Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6265/13.0YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
SANÇÃO PELA MORA NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES DO CONDOMÍNIO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP201502246265/13.0YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O facto de o regulamento do condomínio, aprovado em acta, prever a aplicação de uma sanção específica para a mora no pagamento das prestações a cargo dos condóminos, o mesmo não é de aplicação automática, não dispensando a existência de uma deliberação da Assembleia de Condomínio onde essa sanção seja aprovada.
II - Inexistindo deliberação da assembleia de condomínio a determinar a aplicação de tal penalidade, inexiste título executivo que incorpore tal obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6265/13.0YYPRT-A.P1 – Apelação 2ª
Comarca do Porto – Porto
Instância Central – 1ª Secção de Execução – J5
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador José Igreja Matos
2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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Por apenso aos autos de execução intentados pela embargada Administração do Condomínio …, deduziu a embargante B… a oposição por embargos de executado nos termos constantes do articulado de fls. 3 a 11, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em resumo e no essencial, a inexequibilidade do título por não ter sido convocada nem haver participado nas assembleias que derem berço às atas apresentadas e que também não lhe foram comunicadas, pelo que as mesmas são ineficazes relativamente à sua pessoa; dessas atas também não resulta qualquer montante em dívida relativo à fração de que é proprietária, nem remetem as mesmas para qualquer documento anexo de onde constem os valores reclamados; subsidiariamente, a multa no montante de 10% ao mês dos valores em dívida não pode ser exigida por falta de deliberação da assembleia de condóminos, o mesmo se verificando quanto às despesas judiciais e extrajudiciais em caso de recurso à via judicial; relativamente ao pagamento das quantias reclamadas a título de seguro multirriscos, para além da inexistência de deliberação da assembleia de condóminos, não existe incumprimento da sua parte, dado ter fornecido à anterior administração cópia da apólice de seguro que mantém junto da Companhia de Seguros C…, SA, nunca tendo sido interpelada pela atual administração para fazer prova da manutenção do referido seguro, como seria sua obrigação.
Por último, requer a suspensão da execução nos termos do artigo 733º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
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Notificada, apresentou a embargada, a contestação de fls. 33 a 36, cujo conteúdo aqui se dá igualmente por reproduzido na íntegra, pugnando pela manutenção dos títulos dados à execução, sustentando, também em resumo e no essencial, que a embargante assinou e foi-lhe entregue em mão a convocatória da assembleia realizada em 13/02/2012 e as restantes convocatórias e atas das assembleias em causa foram-lhe comunicadas mediante carta registada com aviso de receção dentro do prazo de 30 dias, sendo que umas foram assinadas e outras devolvidas, pelo que se a embargante não as recebeu foi porque não quis; acresce que foi entregue em mão à embargante um aviso de cobrança em novembro de 2012 contendo os valores em dívida nessa data, o qual foi pela mesma assinado; a sanção de 10% resulta do regulamento do condomínio aprovado em assembleia de condóminos; finalmente, no que respeita ao seguro, nunca lhe foi comunicada a alegada contratação.
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Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os embargos de executado deduzidos pela embargante, determinando-se, em consequência, o prosseguimento da respetiva ação executiva intentada pela embargada, mas apenas para pagamento das prestações de condomínio relativas aos meses de janeiro a março de 2012, cada uma no valor de € 104,79, bem como as referentes aos meses de setembro de 2012 a novembro de 2013, cada uma destas no valor de € 124,83, sendo ainda todas elas acrescidas da penalização de 10% por cada um dos meses em atraso, bem como dos juros moratórios à taxa legal de 4% vencidos e vincendos até integral pagamento.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio a executada/opoente dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1. A embargada não dispõe de título executivo no que respeita á peticionada penalização de 10% ao mês por cada um dos meses em atraso;
2. A previsão regulamentar do art. 29º, aprovada na ata nº 5 da assembleia de condomínio, não é de aplicação automática;
3. A penalização da embargante em 10% ao mês por cada uma das prestações em atraso, deveria ter sido objeto de deliberação própria da assembleia de condóminos, aprovando-se a sua concreta aplicação àquela.
