Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
480/10.6TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: CASAMENTO
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
CONSTRUÇÃO DE CASA EM TERRENO PRÓPRIO DE UM DOS CÔNJUGES
CONSTRUÇÃO COM DINHEIRO COMUM DO CASAL
BENFEITORIAS
COMUNICABILIDADE
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
Nº do Documento: RP20131209480/10.6TVPRT.P1
Data do Acordão: 12/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 216º, 1722º, 1723º, 1724º, 1725º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A construção de uma casa em terreno próprio, na pendência do casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, mesmo que não se prove ter sido paga com dinheiro próprio do cônjuge proprietário, não perde a qualidade de bem próprio deste.
II – Estamos perante despesas levadas a efeito e que integram a noção de benfeitorias úteis por força do disposto no artigo 216º, 1, 2 e 3, do CC.
III - Aumentaram o valor e deram origem à construção de um edifício, mas têm de continuar a ser reguladas e apreciadas na perspetiva de despesas e não da “coisa” a que deram lugar, a não ser para classificar essas mesmas despesas.
IV - A finalidade das despesas vai permitir a sua classificação, sem coisificação. Se assim não fosse, não teria tido qualquer interesse a noção dada pelo legislador, a qual, necessariamente, visou definir a natureza desta figura jurídica e, consequentemente, o seu regime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc 480/10.6TVPRT.P1
Apelação 1151/13
TRP – 5ª Secção

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I RELATÓRIO
1
B…, residente na Rua …, n.º …, ….-… …, intentou a presente ação ordinária contra
C…, residente na Rua …, n. …, .º, …, ….-… Porto, pedindo que:
a) - Se declare que a casa de habitação de cave, r/c e 1º andar, sita na Rua …, freguesia …, Oliveira de Azeméis, a confrontar do Norte com D…, do Nascente com E…, do Sul com F… e do Poente com Estrada, inscrita na respetiva matriz predial no artigo 1222º, com o valor de € 33.839,69, pertence exclusivamente ao demandante, por haver sido edificada, com dinheiro seu bem próprio; e
b) - Seja ordenada a sua eliminação da relação de bens constante dos autos de processo n. 2706/06.1TBOAZ-A.
Para o que alegou, em síntese, que foi casado com a Ré, de quem se divorciou; que na vigência desse matrimónio foi construída a casa em questão, mas que essa construção ocorreu a expensas suas, quer com o fruto do seu trabalho, quer com rendimentos provenientes do património herdado de seus pais.
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A Ré contestou, alegando, em resumo, que aquela casa, que o foi de morada do casal, teve a sua construção paga com dinheiro do casal, pois que a Ré trabalhou sempre como professora primária e com o rendimento desta profissão também contribuiu para essa edificação e para a demais vida económica do matrimónio.
Concluiu pela improcedência da ação.
3
À ação foi fixado o valor de € 33.839,69, o processo foi saneado e ocorreu a seleção dos Factos já Assentes e dos que passaram a integrar a Base Instrutória.
4
Teve lugar a Audiência Final, que culminou com a Decisão de Facto de fls. 540-543.
5
Foi proferida a Sentença em cuja parte dispositiva está escrito:
Pelo exposto, julgo acção parcialmente procedente e declaro que a casa de habitação de cave, r/c e 1º andar, sita na Rua …, freguesia …, Oliveira de Azeméis, a confrontar do Norte com D…, do Nascente com E…, do Sul com F… e do Poente com Estrada, inscrita na matriz respectiva sob o artigo 1222, com o valor de €33.839,69, pertence exclusivamente ao Autor, B…, por haver sido edificada, com dinheiro seu bem próprio.
No mais, julgo a acção improcedente e dela absolvo a Ré, C….
6
A Ré apelou desta Sentença, tendo formulado as CONCLUSÕES que de seguida se transcrevem -
«1.ª - Da audição dos registos dos depoimentos das testemunhas e da sua conjugação com a demais prova dos autos, resulta que nenhuma prova foi feita de que o Autor:
- Tenha construído a casa referida em C) e D) da factualidade assente com dinheiro próprio,
- Tenha pago aos empreiteiro de uma conta sua, porque não era só sua,
- Tenha herdado dinheiro de seu pai,
- Tenha utilizado dinheiro proveniente da venda de madeiras retirada de pinhais, igualmente herdados de seus pai,
- Que tenha constituído a “G…” com dinheiro que lhe deu seu pai,
- E que a Ré nunca tenha contribuído com qualquer valor para as obras.
