Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10239/16.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
MÉDICO
CENTRO HOSPITALAR
SERVIÇO DE URGÊNCIA
SUBSÍDIO DE TURNO
TRABALHO POR TURNOS
TRABALHO NOCTURNO
Nº do Documento: RP2018022110239/16.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º270, FLS.283-295)
Área Temática: .
Sumário: I - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem, por princípio, ser apresentados com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes, ou na impossibilidade, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
II - São três os fundamentos excecionais, para o desvio a tal regra geral: quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados, quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior e no caso de a sua apresentação apenas se revelar necessária, devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
III - O trabalho por turnos, pode ser escalonado em dias úteis, sábados, domingos e feriados, incluindo ou não trabalho nocturno.
IV - O princípio da igualdade postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.
V - Se o empregador e a trabalhadora, no contrato de trabalho que celebraram, acordaram que como contrapartida do serviço prestado pela última, no serviço de urgência do primeiro, que da retribuição daquela faz parte um subsídio de turno, pressupondo que no serviço de urgência, o período normal de trabalho diário é de 12 horas, com afectação ao horário das 8 às 20 horas ou das 20 às 8 horas de cada dia, podendo, por vezes, ocorrer escalas para serviço em sábados, domingos e feriados, não pode o empregador cessar na sua totalidade o pagamento de tal subsídio, se a trabalhadora, tendo deixado de prestar trabalho noturno, continuar a prestar trabalho em horário laboral por turnos, escalonados em dias úteis, sábados, domingos e feriados, naquele serviço.
VI - Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se de acordo com um parâmetro pautado por razoabilidade, adequação e justa proporção, encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 10.239/16.1T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de V. N. Gaia - Juiz 1
Recorrente: B…
Recorrido: Centro Hospitalar C… E.P.E.
Acordam na secção social desta Relação
1. Relatório:
B… intentou contra o Centro Hospitalar C…, ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que esta seja julgada procedente e provada, o Réu condenado a reconhecer-lhe o direito ao subsídio de turno enquanto se mantiver nos horários de serviço de urgência, a pagar o subsídio de turno retirado depois de Janeiro de 2016, no valor de €8.000,00 e os que se venham a vencer e a pagar os juros de mora, desde a data em que deviam ter sido pagos os subsídios até integral pagamento.
Para tanto, em síntese, alega que foi contratada pelo Réu, em 15/10/2007, para lhe prestar funções como médica, 40 horas semanais no serviço de urgência do mesmo, tendo-se comprometido a cumprir, sempre que necessário, trabalho nocturno e por turnos e o Ré, em contrapartida, a pagar-lhe o salário ilíquido mensal de €2.469,60, a que acrescia um prémio de assiduidade de €500,00 mensais e um subsídio de turno de €800,00 mensais, ambos apenas em 11 meses do ano.
Mais alega que desde meados de 2011, esteve impossibilitada de prestar trabalho nocturno, por motivos de saúde, mas continuou a trabalhar em regime de turnos e a receber o subsídio de turno pois mau grado essa limitação, nunca tendo o Réu deixado de lhe pagar o subsídio de turno. Em Outubro de 2015, comprovou a manutenção da impossibilidade de prestar trabalho nocturno, mas viu ser-lhe atribuído um horário onde era escalada para realizar trabalho nocturno, não lhe adiantando reafirmar, que há cinco anos que não realizava serviço de urgência nocturno, viu-se obrigada a requerer a dispensa de prestação de trabalho nocturno, dado que tinha 62 anos de idade, tendo o Réu determinado que depois de Janeiro de 2016 deixaria de prestar serviço nocturno, mantendo-lhe o demais sistema de horário, integrada numa equipa de urgência, que sempre prestou desde Junho de 2011, sem nenhuma diferença.
Por fim, alega que em Fevereiro, deixou de receber o subsídio de turno, apesar de continuar a trabalhar por turnos, tendo a ele direito.
Realizada a audiência de partes e não se logrou obter acordo entre elas.
O Réu contestou, impugnando parcialmente o alegado pela Autora, com o argumento de que o serviço de urgência – único para o qual a Autora foi contratada – pressupõe necessariamente a existência de escala/turnos, tanto diurnos como nocturnos, em períodos de 12 horas, incluído em sábados, domingos e feriados.
Alega que, pese embora, o subsídio em causa ter sido denominado apenas de turno, visava compensar essa especificidade de os médicos tanto terem de trabalhar em turnos como em períodos nocturnos, sendo esse o desiderato da cláusula 9ª, nº 3, do contrato.
Por fim, alega que a Autora, desde 1 de Janeiro de 2016, deixou de prestar serviço no horário completo do serviço de urgência, para passar a prestar, no mesmo serviço, exclusivamente no período diurno e em horário desfasado e, conclui, porque a Autora deixou de prestar trabalho por turnos que, necessariamente, no serviço de urgência inclui o trabalho nocturno, o Réu deixou de lhe pagar o subsídio contratado, invocando que atribui-lo a ela significaria uma discriminação relativamente aos colegas do mesmo serviço, que cumprem o horário rotativo de períodos de doze horas.
Termina referindo que a ação deve ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu do pedido.
Foi proferido despacho saneador tabelar, fixado à causa o valor de €8.000,00 e dispensada a seleção da matéria de facto, realizou-se a audiência de julgamento, nos termos documentados na acta de fls. 139 e, em 04.07.2017, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a presente ação que a Autora B… intentou contra o Réu Centro Hospitalar C…, E.P.E., absolvendo-se este do(s) pedido(s) formulado(s) por aquela.
Custas pela A.”.