4. Não se enquadra na previsão do art. 6º, nº 1, do Dec. Lei nº 268/94 de 25 de outubro, a previsão regulamentar do art. 29º, aprovada na ata nº 5 da assembleia do condomínio recorrido, no sentido em que possa ser atribuída força executiva a esta disposição.
5. Ao decidir pela exequibilidade do peticionado pela embargada quanto á referida penalização de 10% ao mês sobre as prestações em atraso, o tribunal “a quo” violou a norma do art. 6º, nº 1, do Dec. Lei nº 268/94 de 25 de outubro, sendo nula a sentença nessa parte do dispositivo.
6. Não pode pois, ser aplicada a decisão na parte que julgou improcedentes os embargos da recorrente e ordenou a prosseguição da execução para cobrança dos montantes correspondentes penalização de 10% ao mês sobre as prestações em atraso, por contrária á Lei.
7. Devem os embargos proceder quanto á parte que diz respeito ao valor correspondente á penalização de 10% ao mês sobre as prestações em atraso, por inexistência de título executivo.
Pede, a final, que seja revogada a sentença na parte ora recorrida e substituindo-a por outra que julgando os presentes embargos procedentes por provados, declare a extinta a execução e ordene a devolução ao embargante dos montantes indevidamente penhorados.
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Não foram apresentadas Contra-Alegações.
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Cumpre decidir sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Nessa linha de orientação, a questão a decidir, suscitada pela recorrente na presente Apelação é apenas a de saber se existe título executivo para a penalização de 10% sobre as prestações em atraso, objecto da execução.
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Factos dados como provados na 1ª Instância:
1 - A exequente, Administração do Condomínio …, intentou contra a executada B…, a ação executiva de que estes autos são apensos, dando à execução as atas de assembleia de condóminos e de mais documentos apresentados com o requerimento executivo e os que posteriormente foram juntos através do requerimento sob a Refª 15151570, o que tudo aqui se dá por integralmente reproduzido;
2 – A referida executada é proprietária da fração autónoma designada pelas letras “AG” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 221/20000926 (freguesia …), correspondente a uma habitação T-3+1, no terceiro andar frente, com varanda, dois lugares de garagem e arrecadação sido na Rua …, … e Rua …, …, no Porto, a que corresponde a permilagem de 24,000 (cfr. certidão predial integrada no histórico eletrónico do processo executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
3 – Na ata nº 22, correspondente à assembleia de condóminos realizada em 04/03/2009, constante do documento de fls. 71 a 79, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, no que respeita ao seguro multirriscos foi consignado o seguinte: “Foi colocada à discussão a questão de manter ou não incluído na quota de condomínio o seguro multirriscos, como é feito neste momento. A administração referiu que traz este assunto à colação, porque houve condóminos que, durante o ano de 2008, manifestaram interesse em se desvincular do seguro multirriscos do condomínio porque já tinham esse seguro contratado para as suas fracções.
Por outro lado, o seguro multirriscos ao estar incluído no orçamento como despesa do condomínio, está a aumentar o valor do fundo de reserva e, consequentemente, o valor da quota do condomínio. Feita esta explicação e esclarecidas as dúvidas suscitadas pelos condóminos, a administração propôs que o seguro de condomínio fosse pago separadamente da quota de condomínio. A administração irá solicitar aos condóminos que informem, por escrito, se pretendem manter ou não o seguro multirrisco. Os condóminos que não pretendam continuar nesse seguro, deverão fazer prova, juntando cópia da apólice, de que a respetiva fracção tem seguro contra o risco de incêndio.
