Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
89/14.5TTMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL DO TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
CONVOLAÇÃO
Nº do Documento: RP2015041389/14.5TtMAI-A.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Não obstante a convolação, em 01.01.2009, do contrato individual de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas (por virtude da entrada em vigor das Leis 12-A/2008, de 27.02 e 59/2008, de 11.09), as (atualmente denominadas) Secções do Trabalho são materialmente competentes para a apreciação dos pedidos referentes ao período que decorreu até essa convolação e, bem assim, para os demais posteriores a esse período verificada que seja a conexão prevista no art. 126º, al. n), da Lei 62/2013, de 26.08 (similar à al. o) da Lei 3/99, de 31.05).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 89/14.5TTMAI-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 809)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, aos 06.02.2014, litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Câmara Municipal …, tendo formulado o seguinte pedido:
“a) Seja determinada a citação prévia da Ré;
b) Seja a Ré condenada a reconhecer que o Autor integrou a categoria profissional de Coordenador Técnico, desde Setembro de 2007, e em consequência:
• Seja condenada a pagar ao Autor as diferenças salariais emergentes da diferença entre o salário base que o Autor tinha direito a auferir, atendendo à categoria profissional de Coordenador Técnico e o salário que efectivamente auferiu, e que se fixam em €32.253,32 (…);
• Seja a Ré condenada ao pagamento de juros sobre as quantias acima mencionadas, desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4%, e que no dia de hoje ascendem já a €4.754,33 (…).
c) Seja a Ré condenada a pagar ao Autor a retribuição devida pela prestação de trabalho suplementar, no montante de €4.165,08 (…), acrescida de juros, calculados à taxa de 4%, desde a data do vencimento até ao seu integral pagamento;
Sem conceder,
d) Caso não seja declarado procedente o pedido constante na alínea b), (o que não se aceita e apenas se invoca por dever de patrocínio), sempre as horas de trabalho suplementar prestadas pelo Autor deverão ser retribuídas por referência ao seu salário de €683,13 (…), pelo que deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor, a esse título, a quantia de €2.916,00 (…), acrescida de juros, calculados à taxa de 4%, desde a data do vencimento até ao seu integral pagamento;
e) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €1.456,94 (…) a título de retribuição pelo período de descanso compensatório remunerado cujo gozo não foi concedido pela Ré ao Autor, acrescida de juros, calculados à taxa de 4%, desde a data do vencimento até ao seu integral pagamento.
Sem conceder,
f) Caso não seja declarado procedente o pedido constante na alínea b), (o que não se aceita e apenas se invoca por dever de patrocínio), sempre o descanso compensatório deverá ser retribuído por referência ao salário do Autor de €683,13 (…), devendo a Ré ser condenada, a este título, a pagar ao Autor a quantia de €844,88 (…).
g) Seja declarado sem termo o contrato de trabalho em referência;
h) Seja declarado ilícito o despedimento do Autor e, em consequência:
• Seja a Ré condenada a reintegrar o Autor, no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria.
• Seja a Ré condenada a pagar ao Autor as retribuições que se vencerem desde o dia 06 de Janeiro de 2014 até trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.”.
Para tanto, alega em síntese que:
Foi admitido ao serviço do Réu a 12.02.2007, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo de seis meses, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Assistente Administrativo, com a retribuição mensal de €683,13; tal contrato não estava sujeito a renovações automáticas, a não ser que houvesse vontade das partes, sendo que, não obstante se ter mantido ao serviço do réu, de forma ininterrupta, até 12.02.2013, nenhum outro contrato foi celebrado; no dia 16.01.2013, foi-lhe comunicado que o mencionado contrato caducaria no 12.02.2013; tendo sido ultrapassado o limite máximo de três anos de duração do contrato a termo, aos 12/02/2010 já o mesmo se havia convertido em sem termo (art. 147º do CT/2009), consubstanciando a comunicação da caducidade um despedimento ilícito.
Desempenhou as funções inerentes à categoria profissional de Assistente Administrativo até Setembro de 2007, mês a partir do qual passou a desempenhar funções inerentes à categoria profissional de Coordenador de Segurança do C… que é explorado pela Autarquia … através da D…, EM. De acordo com o disposto na Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a carreira de assistente técnico desdobra-se em duas categorias: a) assistente técnico; b) coordenador técnico, sendo que as funções que passou a desempenhar se enquadram nesta categoria, pelo que nela deverá ser integrado desde Setembro de 2007 a que correspondia o índice remuneratório 360 e o vencimento base de €1.176,30, reclamando assim a quantia global de €32.253,32 de diferenças salariais desde essa data – setembro de 2007 - até fevereiro de 2013.
Entre 14.01.2012 e 03.02.2013 prestou 371 horas de trabalho em dias de descanso semanal (sábados e domingos), trabalho suplementar este que a Ré não lhe pagou, nem tendo dado a gozar os dias de descaso compensatório.

A ré, “Câmara Municipal …”, contestou por exceção e por impugnação. Por exceção invocou a incompetência material deste Tribunal do Trabalho para conhecimento do objeto da ação, sustentando, em síntese, que, face aos pedidos formulados nos autos pelo autor – condenação da ré a reconhecer a categoria profissional de coordenador técnico, a pagar a retribuição devida pela prestação de trabalho suplementar, a reconhecer como sem termo o contrato de trabalho em causa nos autos, bem como a ilicitude do seu despedimento – atento o disposto nos artigos 64.º do Código de Processo Civil, 1º do E.T.A.F. e 85.º da Lei n.º 12-A/2008, carece aquele tribunal de competência em razão da matéria para conhecer de tais pedidos. E, em sede de impugnação, alegou, para além do mais, que por “despacho datado de 11 de Janeiro de 2010, o contrato foi renovado nos termos do artigo 14º da Lei 59/2008 de 11 de Setembro” e que “[n]a sequência do exposto e nos termos na alínea a) do artigo 251º da Lei n.º 59/2008, a caducidade do contrato ocorreu no dia 12 de Fevereiro de 2013”.
Terminou pedindo a sua absolvição da instância ou, se assim se não entender, pela sua absolvição dos pedidos.