Inconformada a Autora interpôs recurso que terminou com as seguintes conclusões:
1 - A Autora não se pode conformar com a Douta Sentença que decidiu, pese embora considerar que a Autora desenvolve o seu trabalho em regime de turnos, que a declaração negocial – contrato de trabalho – “devem valer com um significado diverso”, mais afirmando que esse sentido era conhecido do declaratário e correspondia à vontade real das partes, determinando a licitude da retirada do subsídio de turno e, nessa ordem, decidindo pela improcedência da ação.
2 - Termos em que não pode a Autora deixar de recorrer de Direito mantendo-se a decisão quanto à sua fundamentação violadora da lei e interpretada num sentido perfeitamente contrário à prova produzida.
3 - Refere a clª. 5.ª do Contrato individual de trabalho da Autora que “à retribuição (…) acrescem os montantes de €800,00 (oitocentos euros) por subsídio de turno…”
4 - A cláusla 9.ª respeitante à duração do tempo de trabalho refere no n.º 3 que “não obstante, o segundo outorgante obriga-se a cumprir, sempre que necessário, trabalho nocturno e por turnos”.
5 - Quer declarante, quer declaratário estão perfeitamente conscientes do declarado.
6 - Outros conceitos se encontram equivocadas na douta Sentença e está neste caso a retribuição por trabalho nocturno e o próprio trabalho nocturno.
7 - O esquema dos turnos postula horários de trabalho não uniformes ou de tal modo articulados que o termo do período de um trabalhador coincide com o início do período de outro trabalhador.
8 - A Autora não passou a ter um horário fixo, de Segunda a Sexta-feira, 8 horas por dia, 40 horas por semana, conforme determina o DL 176/2009.
9 - A carga usual de um serviço de urgência é de 12 horas. Os horários são ajustados de forma a serem prestados os 7 dias por semana, nos quais se incluem o sábado, o domingo e feriados.
10 - O subsídio de turno destina-se a compensar a maior penosidade decorrente da sujeição do trabalho aos turnos e respectivas repercussões fisiológicas, familiares e sociais, o que acontece com a inexistência de fins-de-semana e jornadas de 12 horas.
11 - O subsídio de turno é atribuído tendo em consideração o modo da prestação e exercício funcional e está intrinsecamente ligado à penosidade desse tipo de trabalho.
12 - A situação que serve de fundamento à atribuição do subsídio de turno nunca deixou de existir. A Autora nunca deixou de trabalhar por turnos. A Autora esteve sempre integrada numa equipa de urgência, prestando cadenciadamente trabalho durante os dias úteis da semana, assim como aos sábados ou aos domingos e feriados.
13 - A Autora encontra-se desde meados de 2011 impossibilitada de prestar trabalho nocturno por motivos de saúde e goza do direito enquanto médica de solicitar a dispensa de trabalho nocturno após 50 anos sem qualquer perda de retribuição.
14 - A Ré não dispensou a Autora da prestação de serviço nocturno, mau grado o seu estado de saúde e ao contrário do que a Autora já fazia há 5 anos.
15 - A Autora viu-se obrigada a lançar mão do n.º 5 da cláusula 42.ª do ACT, nos termos do qual qualquer médico que ultrapasse os 50 anos de idade pode requerer a dispensa de prestação de trabalho nocturno.
16 - A Autora é sindicalizada no SMN (Sindicato dos Médicos do Norte).
17 - A decisão “a quo” viola claramente o ACT e normas legais previstas em matéria de segurança e saúde no trabalho.
18 - A Ré tem o dever de assegurar a trabalhador que sofra de problema de saúde relacionado com a prestação de trabalho nocturno a afectação a trabalho diurno que esteja apto a desempenhar, nos termos do n.º 5 do artigo 225.º do Código do Trabalho.
19 - A Sentença de que se recorre viola assim o dever de pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 127.º, do Código do Trabalho.
20 - Retribuição que deve ser adequada ao modo da prestação e exercício funcional do trabalho por turnos e à penosidade desse tipo de trabalho.
21 - O Tribunal a quo interpretou incorrectamente a cl.ª 9.ª do Contrato de Trabalho da A./Apelante, violando o disposto nos artigos 236.º, 237.° e 238.º do Código Civil.
22 - O artigo 236.º do Código Civil visa homenagear os princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico.
23 - No caso sub-judice, quando muito a retribuição acordada teria implícita a prestação de trabalho nocturno, que nada tem a ver com o trabalho por turnos.
24 - A Sentença de que se recorre viola claramente o artigo 237.º do Código Civil.
26 - Nos termos do artigo 237.º do Código Civil, em caso de dúvida sobre o sentido das declarações, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
Em remate pede a revogação da sentença.
O Réu contra-alegou, sem formular conclusões, defendendo que deve ser recusado provimento ao recurso da Autora, mantendo-se inalterada a sentença recorrida.
O recurso foi admitido.
Recebidos os autos neste tribunal, apresentados os mesmos ao Ministério Público, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida por ter efectuado correta análise dos factos e aplicação do direito, na consideração, de que: “a matéria dos factos provados 2.°, 3.°, 4.°, 12.° e 13.° integra um conjunto de circunstâncias susceptível de determinar - do ponto de vista do declaratário normal a interpretação, perfilhada na decisão recorrida, de que a vontade real das partes era a de que o subsídio de turno se destinava a remunerar o trabalho nocturno e por turnos, conjuntamente.
O próprio facto 13.° estabelece expressamente essa conexão ao fixar que, "por isso (por o serviço na urgência ser prestado em escalas cadenciadas - facto 11- e em períodos das 8 às 20 horas ou das 20 às 8 horas de cada dia - facto 12.°), e também para compensar o facto de, por vezes, serem escalados para serviço em sábados, domingos e feriados, é que a R. instituiu e lhes atribui o denominado subsídio de turno" - facto 13.°.
