir ruídos e vibrações.
rrrr) A Requerida faz parte do grupo “D2…” e está cotada em Bolsa, fazendo parte do PSI 20, conforme documento junto a fls. 154, extraído do site da “Bolsa de Valores”, in http://www.bolsadelisboa.com.pt/cotacoes/accoeslisboa.
ssss) O Requerente continuou a dar conhecimento ao gerente da Requerida, Sr. G…, da persistência dos ruídos, como sucedeu em 09/06/2014, através do SMS que lhe remeteu pelas 22h17, do seguinte teor:
“É inadmissível que a esta hora da noite ainda estejam a fazer ruído. Os porta paletes ecoam por toda a casa. A continuarem vou chamar a polícia", conforme documento junto a fls. 135 a 138.
tttt) Em 15/06/2014, através do SMS que lhe remeteu pelas 20h44, com seguinte teor:
"Sr. Gerente: Informo que tem sido insuportável o ruído constante e permanente do vosso ar condicionado, desde a abertura da loja até ao seu encerramento.
Infelizmente nem ao fim de semana se pode descansar em minha casa. B…", conforme documento junto a fls. 135 a 138.
uuuu) Em 02/07/2014, através do SMS que lhe remeteu pelas 22h15, com seguinte teor: "Sr. Gerente. São 22h15 e os senhores continuam a arrastar os porta paletes sem se preocuparem minimamente com o descanso dos vizinhos...", conforme documento junto a fls. 135 a 138, mensagem à qual o dito gerente da Requerida respondeu pelas 22h47 desse mesmo dia 02/07/2014, nos seguintes termos:
"Boa noite ... na medida do possível, mas não se encontra ninguém na loja desde as 21:12h, pelo que os barulhos a que hoje se refere não podem ser da nossa loja.", conforme documento junto a fls. 135 a 138.
vvvv) Os Requerentes interpelaram por mais duas vezes o gerente da Requerida, sempre através via SMS, uma, em 03/07/2014, pelas 17h34, nos seguintes termos:
"Sr. Gerente. É insuportável estar em casa com o ruído do vosso ar condicionado.
Ou o desligam ou vou chamar a polícia. B…", conforme documento junto a fls. 135 a 138, e a última no dia 21/07/2014, pelas 12h06, nos seguintes termos:
"Sr. Gerente: agradeço desliguem o ar condicionado pois é impossível estar em minha casa com o mínimo de sossego por causa do ruído que provoca. Os senhores continuam a agredir constantemente o direito dos outros ao sossego e ao bem estar, pois que se mantêm todos os problemas que tenho reportado desde que fizeram as obras, em Janeiro último. B…", conforme documento junto a fls. 135 a 138.
wwww) A Requerida não respondeu às mensagens do Requerente.
xxxx) No dia 10/03/2014, o Requerente, através do site da Câmara Municipal …, apresentou a esta Autarquia reclamação dando conta dos ruídos provocados pela Requerida no seu estabelecimento, conforme email junto a fls. 155, que a Diretora Municipal de Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos daquela Autarquia remeteu ao Requerente, pelas 18h16 do dia 31/03/2014, nos seguintes termos:
“Assunto: Pedido de intervenção relativa à incomodidade sonora resultante do arrastar de mercadorias, do porta-paletes, das câmaras frigoríficas e/ou aparelho de compressão do Supermercado D…, sito à Rua …, …-…
Sobre o assunto referido em epígrafe, cumpre-nos informar que estes serviços recepcionaram cópia do pedido de certidão de participação policial com registo Nud: …../14/CM… de 19/03/2014, bem como cópia do pedido de intervenção com registo Nud: …../14/CM… de 11/03/2014 relativo a reclamação apresentada por V. Exª, relacionada com o ruído proveniente das actividades e equipamentos do estabelecimento supra citado.
Depois da análise da exposição de V. Exa, estes serviços procederam à notificação do supermercado D… para diligenciarem medidas de minimização de ruído.
Caso esta diligência não resulte na cessação do ruído, a Divisão Municipal de Gestão Ambiental entrará em contacto com V. Exa de forma a promover a despistagem necessária à verificação do cumprimento dos limites sonoros constantes na alínea b), ponto 1 do artigo 13 do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro e, nesta medida dar seguimento do processo de reclamação.
Face ao exposto, qualquer esclarecimento adicional, deverá ser solicitado junto da Divisão Municipal de Gestão Ambiental/Núcleo do Ruído – n.º de telefone:………
Com os melhores cumprimentos.
A Diretora Municipal de Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos (N…, Dr.ª)”.
yyyy) Face à ausência de qualquer evolução positiva sobre o assunto, no dia 15/04/2014, pelas 21h17, o Requerente enviou àquela entidade o email cuja cópia se encontra junta a fls. 156 e 157, com o seguinte teor:
“Exmos Senhores
Dado o lapso de tempo decorrido, agradeço me informem do ponto da situação acerca deste assunto, e designadamente quanto à data e local para levantamento da certidão que requeri.
Com os melhores cumprimentos.
B…”.
zzzz) Aquela entidade respondeu, pela mesma via, no dia 30/05/2014, pelas 12h43, nos seguintes termos:
“De forma a dar seguimento à instrução do processo de reclamação relativa ao assunto em epigrafe, e em resposta ao e-mail enviado por V.Exa a 16/04/2014 com registos nestes serviços com Nud: …../14/CM…, vimos pelo presente solicitar informação relativa à persistência do ruido e se foram detectadas alterações no mesmo para eventual intervenção.
Caso se verifique a persistência do mesmo queira V. Exa confirmar, o período e horário de maior incomodidade.
Solicita-se ainda a confirmação do levantamento da certidão requerida por Vs. Exa, e se a mesma se encontrava em conformidade com o solicitado.
Face ao exposto, solicita-se a melhor colaboração de Vossas Exas. para obtenção da informação supra citada no prazo de 10 dias úteis após receção deste e-mail.
Com os melhores cumprimentos.
A Diretora Municipal de Proteção Civil, Ambiente e Serviços Urbanos (N…, Dr.ª)”, conforme documento junto a fls. 158.
aaaaa) A esse pedido respondeu o Requerente, também pela mesma via, no dia 01/06/2014, pelas 17h07, nos seguintes termos:
“Exmos Senhores
Embora um pouco mais atenuado, o ruído persiste. Durante toda a noite ainda se ouve o ruído provocado pelas câmaras frigoríficas e/ou aparelhos de compressão.
