Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ PIEDADE | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DA ADESÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20110615241/05.4PBMAI.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/15/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A dificuldade técnico-jurídica de uma questão relativa ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal não é fundamento para accionar o mecanismo previsto no nº 3 do art. 82º do Código de Processo Penal. II - É susceptível de gerar retardamento inaceitável do processo penal um incidente de intervenção principal espontânea activa que, além de implicar produção de prova quanto à qualidade de lesadas das requerentes, foi suscitado no decurso da audiência de julgamento, entre duas sessões, estando já parte da prova produzida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. Nº 241/05.4PBMAI.P1 1º Juízo do T.J. da Maia Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No 1º Juízo do T.J. da Maia, processo supra referido, foi recebida a acusação, deduzida pelo MºPº, para julgamento em processo comum e perante Tribunal Singular, dos arguidos B… e C…, pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo art.° 148 n.° 3 e 144 d) do Código Penal e de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo art. 200 n.° 1 e 2 do Código Penal, no respeitante ao B… e um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo art.° 148 n.° 3 e 144 d) do Código Penal, no respeitante ao C…. Foi deduzido pedido de indemnização civil, por D…, filho da vítima, contra as Companhias de Seguro E… e F…. A requerimento da “E…”, foi admitida a intervenção principal passiva, como “associado da demandada”, do Fundo de Garantia Automóvel. Iniciada a Audiência, após a sua primeira sessão, foi suscitado novo incidente de intervenção de terceiros, especificamente a intervenção principal espontânea activa, pela G… e pela H…. Em momento anterior à 3ª sessão da Audiência de Julgamento, foi proferido o seguinte Despacho: “Fls. 687: Nos presentes autos foi deduzida acusação contra os arguidos B… e C… pela prática do crime de ofensa à integridade física grave por negligência e omissão de auxílio, tudo no âmbito de acidente de viação. O filho da vítima mortal deduziu pedido de indemnização civil contra as Companhias de Seguro E… e F…. A Companhia de Seguros E…, por sua vez veio invocar falta de seguro válido, relativamente ao veículo conduzido pelo arguido B… (..-..-BS) e suscitou o incidente da intervenção principal provocada passiva do Fundo de Garantia Automóvel. Admitido, veio o FGA questionar a sua legitimidade e impugnar o alegado pela E… referindo que o contrato de seguro celebrado por esta entidade era perfeitamente válido à data do acidente por não ter sido resolvido nem existir qualquer causa apta a torná-lo nulo ou anulável, como invocado. Requereu, como meios de prova, identificação do mediador que interveio na celebração/renovação do contrato, cópias das apólices, cópia do contrato de mediação e cópia do contrato de responsabilidade civil profissional do mediador. Mais tarde suscitou a questão da ilegitimidade do demandante civil, por não se tratar do único herdeiro do falecido e surgir desacompanhado destes outros. No decurso da audiência foi suscitado novo incidente de intervenção de terceiros, desta feita intervenção principal espontânea (activa) deduzida por 2 irmãs do demandante civil, sendo uma apenas uterina (a mãe de todos e viúva do falecido terá morrido meses depois deste) por forma a sanar o vício da ilegitimidade apontado. O requerimento foi apresentado com referência apenas às duas seguradoras e não ao F.G.A., não vem instruído com documentos, designadamente certidões de nascimento nem tão pouco chegou a ser junto aos autos qualquer promoção passada à ilustre Advogada subscritora. No que se reporta à prova produzida em audiência, mostra-se concluída relativamente à parte criminal. Resta parte da prova indicada pela demandada E… e pelo F.G.A., tudo relativo à existência/validade do contrato de seguro e/ou danos nas viaturas. Tudo ponderado, cumpre, em primeiro lugar aferir da conveniência da demandada civil prosseguir enxertada no processo penal. Como resulta da descrição supra a prova indicada relativamente À parte criminal está concluída, o mesmo não sucedendo relativamente à parte civil; impõe-se a apreciação da questão da legitimidade/ilegitimidade do demandante civil e consequentemente a decisão sobre a admissibilidade ou não de mais um incidente de intervenção de terceiros, apresentado em plena fase de julgamento e não devidamente instruído com documentos/ promoções; impõe-se a decisão sobre a questão da validade do seguro da viatura ..-..-BS e sobre vícios que o afectem. Ora, entende-se que os pontos supra descritos são não só, e evidentemente, aptos a gerar demoras na conclusão dos autos designadamente da sua parte essencial, que é a criminal, como representam pontos de complexidade fáctica e legal que devem ser apreciados no foro especialmente vocacionado para o efeito, que é o civil. Por tudo o exposto, e considerando-se verificados os pressupostos enunciados pelo art. 82 nº3 do C.P.P. remete-se as partes para o foro civil, relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido nestes autos.” * Deste Despacho recorreu o interveniente principal e demandado Fundo de Garantia Automóvel, formulando as seguintes conclusões:I. Salvo o devido respeito, não vislumbramos a existência nos autos de qualquer especial complexidade justificativa da necessidade de remeter as partes civis para os meios comuns; II. O não cumprimento no caso concreto, do princípio da adesão previsto no n.