Por outro lado não demonstrou a recorrente, como lhe competia (art.° 342.° n.°l do CC), quaisquer factos dos quais se possa concluir o que afirma na conclusão 11" da sua alegação: - "O subsidio de turno destina-se a compensar a maior penosidade decorrente da sujeição do trabalho aos turnos e respectivas repercussões fisiológicas, familiares e sociais".
Quanto a este parecer, pronunciou-se a Autora, dele discordando e concluindo conforme alegado em sede de recurso.
Com esta resposta: “Junta: Horário do SU do Centro Hospitalar C….”.
Cumpridos os vistos, nos termos do disposto no artigo 657º, nº 2, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Em virtude da relatora ter ficado vencida é o acórdão relatado pela ora 1ª adjunta.
2. Questão prévia:
A primeira questão a decidir no âmbito do presente recurso, prende-se com a admissibilidade da junção do documento apresentado pela Autora com a resposta ao parecer do Ministério Público.
A Autora invocando que: “O facto 12 não refere que os únicos turnos sejam das 8h às 20h ou das 20 às 8horas. Na verdade, a R./Apelada tem muitos outros termos, só que normalmente, e no caso da A., desde 2016 (facto 12, 13 e 15 B) passou a ser das 8h ás 20h de Segunda a Domingo, ou seja, a A/Apelante apenas fazia turnos diurnos, o que é diferente de ter um horário fixo que aí teria que ser de 8h de Segunda a Sexta-feira.” e, que “O vertido no art. 13º comprova que o subsídio de turno visava compensar também o trabalho ao Sábado, Domingo e Feriados.”, juntou um documento defendendo que: “Atenta a interpretação que se faz do vertido nos factos 12 e 13, urge juntar horários de trabalho do serviço de urgência da R./Apelada, documentos que esta não entregou à A./Apelante e que, apenas neste momento, esta última obteve através de outros médicos do SU.”.
Notificado o Réu não se pronunciou.
Vejamos:
Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem, por princípio, ser apresentados com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes, ou na impossibilidade, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, como decorre do disposto no artigo 423º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil.
Prevê a lei adjectiva exceções a esta regra geral.
Nos termos do disposto no artigo 425º do Código de Processo Civil, «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.».
E nos termos do disposto no artigo 651º, nº1, 2ª parte do mesmo Código, «As partes podem juntar documentos às alegações (…) no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.»
Preceitua o artigo 661º, nº2, alínea b) do mesmo Código que «A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;»
Dos transcritos artigos resulta que são três os fundamentos excecionais justificativos da apresentação de documentos supervenientes com as alegações de recurso, no caso, posteriormente a estas, ou seja, quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados, quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior e, finalmente, no caso de a sua apresentação apenas se revelar necessária, devido ao julgamento proferido em 1ª instância, cfr. Acórdão do STJ de 09.02.2010, in www.dgsi.pt.
Como se lê no Acórdão da Relação de Coimbra de 24.06.2014, in www.dgsi.pt, «(…) o actual artigo 662.º do CPC configura uma clara evolução do sentido conferido pela lei à reapreciação da matéria de facto, tendo claramente consagrado a autonomia decisória dos Tribunais da Relação, aos quais compete formar e formular a sua própria convicção e, bem assim, conferindo-lhe a possibilidade de renovação de certos meios de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.»
Mas, lê-se também no mesmo acórdão, «Esta medida não significa a possibilidade de realização de um novo julgamento, destinando-se antes a servir para firmar uma convicção mais segura sobre determinado facto controvertido, designadamente quando para tal baste a apreciação de algum documento cuja junção pudesse ser oficiosamente decretada ou a determinação de alguma perícia, devendo a Relação avaliar a prova que foi ou deveria ter sido produzida, mediante critérios objectivos que, atentas as circunstâncias, revelem a imprescindibilidade ou não de uma tal diligência complementar, visando sempre a superação de dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada (…)».
Neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2017, 4ª edição, págs.283 e 284. Nesta obra, sobre a “(…) faculdade de a Relação, “mesmo oficiosamente”, ordenar a produção de novos meios de prova em caso de fundada dúvida sobre a prova realizada”, lê-se “Não significa isto a abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação, (…), antes uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi correctamente resolvida (devendo sê-lo) segundo o juízo crítico da Relação”.
Em concreto, impõe-se averiguar se é permitido à Autora, a junção do documento em apreço, nesta fase processual e, ainda, se o mesmo se reveste de alguma utilidade na presente ação.
O Prof. Antunes Varela na RLJ, ano 115º, nº 3696, a págs. 95 e 96, na vigência do Código de Processo Civil de 1961, escreveu: “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos de impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. (…)
A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº1, do artº 706 do CPC”, (que corresponde ao art. 651º do CPC, na redacção aqui aplicável), sublinhado nosso.
Neste sentido tem decidido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, cfr. entre outros, os Acórdãos de 03.03.1989, in BMJ, 385º-545, de 12.01.1994, in BMJ, 433º-467, de 28.02.2002, na Revista nº 296/02-6ª, Sumários, 2/2002, de 14.05.2002, na Revista nº 420/02-1ª, Sumários, 5/2002, de 30.09.2004 e de 24.02.2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, defendendo-se naquele Acórdão de 28.02.2002, que a junção de documentos, com base em tal previsão, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam.
Esta última situação não ocorre, quando a parte, conhecendo ou devendo conhecer da necessidade de apresentação de determinado documento para prova de algum facto, é confrontada com decisão que lhe é desfavorável em razão da sua não junção atempada ao processo e visa, no recurso, juntá-lo para infirmar o que decidido fora em conformidade com os factos provados.
Sendo que, como refere, novamente, o Prof. Antunes Varela e outros, agora, in “Manual de Processo Civil”, págs. 533 e 534, “…a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida, com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento (…)
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.”.
No caso vertente, nenhuma destas situações se verifica.