Amiúde as pessoas do meu agregado familiar acordam pelas 4H00 e 5H00 com tal ruído, sendo difícil voltar a adormecer.
E também o ruído provocado pelo arrastar de mercadorias e/ou do porta-paletes se mantém. Ainda nesta manhã, domingo, pouco passava das 6H30, começou tal “actividade”.
Aproveito para informar que, efectivamente, procedi ao levantamento da certidão requerida, o que sucedeu no passado dia 21 de Maio de 2014, estando a mesma em conformidade com o solicitado.
Agradecendo, uma vez mais, os bons ofícios de V. Exas. no sentido de, definitivamente, se pôr cobro a esta situação, que se está a reflectir no estado de saúde dos elementos do meu agregado familiar, apresento os melhores cumprimentos.
B…”, conforme documento junto a fls. 159 e 160.
bbbbb) Até ao momento, a mencionada entidade nada mais comunicou ao Requerente acerca do assunto.
ccccc) Os problemas subsistiram.
ddddd) A fração dos Requerentes é composta, além do mais, por 3 quartos, situados na parte Nascente do edifício, conforme se alcança da planta que se encontra junta a fls. 161, na qual se assinala a mencionada fração delimitada a cor de laranja, bem como os aludidos quartos, assinalados na mesma planta a zebrado verde, quartos esses que se localizam por cima da zona do estabelecimento da Requerida onde esta tem colocado um aparelho de ar condicionado.
eeeee) Os Requerentes ocupam o quarto assinalado com 17,5 m2, e a filha de ambos o quarto ali assinalado com 15,5 m2.
fffff) As máquinas de refrigeração e os compressores colocados no estabelecimento da Requerida, que funcionam ininterruptamente, libertam um ruído incomodativo para os Requerentes e para a sua filha.
ggggg) À data da entrada da presente providência em juízo, a incomodidade gerada por aquele ruído das máquinas em funcionamento provocava perturbações, durante a noite, no sono dos Requerentes e de sua filha, afetando-lhes o sossego e a qualidade de vida, quer de noite, quer de dia, quer durante a semana, quer durante os fins de semana e feriados, o mesmo sucedendo com as demais fontes de ruído provocadas pela Requerida no seu estabelecimento, como sejam os ruídos produzidos pelos aparelhos de ar condicionado, pelos tacões dos sapatos dos funcionários quando chegam à loja manhã cedo, pelas conversas em alta voz, pela lavagem de materiais, pelo transporte de mercadorias através dos porta-paletes, pelo arrastar de mercadorias no chão, pelo pousar de mercadorias e outros objectos no chão e pelo altifalante interno.
hhhhh) Tais ruídos, pela sua intensidade e constância, tornavam extremamente desagradável, incomodativa, irritante e cansativa a permanência dos Requerentes em sua casa, especialmente na zona dos quartos.
iiiii) O Requerente é Juiz de Direito, funções que nos últimos 10 anos exerceu no Círculo Judicial da Maia, conforme documento junto a fls. 162, retirado do site do Conselho Superior da Magistratura, in http://www.csm.org.pt/ficheiros/juizes/quadrojuizes-2013-09.pdf, estando nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura como Juiz da 2ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto a partir do dia 01/09/2014, conforme documento junto a fls. 163, retirado daquele mesmo site do CSM, in http://www.csm.org.pt/ficheiros/movimentos/movimento2014/movimentojudicial2014_definitivo.pdf.
jjjjj) A Requerente é Educadora de Infância, atividade que exerce em estabelecimento da O…, tendo habitualmente a seu cargo, em cada ano letivo, cerca de 25 crianças, com idades que oscilam entre os três e os seis anos.
kkkkk) Por virtude dessas exigentes e absorventes funções, os Requerentes necessitam de repousar, de descansar e de dormir tranquilamente, por forma a retemperarem as energias despendidas no dia a dia.
lllll) Os ruídos produzidos pela Requerida causam nos Requerentes enorme desgaste a nível físico e psicológico, vivendo os Requerentes num estado permanente de sofrimento, ansiedade e irritação, sentindo-se permanentemente cansados, por dormirem pouco, e revoltados com a situação criada pela Requerida, o que se reflete negativamente, quer nos seus locais de trabalho, quer nas relações interfamiliares.
mmmmm) A filha dos Requerentes necessita de estudar diariamente as matérias para o curso que frequenta.
nnnnn) O ruído emitido pela Requerida no seu estabelecimento, para além de lhe perturbar o descanso e o sono, afeta-lhe também a capacidade de concentração, diminuindo-lhe as suas capacidades intelectuais, tendo passado, praticamente desde finais de janeiro de 2014, a usar todas as noites tampões auditivos para minimizar os ruídos noturnos e matinais provocados pela Requerida, e tendo inclusivamente já ido dormir várias vezes a casa da avó materna, com vista a poder “pôr o sono em dia”.
ooooo) Os Requerentes mandaram proceder à “Avaliação de Incomodidade Acústica” do estabelecimento da Requerida, tendo-se socorrido do “Laboratório de Acústica” da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, tendo o mesmo efetuado os testes e medições com vista à avaliação dos mencionados ruídos, e elaborado o relatório que se encontra junto a fls. 164-179.
ppppp) Os condensadores foram transferidos do corredor, onde se encontravam, para dentro da casa das máquinas, provida de isolamento acústico.
qqqqq) O volume de som da instalação de som da loja da Requerida, foi reduzido para o mínimo possível dentro da sua finalidade.
rrrrr) O “split” de ar condicionado, existente por baixo da habitação dos Requerentes, foi desligado no passado mês de dezembro.
sssss) Recentemente, foram colocados, no armazém e vestuários da loja, avisos, destinados a sensibilizar os trabalhadores que ali prestam serviço, para a necessidade de evitar ruídos e impactos que possam ter repercussão nas habitações superiores do prédio.