°1 do artigo 1.º do CPP, é profundamente negativo para administração da justiça; III. Quanto a esta última, representa uma duplicação de processos, que não conduz objectivamente a uma qualquer melhoria das decisões a proferir; IV. Sendo certo que as questões suscitadas nos articulados não só não inviabilizam uma decisão rigorosa do pleito, mas também, tal como flui dos respectivos articulados, não são susceptíveis de suscitar incidentes que retardem, e muito menos intoleravelmente, o processo penal; V. Pelo contrário, os autos estão perfeitamente bem instruídos para julgamento penal e civil. VI. O incidente deduzido em sede de audiência de julgamento, pelos Demandantes, não alteram o normal evoluir e consequentemente retardar as soluções; VII. As decisões civis a proferir estão, aliás, circunscritas ao Código da Estrada e à legislação aplicável ao regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel; VIII. O que não constitui uma aplicação jurídica difícil ou complexa, não impedindo, por conseguinte, uma decisão rigorosa do pleito; IX. A unidade de causa entre as duas acções significa que as partes cíveis se sujeitam ao regime da acção penal: e a acção cível que acompanha a acção penal e não esta que se submete às incidências possíveis no processo civil. Expressão desta prevalência da acção penal é justamente a possibilidade que o tribunal tem de remeter as partes para os tribunais comuns quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal; X. Assim sendo, no caso sub judice não parece que o interesse da celeridade processual — que é estabelecido por razões de ordem pública e ainda no interesse do arguido em ver uma decisão penal proferida em prazo razoável — seja imperioso; e dada a perícia requerida, nem sequer se pode falar da possibilidade de avançar sem tal perícia; XI. O despacho recorrido violou entre outras disposições legais, o disposto no artigo 71.° e n.°3 do artigo 82.° do CPP; XII. Determinando-se consequentemente o prosseguimento dos autos juntamente com o pedido cível neles enxertado. Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente ser o despacho recorrido revogado, sendo substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências. * Após o referido Despacho, teve lugar a 3ª sessão da Audiência, onde foram efectuadas alegações orais, seguindo-se a prolação de Sentença, com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, julgo: - Não provada e improcedente a acusação deduzida contra o arguido B… pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo art.° 148 n.° 3 e 144 d) do Código Penal e de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo art. 200 n.° 1 e 2 do Código Penal pelo que o absolvo dos mesmos. Provada e procedente a acusação deduzida contra o arguido C… pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples por negligência, previsto e punido pelo art.° 148 n.° 1 do Código Penal pelo que o condeno na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 4 euros, num total de 360 €. Condeno o arguido C… nas custas do processo, fixando em 3 UC a taxa de justiça, bem como no pagamento da quantia equivalente a 1% (um por cento) da taxa de justiça, nos termos do disposto no art.° 13, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 423/9 1, de 30.10.” * Em momento posterior, foi proferido o seguinte Despacho quanto ao recurso interposto: “Por ser legal e tempestivo, admito o recuso interposto, o qual sobe imediatamente nos autos, e com efeito suspensivo da Decisão recorrida (art. 407, nº 2, al. a), 408, nº 3, 406, nº 1, do CPP)”.Desse Despacho consta também o seguinte: “Foi já proferida Sentença nos autos, referente aos crimes imputados aos arguidos. Os autos aguardarão que aquela Sentença transite em julgado ou seja interposto recurso, determinando-se, depois, a subida dos autos ao TRP”. * Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu Visto. * Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.* * Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o recorrente, Fundo de Garantia Automóvel, pretende suscitar a seguinte questão: - Não verificação da previsão do art. 82º, nº 2, do CPP, pedindo a revogação do despacho recorrido e a substituição por outro que ordene o “prosseguimento dos autos, juntamente com o pedido cível, neles enxertado”. * Tal como resulta do relatório supra, o Despacho sob recurso, foi proferido entre duas sessões da Audiência. Em síntese, no mesmo, entendeu-se que a prova em Audiência, “quanto à parte criminal”, estava concluída, mas quanto “à parte civil” impunha-se “a apreciação da questão da legitimidade/ilegitimidade do demandante civil e consequentemente a decisão sobre a admissibilidade ou não de mais um incidente de intervenção de terceiros, apresentado em plena fase de julgamento e não devidamente instruído com documentos/ promoções”; a que acrescia a “decisão sobre a questão da validade do seguro da viatura ..-..