2ª A sociedade G… foi constituída em Abril 1971, pelo Autor como sócio gerente, casado com a Ré no regime de comunhão de adquiridos.
3ª O Autor, no processo de Inventário nº 2706/06.1TBOAZ-A do 1º Juízo Cível do Tribunal Cível de Oliveira de Azeméis, relacionou a sua quota nessa sociedade como bem comum do extinto casal.
4ª Nos presentes Autos alegou que a mesma sociedade foi constituída com dinheiro que seu pai lhe deu, apesar de estar falecido há anos.
5ª A conta H… nº ………… do Banco H…, Balcão … é uma conta solidária e aberta em nome do Autor e da Ré na constância do matrimónio.
6ª De todo o acervo documental não foi identificada, indicada ou mencionada pelo Autor ou testemunha sua, qualquer montante relacionado com a construção da casa referida em C) e D).
7ª Do Auto de declarações de cabeça de casal, da descrição dos bens e a da ata da conferência de interessados da certidão de inventário por morte de seus pais (fls. 337-349), não consta a existência e adjudicação de qualquer verba em dinheiro para cada um dos interessados.
8ª Em toda a documentação bancária junta pelo Réu ora recorrido (de fls 213 a fls. 326), o Autor não consegue indicar ou identificar sequer um deles relacionado com a construção do mesmo imóvel. Tais documentos nem sequer foram aflorados em sede de audiência de julgamento
9ª A prova documental é considerada a prova mais forte do processo e nos presentes autos não houve qualquer, alegação, produção de prova que afastasse aquilo que dos autos consta.
10ª Pela fundamentação atrás exposta os factos que constam nos artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 da Factualidade Assente, devem ser julgados não provados.
11º Em consequência os factos que constam dos artigos 9, 10 e 12 da factualidade assente, devem ser julgados provados.
12ª Inexistem nos autos quaisquer outros factos que sustentem a condenação da Ré nos termos da sentença recorrida, mormente na declaração de que a casa identificada em C) e D) é bem próprio do Autor
13.ª O Tribunal “a quo” e bem assim a sentença não integrou os factos acima descritos com as regras da experiência comum e da normalidade.
14ª – Não podia o tribunal recorrido condenar a Ré) e declarar que a casa pertence exclusivamente ao Autor, não se encontrado provado pelo menos que ele utilizou dinheiro seu bem próprio na sua edificação;
15ª Da audição dos registos dos depoimentos das testemunhas e da sua conjugação com a demais prova dos autos, resulta que nenhuma prova foi feita de que o Autor tivesse utilizado dinheiro seu bem próprio na edificação da casa referida em C) e D) da factualidade assente.
16ª Perante este quadro factual e documental, o Tribunal a quo deveria ter decidido que a casa referida em C) e D) da factualidade assente foi edificada com dinheiro do Autor e da Ré, declarando-a bem comum por efeito do regime de bens do casamento-comunhão de adquiridos.
17ª A Douta Sentença ora recorrida violou, entre outros, os artigos 342.º/1, 1724º b), 1725º do Código Civil e 11º e 13º do Código de Registo Comercial.»
Termina pedindo a revogação da Sentença recorrida.
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O A. disse prescindir do direito de contra-alegar.
II FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
A –
Da Sentença constam como adquiridos para os autos os seguintes FACTOS -
A) A. e Ré foram casados, entre si, sob regime de comunhão de bens adquiridos, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio decretado em 25-10-2007 e nessa data transitado em julgado.
B) Corre termos no 1º Juízo Cível do Tribunal de Oliveira de Azeméis, sob nº 2706/06.1TBOAZ-A, o processo de inventário para partilha dos bens do dissolvido casal constituído por A. e Ré.
C) Na constância do casamento entre A. e Ré, mais concretamente entre o ano de 1985 e o ano de 1995, em terreno herdado pelo A. do seu pai, foi edificada uma casa de habitação.