O A. respondeu, pugnando pela sua improcedência de tal exceção por entender que, de acordo com a factualidade descrita na sua petição inicial, se está perante um contrato regulado por normas de direito privado, designadamente, do Código do Trabalho, e não perante uma relação jurídica administrativa, não estando aqui em questão um litígio emergente de um contrato de trabalho em funções públicas.

Foi proferido despacho saneador julgando improcedente a mencionada exceção dilatória da incompetência, em razão da matéria, do Tribunal do Trabalho, fixando o valor da ação em €42.629,67 e determinando o prosseguimento da ação.

Inconformada, veio a Ré recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. O autor, ao longo da sua petição inicial, faz referência a diversas normas da lei n.º 12-A/2008, concretamente, nos artigos 50º, 55º, 57º e 58º da pi., pelo que, e ao contrário do referido na sentença, os pedidos do autor fundamentam-se no âmbito da modalidade de contrato em funções públicas e não no âmbito de uma relação emergente de contrato individual de direito privado.
2. Sem prescindir do exposto, o Recorrente esclarece que a lista nominativa de transições e manutenções encontra-se publicada na página electrónica do site do Município … e que a notificação aos trabalhadores foi efectuada através de edital, cfr. documento n.º 1 e n.º 2 3. Por outro lado o art. 22º da LOFTJ dispõe que “ A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe ….”
3. Por outro lado o art. 22º da LOFTJ dispõe que a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe …”.
4. Assim sendo e uma vez que a acção foi proposta em 2014 nessa desta já estava em vigor o referido no artigo 83º, nº1 da Lei nº12-A/2008 que estabelece que são competente para apreciar os litígios emergente das relações jurídicas de emprego público os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
5. Ou seja, com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 e da Lei n.º 59/2008, de 11.09, os tribunais competentes para conhecer a relação do trabalho invocada nos presentes autos são os Tribunais Administrativos,
6. referindo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-05-2012 “Com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 e da Lei n.º 59/2008, de 11.09, o que define a competência do tribunal para conhecer do litígio emergente da celebração de um contrato de trabalho é a qualidade da “entidade empregadora”.
7. II - Se estivermos perante uma entidade empregadora pública, como é o caso de uma autarquia local, os tribunais administrativos e fiscais são os competentes para conhecer da invocada relação de trabalho.”
8. Assim sendo, o despacho recorrido viola o disposto do artigo 83º da Lei 12- A/2008 e o artigo 22º da LOFTJ TERMOS EM QUE DEVE O DESPACHO SER REVOGADO, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, (…)”.
Com as alegações juntou aos autos dois documentos, que constam de fls. 151/152 e 177 a 235.
O Recorrido contra-alegou, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Tendo o Digníssimo Tribunal a quo decidido pela sua competência para tanto, entende o Recorrido que tal decisão não merece qualquer censura, não existindo qualquer razão de direito que fundamente a sua revogação.
2. Como é uniformemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, a competência material dos tribunais determina-se segundo os termos em que foi proposta a acção, ou, por outras palavras, de acordo com o pedido e a causa de pedir da acção, aferindo-se, assim, pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial.
3. Os Tribunais Judiciais têm uma natureza supletiva ou subsidiária, isto é, compete-lhes julgar as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, nos termos dos artigos 211.º n.º 1 da C.R.P., 64.º do Código de Processo Civil e 18.º da L.O.F.T.J., aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
4. Segundo o artigo 212.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
5. Assim, o legislador constituinte quis que os tribunais administrativos fossem os tribunais comuns, a jurisdição ordinária ou natural em matéria administrativa, parecendo estabelecer, no citado preceito, uma reserva relativa de competências dos tribunais administrativos, para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, conforme, também, está preceituado no número 1 do artigo 1.º do E.T.A.F., aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, quando se enuncia que «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
6. Com efeito, é o próprio E.T.A.F. que delimita, quer positiva, quer negativamente, o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, sendo que do número 1 do artigo 4.º consta o elenco das matérias submetidas à jurisdição dos Tribunal Administrativos e Fiscais e nos números 2 e 3 do mesmo artigo enunciam-se expressamente as matérias excluídas da referida jurisdição.
7. Assim, resulta do disposto nos referidos preceitos do E.T.A.F. que, por um lado e em regra, incumbe à jurisdição administrativa o julgamento, de quaisquer acções que tenham por objecto litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, ou seja, litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada e, por outro lado, que o conceito de relação jurídica administrativa é o critério determinante da repartição da jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais.
8. Daí que não caiba na jurisdição dos tribunais administrativos dirimir litígios não emergentes de relações jurídicas administrativas.
9. Como resulta da factualidade descrita na Petição Inicial, o Recorrido celebrou com a Recorrente um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, e entende que o mesmo se configura como um contrato sujeito ao direito privado.
10. Nestes termos, o pedido do Recorrido reconduz-se à declaração de que somente existe, entre Autor e Ré, um único vínculo jurídico-laboral privado e à convolação desse vínculo precário num vínculo definitivo, isto é, num contrato de trabalho sem termo, em virtude da Recorrente ter violado as regras da admissibilidade e vigência da celebração de contratos de trabalho a termo certo, determinadas no Código do Trabalho.
11. Temos, assim, que o contrato em que radica a relação jurídica controvertida nos presentes autos é regulado por normas de direito privado, designadamente, o Código de Trabalho, estando o Recorrido vinculado à Recorrente através do regime de contrato individual de trabalho, sendo esse contrato o fundamento da pretensão formulada pelo Autor de ver reconhecidas as posições subjectivas que invoca, destarte se tornando evidente que não estamos perante uma relação jurídica administrativa, não estando, aqui, em questão, um litígio emergente de um contrato de trabalho em funções públicas.
12. O invocado pelo Recorrido na sua Petição Inicial – artigos 50.º, 55.º, 57.º e 58.º - não tem qualquer relação com o facto de qualificar o mesmo o contrato que o unia à Recorrente como contrato de trabalho em funções públicas.
13. Tais referências prendem-se apenas com o referencial salarial e de carreira de que o Recorrido se tem que socorrer, não obstante ter com a Recorrente – integrante da estrutura administrativa pública – um contrato de trabalho sujeito ao regime privado; quer isto dizer que tais referenciais não têm qualquer influência na qualificação do vínculo laboral.
14. Note-se, assim, que a alínea d), do número 3, do artigo 4.º do E.T.A.F. determina claramente que ―Ficam excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contrato de trabalho em funções públicas. – negrito e sublinhado nossos.
15. Por conseguinte, não estando nos presentes autos em causa a apreciação de um contrato de trabalho em funções públicas, mas de contratos de trabalho sujeito do direito privado, a jurisdição administrativa e fiscal está claramente excluída para apreciar a presente relação jurídica controvertida.
16. Este é o sentido unanimemente seguido pela maioria da jurisprudência, podendo-se destacar, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 5 de Maio de 2011, e ainda o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 09 de Março de 2004: – ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
17. Pelo exposto, a jurisdição Cível é a competente, sendo que o Tribunal de Trabalho da Maia é material, hierárquica e territorialmente competente para conhecer da pretensão formulado pelo Recorrido.
18. O argumento vertido no ponto 2 da alegação, e na segunda conclusão da mencionada peça processual ancora-se em factos não alegados pela Recorrente em sede de Contestação.
19. Considerando-se que o Tribunal ad quem apenas pode conhecer da matéria que se fixou, e que pôde ser fixada em primeira instância. Evidentemente que, nunca tendo esta matéria sido alegada, não pôde nem o Autor nem o Tribunal a quo tomar posição sobre tal matéria.
20. Consequentemente, não deverá ser considerado o argumento na presente sede.
21. Nos termos do disposto no artigo 63.º do Código de Processo do Trabalho, as partes devem juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas com os articulados.
22. Já nos termos do disposto no artigo 651.º do CPC, as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º e bem assim no caso de a junção se ter tornado necessária e em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
23. Atenta a data que é atribuída aos documentos número 1 e 2 juntos com a alegação de recurso, a junção dos mesmos teria sido possível aquando da contestação, e antes da prolação da decisão em crise por parte da Recorrente, o que torna inadmissível a presente junção.
24. Consequentemente, deverá ser ordenado o desentranhamento dos mesmos, dada a inadmissibilidade da sua presente junção.
Nestes termos e nos mais de direito que Vas. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação mui doutamente suprirão, requer-se seja o recurso de apelação em resposta ser declarado integralmente improcedente, mantendo-se assim a decisão em crise, (…)