Na verdade, o que a Autora pretende demonstrar com a junção do documento, em causa, é que no Serviço de Urgência do Réu, são praticados outros horários, além daquele que ela se encontra a praticar e o que o Réu diz ter a mesma deixado de prestar.
Tal relaciona-se com a questão referente ao horário de trabalho praticado pela Autora (das 8h às 20H) no serviço de urgência do Réu, em regime de turnos, colocada em virtude daquele lhe ter deixado de pagar o subsídio de turno, com o argumento, de estar ela dispensada de fazer o horário das (20h às 8h).
Ainda com o que ficou provado na sentença recorrida, no item 12º que a Autora, de resto, não impugna, antes e apenas não concorda com a interpretação que de tal facto se faz na decisão recorrida.
No entanto, tal não configura nenhuma das situações em que é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso, ou posteriormente a estas, acrescendo que não se vislumbra qualquer interesse ou utilidade do documento em causa para o desfecho da presente acção, nomeadamente, quanto à interpretação do acordado entre as partes no contrato celebrado, quanto ao subsídio de turno.
Assim, não se admite a pretendida junção do documento apresentado pela Autora com a resposta ao parecer do Ministério Público.

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se na seguinte questão:
- saber se e em que medida a sentença recorrida deve ser revogada por errada interpretação da cláusula 9ª do Contrato de Trabalho da Autora e do ACT aplicável.
3. Fundamentação:
3.1. Fundamentação de facto:
O Tribunal a quo quanto aos factos pronunciou-se do seguinte modo, que se transcreve:
“Instruída e discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1 - A. e R. celebraram entre si o contrato de trabalho documentado a fls. 12 a 15, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com inicio em 15/10/2007.
2 - A A. foi assim contratada para, sob as ordens, direção e fiscalização do R., lhe prestar as funções de médica de clinica geral no serviço de urgência, com um horário semanal de 40 horas, incluindo “trabalho nocturno e por turnos” (cl. 9ª).
3 - Em contrapartida, o R. pagava à A. uma salário ilíquido mensal de 2 469,60 euros, um prémio de assiduidade de 500 euros mensais e um subsídio de turno de 800 euros mensais, ambos em 11 meses por ano (cls. 4ª e 5ª).
4 - O S.U. funciona 24 horas por dia, 365(6) dias por anos, sendo os diversos profissionais a ele afetos escalados mensalmente para horários que são ajustados de modo a garantirem o funcionamento permanente, inclusive à noite.
5 - A A. é associada do Sindicato dos Médicos do Norte, integrante da Federação Nacional dos Médicos.
6 - O Réu foi um dos outorgantes do ACT publicado no B.T.E. nº 41, de 8/11/2009
7 - A A., desde junho de 2011, foi considerada, por motivos de saúde, impossibilitada para trabalho nocturno, conforme ficha de aptidão junta a fls. 64 e que aqui se dá por reproduzida, tendo deixado de o prestar.
8 - Em 2014 e 2015, foi novamente comprovada a manutenção da impossibilidade de prestar aquele trabalho, com as declarações médicas de fls. 66 e 69, que aqui se dão por reproduzidas.
9 - No entanto, em Outubro de 2015, foi atribuído à A. um horário que incluía períodos nocturnos (entre as 20 e as 8 horas), conforme cópia junta a fls. 70 e que aqui se dá por reproduzida; tendo tal situação sido reiterada pelo R. nos meses seguintes, como exemplificam os horários de dezembro/15 e janeiro/16, juntos a fls. 74 a 81 e que igualmente se dão por reproduzidos.
10 - A pedido da A. e porque já tinha então mais de 50 anos de idade, o R. acedeu a dispensá-la de trabalho nocturno depois de janeiro de 2016, deixando no entanto e igualmente de pagar o subsidio de turno de 800 euros por mês.
11 - A A. continuou, porém, a estar integrada na equipa de urgência, com escalas cadenciadas, em períodos alternados, tanto em dias úteis como sábados, domingos e feriados.
12 - No S.U. o período normal de trabalho diário é de 12 horas, sendo normalmente cada médico afetado ao horário das 8 às 20 horas ou das 20 às 8 horas de cada dia.
13 - Por isso e também para compensar o facto de, por vezes, serem escalados para serviço em sábados, domingos e feriados, é que a R. instituiu e lhes atribui o denominado subsídio de turno.
14 - Tendo sido também essa a intenção do R. com a previsão desse subsidio no contrato que outorgou com a A. e tendo esta a noção de que era por isso pressuposto da perceção do mesmo o facto de ir trabalhar tanto em regime de turnos como, no caso dos turnos nocturnos, à noite (cfr. o nº 3 da cla. 9ª).
15 - Tanto o sabia que, enquanto prestou trabalho nocturno, nunca reclamou, para além do subsídio de turno, qualquer outra verba para pagamento daquele trabalho à noite.
15 – (passa a ser): 15-A - O horário de trabalho da A., a partir de fevereiro de 2016, passou a ser o constante do mapa junto a fls. 114 e que aqui se dá por reproduzido, ou seja, sempre das 8 às 20 horas, intercalando dias de trabalho com outros sem trabalho.
16 - Deixou assim a A. e ao contrário dos outros colegas do S.U. que recebem o subsídio de turno, de alternar entre períodos de trabalho diurnos e períodos de trabalho nocturnos.
*
Os demais factos alegados não obtiveram adesão da prova produzida ou eram meramente instrumentais ou conclusivos.”.