Colocado à votação, foi o orçamento apresentado, sem o valor do seguro multirrisco, aprovado por unanimidade”;
4 – A Companhia de Seguros D… emitiu os documentos de cobrança dos prémios de seguro riscos múltiplos-habitação, respeitantes ao Condomínio do Edifício …, relativos aos períodos de 26/03/2011 a 08/02/2012, 21/01/2012 a 08/02/2012, 25/02/2012, 08/02/2013 e 15/03/2012 a 08/02/2013, incluindo nos mesmos a fração pertencente à embargante (cfr. documentos de fls. 87 a 102, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
5 – Em assembleia de condóminos iniciada em 13/02/2012 e continuada em 13/03/2012, a que corresponde a ata nº 26, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, foi aprovado o orçamento para o ano de 2012, no valor global de € 68.656,50;
6 - Em assembleia de condóminos realizada em 21/02/2013, a que corresponde a ata nº 28, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, foi aprovado o orçamento para o ano de 2013, no valor global de € 56.185,40;
7 – No artigo 29º, nº 2, do Regulamento do Condomínio aprovado por unanimidade em assembleia de condóminos realizada em 11/10/2001, a que corresponde a ata nº 5, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, consignou-se que o condómino que não pagar os seus recibos nos prazos estipulados neste Regulamento fica sujeito ao pagamento de uma sanção pecuniária equivalente a 10% ao mês, calculada sobre o montante a liquidar, no mínimo de 10 Euros (dez euros) por cada mês de atraso, estabelecendo-se no seu nº 5 que serão suportadas pelo condómino que derem origem à acção, todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a Administração fizer para cobrar a quantia em dívida, incluindo os honorários de advogado ou solicitador, mesmo que, verificando-se o pagamento antes de proposta a acção tenham existido actos preliminares a este;
8 – A embargante apôs a sua assinatura no protocolo de entrega de convocatória referente à assembleia de condóminos a realizar no dia 13/02/2012, pelas 21H00 (cfr. documento de fls. 39, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
9 - Em 18/04/2012, a embargada remeteu à embargante carta registada com aviso de receção, a qual foi devolvida (cfr. documentos de fls. 40 e 41, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
10 – Em 20/02/2013, a embargada remeteu à embargante carta registada com aviso de receção a qual foi devolvida com a menção “Não atendeu” (cfr. documentos integrados no histórico eletrónico do processo executivo e os de fls. 45 e 46 destes autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
11 - Em 20/03/2013, a embargada remeteu à embargante carta registada com aviso de receção, a qual foi devolvida (cfr. documentos de fls. 42 a 44, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);
12 - A embargante apôs a sua assinatura no “2º Aviso de cobrança” respeitante às prestações de condomínio dos meses de Outubro a Dezembro de 2012, bem como do seguro multirriscos de 08/08/2011 a 08/02/2012, salientando-se ainda no mesmo que “Caso o pagamento do seguro multirriscos não seja efectuado até ao dia 23 de Novembro de 2012, a Fracção AI será de imediato retirada da apólice do seguro multirriscos do condomínio” (cfr. documento de fls. 47, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).
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Do título executivo dado à execução:
Em conformidade com o estatuído no artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil – já aplicável ao caso dos autos (correspondente ao anterior artigo 45º, nº 1) -, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da correspondente pretensão através de uma acção executiva; esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (Cfr. arts. 817º e 818º do CC).
No artº 703º nº1 do CPC, sob a epígrafe “Espécies de títulos executivos” consta que à execução apenas podem servir de base, entre os ali enumerados taxativamente, os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (alínea d).
Um desses documentos é a acta da reunião da assembleia de condóminos, previsto no artº 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro, no qual se estipula que a ata de reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Está, pois, em causa um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos previstos na al. d) do nº1 do elenco taxativo de títulos executivos constante do art. 703º do CPC.
Como se refere no Preâmbulo do citado DL, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio).