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Questão prévia
Da junção, pela Recorrente, dos documentos de fls. 151/152 e 177 a 235

Com vista ao alegado na conclusão 2ª, a Recorrente veio juntar os mencionados documentos, junção essa a que o Recorrido se opõe, referindo que se trata de facto não alegado em sede de contestação, sobre o qual nem o A., nem o Tribunal a quo pôde tomar posição, tal junção poderia ter tido lugar com a contestação atenta a data do documento, pelo que não é ela admissível face ao disposto no art. 651º do CPC.
Vejamos.

1. Dispõe o art. 651º, nº 1, do CPC/2013 que “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.”
Por sua vez, de harmonia com os arts. do referido diploma:
- Art. 423º: “1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2. Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3. Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. ”
- Art. 425º: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”.

2. Tais documentos consistem:
- O de fls. 151/152 em “EDITAL” emitido pela Divisão de Recursos Humanos da Ré, datado de 25.05.2009 e assinado pela Vereadora dessa Divisão, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
“E…, vereadora, com competências delegadas para o Pelouro de Recursos Humanos da autarquia, por despacho do Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal de três de Novembro de dois mil e cinco, leva ao conhecimento de todos os trabalhadores, nos termos e para os efeitos previstos no art. 109º da Lei nº 12-a/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreira e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (LVCR), a lista nominativa das transições referidas nos artigos 88º e seguintes, bem como da manutenção das situações jurídico-funcionais neles previstas e nessa conformidade, são adoptados os seguintes procedimentos, com, os fundamentos abaixo enunciados:
a) Resulta do nº 1 do artigo 109º da LVCR que, a lista nominativa deve ser notificada a cada um dos trabalhadores;
b) Nos termos do previsto no nº 1 do artigo 70º do Código de Procedimento administrativo (CPA), as notificações podem revestir diversas modalidades de entre as quais a edital;
c) Devido ao elevado número de trabalhadores em exercício de funções na CM … (a 1 de Janeiro de 2009 eram 1890 trabalhadores) e com os fundamentos previstos na alínea d) do nº 1 do artigo 70º do CPA “Por edital (…), se os interessados forem (… em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.”;
d) Por outro lado, devido ao facto de existirem diversos serviços/unidades orgânicas fisicamente localizadas em diferentes locais, bem como a existência de diversos horários, torna inconveniente ou praticamente impossível, notificar cada um dos trabalhadores;
e) Nessa conformidade, ficam os trabalhadores nos termos e para os efeitos previstos no artigo 109º da LCR, conjugado cm alínea d) do nº 1 do artigo 70º do CPA, notificados das transições referidas nos artigos 88º e seguintes, bem como da manutenção das situações jurídico-funcionais neles prevista, conforme lista nominativa que segue em anexo e que faz parte integrante deste edital.
f) é extraída cópia do mencionado edital, contendo a lista nominativa que, será afixado em cada serviço/unidade orgânica.
g) Será o edital e respectiva lista nominativa inserida na página electrónica da CM ….
Para constar, se lavrou o presente edital, acompanhado da lista nominativa que, será afixado respetivamente nos Paços do Município, bem como em todos os serviços/unidades orgânicas da entidade empregadora pública – Câmara Municipal ….
(…).”
- O de fls. 153 a 253 na lista nominativa dos trabalhadores a que se reporta o mencionado edital, do qual consta, a fls. 203, o nome do A. e, sob as designações “Modalidade de Vinculação”, “Cargo/Carreira”, “Categoria”, “Escalão Remuneratório”, “Indíce Remuneratório”, “Mod. Rel. Jur. Emprego Público”, “Categoria”, “Escalão Remuneratório”, “Indíce Remuneratório” seguinte, respetivamente: “Contrato a Termo Certo”, “Assistente Administrativo”, “Assistente Administrativo”, “1”, “199”, “Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP) a termo resolutivo certo”, “Assistente Técnico”, “Assistente Técnico”, “1ª”, “5”.

3. Na decisão recorrida, que foi proferida no despacho saneador, referiu-se, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Esta lei n.º 59/2008 veio estabelecer no seu artigo 17.º/2 que «sem prejuízo do disposto no artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem a dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato».
Aquele artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, que tem como epígrafe lista nominativa da transições e manutenções, por sua vez, dispõe, na parte que ora interessa, o seguinte:
«1 - As transições referidas nos artigos 88.º e seguintes, bem como a manutenção das situações jurídico-funcionais neles prevista, são executadas, em cada órgão ou serviço, através de lista nominativa notificada a cada um dos trabalhadores e tornada pública por afixação no órgão ou serviço e inserção em página eletrónica.
2 - Sem prejuízo do que na presente lei se dispõe em contrário, as transições produzem efeitos desde a data da entrada em vigor do RCTFP.
3 - Da lista nominativa consta, relativamente a cada trabalhador do órgão ou serviço, entre outros elementos, a referência à modalidade de constituição da sua relação jurídica de emprego público, às situações de mobilidade geral do, ou no, órgão ou serviço e ao seu cargo ou carreira, categoria, atribuição, competência ou atividade que cumpre ou executa, posição remuneratória e nível remuneratório. …».
Ora, no caso presente, não resulta da petição inicial (nem sequer da contestação) qualquer referência à integração do autor na referida lista, nem que a mesma tivesse sido publicada, donde não podermos afirmar que o mesmo tivesse transitado para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas [neste sentido, cfr. AC TRL de 26.09.2012, in www.dgsi.pt].
Somos, pois, e deste modo, levados a concluir que os pedidos deduzidos pelo autor se fundam na alegada relação emergente de contrato individual de trabalho, de direito privado, integrando-se por isso a presente ação na previsão da alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ que atribui aos tribunais do trabalho competência para conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado.
(…)”.
Como decorre do excerto transcrito, a decisão recorrida alicerçou a competência material do Tribunal do Trabalho (para além de ouro fundamento a que adiante aludiremos) na circunstância de, na petição inicial e na contestação, não ser feita qualquer referência à integração do A. na lista a que se reporta o art. 109.º da Lei n.º 12-A/2008.
Desde logo, não podemos deixar de referir que o A., pese embora descreva, até com alguma minúcia, a evolução contratual que manteve com a Ré, omitiu todavia qualquer referência à mencionada lista e à convolação do seu contrato de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas como, caso se tivesse verificado e em obediência ao dever de alegação de factos que poderiam ser relevantes, poderia e deveria ter alegado.
Por sua vez, a Ré, considerando que tal facto seria relevante, não deveria ter descurado a sua alegação de forma explícita, o que não fez. Não obstante, na contestação e como deixámos referido no relatório do presente acórdão, alegou que “despacho datado de 11 de Janeiro de 2010, o contrato foi renovado nos termos do artigo 14º da Lei 59/2008 de 11 de Setembro” e que “[n]a sequência do exposto e nos termos na alínea a) do artigo 251º da Lei n.º 59/2008, a caducidade do contrato ocorreu no dia 12 de Fevereiro de 2013” [sublinhados nossos], alegação esta que tem implícita essa convolação.
Ora, ainda que os documentos devam ser juntos com os articulados e, no caso, os documentos em questão sejam de data anterior a contestação (pelo que poderiam ter sido juntos com esta), o certo é que, sendo a questão decidida em sede de despacho saneador e afastada que fica a possibilidade da sua junção ulterior, perante tal alegação e entendendo o tribunal a quo que tal alegação se mostraria necessária à determinação da jurisdição competente, deveria ter formulado convite às partes, mormente à Ré, no sentido de esclarecer tal questão - art. 27º, al. b), do CPT).
Afigura-se-nos, assim, que a junção dos documentos em questão é admissível nos termos dos arts. 423º, nº 2 e 425º do CPC.
Mas, mesmo que assim se não entendesse, ela seria admissível por, nos termos do art. 651º, tal junção se ter tornado necessária em face da decisão recorrida, atentas, no essencial, as razões apontadas. Na contestação estava implicitamente alegada a convolação do contrato de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas, havendo a decisão recorrida sido proferida em sede de despacho saneador, sem que tivesse o Tribunal a quo, previamente, esclarecido tal questão e concedido às partes, mormente à ré, a possibilidade de, sobre ela, se pronunciar; consequentemente, não era, para a Ré, expectável uma tal decisão, com base em tal fundamento, o que justifica a possibilidade da junção de tais documentos com as alegações de recurso, embora sujeita, essa junção, a multa uma vez que poderiam os documentos terem sido apresentados com a contestação, mostrando-se relevantes em face do alegado nesse articulado, e não se encontrando justificada a impossibilidade da junção nesse momento, multa essa que se fixa em 2 UC.