ttttt) A Requerida, já depois de deduzida a oposição, procedeu:
a) Ao reforço do isolamento da casa das máquinas, com colocação do painel acústico adicional, para absorção dos ruídos;
b) Ao isolamento acústico do corredor que liga o armazém ao piso de vendas e das dependências onde se encontram os vestiários;
c) À aplicação do tapete de borracha para absorção de trepidações e ruídos, existente no armazém, no corredor que o liga à placa de vendas da loja e num dos corredores desta, a toda a zona situada em frente da padaria e charcutaria, envolvendo assim todo o piso daquela placa situado sob a habitação dos Requerentes e ainda zonas adjacentes para além dele;
d) À aplicação de canópias, nos altifalantes situados entre a charcutaria e a padaria da loja, sob a habitação dos Requerentes, para absorção do som emitido pelos mesmos, acima do teto falso.
uuuuu) Presentemente, a Requerida inicia a sua atividade com a movimentação de mercadorias, por volta das 6h50/7h00.
vvvvv) Depois de deduzido o articulado de oposição, a loja da Requerida nunca funcionou ou teve atividade para além das 22h00.
wwwww) São ainda percetíveis, pelos Requerentes, ruídos provenientes da atividade da Requerida, acordando os Requerentes, de noite, com o ruído proveniente de maquinaria, tendo depois dificuldade em voltar a adormecer, sendo ainda percetível, pelos Requerentes, o ruído proveniente da lavagem de materiais metálicos, dos porta paletes, do arrastar de mercadorias no chão e da queda de mercadorias no chão, bem como dos tacões dos funcionários quando chegam à loja, por volta das 6h45/6h50, e de conversas em voz alta.
xxxxx) A Requerida tem ao seu serviço cerca de 25 trabalhadores.

2. De direito

2.1. Da nulidade da sentença

Os recorrentes arguiram a nulidade da sentença, com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão.
O art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC dispõe que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Esta causa de nulidade reside na oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela assenta e verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Reporta-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão[2]. Ou seja, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”[3].
Porém, como esclarecem, logo de seguida, estes autores, “esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”.
Por outro lado, tem vindo a entender-se, desde há muito, e temos vindo a repetir, que as nulidades da decisão, cujas causas estão taxativamente enunciadas no citado art.º 615.º (a que correspondia o art.º 668.º do anterior) não incluem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito[4].
Se bem interpretamos as alegações e conclusões apresentadas, os recorrentes fundamentam a arguição da aludida nulidade em erro de julgamento, na medida em que entendem que da matéria de facto dada como provada resulta o preenchimento dos requisitos da providência requerida, que dizem ter sido reconhecidos pela sentença, mas que negou. Independentemente da verificação, ou não, dos respectivos requisitos, não há dúvida de que o fundamento invocado respeita, exclusivamente, a erro de julgamento.
Deste modo, jamais poderiam ver reconhecida a nulidade assim invocada.
De qualquer modo, importa dizer que ela não existe.
Desde logo, porque não se vislumbra contradição flagrante, ilógica, entre os fundamentos de facto e a decisão. E a sentença nem sequer reconheceu a existência de todos os requisitos necessários à procedência da providência, de verificação cumulativa, como ali também se afirma e depreende com clareza, sendo que algumas contradições que possam existir têm a ver com o mérito e, por conseguinte, com o erro de julgamento que não releva para efeito da nulidade.
Improcede, por conseguinte, a arguição da referida nulidade.

2.2. Dos requisitos da providência

O procedimento cautelar comum está sujeito ao regime estabelecido nos art.ºs 362.º a 376.º do CPC, de que vamos destacar, com pertinência para o presente caso, os seguintes:
O art.º 362.º que dispõe:
“1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2 – O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
3 – Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte.
4 – Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.”
O art.º 364.º que determina:
“1- Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.
2 - …
3 - …
4 – Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal.
5 - …”.
O art.º 365.º que estabelece:
“1 – Com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão.
2 – É sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efectividade da providência decretada.
3 - ….”.
O art.º 368.º que preceitua:
“1 – A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
2 – A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.
4 - ….”.
O art.º 376.º que prevê, no n.º 3: “(o) tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, sendo aplicável à cumulação de providências cautelares a que caibam formas de procedimento diversas o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º”.
A partir destes preceitos ou dos correspondentes que os precederam, de igual teor, têm sido apontados como requisitos das providências cautelares não especificadas os seguintes:
1.º - probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris);
2.º - fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (periculum in mora);
3.º - concreta adequação da providência à remoção da situação de lesão iminente;
4.º - insusceptibilidade de tal providência implicar um prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar; e
5.º - inaplicabilidade de qualquer dos procedimentos cautelares típicos[5].
Estes requisitos são de verificação cumulativa.
Daqui resulta que o requerente da providência, para ser bem sucedido, terá de afirmar e provar, ainda que indiciariamente, a existência do direito tutelado (ou do interesse juridicamente protegido) – fumus boni júris[6]. Para além disso, terá de alegar e demonstrar fundado receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável – periculum in mora. Terá, ainda, de demonstrar que a providência requerida é adequada à remoção do perigo de lesão, que o prejuízo dela resultante não é superior ao dano que com ela se pretende evitar e que não existe providência específica que acautele o direito invocado.
Quanto ao primeiro requisito, basta a demonstração da mera probabilidade séria da existência do direito ameaçado, dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a acção de que é dependência.
Mas já quanto ao segundo requisito, exige-se um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção[7]. Importa aqui lembrar que o Prof. Antunes Varela[8] escreveu que os procedimentos cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o ‘periculum in mora’ (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica”.
Ainda quanto a este requisito, que tem a ver com o que é designado por periculum in mora, tem-se exigido um juízo de certeza ou de verdade.
Para a sua verificação, é necessário alegar e provar factos que permitam concluir pelo fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável.
O mesmo pressupõe a ocorrência de um fundado receio de prejuízos reais e certos, revelado através de uma avaliação ponderada da realidade e não de uma apreciação subjectiva, emocional ou precipitada dos factos[9].
O conceito de fundado receio exige que, na altura da propositura do procedimento cautelar, ocorra uma situação de lesão iminente, que a lesão esteja em curso ou que indicie novas lesões ao mesmo direito.
Mas não é uma qualquer consequência danosa que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexo imediato na esfera jurídica do requerido, visto que a lei exige que a lesão seja “grave e dificilmente reparável”.
Deste modo, ainda que se revelem irreparáveis ou de difícil reparação, não podem ter acolhimento, nesta sede, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, bem como aquelas que, sendo graves, sejam facilmente reparáveis[10].
A gravidade da previsível lesão deve ser aferida à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo em conta que, no concernente aos prejuízos materiais, eles são, em regra, ressarcíveis através da reconstituição natural ou da indemnização substitutiva[11].