É que, como se ponderou no Ac. desta Relação, de 04.06.09, (acessível em www.dgsi.pt.) “sabendo-se das relações complexas que envolve a propriedade horizontal e das dificuldades (frequentes) criadas ao seu funcionamento, nomeadamente pela actuação relapsa e frequente de alguns condóminos, avessos a contribuir para as despesas comuns, sem que, não obstante, prescindam ou deixem de aproveitar dos benefícios da contribuição dos outros (revelador de, pelo menos, algum deficit de civismo), é criado um instrumento que facilite a cobrança dos valores devidos ao condomínio, legalmente previstos e regularmente aprovados”.
Daí que, e em conformidade, tenha sido atribuída, nos sobreditos termos, força executiva às actas das reuniões das assembleias de condóminos.
No que toca às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, estatui-se no nº1 do art. 1424º do CC que as mesmas são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções, dispondo-se, por outro lado, no nº2 do mesmo artº, que “Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação”.
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Feitas estas considerações de ordem genérica para melhor enquadramento da questão que nos ocupa, passemos à questão da penalização de 10% incidente sobre as prestações em dívida.
No requerimento executivo a embargada peticionou, entre outros, o pagamento pela executada das prestações condominiais relativas aos meses de janeiro a março de 2012, bem como as referentes aos meses de setembro de 2012 a novembro de 2013, acrescidas da penalização de 10% por cada um dos meses em atraso.
Reconhece a oponente a sua dívida quanto às prestações em dívida, mas entende que não existe título executivo para a penalização que lhe é solicitada.
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E com razão, em nosso entender.
Consta da matéria de facto provada (ponto 7) que “No artigo 29º, nº 2, do Regulamento do Condomínio aprovado por unanimidade em assembleia de condóminos realizada em 11/10/2001, a que corresponde a ata nº 5, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, consignou-se que o condómino que não pagar os seus recibos nos prazos estipulados neste Regulamento fica sujeito ao pagamento de uma sanção pecuniária equivalente a 10% ao mês, calculada sobre o montante a liquidar, no mínimo de 10 Euros (dez euros) por cada mês de atraso, estabelecendo-se no seu nº 5 que serão suportadas pelo condómino que derem origem à acção, todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a Administração fizer para cobrar a quantia em dívida, incluindo os honorários de advogado ou solicitador, mesmo que, verificando-se o pagamento antes de proposta a acção tenham existido actos preliminares a este”.
Considerou-se também na sentença recorrida que “…Relativamente à penalização de 10% por cada um dos meses em atraso, também deverá entender-se que a embargada dispõe do necessário título executivo, dado a mesma constar expressamente do Regulamento do Condomínio e este foi aprovado por deliberação inserta na ata nº 5 correspondente à assembleia de condóminos realizada em 11/10/2001…”.
Ou seja, reconhece-se, quer pelo exequente, quer na decisão recorrida, a inexistência de qualquer deliberação da assembleia de condomínio que tenha procedido à aplicação à executada da penalidade prevista no artº 29º nº 2 do Regulamento do Condomínio. Defende-se, no fundo, ser a mesma de aplicação automática com o fundamento de que tendo o regulamento de condomínio sido aprovado por deliberação dos condóminos, a acta que aprovou tal regulamento (acta nº 5) valeria ela própria como título executivo.
Mas não cremos que assim possa ser.
Sobre o Regulamento do Condomínio, prevê-se nos arts. 1418º, nº2, al. b), e 1429º-A, ns. 1 e 2, do Código Civil que caso não faça parte do título constitutivo, e havendo mais de quatro condóminos, deve ser elaborado – pela assembleia de condóminos ou pelo administrador – um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns.
O Regulamento do Condomínio aprovado por maioria constituiu uma deliberação normativa ou regulamentar, contendo um conjunto de regras gerais e abstratas, destinado a disciplinar no futuro a ação dos condóminos no gozo e administração do edifício (Cfr., neste sentido, Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina 2000, págs. 77 e 78).