D) Desde 31-08-1994 tal casa - a qual é composta por cave, rés–do–chão e 1º andar, sita na Rua …, freguesia …, concelho de Oliveira de Azeméis, a confrontar do Norte com D…, do Nascente com E…, do Sul com F… e do Poente com Estrada, inscrita na matriz predial respetiva no artigo 1222º, com o valor patrimonial de € 33.839,69 - passou a ser a casa de morada de família.
E) No inventário referido em B) o Autor, aí cabeça-de-casal, relacionou a sobredita casa como um direito de crédito.
F) Na sequência de uma reclamação apresentada à relação de bens pela ora Ré e da produção da respetiva prova, decidiu o Tribunal que o valor da benfeitoria (casa de morada de família) deveria ser relacionada como dívida do proprietário do terreno (o ora Autor) ao património comum do casal, sem prejuízo de, face à complexidade da matéria de facto subjacente à questão suscitada, as partes poderem recorrer às ações competentes.
G) O pai do A. faleceu em 12-10-1967 e a mãe do A. em 06-05-1977.
1º A casa referida em C) e D) foi edificada com dinheiro do A.;
2º (…) tendo este procedido ao pagamento dos respetivos valores, aos vários empreiteiros, com dinheiro da sua conta nº ………… do Banco H…, Balcão …;
3º (…) dinheiro que herdara do seu pai;
4º (…) e proveniente da venda de madeiras retirada de pinhais, igualmente herdados do seu pai;
5º (…) e também dos rendimentos retirados da empresa “G…”, que constituiu com dinheiro que lhe deu o seu pai;
6º (…) não tendo a Ré contribuído, enquanto exerceu a sua profissão de professora e, ulteriormente, após reformada, com qualquer valor para as referidas obras.
8º O A. também comprava géneros alimentares para o casal.
11º Na constância do casamento a Ré também suportava, com o seu salário, despesas alimentação, vestuário, educação do filho, saúde e demais despesas correntes.
B –
O Recurso e os Factos
A Apelante pretende, antes de mais, impugnar a Decisão de Facto no que diz respeito aos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, que deverão, no seu entender, ser julgados não provados, 9º, 10º e 12º, que no seu entender, deverão ser julgados provados.
Para esse desiderato invocou a prova produzida – testemunhal e documental.
São os seguintes os Factos em questão –
1º - A casa referida em C) e D) foi edificada com dinheiro do A.
2º - Tendo este procedido ao pagamento dos respetivos valores, aos vários empreiteiros, com dinheiro da sua conta nº …………. do Banco H…, balcão ….
3º - Dinheiro que herdara do seu pai.
4º - E proveniente da venda de madeiras retiradas de pinhais, igualmente herdados do seu pai.
5º - E também dos rendimentos retirados da empresa “G…”, que constituiu com dinheiro que lhe deu seu pai.
6º - Não tendo a Ré, enquanto exerceu a sua profissão de professora e, ulteriormente, após reformada, nunca contribuído com qualquer valor para as referidas obras.
7º - Nem sequer para os encargos normais da vida familiar.
9º - A casa referida em C) e D) foi paga também com o salário que a Ré auferia como professora primária.
10º - Tendo a empresa referida em 5º sido constituída também com os rendimentos do casal.
12º - O pai do A. não lhe deixou qualquer dinheiro.

Apreciando a prova testemunhal produzida –
I…, que foi empregada do casal (A. e Ré) e que, após a separação, ficou a trabalhar só para o A. e deixou de falar com a Ré, referiu que ouviu dizer que era o A. que pagava as obras e que a Ré lhe pediu dinheiro emprestado, em algumas ocasiões, pois que teve dificuldades financeiras, referiu, ainda, que o A. vendeu umas matas herdadas dos pais e que destes também herdou dinheiro.
Deste depoimento não ficamos a saber, em concreto, como e com que dinheiro foram pagas as obras de construção da casa.
J…, que trabalhou na construção da casa, esclareceu que viu o A. efetuar alguns pagamentos da obra.
Daqui não resulta a origem do dinheiro com que o A. procedeu a esses pagamentos.