III. Matéria de facto assente
Tem-se como assente o que consta do precedente relatório.
Considerando, ainda, que resulta de tais documentos que os mesmos foram emitidos pela Exma. Vereadora com o pelouro respetivo, no uso de competências delegadas que são invocadas, o mesmo tem natureza de documento autêntico (art. 369º do Cód. Civil), e não foi, no recurso, invocada a falsidade dos mesmos (que também não foram impugnados), assim fazendo prova que provêm eles da autoridade que os emitiu e dos factos que neles se referem como praticados e atestados com base na perceção da mesma – arts. 370º e 371º do Cód. Civil.
Assim, temos como assente, também, que:
1. A Exmª Vereadora do Pelouro de Recursos Humanos da Ré emitiu o “EDITAL”, datado de 25.05.2009, que consta do documento que constitui fls. 151/152 dos autos, no qual se refere o seguinte:
“E…, vereadora, com competências delegadas para o Pelouro de Recursos Humanos da autarquia, por despacho do Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal de três de Novembro de dois mil e cinco, leva ao conhecimento de todos os trabalhadores, nos termos e para os efeitos previstos no art. 109º da Lei nº 12-a/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreira e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (LVCR), a lista nominativa das transições referidas nos artigos 88º e seguintes, bem como da manutenção das situações jurídico-funcionais neles previstas e nessa conformidade, são adoptados os seguintes procedimentos, co, os fundamentos abaixo enunciados:
a) Resulta do nº 1 do artigo 109º da LVCR que, a lista nominativa deve ser notificada a cada um dos trabalhadores;
b) Nos termos do previsto no nº 1 do artigo 70º do Código de Procedimento administrativo (CPA), as notificações podem revestir diversas modalidades de entre as quais a edital;
c) Devido ao elevado número de trabalhadores em exercício de funções na CM … (a 1 de Janeiro de 2009 eram 1890 trabalhadores) e com os fundamentos previstos na alínea d) do nº 1 do artigo 70º do CPA “Por edital (…), se os interessados forem (… em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.”;
d) Por outro lado, devido ao facto de existirem diversos serviços/unidades orgânicas fisicamente localizadas em diferentes locais, bem como a existência de diversos horários, torna inconveniente ou praticamente impossível, notificar cada um dos trabalhadores;
e) Nessa conformidade, ficam os trabalhadores nos termos e para os efeitos previstos no artigo 109º da LCR, conjugado cm alínea d) do nº 1 do artigo 70º do CPA, notificados das transições referidas nos artigos 88º e seguintes, bem como da manutenção das situações jurídico-funcionais neles prevista, conforme lista nominativa que segue em anexo e que faz parte integrante deste edital.
f) é extraída cópia do mencionado edital, contendo a lista nominativa que, será afixado em cada serviço/unidade orgânica.
g) Será o edital e respectiva lista nominativa inserida na página electrónica da CM ….
Para constar, se lavrou o presente edital, acompanhado da lista nominativa que, será afixado respetivamente nos Paços do Município, bem como em todos os serviços/unidades orgânicas da entidade empregadora pública – Câmara Municipal ….
(…).”
2. Na lista nominativa dos trabalhadores a que se reporta o mencionado “EDITAL”, que constitui o documento de fls. 153 a 253, consta, para além de outros, o nome do A. e, sob as designações “Modalidade de Vinculação”, “Cargo/Carreira”, “Categoria”, “Escalão Remuneratório”, “Indíce Remuneratório”, “Mod. Rel. Jur. Emprego Público”, “Categoria”, “Escalão Remuneratório”, “Indíce Remuneratório”, o seguinte, respetivamente: “Contrato a Termo Certo”, “Assistente Administrativo”, “Assistente Administrativo”, “1”, “199”, “Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP) a termo resolutivo certo”, “Assistente Técnico”, “Assistente Técnico”, “1ª”, “5”.
*
III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. E, daí, que a única questão em apreço consista na apreciação da questão da (in)competência material do Tribunal do Trabalho para a presente ação.