A providência pode ser conservatória ou antecipatória.
“Por providência conservatória entende-se aquela que visa manter inalterada a situação, de facto ou de direito, existente, evitando alterações prejudiciais …
Por providência antecipatória entende-se aquela que antecipa a decisão ou a providência executiva futura, sem prejuízo de, no primeiro caso, poder também antecipar, de outro modo, a realização do direito acautelado”[12].
Ainda que, por definição, não haja receio de lesão quando esta já está consumada, destinando-se a evitar a continuação do dano, mesmo que apenas mediante a produção de efeitos indirectos, a providência cautelar é admissível, com carácter antecipatório da decisão de mérito pretendida na correspondente acção[13].
Como qualquer acção, uma providência cautelar é individualizada por uma causa de pedir e por um pedido.
A causa de pedir comporta dois grupos de factos.
O primeiro grupo é “composto por factos comuns aos invocados na acção principal (onde serão elementos constitutivos do direito a tutelar nessa acção): os factos constitutivos da titularidade de um direito ou «situação subjectiva para a qual se requer a cautela»…, identificados pela designação de fumus boni iuris…, pois, sendo objecto de um ónus de alegação e demonstração (embora de carácter sumário (sumaria cognitio) (cfr. a segunda parte do n.º 1 (do art.º 362.º) e 365.º n.º 1 primeira parte) o jus de que se pede o fumus é o mesmo na providência cautelar e na acção final;
O segundo grupo de factos é composto por factos diferentes dos invocados na acção principal: factos «integrativos do perigo»…, por serem idóneos, segundo um nexo de causalidade, a gerar um dano ao direito alegado (dano futuro, seja porque o facto lesivo ainda não se produziu, seja ainda porque «a sua potencialidade danosa» não está «já exaurida… ou plenamente consumada) relevado em comunhão funcional com os primeiros enquanto periculum dito in mora …, sendo objecto de ónus de alegação e de prova”.
Já o pedido cautelar “consiste na medida mais adequada a afastar o perigo de dano ao direito indiciado, seja antecipatória (atribuição ao requerente do mesmo bem jurídico ou da mesma prestação nos termos do direito acautelado, i.e., o mesmo efeito jurídico antes do tempo processualmente devido), seja de segurança ou conservatória (qualquer outra medida de tutela preventiva de segurança do direito, stricto sensu).” [14]

Não obstante a admissibilidade da convolação prevista no n.º 3 do art.º 376.º do CPC, “o requerente deve, ao formular o pedido, individualizar a providência concreta que pretende, em conformidade com o princípio dispositivo”[15].
“A dependência do procedimento cautelar, expressa através da identidade entre o direito – ou interesse – acautelado e aquele que se faz valer na acção, implica que… a causa de pedir do procedimento e a da acção coincidam, ao menos em parte, por definição não coincidindo normalmente o pedido de um e da outra” [16].
Também devido a essa dependência, é corrente afirmar-se que entre o procedimento cautelar e a acção principal existe uma relação de instrumentalidade material: o primeiro serve o efeito útil da segunda, caducando na ausência desta.[17]
Dito isto, vejamos o caso dos autos.
No presente procedimento, os requerentes invocaram ofensa dos seus direitos de personalidade e pediram que a requerida “cesse de imediato e se abstenha de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos resultantes da actividade de comércio ou outra no seu estabelecimento” e que seja fixada a sanção pecuniária compulsória de 2.500,00 €, “por cada dia de atraso no cumprimento das medidas decretadas”.
Trata-se de um procedimento cautelar comum, em que se peticionam providências de tipo antecipatório da decisão a proferir na acção principal que ainda não se mostra instaurada, sendo, por isso, preliminar dela e da qual é dependência, visto que não foi decretada a inversão do contencioso.
Apesar de não ser possível aferir da existência de coincidência das causas de pedir da acção e do procedimento cautelar, existe uma certeza que é a dependência deste procedimento daquela acção.
Isto significa que a resolução definitiva do conflito de interesses que lhe está subjacente não tem lugar no procedimento cautelar, dada a sua natureza provisória, mas na acção principal. O efeito cautelar não pode, assim, exceder os limites que caracterizam todo o procedimento provisório e não pode, por via dele, conseguir-se os efeitos da acção definitiva[18].
Por isso, não tem fundamento a afirmação, feita pelos recorrentes, de que o Tribunal, com o indeferimento da providência, deixou-os totalmente desprotegidos e têm que ser obrigados a suportar “ad aeternum” os comprovados ruídos.
O litígio só pode ser resolvido definitivamente na acção de que este procedimento é dependência, dada a sua relação e instrumentalidade hipotética e material entre ambos.
Deste modo, a resolução do conflito de interesses subjacente ao procedimento cautelar não tem lugar neste, mas sim na acção principal.
Para já, temos que nos ater aos requisitos do procedimento cautelar comum, acima elencados, de verificação cumulativa, como se deixou dito.
Na sentença recorrida, foi reconhecida, explícita e implicitamente, a verificação do primeiro e segundo requisitos, na medida em que se afirmou que a requerida, com a actividade que vem desenvolvendo no seu estabelecimento, ofende os direitos de personalidade dos requerentes e há fundado receio de continuação de lesão grave desses direitos. Mas nada foi dito, nem se depreende, sobre a verificação dos restantes requisitos. Embora seja evidente a verificação do requisito indicado em último lugar, pois não se vislumbra a existência de providência específica que acautele o direito invocado, os dois restantes foram ali abordados a pretexto da colisão de direitos e da inadequação da providência requerida, por ser abstracta, a qual implicaria a cessação da actividade da demandada e, consequentemente, o encerramento do estabelecimento, concluindo-se pela impossibilidade de decretar não só a providência requerida como qualquer outra.
Por isso, com o devido respeito pela opinião dos recorrentes, não é verdadeiro nem correcto dizer-se que as afirmações contidas na sentença, quanto aos ruídos e ao prejuízo, bem como o receio de lesão grave para o seu repouso, seriam bastantes para determinar a procedência da providência que requereram.
Falta, desde logo, a verificação daqueles dois requisitos, a saber: a concreta adequação da providência (como medida de tutela provisória) para remover a situação de lesão iminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado e a insusceptibilidade de tal providência implicar um prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar.