K…, que, entre outras atividades, se dedicou ao comércio da madeira, tendo dito que, há cerca de 30 anos, comprou, por 3 vezes, madeira ao A., a qual fora por este herdada de seus pais, tendo pago 15.000.000$00 a passar.
Daqui não resulta, contudo, qual o destino dado a esse dinheiro.
L…, que conhece o casal há mais de 30 anos, disse que a casa foi construída em terreno que o A. herdara de seus pais, que a Ré, à 6ª feira e ao mercado e, com dinheiro da Ré, comprava peixe; que a Ré pagava a renda da casa onde viviam e que os cortes dos pinheiros foram coincidentes com a construção da casa.
Daqui só resulta a coincidência temporal e que a Ré fazia face, com dinheiro seu, a algumas despesas do casal.
M…, que foi colega da Ré e disse que pensa que os dois (A: e Ré) contribuíram para a construção da casa.
A documentação junta, apesar de vasta, nada nos revela quanto à origem do dinheiro com o qual foi paga a construção da casa e adquirida a participação social da G….
Assim, a Decisão de Facto é a seguinte
Pontos 1º e 2, em conjunto – provado, apenas, que era o A. que habitualmente procedia ao pagamento aos empreiteiros dos custos da construção da casa;
Ponto 3º - não provado;
Ponto 4º - provado, apenas, que o A. recebeu dinheiro pela venda de madeira retirada de pinhais que herdara de seu pai;
Ponto 5º - provado, apenas, que o A. exercia a sua atividade profissional no âmbito da empresa G…, da qual retirava os proventos para os gastos normais da sua vida e do seu agregado familiar;
6º, 7º, 9º, 10º e 12º - não provado.

DE DIREITO
O A. e a Ré foram casados, um com o outro, sob o regime da comunhão de adquiridos.
Neste regime é possível haver bens próprios de cada um e bens comuns.
Conforme escreveram FRANCISCO PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2001, p. 505: “Só se comunicam os bens adquiridos depois do casamento a título oneroso. É esta a ideia geral que define o regime e que corresponde, basicamente, à ideia de só tornar comum aquilo que exprime a colaboração de ambos os cônjuges no esforço patrimonial do casamento.”
Os artigos 1722º e 1723º do CC preceituam quais são os bens considerados como próprios e o artigo 1724º do CC determina quais são os bens considerados comuns.
Por seu turno, o artigo 1725º do mesmo código estipula que “quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns”.
No caso dos autos estamos perante a construção de uma casa levada a cabo na pendência do casamento das Partes, mas implantada em terreno que era bem próprio do A.
Não logrou, contudo, o A. provar que essa construção fora paga com dinheiro próprio dele, como pretendia. Sabemos que os pagamentos foram habitualmente levados a cabo pelo A., mas desconhecemos a origem desse dinheiro.
Sendo certo que, havendo dúvidas sobre a comunicabilidade desse dinheiro, como acima referido, o mesmo tem de ser considerado comum.
Houve, assim, despesas com a construção do edifício em terreno que era bem próprio do A.
Como despesas terão de ser definidas como benfeitorias úteis face ao disposto no artigo 216º, 1, 2 e 3, do CC. Atente-se que a noção legal de benfeitorias é simplesmente de despesas e como tal tem de ser realizado o respetivo enquadramento jurídico e determinada a sua regulamentação, excluindo desta o resultado destas despesas a não ser para a sua classificação como necessárias, úteis ou voluptuárias – quanto à definição de “benfeitorias” pode-se ver, além do mais, JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pp. 200-202; A. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 2ª ed., Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pp. 184-186; LUÍS DE MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, Almedina, 2009, pp. 82 e 83; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Parte Geral, das Coisas, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 175 e 176; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2000, pp. 390-392; LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 6ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 308-310. Sobre a possibilidade de encarar a benfeitoria como despesa ou coisa, posição a que não aderimos, pode ver-se o Ac. da Relação de Coimbra, de 23-10-2012, de que foi relator VIRGÍLIO MATEUS. Na verdade, a benfeitoria é sempre uma despesa que pode originar ou não uma obrigação de indemnizar e nada mais. Só num sentido amplo, que não o técnico e o utilizável para determinação do seu regime jurídico, se pode usar o termo benfeitoria, coisificando-o.