2. Tanto nos termos do art. 85º da então Lei 3/99, de 13.01. (LOFTJ), como do art. 126º da atual Lei 62/2013 (LOSJ), que revogou aquela e entrou em vigor aos 01.09.2014, as atuais Secções do Trabalho (anteriormente, tribunais do trabalho, extintos pela citada Lei 62/2013) são materialmente competentes para conhecer:
- “b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;” (al. b) de ambos os diplomas);
- “n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;” (als. o) da LOFTJ e n) da LOSJ).
Por sua vez “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” – artigo 212.º, n.º 3, da CRP, artigo 144.º, n.º 1 da LOSJ e artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, dispondo ainda a al. d) do n.º 3, do artigo 4.º do ETAF, na redação da Lei n.º 59/2008 de 11.09, que ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: “d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas”.
Como se tem entendido, a competência material afere-se em função dos termos, subjetivos e objetivos, em que é proposta a ação, incluindo os seus fundamentos. Como diz MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág.91, a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”. A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da ação.
Os termos objetivos são delimitados pelo A. em função do pedido e da causa de pedir, esta consubstanciada nos factos, por ele alegados, que constituem o seu fundamento. O Tribunal não está, todavia, adstrito à qualificação jurídica que o A. entenda fazer dos factos que alegou e que integram a causa de pedir (art. 5º, nº 3, do CPC/2013). Ponto é que se atenha à factualidade que integra a causa de pedir.

3. Por força do disposto nos artigos 88.º e segs. e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02 [1], em vigor desde 01/01/2009 (cfr. o artigo 118.º, n.º 7 da Lei n.º 12-A/2008 e o artigo 23.º da Lei n.º 59/2008, de 11/09), as relações jurídicas de trabalho subordinado constituídas antes da entrada em vigor desta lei, converteram-se em contrato de trabalho em funções públicas.
Com efeito:
Nos termos do art. 2.º da citada Lei 12-A/2008: “1. A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções. 2. A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo.”.
Por sua vez, quanto ao âmbito objetivo de aplicação da citada lei, o seu artigo 3.º dispõe que: “1. A presente lei é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado. 2. A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos do governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. (…)”.
No artigo 9.º da citada Lei 12-A/2008, de 27/02, encontra-se a definição de relações jurídicas de emprego público: “o contrato é o acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa”.
No que concerne à transição ou conversão dos vínculos existentes, regem os artigos 88.º e segs. da mesma Lei e o n.º 2 do artigo 17º da Lei n.º 59/2008, de 11/09 que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, neste último se dispondo que: “2. Sem prejuízo do disposto no artigo 109.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato.”
Com relevância, importa também chamar à colação:
O art. 14° da citada Lei 59/2008 que, pronunciando-se sobre o regime dos contratos já em execução, dispõe o seguinte:
“1- Aos contratos a termo certo em execução à data da entrada em vigor da presente lei cujo prazo inicial seja superior a dois anos ou que, tendo sido objeto de renovação, tenham uma duração superior a dois anos aplica-se o regime constante dos números seguintes.
2 - Decorrido o período de três anos ou verificado o número máximo de renovações a que se refere o artigo 103.° do Regime, o contrato pode, no entanto, ser objeto de mais uma renovação desde que a respectiva duração não seja inferior a um nem superior a três anos.
3 - A renovação prevista no número anterior deve ser objeto de especial fundamentação e depende de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
4 - Nas situações previstas nas alíneas f), h) e i) do n.° 1 do artigo 93.° do Regime, a renovação prevista no n.° 2, quando implique que a duração do contrato seja superior a cinco anos, equivale ao reconhecimento pela entidade empregadora pública da necessidade de ocupação de um posto de trabalho com recurso à constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, determinando:
a) A alteração do mapa de pessoal do órgão ou serviço, de forma a prever aquele posto de trabalho;
b) A imediata publicitação de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado;
5- O procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo determinado ou determinável ou sem relação jurídica de emprego público previamente estabelecida depende de parecer favorável dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, nos termos previstos no n.° 6 do artigo 6.º da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.”
Tal regime transitório decorre também do disposto no artigo 92° da Lei 12-A/2008, nos termos do qual: 1. Os atuais trabalhadores em contrato a termo resolutivo para o exercício de funções nas condições referidas no artigo 10.º transitam para a modalidade de nomeação transitória. 2. Os demais trabalhadores em contrato a termo resolutivo mantêm o contrato, com o conteúdo decorrente da presente lei.
Sendo que no citado artigo 10° se diz que:
“São nomeados os trabalhadores a quem compete, em função da sua integração nas carreiras adequadas para o efeito, o cumprimento ou a execução de atribuições, competências e atividades relativas a:
a) Missões genéricas e específicas das Forças Armadas em quadros permanentes;
b) Representação externa do Estado;
c) Informações de segurança;
d) Investigação criminal;
e) Segurança pública, quer em meio livre quer em meio institucional;
f) Inspeção.

4. No caso, se é certo que, até 31.12.2008, A. e Réu, se mantiveram vinculados pelo contrato individual de trabalho celebrado aos 12.02.2007, não menos é que, naquela data, tal contrato se convolou em contrato de trabalho em funções públicas, atento o art. 17º, nº 2. da Lei 59/2008, nos termos da qual a transição dos trabalhadores com contrato individual de trabalho para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato (cfr., também, o art. 109º, nº 2, da Lei 12-A/2008, nos termos do qual as transições produzem efeitos desde a data da entrada em vigor do RCTFP, executando-se através da lista nominativa referida no nº 1, lista essa a que aliás se reportam os nºs 1 e 2 dos factos que considerámos provados).
Ou seja, e em conclusão, o contrato individual de trabalho a termo resolutivo então celebrado entre A. e a Ré transformou-se, aos 01.01.2009, em contrato de trabalho em funções públicas.