O regulamento servirá, assim, para prever a disciplina legal do condomínio, no que esta tenha de supletivo.
Dispõe, por sua vez o artº 1434º do Código Civil - única norma que em tal diploma se refere à possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias aos condóminos – que “A assembleia pode (…) fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador” (nº1). “O montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento coletável anual da fração do infrator” (nº 2).
Segundo José Alberto Aragão Seia (“Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios”, 2ª ed., Almedina, pág. 192.), “o montante destas penas e os casos em que serão aplicáveis terá de ser deliberado em primeira convocatória, por maioria dos votos representativos do capital investido e, em segunda, por maioria dos votos dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.
Da redação dada ao art. 1434º, podem levantar-se dúvidas sobre se a faculdade aí prevista e que é atribuída à assembleia de condomínio se refere, tão só, à possibilidade de a assembleia de condomínio fazer constar no regulamento do condomínio a previsão genérica de determinadas sanções a aplicar aos condóminos em caso de incumprimento dos seus deveres, ou se contempla igualmente a atribuição da competência para a concreta aplicação ou “fixação” de tal sanção em determinado momento, face a uma situação de incumprimento em concreto.
A possibilidade de fixação de penas pecuniárias para a inobservância do cumprimento pontual de obrigações emergentes da lei ou de contrato corresponde ao princípio geral de estabelecimento de cláusulas penais, consagrado no art. 810º do Código Civil (Cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III).
E as penalidades previstas no art. 1434º do CC, quando visam sancionar a mora no cumprimento das comparticipações devidas ao condomínio, traduzem-se numa cláusula penal moratória, nos termos do nº1 do art. 811º do CC (Cfr., neste sentido, Acórdão do TRL de 13-11-2012, disponível in www.dgsi.pt.).
Ora, como consta da matéria de facto provada, no artigo 29º, nº 2, do Regulamento do Condomínio, aprovado por unanimidade em assembleia de condóminos realizada em 11/10/2001, a que corresponde a ata nº 5, consignou-se que o condómino que não pagar os seus recibos nos prazos estipulados neste Regulamento fica sujeito ao pagamento de uma sanção pecuniária equivalente a 10% ao mês, calculada sobre o montante a liquidar, no mínimo de 10 Euros (dez euros) por cada mês de atraso.
Como se decidiu no acórdão desta Relação e secção, de 24 de Setembro de 2013, que subscrevemos como adjunta, “A posição defendida pela oponente implica a tomada de posição quanto a duas questões:
1) Se, encontrando-se prevista no Regulamento de Condomínio a aplicação de uma sanção pela mora no pagamento das contribuições e despesas, tal aplicação é automática, dispensando a existência de uma deliberação da assembleia de condóminos no sentido da sua concreta aplicação a determinada situação de mora;
2) A ser de aplicação automática, e em caso de inexistir deliberação a determinar a sua concreta aplicação à situação em apreço, se a ata que aprovou o Regulamento do Condomínio constitui título executivo para a respetiva cobrança.
Ou seja, não se discute aqui se se encontram, ou não, reunidos os pressupostos para a aplicação à executada das penalidades em causa, mas tão só se o condomínio, relativamente às quantias que pretende cobrar a tal título, se fez acompanhar ou não de título executivo que as sustente (…).
E se o Regulamento do Condomínio validamente aprovado vale diretamente perante os condóminos e todos os utilizadores do edifício (nomeadamente perante os inquilinos). Se a inclusão no Regulamento do condomínio de uma cláusula que preveja o sancionamento dos condóminos por violação da lei ou do regulamento de condomínio, ou seja, a existência de uma norma a tal respeito, não dispensará (…) uma deliberação da assembleia para a imposição de uma pena em concreto: trata-se de uma pena que terá necessariamente que ser imposta pelo órgão deliberativo do condomínio.