Por se revelar de interesse à decisão do presente recurso, altera-se a numeração 15 dada ao segundo facto, assim numerado pela 1ª instância, passando a ter a designação 15-A e adita-se à factualidade que antecede, o teor das seguintes cláusulas do contrato dado por reproduzido no ponto 1:
17 -
“4ª
O PRIMEIRO OUTORGANTE pagará mensalmente ao SEGUNDO OUTORGANTE, a remuneração base (ilíquida) de €2200,00 (dois mil e duzentos euros), …
1 – Á retribuição referida na cláusula anterior acrescem o montante de €800,00 (oitocentos euros) por subsídio de turno, pago onze meses por ano, e um prémio anual de assiduidade de €5500,00 (cinco mil e quinhentos euros), pago em 11 mensalidades de €500,00 (quinhentos euros), desde que não tenha quaisquer faltas justificadas ou injustificadas no mês.
(…).
1. O SEGUNDO OUTORGANTE compromete-se a prestar 40 (quarenta) horas de trabalho semanal, variáveis, perfazendo um total de 320 (trezentas e vinte) horas num período de oito semanas, ao PRIMEIRO OUTORGANTE.
2. O horário de trabalho a cumprir pelo SEGUNDO OUTORGANTE, será elaborado e afixado pelo PRIMEIRO OUTORGANTE dentro dos termos e limites legais, de acordo com a organização esquema e escala de funcionamento do Serviço de Urgência do PRIMEIRO OUTORGANTE, em que o SEGUNDO OUTORGANTE irá prestar a sua actividade.
3. Não obstante, o SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a cumprir, sempre que necessário, trabalho nocturno e por turnos.”.
18 – Dos Talões de Vencimento da A., emitidos pelo R., relativos a Dezembro de 2014, Janeiro, Fevereiro e Dezembro de 2015, a título de Abonos consta a indicação de “Subs.turno – médicos S.U.”, no valor de “800,00”, cfr. documentos juntos a fls. 18 e ss., dos autos.
3.2. Fundamentação de direito:
O recurso em análise, foi interposto pela Autora dizendo que: “não se pode conformar com a Douta Sentença que decidiu, pese embora considerar que a A. desenvolve o seu trabalho em regime de turnos, que a declaração negocial – contrato de trabalho – “devem valer com um significado diverso”, mais afirmando que esse sentido era conhecido do declaratário e correspondia à vontade real das partes, determinando a licitude da retirada do subsídio de turno e, nessa ordem, decidindo pela improcedência da acção.”, pedindo a sua revogação.
Será que lhe assiste razão?
Comecemos por transcrever o que, a propósito, na decisão recorrida consta:
“Em face da factualidade apurada e do(s) pedido(s) formulado(s) na causa, a questão a decidir é, essencialmente e apenas, a de determinar se a A. mantem o direito ao subsídio de turno previsto no seu contrato de trabalho apesar de ter deixado de prestar trabalho em período nocturno.
A este propósito, cumpre antes de mais reconhecer que, efectivamente e como destaca a A., a noção jurídica de trabalho por turnos e trabalho nocturno não são coincidentes, já que:
- trabalho por turnos, segundo o art. 220º do CT, é uma “organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de de dias ou semanas”; e
- trabalho nocturno, segundo o art. 22º do CT, é aquele que é prestado num período que tenha a duração mínima de 7 horas, compreendendo o intervalo entre as 0 e as 5 (nº 1); considerando-se, na falta de regulamentação do mesmo por IRCT, como período de trabalho nocturno o situado entre as 22 e as 7 horas do dia seguinte; e considerando-se, segundo a regulamentação colectiva do ACT aplicável ao caso (supra identificado), como tal o período das 20 às 8 horas do dia seguinte (cl. 42ª, nº 2).
Como tal e partindo desta distinção, dada pela lei e pela regulamentação colectiva do trabalho, diríamos que, não é pelo facto de ter deixado de prestar trabalho nocturno (das 20 às 8 horas), que a A. deixou de prestar trabalho por turnos. De facto, ela continuou integrada numa equipa (a dos médicos de urgência), ocupando sucessivamente o mesmo posto de trabalho (clinica geral) a um determinado ritmo (no caso e desde fevereiro de 2016, a um ritmo descontínuo, com dias de trabalho e outros sem trabalho) e isso num conjunto de dias e semanas definido mensalmente (em escalas de trabalho).
Aliás, talvez tenha sido por isso – embora não tenha sido produzida prova direta quanto a este facto - que o R. manteve o pagamento do subsídio de turno de meados de 2011 a fins de 2015, apesar de já nesse período a A. não ter prestado trabalho nocturno por motivos de saúde.
No entanto e independentemente dessa prática, a questão é saber se a A. mantinha e mantêm efectivamente ao direito ao dito subsidio, o qual lhe veio a ser retirado em 2016 (fevereiro).
Para a dilucidar, não podemos quedar-nos apenas pela denominação dada ao subsídio e pela diferenciação entre trabalho nocturno e por turnos dada pela lei e pelo IRC aplicável.
Radicando o direito ao subsídio do contrato de trabalho celebrado entre as partes, temos de recorrer às normas interpretativas do sentido das declarações negociais, previstas nos arts. 236º a 238º do Cód. Civil.
Assim e com interesse para o caso, importa atentar em que:
- as cláusulas do contrato de trabalho devem ser interpretadas com o sentido dado por “um declaratário normal colocado na posição do real declaratário” (nº 1 do art. 236º) e, sendo um negócio formal, com um sentido que tenha um “mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso” (nº 1 do art. 238º);
- no entanto, podem e devem valer com um sentido diverso se esse sentido diverso for conhecido do declaratário ou corresponder à vontade real das partes (nsº 2 dos arts. 236º e 238º); e
- em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, há que dar prevalência, estando em causa um negócio oneroso, ao sentido “menos gravoso para o disponente” (art. 237º).
Ora, posto isto e indo ao caso concreto, não podemos deixar de reconhecer que:
- a A. foi contratada pelo R. especifica e exclusivamente para o serviço de urgência, o qual, por natureza, não pode deixar de funcionar, tanto por turnos, como em período nocturno;
- A A. sabia disso e, inclusive, obrigou-se a prestar, no próprio contrato, tanto um como outro desses tipos de trabalho; e
- nunca reclamou, para além do subsídio de turno contratualmente previsto, qualquer acréscimo remuneratório por trabalho nocturno ao longo dos anos em que prestou, para além do trabalho por turnos, também trabalho nocturno.