Ainda assim, os recorrentes insistem no deferimento da providência, discordando da forma como foi equacionada a colisão de direitos, pois nem sequer pediram o encerramento do estabelecimento.
Porém, sem razão.
Como é sabido, e já referimos no acórdão de 15/1/2013[19], “a jurisprudência tem decidido, de forma reiterada, que a produção ou emissão de ruídos, geradora de poluição sonora, lesiva de direitos individuais e colectivos, obviamente carecidos de protecção e tutela, pode ser encarada por três ópticas distintas, embora, em muitos casos, conexionadas e interligadas, que são:
- a do direito ao ambiente, enquanto causa de evidente poluição ambiental, com assento primacial no próprio texto constitucional, no plano dos direitos e deveres sociais, de natureza análoga aos direitos fundamentais, em que se insere o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (art.º 66.º da CRP), complementado e densificado pelas normas constantes da Lei de Bases do Ambiente, fundamentalmente orientada, imediatamente e em primeira linha, para a protecção de interesses colectivos ou difusos;
- a clássica visão da tutela do direito de propriedade, no domínio das relações jurídicas reais de vizinhança, permitindo ao proprietário de um prédio opor-se às emissões, provenientes de prédios vizinhos, que importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam (art.º 1346.º do Código Civil);
- e a dos direitos fundamentais de personalidade, consagrados, desde logo, no texto constitucional – direito à integridade física e moral e ao livre desenvolvimento da personalidade (art.ºs 25.º e 26.º, n.º 1 da CRP) e reiterados no Código Civil, ao contemplar, no art.º 70.º, a tutela geral da personalidade dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral –, sendo óbvio e inquestionável que o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida na sua própria casa se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do referido direito fundamental de personalidade[20].
Na verdade, o direito ao sossego, ao repouso e ao sono traduzem-se em factores que se mostram potenciadores, em grau muito elevado, da recuperação física e psíquica do indivíduo, nomeadamente nas situações da vida quotidiana na sua própria casa, tem como principal escopo a prossecução de tais fins, constituindo-se, por esse motivo, os referidos direitos como uma emanação do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio, direitos esses que se mostram acolhidos como direitos da personalidade humana na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 24.º), estão constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais nos art.ºs 16.º e 66.º da CRP e são objecto de protecção na lei ordinária no âmbito do citado no art.º 70.º do Código Civil, nos art.ºs 2.º e 22.º da Lei n.º 11/87, de 7/4 (Lei de Bases do Ambiente) e no DL n.º 9/2007, de 17/1 (Regulamento Geral do Ruído), impendendo sobre o seu infractor a responsabilidade civil por tal lesão, a qual se traduz na obrigação de proceder ao ressarcimento dos danos causados ao lesado, nos termos do preceituado no art.º 483.º e seguintes do Código Civil, sem prejuízo de este poder requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de atenuar os efeitos da ofensa já cometida, ao abrigo do n.º 2 do já mencionado art.º 70.º[21].
É importante realçar que as normas, constitucionais e legais, acabadas de referenciar, tutelam a preservação do direito básico de personalidade, pelo que não podem ser vistas como contendo uma mera proclamação retórica ou platónica, sendo essencial que lhes seja conferido o necessário relevo e efectividade na vida em sociedade, não sendo, por conseguinte, tolerável que o interesse no exercício ou exploração lucrativa de quaisquer actividades lúdicas, de diversão ou económicas se faça com o esmagamento dos direitos básicos de todos os cidadãos que tiverem o azar de residir nas proximidades, aniquilando, em termos claramente desproporcionados, o direito a gozar de um mínimo de tranquilidade, sossego e qualidade de vida no seu próprio domicílio. Cada um tem o direito de viver em tranquilidade na sua casa de habitação, não só no desempenho dos seus afazeres diários e nos momentos de lazer, mas também, e especialmente, nas horas destinadas ao sono e ao repouso, indispensáveis ao retempero do desgaste físico e anímico que a vida provoca no ser humano, pois é essencial a uma vida saudável, equilibrada e física e mentalmente sadia[22].
Daí que, em regra, se imponha a conclusão de que, em caso de conflito, efectivo e relevante, entre o direito de personalidade e o direito ao lazer ou à exploração económica de qualquer estabelecimento comercial ou industrial, importa preservar os direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos, nos termos do n.º 2 do art.º 335.º, do Código Civil.
Mas, isto só em regra, sem prejuízo de uma concreta e casuística ponderação judicial, a realizar em função do princípio da proporcionalidade acerca da intensidade e relevância da invocada lesão da personalidade[23].
Neste sentido, pode ainda ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/3/2007, proferido no processo n.º 07B585, publicado no mesmo sítio da dgsi, onde se afirmou, na parte que ora interessa:
“Caso a caso, importa averiguar se a prevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta em desproporção intolerável, face aos interesses em jogo, certo que o sacrifício e compressão do direito inferior apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante”.
E, para fundamentar esta afirmação, escreveu-se ali:
“Porém, mesmo o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses.
No caso de conflito entre um direito de personalidade e um direito de outro tipo, a respectiva avaliação, refere Capelo de Sousa (O Direito Geral de Personalidade, pág. 547), «abrange não apenas a hierarquização entre si dos bens ou valores do ordenamento jurídico na sua totalidade e unidade, mas também a detecção e a ponderação de elementos preferenciais emergentes do circunstancialismo fáctico da subjectivação de tais direitos, maxime, a acumulação, a intensidade e a radicação de interesses concretos juridicamente protegidos. Tudo o que dará primazia, nuns casos, aos direitos de personalidade ou, noutros casos, aos com eles conflituantes direitos de outro tipo».
E exemplifica:
«Assim, quando num prédio de habitação seja montado um estabelecimento em que habitualmente haja produção de ruídos ou de cheiros susceptíveis de incomodar gravemente os habitantes do prédio, o direito ao sossego, ao ambiente e à qualidade de vida destes deve considerar-se superior ao direito de exploração de actividade comercial ou industrial ruidosa ou incómoda. Mas, já o direito ao sossego, à tranquilidade e ao repouso dos moradores não prevalece sobre o direito de propriedade alheio, face aos ruídos normalmente provocados por vozes de aves domésticas legitimamente mantidas em quintais de residências vizinhas».