4.1. No que se reporta aos pedidos referentes a diferenças salariais após 01.01.2009, bem como ao trabalho suplementar e respetivos descansos compensatórios, estes, todos eles, referentes a período posterior àquela data (reportam-se a 2012), seria o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente por se tratar de matéria concernente à execução do contrato de trabalho em funções públicas, cujo conhecimento compete à jurisdição administrativa.
No que se reporta ao pedido de declaração da ilicitude do despedimento, este ocorrido, segundo o A., aos 12.02.2013, também o mesmo se verificou já no âmbito da execução do referido contrato de trabalho de funções públicas.
Tendo em conta, porém, que o contrato de trabalho teve início em data anterior a 01.01.2009, importa referir que a jurisprudência não é unanime no sentido de tal facto deferir ao tribunal do trabalho a competência para a sua apreciação, seja, designadamente, através de uma competência “directa” (al. b) dos arts. 85º da LOFTJ e 126º da LOSJ), seja de uma competência “indireta”, resultante da conexão prevista nas als. o) ou n) dos mencionados preceitos.
Assim, o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.02.2014[2], considerou que, estando em causa a qualificação da relação laboral anterior a 01.01.2009 e havendo ela sido configurada pelo A. como de natureza privada, era o Tribunal do Trabalho o materialmente competente.
Porém, já assim não entendeu o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 16.01.2014 (Processo 056/13) [3], invocado pela Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta no seu douto parecer, em que, estando em causa a ilicitude de um despedimento ocorrido em 30.09.2011, mas no âmbito de um contrato de trabalho celebrado aos 05.10.2005, considerou ser a jurisdição administrativa a competente por tal contrato se haver convolado em contrato de trabalho em funções públicas.
Por sua vez, o STJ, no seu Acórdão de 12.09.2013, Processo 204/11.0TTVRL.P1.S1[4], considerou-se, conforme ponto III do respetivo sumário que “Por aplicação do critério de extensão da competência dos tribunais de trabalho que resulta da alínea o) do art. 85.º da LOTJ, dada a conexão específica de acessoriedade e dependência que se verifica entre as temáticas da qualificação dos contratos celebrados e do cálculo da indemnização devida, compete aos tribunais do trabalho decidir se os contratos invocados devem, ou não, qualificar-se como contratos de trabalho, e também fixar a compensação pela caducidade do contrato de trabalho agora convertido em contrato de trabalho em funções públicas.”.
4.2. Seja como for, a questão, no caso, é irrelevante tendo em conta o segundo argumento invocado na sentença recorrida, com o qual se está de acordo, e que vai na linha do entendimento preconizado nos Acórdãos desta Relação de 28.04.2014 e do STJ de 18.06.2014, Processo 2596/11.2TTLSB.L1.S1 [5].
Com efeito, na sentença recorrida referiu-se, após o excerto que acima transcrevemos, o seguinte:
“Mas, mesmo que se entendesse que a relação jurídica estabelecida entre as partes em 2007 se convolou em contrato de trabalho em funções públicas, ainda assim, e como se decidiu no recente AC TRP de 28.04.2014, este Tribunal do Trabalho seria competente em razão da matéria para conhecer dos pedidos deduzidos, porquanto a referida lei só está em vigor no nosso ordenamento jurídico desde 01.01.2009, existindo pedidos formulados pelo autor que se reportam ao período compreendido desde setembro de 2007 a 31 de janeiro de 2008 (diferenças salariais). Quanto a tais pedidos, este tribunal é competente nos termos do disposto 85.º, al. b) da LOFTJ e em relação aos demais é igualmente competente, agora por força do disposto na alínea o) do mesmo preceito legal – como se decidiu em tal aresto, «assim, mesmo considerando-se que as relações contratuais invocadas na presente ação se converteram em 1 de Setembro de 2009 num contrato de trabalho em funções públicas que passou a estar sujeito às normas instituídas na Lei n.º 12-A/2008 reguladoras desse tipo de contrato (cfr. o respetivo artigo 81.º, que rege sobre as fontes normativas do contrato), o Tribunal do Trabalho é diretamente competente para apreciar os pedidos referentes ao período em que a relação de trabalho se encontrava inequivocamente sujeita à lei laboral comum e, por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea o) do artigo 85.º da LOFTJ, mantém a competência material para apreciar os demais pedidos em que, eventualmente, haja necessidade de aplicar normas de direito público».
De acordo com o sumário do citado acórdão do STJ de 18.06.14:
“I - A determinação do tribunal materialmente competente radica na estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal, segundo a versão apresentada pelo autor, isto é, tendo em conta a pretensão concretamente formulada e os respetivos fundamentos.