Estas circunstâncias levam-nos a concluir que, pese embora o texto contratual, na denominação que deu ao subsidio em causa, não tenha incluído expressamente o trabalho nocturno (apenas por turnos), a verdade é que:
- a intenção do R., ao institui-lo, terá sido a de compensar os profissionais médicos que, como a A., iam desenvolver o seu trabalho num regime de horários que compreendia, quer trabalho por turnos, quer trabalho nocturnos em alguns desses turnos;
- e a A. tinha conhecimento dessa intenção ou vontade contratual do R., tendo-a aceite aquando da subscrição do contrato de trabalho e nos anos iniciais de desenvolvimento da relação laboral.
Assim sendo, afigura-se-nos suficientemente demonstrado que a vontade real das partes, com o subsídio de turno contratualmente previsto, era a de remunerar, não só o trabalho por turnos, mas também do trabalho nocturno, de forma conjunta e incindível.
E, ainda que dúvidas tivéssemos sobre se era esse o sentido da vontade real das partes, sucede que sempre seria ele o menos gravoso para a parte que paga o subsídio (o disponente), já que apenas o obriga a pagar quando são prestados os dois (e não apenas um) dos tipos de trabalho em causa.
Em conformidade e concluindo, não vemos que a A., ao ter pedido a sua dispensa de trabalho nocturno, possa reclamar o subsídio de turno. Independentemente de lhe ter sido voluntariamente pago em anos anteriores, a verdade é que o R. não estava nem está contratualmente obrigado a pagá-lo, podendo fazer cessar, como fez desde fevereiro de 2016, o respectivo pagamento à Autora.”.
Desde já se adianta que em nosso entender a decisão recorrida não pode manter-se.
É esta a factualidade que que se nos afigura relevante atender aqui:
- A Autora foi contratada para, sob as ordens, direção e fiscalização do Réu, lhe prestar as funções de médica de clinica geral no serviço de urgência, com um horário semanal de 40 horas, incluindo “trabalho noturno e por turnos”, (item 2º da factualidade assente como provada).
- Em contrapartida, o Réu pagava à Autora uma salário ilíquido mensal de 2.469,60 euros, um prémio de assiduidade de 500 euros mensais e um subsídio de turno de 800 euros mensais, ambos em 11 meses por ano, (item 3º da factualidade assente como provada).
- No Serviço de Urgência o período normal de trabalho diário é de 12 horas, sendo normalmente cada médico afetado ao horário das 8 às 20 horas ou das 20 às 8 horas de cada dia, (item 12º da factualidade assente como provada).
- Por isso e também para compensar o facto de, por vezes, serem escalados para serviço em sábados, domingos e feriados, é que a Ré instituiu e lhes atribui o denominado subsídio de turno, (item 13º da factualidade assente como provada).
- Tendo sido também essa a intenção do Réu com a previsão desse subsidio no contrato que outorgou com a Autora e tendo esta a noção de que era por isso pressuposto da perceção do mesmo o facto de ir trabalhar tanto em regime de turnos como, no caso dos turnos noturnos, à noite, (item 14º da factualidade assente como provada).
- A pedido da A. e porque já tinha então mais de 50 anos de idade, o R. acedeu a dispensá-la de trabalho nocturno depois de janeiro de 2016, deixando no entanto e igualmente de pagar o subsidio de turno de 800 euros por mês, (item 10º da factualidade assente como provada).
- O horário de trabalho da Autora, a partir de fevereiro de 2016, passou a ser sempre das 8 às 20 horas, intercalando dias de trabalho com outros sem trabalho, (item 15º - A da factualidade assente como provada).
- Deixou assim a Autora e ao contrário dos outros colegas do Serviço de Urgência que recebem o subsídio de turno, de alternar entre períodos de trabalho diurnos e períodos de trabalho noturnos, (item 16º da factualidade assente como provada).
Diversamente do que ficou referido na sentença do tribunal a quo, de tal factualidade não resulta, em nosso entender que ficou “suficientemente demonstrado que a vontade real das partes, com o subsídio de turno contratualmente previsto, era a de remunerar, não só o trabalho por turnos, mas também do trabalho noturno, de forma conjunta e incindível.”.
Com efeito, da factualidade provada que se deixou supra transcrita, resulta apenas que o subsídio de turno, no montante de 800,00 euros mensais que foi sendo pago pelo Réu à Autora, pressupunha que no serviço de urgência, o período normal de trabalho diário é de 12 horas, sendo normalmente cada médico ser afetado ao horário das 8 às 20 horas ou das 20 às 8 horas de cada dia, podendo, por vezes, ser escalado para serviço em sábados, domingos e feriados.
Ainda que a partir de fevereiro de 2016, a Autora passou a trabalhar sempre das 8 às 20 horas, intercalando dias de trabalho com outros sem trabalho, tendo deixado somente de alternar entre períodos de trabalho diurno e períodos de trabalho noturno.
Ou seja, a Autora continua a trabalhar tanto em dias úteis, como em sábados, domingos e feriados, sempre que escalada para o efeito.
Assim sendo, continua a justificar-se que seja compensada com o subsídio instituído pelo Réu, denominado serviço de turno, porque foi essa uma das finalidades subjacentes à atribuição do mesmo.
Questão diversa é a de saber se lhe é devido a totalidade desse mesmo subsídio.
Desde já adiantamos que a resposta é negativa, atento o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.