Ou, como ensina Pessoa Jorge (Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 201), «…No n.º 2 desse normativo estabelece-se, na hipótese de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, a prevalência do que se considerar superior, a definir em concreto».”
Por outro lado, em conformidade com os ensinamentos do citado acórdão de 7/4/2011, impõe-se “distinguir claramente os planos de uma possível ilegalidade administrativa no exercício das actividades que geram a poluição ambiental, decorrente do desrespeito das normas regulamentares ou atinentes ao licenciamento e à polícia administrativa, e da ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade. Tal diferenciação de planos tem justificadamente conduzido à conclusão de que os tribunais constituem a última linha de defesa daquele direito fundamental de personalidade, sempre que o mesmo não tenha sido devidamente acautelado pela actividade regulamentar ou de polícia da Administração, em nada obstando à tutela prioritária do direito fundamental lesado a mera circunstância de ter ocorrido licenciamento administrativo da actividade lesiva ou os níveis de ruído pericialmente verificados não ultrapassarem os padrões técnicos regulamentarmente definidos (vejam-se, por exemplo, os acs. do STJ de 22/10/98 - p. 97B1024 - de 13/3/97 – p. 96B557 - e de 17/1/02 – p. 01B4140).”
Estas considerações foram extraídas de acções principais, mas que também são aplicáveis aos procedimentos cautelares.
Nestes, a ponderação casuística a efectuar deve ser ainda mais cautelosa, dada a natureza provisória da providência e a sua dependência da acção principal.
É óbvio que, em tese, defendemos a prevalência dos direitos de personalidade relativamente ao direito à exploração económica de um estabelecimento comercial.
Só que, no presente caso, estamos impossibilitados de fazer aquela ponderação.
Por um lado, porque o pedido formulado sob a alínea a), acima transcrito, não contém uma individualização da providência concreta que os recorrentes pretendem, sendo que deviam concretizá-la aquando da formulação do pedido.
Não preenche essa exigência, com toda a certeza, o pedido na parte em que se pretende que a requerida “se abstenha de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos resultantes da actividade de comércio ou outra no seu estabelecimento”.
Por definição, o pronome indefinido “qualquer” é utilizado para indicar algo ou alguém que não possui especificação ou determinação.
E o pedido para que “cesse de imediato” também não concretiza o que quer que seja. Se reportado a “qualquer emissão de barulhos ou ruídos”, para além de repetitivo, padece do mesmo vício acabado de referenciar. Se reportado a actividade, então, equivale a paralização e encerramento do estabebecimento. Ainda que não tenham pedido o encerramento, a cessação de actividade implicaria aquele encerramento, pois não se vislumbra como um estabelecimento comercial pode girar com a actividade proibida e cessada. Mesmo que se reportasse a mera proibição de emissão de barulhos, seria de tal modo vaga e abstracta que de nada serviria. Fixando limites, a execução da respectiva decisão ficaria dependente da verificação de um facto futuro e incerto, cuja condenação é de evitar, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais. Não fixando limites, não tolerando o mínimo tipo de barulho, a proibição equivalia ao enecrramento, pois não se concebe como um estabelecimento comercial pudesse operar nessas condições. Por maioria de razão, não poderia o estabelecimento da requerida, atenta a afluência do público, como é notório, e face à necessidade de reposição das mercadorias nos expositores para vendas, bem como a sua conservação nos balcões ou arcas frigoríficas.
Seja como for, qualquer medida implicaria uma condenação condicional, assente em factos insuficientemente densificados e definidos, traduzindo-se, na prática, na imposição à requerida de “uma prestação de facto de contornos perfeitamente difusos – exigindo o facto condicionante, pela sua natureza e indeterminação, ulterior verificação jurisdicional e, nessa medida, resultando comprometida uma finalidade básica do processo civil: a definição e certeza das relações jurídicas controvertidas.”
Ora, não estando minimamente densificados e determinados os procedimentos construtivos idóneos para eliminarem satisfatoriamente a lesão do direito de personalidade dos requerentes, a decisão que fosse proferida não solucionaria o litígio, ainda que provisoriamente, muito menos definitivamente, o qual, subsistindo, na prática, quase integralmente entre as partes, acabaria por ter de ser resolvido através de uma nova acção, em que se controvertesse a viabilidade técnica e a idoneidade, suficiência e real eficácia das obras que, porventura, viessem a ser realizadas pela requerida, o que não é naturalmente compatível com o princípio da efectividade da tutela dos direitos de personalidade invocados como base do presente procedimento.
Por outro lado, a matéria de facto provada também revela que a requerida tem vindo a minorar os prejuízos causados com o funcionamento do seu estabelecimento, procedendo a obras que se vêm mostrando adequadas à eliminação ou redução dos ruídos, a partir das queixas, na pendência do procedimento e mesmo depois da dedução da oposição [cfr. factos das alíneas www), qqqq) e ppppp) a tttt) dos factos provados] e alterando procedimentos [cfr. factos das alíneas uuuuu) e vvvvv)].
Ainda que não tenham sido totalmente eliminados e muito embora a verificação dos níveis de ruído não seja determinante para a verificação da eventual ilicitude da conduta da demandada, não deixa de ter relevância a sua apreciação.
Aqui, importa ponderar a afectação dos direitos dos requerentes, por forma a saber se a prevalência deles não resulta em desporporção intolerável, face aos interesses em jogo, certos de que o sacrifício e compressão do direito inferior apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante[24].
Com isto não estamos a negar a importância aos direitos de personalidade e a necessidade da sua protecção, mas a proceder à ponderação legalmente exigida, no caso concreto.
É inquestionável que a poluição sonora (ruídos prejudiciais, sobretudo nas horas consagradas ao descanso reparador da generalidade das pessoas) constitui uma das variantes dos atentados ao direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, susceptível de violar direitos de personalidade, legal, constitucional e supranacionalmente tutelados, como se disse e é por demais sabido.
Só que os factos provados não revelam que, no estabelecimento da requerida, sejam produzidos, actualmente, barulhos ou ruídos, gravemente lesivos do sono dos requerentes e, consequentemente, do seu indeclinável direito ao descanso e à saúde, como integrantes do direito à vida e à integridade física, além de outros, como o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Note-se que as queixas inicialmente apresentadas pelos requerentes se reportam à data da instauração do procedimento cautelar, como resulta da extensa amálgama dos factos dados como provados, parte deles em conformidade com a alegação feita no requerimento inicial; e que, na sua pendência, foram efectuadas obras pela requerida.