-BS e sobre vícios que o afectem.” Concluiu-se que estes “pontos” eram “não só, e evidentemente, aptos a gerar demoras na conclusão dos autos designadamente da sua parte essencial, que é a criminal”, como representavam “pontos de complexidade fáctica e legal” que deveriam “ser apreciados no foro especialmente vocacionado para o efeito, que é o civil.” Considerando-se “verificados os pressupostos enunciados pelo art. 82 nº3 do C.P.P.” remeteram-se as partes para o foro civil, “relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido nestes autos.” Defende o recorrente que “o não cumprimento no caso concreto, do princípio da adesão” não se justifica, pois “as questões suscitadas nos articulados não só não inviabilizam uma decisão rigorosa do pleito, mas também não são susceptíveis de suscitar incidentes que retardem, e muito menos intoleravelmente, o processo penal”. Acrescenta que o “incidente deduzido em sede de audiência de julgamento, pelos Demandantes”, não altera “o normal evoluir” do processo e que “as decisões civis a proferir estão circunscritas ao Código da Estrada e à legislação aplicável ao regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”. * A resolução da questão passa pela interpretação conjunta das normas adjectivas que dispõem sobre esta matéria. Assim, tem de se ter em conta, em primeiro lugar que no nosso sistema Processual Penal se consagra uma regra geral de adesão obrigatória (ou enxerto, noutra terminologia) da acção cível de indemnização, fundada na prática de factos que constituam crime, à acção penal respectiva. É o que dispõe o art. 71º do CPP (Princípio de adesão): «O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o Tribunal Civil, nos casos previstos na Lei.» Ou seja, o lesado está obrigado a deduzir a sua pretensão na acção penal, sob pena de ver precludido o seu direito a ser indemnizado. São, no geral, apontadas como vantagens para a consagração deste princípio, a possibilidade de serem apreciados num só Tribunal os mesmos factos (no seu núcleo essencial), possibilitando-se uma apreciação global do acontecimento, na sua vertente penal e na sua vertente civil, e afastando-se a possibilidade de contradição de julgados entre as duas Jurisdições. A esta vantagem fundamental, acresce a economia processual, e as vantagens para a vítima do crime (ou seus familiares), em tempo e dinheiro, do recurso a uma única Jurisdição. No art. 82º, nº 3, do CPP (em conjugação com o art. 72º, nº 1, al. e)), estabelece-se, porém, uma excepção – outras existem, e vêm enumeradas no referido art. 72º, do CPP - a este princípio da adesão obrigatória, prevendo-se que “o tribunal pode, oficiosamente, ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal”. A decisão sob recurso baseia-se neste último segmento da norma, tendo-se entendido que foram suscitados incidentes “aptos a gerar demoras na conclusão dos autos designadamente da sua parte essencial, que é a criminal”, a que acrescenta outro fundamento referente ao grau de dificuldade na resolução dos incidentes “representam pontos de complexidade fáctica e legal que devem ser apreciados no foro especialmente vocacionado para o efeito”. Este último fundamento não tem cabimento: não é o grau de dificuldade técnico-jurídica (chamemos-lhe assim) na resolução do incidente gerado que pode justificar o preterir da regra geral da adesão obrigatória, e a remessa da acção cível enxertada, para a jurisdição civil. Já o primeiro dos assinalados fundamentos, requer análise mais detalhada. Para a interpretação do segmento da norma em causa, não pode deixar de se ter em conta, as acima enunciadas, razões da consagração do princípio da adesão obrigatória. Assim, apenas nos casos em que o interesse no assegurar daquelas vantagens, seja superado pelo prejuízo que poderá gerar a demora na decisão da acção penal, se poderá falar num retardar “intolerável” (insuportável, não aceitável) do processo penal. Deste modo, a simples dedução de um incidente de intervenção principal, espontânea ou provocada, não justifica por si só, a remessa da acção enxertada para a Jurisdição civil. (No art. 73º, do CPP, encontra-se, aliás, expressamente previsto o incidente de intervenção principal espontânea passiva). Todavia, no caso, o incidente de intervenção principal espontânea activa é suscitado no decurso da Audiência, entre duas sessões da mesma e com parte da prova já produzida; implicando, o mesmo para além do mais, a produção de prova quanto à qualidade de lesadas das requerentes (uma dizendo-se também filha da vítima, a outra “filha da viúva que lhe sobreviveu e entretanto faleceu”). Encontrando-se já a decorrer a Audiência de Discussão e Julgamento, estando parte da prova já produzida, e tendo-se presente os princípios, regentes em Audiência, da concentração, da continuidade e celeridade, tem de se considerar que um incidente com aqueles contornos iria alterar o normal andamento da mesma, e retardar inaceitavelmente o seu encerramento. Situação diferente ocorreria se o incidente tem sido suscitado antes do início da Audiência. Mostra-se, porém, adequado assinalar que se houve preocupação pelo respeito dos princípios da continuidade, concentração e celeridade, o mesmo não aconteceu no respeitante ao princípio da oralidade. Este princípio impõe que após o início da Audiência, todas as questões e incidentes referentes à mesma, sejam suscitados e decididos, por via oral (ficando documentados em acta), e não por meio de requerimentos escritos e decisões escritas, no “intervalo” entre duas sessões da mesma. Porém, tal configura uma irregularidade, já sanada. Em conclusão, o recurso do interveniente principal, Fundo de Garantia Automóvel, não merece provimento. * Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se o Despacho recorrido.* * Custas pelo recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 2 UC’s.* Porto, 15/06/2011José Joaquim Aniceto Piedade Airisa Maurício Antunes Caldinho |