E as realizadas pelas Partes desta ação são benfeitorias úteis comuns, no sentido de despesas comuns que aumentaram o valor do prédio do A., mas que não eram necessárias para a sua conservação.
Aumentaram o valor e deram origem à construção de um edifício, mas têm de continuar a ser reguladas e apreciadas na perspetiva de despesas e não da “coisa” a que deram lugar, a não ser para classificar essas mesmas despesas. A finalidade das despesas vai permitir a sua classificação, sem coisificação. Se assim não fosse, não teria tido qualquer interesse a noção dada pelo legislador, a qual, necessariamente, visou definir a natureza desta figura jurídica e, consequentemente, o seu regime.
Daqui resulta que não pode ter qualquer influência na alteração da natureza de bem próprio para bem comum – ver, entre outros, o Ac. da Relação de Coimbra, de 15-2-2011, em www.dgsi.pt, sendo relator ALBERTO RUÇO. Aliás, no caso dos autos nem sequer está alegado que o valor dessas despesas tenha sido superior ao valor do terreno, ou qual o valor de cada uma dessas parcelas (terreno e construção), nem alegada foi qualquer situação da qual tivesse resultado a passagem de próprio para comum.
E sabemos que na hipótese dos autos não é aplicável ou invocável a acessão industrial imobiliária, atenta a relação da Ré para com o terreno, que não é estranha ou que não tem qualquer contacto com ele – ver, por todos, o Ac. da Relação do Porto, de 11-7-2012, em www.dgsi.pt, de que foi relatora ANA PAULA CARVALHO, o cit. Ac. da Relação de Coimbra, de 15-2-2011, e Ac. da Relação de Coimbra, de 5-2-2013, relatado por JORGE ARCANJO, loc. cit..
No caso vertente haverá, eventualmente, a obrigação de compensação do património da Ré, mas esse pedido não foi formulado nestes autos.
E o A., que formulou dois pedidos – 1º declaração de que a casa de habitação de cave, r/c e 1º andar, sita na Rua …, freguesia …, Oliveira de Azeméis, a confrontar do Norte com D…, do Nascente com E…, do Sul com F… e do Poente com Estrada, inscrita na respetiva matriz predial no artigo 1222º, com o valor de € 33.839,69, pertence exclusivamente ao demandante, por haver sido edificada, com dinheiro seu bem próprio; e 2º - a determinação da sua eliminação da relação de bens constante dos autos de processo n. 2706/06.1TBOAZ-A, não impugnou a decisão de improcedência quanto ao 2º e não logrou provar a parte final do 1º.
III DECISÃO
Por tudo o que exposto fica, acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação, em revogar parcialmente a Sentença, em condenar a Ré a reconhecer que a casa de habitação de cave, r/c e 1º andar, sita na Rua …, freguesia …, Oliveira de Azeméis, a confrontar do Norte com D…, do Nascente com E…, do Sul com F… e do Poente com Estrada, inscrita na matriz respetiva sob o artigo 1222, com o valor de €33.839,69, é bem próprio do Autor, B…, e em absolver a Ré do mais pedido pelo A.
Custas, nesta e na 1ª instância, a meias por A. e Ré.

Porto, 2013-12-09
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
Correia Pinto
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Tendo em atenção o acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO
I – A construção de uma casa em terreno próprio, na pendência do casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, mesmo que não se prove ter sido paga com dinheiro próprio do cônjuge proprietário, não perde a qualidade de bem próprio deste.
II – Estamos perante despesas levadas a efeito e que integram a noção de benfeitorias úteis por força do disposto no artigo 216º, 1, 2 e 3, do CC.
III - Aumentaram o valor e deram origem à construção de um edifício, mas têm de continuar a ser reguladas e apreciadas na perspetiva de despesas e não da “coisa” a que deram lugar, a não ser para classificar essas mesmas despesas.
IV - A finalidade das despesas vai permitir a sua classificação, sem coisificação. Se assim não fosse, não teria tido qualquer interesse a noção dada pelo legislador, a qual, necessariamente, visou definir a natureza desta figura jurídica e, consequentemente, o seu regime.

Soares de Oliveira