Embora tenha sido dado como provado que são ainda perceptíveis ruídos provenientes da actividade da requerida, acordando os requerentes, de noite [cfr. al. wwwww)], desconhece-se a gravidade da lesão daí decorrente.
Não se trata, aqui, do ónus de alegação e prova da disponibilidade para a realização de obras eficazes de isolamento acústico, que competiria à requerida, por constituir facto impeditivo do efeito jurídico pretendido pelos requerentes[25], mas da prova dos requisitos necessários à procedência do procedimento cautelar, onde foi proferida a decisão objecto do presente recurso.
Quanto a estes, cremos não haver dúvidas de que o ónus de alegação e prova é dos requerentes, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, visto serem constitutivos do direito invocado.
E, no presente caso, os requerentes não provaram, como lhes competia, os requisitos acima indicados em 3.º e 4.º lugar, ou seja e repetindo-nos, a concreta adequação da providência à remoção da situação de lesão iminente e a insusceptibilidade de tal providência implicar um prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar.
A adequação da providência pressupunha que ela fosse correctamente requerida e equacionada para poder ser ponderada a proporção dos direitos de personalidade dos requerentes, face aos interesses da requerida, tanto mais que a eventual compressão do direito desta apenas poderia ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelos direitos daqueles.
A ponderação do prejuízo também pressupunha, para além da providência concreta, a alegação e prova dos danos dela decorrentes.
Quanto a esta matéria, nada foi provado, para além dos 25 trabalhadores que a requerida tem ao seu serviço, nem sequer alegado.
Segundo o princípio dispositivo, na vertente do princípio da controvérsia, compete às partes definir os contornos fácticos do litígio, ou seja, devem ser elas a carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir. O demandante deverá, pois, alegar os factos que dão consistência à pretensão por si formulada. Ao demandado competirá alegar os factos que servem de base à sua defesa (cfr. art.ºs 3.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1, do CPC). E, na vertente do princípio do dispositivo propriamente dito, redutível à ideia geral de disponibilidade da tutela jurisdicional, compete-lhes, ainda, formular correctamente os pedidos a que se julgam com direito, instaurando o correspondente processo.
Além dos factos articulados pelas partes, o juiz só pode fundar a decisão nos factos instrumentais que resultem da instrução da causa [al. a)], nos factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar [al. b)], os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções [al. c) do n.º 2 do art.º 5.º do CPC].
Quer dizer, excepcionados estes casos, o juiz só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos das pretensões formuladas na acção, alegados pelas partes, seja qual for a natureza e o tipo de acção.
São as partes quem define os contornos fácticos do litígio, pois devem ser elas a carrear para os autos os factos em que o tribunal se pode basear para decidir.
Assim, o autor deverá alegar os factos que dão consistência à pretensão por si formulada, enquanto ao réu competirá alegar os factos que servem de base à sua defesa.
As limitações ao princípio dispositivo na vertente da controvérsia resultantes do n.º 2 do referido art.º 5.º não contendem com os ónus de alegação impostos às partes relativamente aos factos essenciais à procedência das suas pretensões.
Quanto a estes factos, continua a constituir ónus das partes a sua alegação nos respectivos articulados. “Sem prejuízo de os factos da causa poderem ser alegados por qualquer das partes, cada uma tem o ónus da alegação daqueles que têm um efeito que lhe é favorável (alegação dos factos constitutivos do direito a cargo de quem se arroga tê-lo – art. 552-1-d- e dos factos impeditivos, modificativos e extintivos a cargo da contraparte – art. 576-3), cuja inobservância dá lugar, consoante o caso, à improcedência da ação à improcedência da exceção”[26].
“O juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes (em articulado ou em resultado da instrução da causa. Por muito que se suspeite da sua verificação ou que deles tenha até conhecimento, o juiz não pode, em regra, deles servir-se”[27].
Tratando-se de factos essenciais, é evidente que não podem ser considerados na decisão, por não terem sido oportunamente alegados, nem se mostrarem provados, os factos atinentes aos mencionados requisitos, tanto mais que não foi formulado o correspondente pedido, mediante a individualização da providência concreta pretendida.
A providência tinha que ser concretamente individualizada no pedido e não foi.
Embora o tribunal não esteja adstrito à providência concretamente requerida, nos termos do n.º 3 do citado art.º 376.º, estava impossibilitado de decretar qualquer providência, não só porque não lhe foi pedida uma providência concreta, como pressupõe aquele preceito, mas também porque inexistem factos provados que permitam, no momento do encerramento da discussão, ponderar os interesses em jogo e dar prevalência aos direitos de personalidade dos requerentes, jamais podendo ser decretada qualquer providência que se traduzisse numa antecipação da decisão definitiva do litígio, o que não é permitido pelo carácter provisório do procedimento cautelar e a sua relação instrumental com a acção de que é dependência, onde será decidido definitivamente o litígio que lhe está subjacente.

Daí que a providência requerida não possa obter deferimento.

2.3. Da sanção pecuniária compulsória

Resta apreciar a pretensão que consiste na condenação da requerida numa sanção pecuniária compulsória, por cada dia de incumprimento das medidas decretadas, a qual só pode reportar-se ao pedido formulado sob a alínea a), acabado de apreciar, único que poderia dar lugar a uma obrigação de prestação de facto infungível com o consequente direito do credor poder exigir o cumprimento por parte do devedor (art.º 817.º do Código Civil e art.º 365.º, n.º 2 do CPC).
Não tendo conseguido obter a condenação da requerida em qualquer medida cautelar, é manifesta a improcedência desta última pretensão.
É que, inexistindo obrigação de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, torna-se impossível a condenação do devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento, pela simples razão de que tal obrigação é pressuposto da sanção pecuniária compulsória (art.º 829.º-A do Código Civil).
Na verdade, por definição, “a sanção pecuniária compulsória é a condenação pecuniária decretada pelo juiz para constranger e determinar o devedor recalcitrante a cumprir a sua obrigação. É, pois, um meio de constrangimento judicial que exerce pressão sobra a vontade lassa do devedor, apto para triunfar da sua resistência e para determiná-lo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob a ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização, susceptível de acarretar-lhe elevados prejuízos”. É, assim, “um meio indirecto de constrangimento decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial”[28].