II - Na petição inicial, o A. configura o vínculo estabelecido entre as partes (iniciado em 23.09.1990) como contrato individual de trabalho, contrato em que se fundam todos os pedidos formulados pelo mesmo.
III – Este vínculo contratual converteu-se numa relação jurídica de emprego público, nos termos do art. 17.º, n.º 2, da Lei 59/2008, de 11/9, e da Lei 12-A/2008 de 27/2, sendo certo que, segundo o art. 83º deste último diploma (norma que entrou em vigor em 01.01.2009, nos termos do preceituado no seu art. 118.º, nº 7, e no art. 23.º da Lei 59/2008), os Tribunais Administrativos são os normalmente competentes para apreciar os litígios emergentes de relações jurídicas desta natureza.
IV – Todavia, pretendendo o autor exercitar direitos que, em grande parte, se reportam a período anterior a 01.01.2009, período em que entre as partes vigorava uma relação contratual regulada pela lei laboral comum, não pode deixar de estender-se a competência do Tribunal do Trabalho à totalidade das questões que nos autos se encontram em causa, nos termos do art. 85.º, alínea o), da LOTJ.”
E, no Acórdão desta Relação de 28.04.2014, referiu-se o seguinte:
“Assim, as relações jurídicas de trabalho subordinado estabelecidas entre um ente público e um privado nascidas antes da vigência destas leis publicadas em 2008, seja sobre a égide do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, seja sobre a égide da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, convolaram-se em contrato de trabalho em funções públicas, em virtude da conversão legal operada pelos artigos 88.º e seguintes e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
E é certo que, em conformidade com o disposto no já citado artigo 4º, nº 3, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, também o 83º, nº 1 da Lei 59/2008, de 27/02 refere que “[o]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público”.
Não obstante, cabe ter presente que a referida legislação apenas está em vigor no nosso ordenamento jurídico desde 1 de Janeiro de 2009, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 118.º, n.º 7 da Lei n.º 12-A/2008 e 23.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.
Pelo que, tendo a A. invocado como fundamento do seu pedido a celebração dum contrato de trabalho com uma Junta de Freguesia ao abrigo da lei laboral comum e que se mostrou submetido a esta pelo menos até àquela data de 1 de Setembro de 2009, é o Tribunal do Trabalho materialmente competente para julgar os pedidos formulados que se reportam ao período temporal que decorreu entre 13 de Setembro de 2001 e 31 de Dezembro de 2008, de valor não despiciendo, como resulta do pedido inserto na alínea c) referentes a subsídios de férias e de Natal reportados aos anos de 2001 a 2011[9].
Ainda que as relações contratuais se tenham convertido numa relação de trabalho subordinado de natureza administrativa com a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2009, da Lei n.º 59/2008, de 11/9 – aspecto referente ao mérito da causa, que aqui não cuidamos de decidir em termos definitivos –, mesmo assim o Tribunal do Trabalho é materialmente competente para esta acção no que diz respeito a parte substancial do referido pedido (a relativa a subsídios de férias e de Natal vencidos desde 2001 até 31 de Dezembro de 2008), face ao disposto na alínea b) do artigo 85.º, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
E, e no que diz respeito aos demais pedidos, é igualmente competente o Tribunal do Trabalho para os apreciar nos termos do disposto na alínea o) do artigo 85.º da mesma Lei, em face da conexão específica de dependência que se verifica entre tais pedidos e a problemática da qualificação e licitude dos contratos celebrados antes de 1 de Janeiro de 2009 (vg. no que diz respeito à sua qualificação como contrato a termo resolutivo ou sem termo) bem como da sua eventual conversão em contrato de trabalho sem termo, à luz da lei laboral privada, tendo presente que o Tribunal do Trabalho é directamente competente para a apreciação de parte dos pedidos.
Assim, mesmo considerando-se que as relações contratuais invocadas na presente acção se converteram em 1 de Setembro de 2009 num contrato de trabalho em funções públicas que passou a estar sujeito às normas instituídas na Lei n.º 12-A/2008 reguladoras desse tipo de contrato (cfr. o respectivo artigo 81.º, que rege sobre as fontes normativas do contrato), o Tribunal do Trabalho é directamente competente para apreciar os pedidos referentes ao período em que a relação de trabalho se encontrava inequivocamente sujeita à lei laboral comum e, por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea o) do artigo 85.º da LOFTJ, mantém a competência material para apreciar os demais pedidos em que, eventualmente, haja necessidade de aplicar normas de direito público.”