Seguiremos aqui de perto o Acórdão desta Relação, proferido no processo nº 497/14.1TTVFR.P1, (relatora Maria José Costa Pinto), tal como efetuado no acórdão proferido no Processo nº 3761/15.9T8VFR.P1, relatado pela aqui também relatora.
O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa confere aos trabalhadores o direito fundamental de, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual.
Tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas às diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional.
O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro contempla esta matéria nos artigos 23.º e seguintes, disciplinando a igualdade e não discriminação em função dos vários factores que enuncia e mantendo os princípios gerais e sistemas de valores expressos no anterior Código, aprovado pela Lei nº 99/2003.
Preceitua o artigo 23.º, que se considera:
«1 - (…),:
a) Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado.
2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um factor de discriminação.»
Preceitua o artigo 24.º, sob a epígrafe, Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho:
«1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.
2 - O direito referido no número anterior respeita, designadamente:
a) A critérios de selecção e a condições de contratação, em qualquer sector de actividade e a todos os níveis hierárquicos;
b) A acesso a todos os tipos de orientação, formação e reconversão profissionais de qualquer nível, incluindo a aquisição de experiência prática;
c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para selecção de trabalhadores a despedir;
d) A filiação ou participação em estruturas de representação colectiva, ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos.
3 - […]
4 - […]
5 - […]», (sublinhado nosso).
Reproduzimos também aqui parte do Acórdão desta Relação de 15.05.2017, proferido no processo 1300/16.3T8OAZ.P1 (relator Jerónimo Freitas) e o Acórdão do Tribunal Constitucional aí parcialmente transcrito:
«É consabido que o Tribunal Constitucional tem sucessivamente afirmado que o princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, exige, num primeiro passo, que seja dado tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais. Pronunciando-se a esse propósito com expressivo desenvolvimento, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2003 [Diário da República, I Serie-A, de 17 de Junho de 2003), escreve-se, para além do mais, o seguinte:
- «(..)
O Acórdão nº 319/00 (in AcTC, 47º vol., pp. 497ss), apoiando-se no Acórdão nº 563/96 (in AcTC, 33º vol., pp. 47ss), procedeu a uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da igualdade. Assim:
“[O] Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre as exigências do princípio constitucional da igualdade, que, no fundo, se reconduz à proibição do arbítrio, proibição essa que, naturalmente, não anula a liberdade de conformação do legislador onde ele a não infrinja. Assim, por exemplo, no acórdão nº 563/96 (...), publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º, pág. 47 e segs., foram assim descritas:
1.1.-O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da Constituição da República que, no seu nº 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que ‘ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social'. Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág. 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18º, nº 1, da Constituição)’ (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990).
Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado Acórdão nº 186/90, os Acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
(..)».
Em síntese, este princípio “postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais”.» (sublinhado nosso).
No caso dos autos, ficou provado que a partir de fevereiro de 2016, ao contrário dos outros colegas Médicos do Serviço de Urgência que recebem o subsídio de turno, a Autora deixou de alternar entre períodos de trabalho diurnos e períodos de trabalho noturnos.
Ainda que tal sucedeu, a pedido da A. e porque já tinha então mais de 50 anos de idade, tendo o Réu acedido a dispensá-la de trabalho noturno depois de janeiro de 2016.
Ora, se a Autora continuasse a receber a totalidade do denominado subsídio de turno, tal poria em causa o princípio da igualdade, uma vez que a Autoria ficaria a receber o mesmo que outros colegas seus que para além de trabalharem em sábados, domingos e feriados, quando escalados para o efeito, trabalham em períodos de trabalho diurno mas também em períodos de trabalho noturno.
Qual então o montante do mesmo subsídio que deve continuar a ser pago pelo Réu à Autora?
Da factualidade assente como provada não é possível aferir-se qualquer proporção que tenha resultado da vontade das partes, na atribuição do subsídio de turno, atenta a dupla finalidade do mesmo: compensação por o período normal de trabalho diário ser de 12 horas, com escalas, em períodos alternados, tanto em dias úteis como sábados, domingos e feriados e por cada médico poder ser afetado ao horário das 20 ás 8 horas, e não apenas ao horário das 8 às 20 horas.
Ou seja, é manifesta a falta de factualidade apurada que permita, de per si, uma adequada quantificação de tal proporção.
De referir também que nada resulta a este propósito do Acordo Coletivo de Trabalho celebrado entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E., e outros e a Federação Nacional de Médicos – FENAME e outro.
A este propósito, no mesmo ACT, prevê-se apenas, na cláusula 42ª, nº5 que «A partir da data em que perfaçam 50 anos de idade, os trabalhadores médicos, se o declararem, ficam dispensados da prestação de trabalho no período compreendido entre as 20 e as 8 horas do dia seguinte.».
Nada se prevê em tal ACT sobre a irredutibilidade/ou não da retribuição dos trabalhadores médicos que façam uso de tal faculdade.
Foi o que sucedeu com a Autora, como ficou já referido.
Assim sendo, à falta de tais elementos, a justiça possível para o caso será baseada na equidade, ou seja, de acordo com um parâmetro que se nos afigura pautado por razoabilidade, adequação e justa proporção.
Para a definição sobre o que é a equidade, citamos aqui as palavras de Rodolfo Pamplona Filho e Claiz Maria Pereira Gumça dos Santos, in “Equidade no Direito do Trabalho: Uma análise à luz da hermenêutica jurídica”, acessível por consulta na internet, onde os mesmos Autores, nomeadamente, abordam o tema da equidade no direito do trabalho brasileiro, “(…), a equidade pode ser definida como "igualdade, retidão, equanimidade", ou seja, a equidade, no seu sentido original, equivale à própria noção de justiça, vale dizer, o ideal a ser atingido tanto pelo legislador, quanto pelo aplicador da norma, pois não há como se conceber, do ponto de vista lógico, um direito injusto.