Ora, inexistindo obrigação para cumprir e a correspondente injunção judicial, é por demais evidente que nunca pode ser aqui decretada a pretendida condenação, pois é necessariamente acessória da condenação principal e esta não existe.

Deste modo improcedem, ou são irrelevantes, todas as conclusões dos apelantes, não se mostrando violadas as disposições legais, constitucionais e supranacionais nelas indicadas, pelo que há que manter a decisão recorrida, ficando prejudicada a apreciação da ampliação do recurso formulada, subsidiariamente, pela requerida.

Sumariando em jeito de síntese final:
I. O procedimento cautelar comum é admissível com carácter antecipatório da decisão de mérito pretendida na acção de que é dependência, quando a lesão já está consumada, como forma de evitar a continuação do dano.
II. Todavia, não pode ser decretado, quando o requerente não prova todos os factos que integrem os requisitos de que depende o seu deferimento.
III. Para aferir da adequação da providência e do prejuízo, havendo colisão de direitos da personalidade, por violação do direito ao repouso, ao sossego e à tranquilidade da vida familiar, com o direito ao exercício da actividade comercial, torna-se necessário proceder a uma casuística ponderação judicial em função do princípio da proporcionalidade e com referência à intensidade e relevância da lesão.
IV. Não obstante a admissibilidade da convolação prevista no n.º 3 do art.º 376.º do CPC, o requerente deve, ao formular o pedido, individualizar a providência concreta que pretende, em conformidade com o princípio dispositivo.
V. Não observa essa exigência a formulação de um pedido em que se pretende que a requerida cesse de imediato ou se abstenha de produzir qualquer emissão de barulhos ou ruídos resultantes do seu estabelecimento comercial.
VI. Não sendo decretada a inversão do contencioso, a resolução definitiva do conflito não tem lugar no procedimento cautelar, dada a natureza provisória, mas na acção de que é dependência.
VII. A sanção pecuniária compulsória pressupõe uma obrigação de prestação de facto infungível, positivo ou negativo.

III. Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
*
Custas pelos apelantes.
*
Porto, 8 de Julho de 2015
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
_______________
[1] Não obstante sempre defendermos que a apreciação da matéria de facto deve preceder a sua subsunção jurídica, como parece lógico, regra que aqui não podemos observar, por a impugnação ter sido efectuada a título subsidiário.
[2] Cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, pág. 689, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, reimpressão, edição de 1981, pág.141.
[3] Cfr. José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, 2.ª edição, pág. 704.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 137, Antunes Varela e outros, em Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 686; acórdãos do STJ, de 13/2/1997 e de 21/5/1998, na CJ, ano V, tomo I, pág. 104 e ano VI, tomo II, pág. 95, da RC de 18/1/2005 e da RL de 16/1/2007, proferidos nos processos n.ºs 2545/2004 e 8942/2006-1, disponíveis em www.dgsi.pt, conforme temos vindo a repetir em vários processos, nomeadamente no de 25/11/2014, processo n.º 445/13.6TBSJM-C.P1, que aqui seguimos e quase que reproduzimos.
[5] Cfr., entre outros, os acórdãos da RL de 29/6/2010, processo n.º 2293/10.6TBSXL.L1-7, da RC de 22/11/2005, processo n.º 3025/05, de 29/4/2008, processo n.º 513/07.3TBSRT.C1, de 9/3/2010, processo n.º 1399/09.9T2AVR-A.C1, de 29/2/2012, processo n.º 51/10.7TBPNC.C2, de 13/11/2012, processo n.º 460/12.7T2ILH.C1, e desta Relação de 23/10/2014, processo n.º 1629/13.2TBLSD.P1 e de 11/11/2014, processo n.º 445/14.9TVPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Os procedimentos cautelares, dado o seu carácter de meios expeditos para acautelamento do direito ameaçado de lesão, bastam-se com um juízo de verosimilhança ou de probabilidade, devendo as respectivas decisões assentar numa prova sumária, perfunctória, não passando, por isso, de meros indícios (summaria cognitio).
[7] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 2.ª edição, pág. 6.
[8] “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 23.
[9] Ac. do STJ de 28/9/99, processo n.º 99A678, in http://www.dgsi.pt/jstj.
[10] No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Temas, págs. 101 e 103.
[11] Ac. da RC de 23/5/2000, CJ, ano XXV, tomo III, pág. 22.
[12] Lebre de Freitas e outros, obra citada, págs. 8 e 9.
[13] Ibidem, págs. 7 e 9.
[14] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, pág. 216.
[15] Lebre de Freitas e outros, obra citada, pág. 22.
[16] Lebre de Freitas e outros, obra citada, pág. 17.
[17] Rui Pinto, obra citada, pág. 224.
[18] Neste sentido, o citado acórdão desta Relação e secção de 11/11/2014, também citado na sentença recorrido e que, contrariamente ao sustentado pelos recorrentes tem aqui inteira aplicação.
[19] Proferido na acção n.º 902/09.9TJPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, na parte aqui aplicável.
[20] Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 7/4/2011 e de 19/4/2012, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 419/06.3TCFUN.L1.S1 e 3920/07.8TBVIS.C1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[21] Cfr., sobre a amplitude daqueles direitos, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, pág. 103 e Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1980, págs. 63 e 64, e, sobre as aludidas providências, Antunes Varela, RLJ 116-145.
[22] Cfr. citados acórdãos de 7/4/2011 e 19/4/2012 e os demais ali citados, designadamente os do STJ de 13/9/2007, processo n.º 07B2198 e de 8/4/2010, processo n.º 1715/03.7TBEPS.G1.S, publicados no mesmo sítio da dgsi.
[23] Cfr. citado acórdão de 19/4/2012.
[24] Cfr., neste sentido, os acórdãos desta Relação de 12/12/2002, in CJ, ano XXVII, tomo V, págs. 192/5, e de 11/11/2014, já referido, ambos referenciados na decisão recorrida, com toda a pertinência, contrariamente ao sustentado pelos recorrentes.
[25] Como se afirma no acórdão citado pelos recorrentes da RP de 8/5/2014, processo n.º 169/07.3TBRSD.P2, disponível em www.dgsi.pt, mas referente a uma acção e não a um procedimento cautelar.
[26] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, pág. 14.
[27] Autor e obra acabados de citar, pág. 15.
[28] Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, págs. 355 e 393.