No caso, o A., a par do pedido de diferenças salariais após 01.01.2009, do trabalho suplementar prestado após essa data (em 2012) e do despedimento ocorrido também posteriormente à mesma em 2013), invocou e reclamou, com efeitos desde setembro de 2007, uma diferente categoria profissional e o pagamento da correspondente remuneração, de valor superior à que recebia, reclamando as consequentes diferenças salariais entre esse período e 31.12.2008, pedido este para o qual o tribunal do trabalho é material e diretamente competente (nos termos das als. b) dos arts. 126º da LOSJ e 85º da LOFTJ). Constituindo tal questão pressuposto dos demais pedidos relativos às diferenças salarias, bem como da quantificação do trabalho suplementar reclamado e da determinação do montante dos créditos provenientes da alegada ilicitude do despedimento, verifica-se a conexão, por dependência, determinante da extensão da competência material do Tribunal do Trabalho prevista nas als. n) e o) dos citados arts. 126º e 85º, respetivamente.
É certo que o A., como fundamento da categoria profissional (coordenador técnico), e consequente retribuição, que reclama desde Setembro de 2007, faz apelo à própria Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (esta a aplicável aos contratos de trabalho em funções públicas). Não obstante, e como é doutrinal e jurisprudencialmente entendido, a apreciação da questão da competência material do Tribunal não depende da bondade, ou não, do seu fundamento, colocando-se aquela a montante do mérito ou demérito do pedido. E, assim sendo, não se nos afigura que se possa, com base na invocação pelo A. desse diploma como fundamento do seu pedido, negar a competência material do Tribunal do Trabalho para a apreciação de tais pedidos no período de setembro de 2007 a 31.12.2008, para o qual é diretamente competente já que se reporta a período anterior à convolação do contrato individual de trabalho em contrato de trabalho em funções públicas.
Em face do exposto, mas apenas com fundamento parcialmente coincidente com o da decisão recorrida, entende-se ser de a confirmar, improcedendo o recurso.
*
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:
A. Admitir a junção dos documentos de fls. 151 a 235, condenando-se embora a Recorrente na multa de 2 UC.
B. Negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamento apenas parcialmente coincidente.

Custas pela Recorrente.

Porto, 13-04-2015
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
____________
[1] Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas.
[2] In www.dgsi.pt.
[3] In www.dgsi.pt.
[4] In www.dgsi.pt.
[5] Ambos in www.dgsi.pt, sendo o primeiro relatado pela ora 2ª Adjunta e invocado na decisão recorrida.