Se o regulamento de origem interna resulta de uma deliberação da assembleia de condóminos, o mesmo contém deliberações normativas – tendo um objeto análogo ao acto legislativo, disciplinam com caráter de generalidade e de permanência uma série de relações.
Ou seja, e independentemente de existir no regulamento de condomínio uma norma genérica que preveja a aplicação de determinada sanção para o atraso no pagamento das quotizações do condomínio e demais despesas a cargo dos condóminos, a aplicação em concreto de tal sanção terá necessariamente que passar por uma deliberação da assembleia de condomínio, quer quanto à oportunidade de aplicação da mesma, quer quanto ao momento a partir do qual a mesma é liquidada, quer quanto à determinação do respetivo montante.
Nunca a previsão genérica no regulamento de condomínio poderia ser de aplicação “automática”: a aplicação de tal pena terá de ser objeto de uma decisão por parte do condomínio, na sequência de uma apreciação da situação em apreço que reconheça a ocorrência de uma violação de alguma disposição por parte do condómino, a sua gravidade e a oportunidade de aplicação da pena pecuniária prevista no Regulamento, bem como o respetivo montante.
Sendo a vontade do condomínio manifestada e atuada pelo órgão competente para o efeito, a assembleia de condomínio, só a existência de uma deliberação da assembleia de condomínio, devidamente lavrada em acta e sujeita às demais formalidades legais, nomeadamente quanto à respetiva comunicação aos demais condóminos e podendo ser impugnada nos termos gerais, permitirá o exercício do contraditório (…).
Ora, a acta pela qual se aprovou o Regulamento de Condomínio, ainda que nele se preveja a possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias aos condóminos adimplentes, não se enquadra no disposto da citada norma (ainda que em conjunto com a acta onde sejam exaradas as deliberações sobre os montantes de contribuições e despesas a cargo de determinado condómino), pelo que, nunca poderia constituir título executivo para a cobrança de uma concreta penalidade a um condómino (…)”.
Perfilhamos, pois, inteiramente, o entendimento do acórdão citado, que subscrevemos como adjunta, e no qual se discutiu questão idêntica à ora decidida.
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Em conclusão, inexistindo qualquer deliberação da assembleia do condomínio, devidamente exarada em acta, a determinar a aplicação de uma concreta pena pecuniária à executada e o respetivo montante, não dispõe o exequente de título executivo contra aquela, relativamente à penalização de 10% por cada um dos meses em atraso (de janeiro a março de 2012, cada uma no valor de € 104,79, bem como as referentes aos meses de setembro de 2012 a novembro de 2013, cada uma destas no valor de € 124,83).
Procedem, assim, na totalidade as conclusões das alegações da apelante.
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Sumário do Acórdão (artº 663º nº 7 do CPC):
I - O facto de o regulamento do condomínio, aprovado em acta, prever a aplicação de uma sanção específica para a mora no pagamento das prestações a cargo dos condóminos, o mesmo não é de aplicação automática, não dispensando a existência de uma deliberação da Assembleia de Condomínio onde essa sanção seja aprovada.
II - Inexistindo deliberação da assembleia de condomínio a determinar a aplicação de tal penalidade, inexiste título executivo que incorpore tal obrigação.
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DECISÃO:
Pelo exposto:
Julga-se procedente a Apelação, alterando-se a decisão recorrida, e determinando-se o prosseguimento da ação executiva intentada pela embargada, mas apenas para pagamento das prestações de condomínio relativas aos meses de janeiro a março de 2012, cada uma no valor de € 104,79, bem como as referentes aos meses de setembro de 2012 a novembro de 2013, cada uma destas no valor de € 124,83, bem como dos juros moratórios à taxa legal de 4% vencidos e vincendos até integral pagamento.
Custas (da Apelação) pelo recorrido.

Porto, 24.2.2015
Maria Amália Santos
José Igreja Matos
João Diogo Rodrigues