Desta forma, a equidade não é somente um simples método ou técnica de interpretação, mas sim um pressuposto lógico da atividade interpretativa, haja vista que, se a finalidade do Direito é a realização concreta da Justiça, toda interpretação de suas normas deve respeitar esse fundamento teleológico, isto é, ser equitativa, tender para o justo.”, (sublinhado nosso).
Perante tal juízo de equidade, consideramos ser de metade a proporção do montante do subsídio de turno, na parte em que o mesmo se destinou a compensar pelo facto de na equipa de urgência, cada médico ser integrado em escalas, em períodos alternados, tanto em dias úteis como sábados, domingos e feriados.
A propósito da “bitola da equidade”, lê-se no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 01.10.2014, in www.dgsi.pt, «A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados.».
Lê-se ainda no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 20.06.2006, in www.dgsi.pt, (citado também naquele último acórdão da mesma Relação), «Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal».
Vejamos então as consequências do que assim fica decidido:
Estando o Réu obrigado a pagar à Autora, nos termos do contrato que com esta celebrou, a partir do momento em que aquela deixou de ficar afetada ao horário compreendido das 20 às 8 horas, metade do subsídio de turno, impõe-se a condenação do Réu a reconhecer tal direito da Autora, enquanto esta permanecer integrada na equipa de urgência, escalada, em períodos alternados, tanto em dias úteis como em sábados, domingos e feriados.
Em conformidade, o Réu deve ainda ser condenado no pagamento de metade do valor de tal subsídio (800,00€:2), desde Fevereiro de 2016, altura em que deixou de o pagar mensalmente na sua totalidade.
Mais deve o Réu ser condenado a indemnizar a Autora pelo atraso no pagamento de tal proporção do valor desse subsídio, ou seja nos juros legais, à taxa legal de 4% ao ano, a contar do dia em que se venceu cada um dos subsídios em causa, na respectiva proporção em dívida, até efetivo e integral pagamento, conforme previsto, artigos 804º, 805º, 806º, 559º, todos do Código Civil, Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril e artigo 135º, do Código de Processo do Trabalho.
3. Decisão:
Nesta conformidade, acordam as Juízas da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência parcial do recurso e, em consequência, condena-se o centro Hospitalar de C… a:
a) Reconhecer o direito da Autora a receber 50% do montante subsídio de turno, enquanto esta permanecer integrada na equipa de urgência, escalada, em períodos alternados, tanto em dias úteis como em sábados, domingos e feriados;
b) Pagar à Autora metade do valor de tal subsídio mensal (800,00€:2), desde Fevereiro de 2016;
c) Pagar à Autora juros legais, à taxa legal de 4% ao ano, a contar do dia em que se venceu cada um dos subsídios em causa, na respectiva proporção em dívida, até efetivo e integral pagamento.
Custas da ação e da apelação, pela Autora e pelo Réu na proporção de metade.

Porto, 21 de Outubro de 2018.
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
Rita Romeira (inicialmente relatora e vencida em conformidade com o voto que se anexa)
________
Declaração de voto
Como primitiva relatora, divirjo do entendimento que fez maioria na medida em que entendo que a apelação deve ser julgada totalmente procedente.
Justificando.
No contrato que celebraram as partes acordaram que a retribuição devida pelo R. à A., como contrapartida do seu trabalho, é composta de um subsídio de turno de 800 euros mensais, a pagar onze meses por ano (cfr. resulta das cláusulas 4ª e 5ª do contrato). Naquele, as partes não especificaram, de modo algum, que o mesmo se destinasse a compensar a A. por alguma particularidade da prestação do seu trabalho, nomeadamente, por causa da mesma ir trabalhar por turnos, numa urgência, ou porque nesse serviço na urgência, a mesma iria prestar trabalho diário e nocturno, em horários desfasados, incluindo sábados, domingos e feriados, (cfr. factos 2, 3 e 17). Ou seja, sem qualquer especificação de que o mesmo se destinasse a compensar, coisa diferente, que não fosse, a globalidade da sua prestação ao serviço do R., acordaram que à retribuição base acrescia o montante de 800 euros “por subsídio de turno”.
Disso se deu conta na decisão recorrida, referindo-se, “pese embora o texto contratual, na denominação que deu ao subsidio em causa, não tenha incluído expressamente o trabalho nocturno (apenas por turnos),” e prossegue: “a verdade é que:
- a intenção do R., ao institui-lo, terá sido a de compensar os profissionais médicos que, como a A., iam desenvolver o seu trabalho num regime de horários que compreendia, quer trabalho por turnos, quer trabalho nocturnos em alguns desses turnos;
- e a A. tinha conhecimento dessa intenção ou vontade contratual do R., tendo-a aceite aquando da subscrição do contrato de trabalho e nos anos iniciais de desenvolvimento da relação laboral.” (sublinhados e negritos nossos).
Mas, sendo assim, afirmando-se que a intenção do R. ao instituí-lo e da A. ao aceitá-lo, subscrevendo o contrato de trabalho, terá sido compensar os profissionais médicos que iam trabalhar por turnos, alguns desses, em trabalho nocturno, como se pode concluir “que o R. não estava nem está contratualmente obrigado a pagá-lo, podendo fazer cessar, …, o respectivo pagamento à A.”.
Ora parece-nos, óbvio, que não se pode.
E, a conclusão a que se chegou na decisão recorrida, como defende a recorrente não pode manter-se, não só por violar disposições legais, como por não se mostrar conforme com o acordado entre A. e R., no contrato de trabalho que ambas aceitam ter celebrado e, de onde resulta claro, em nosso entender, que o subsídio de turno, contratualmente previsto, não era a de remunerar nada em específico, repetimos, nem sequer, apenas o facto de a A. ir desenvolver trabalho por turnos, (que, como é sabido, pode ser desenvolvido sem que o trabalhador preste trabalho nocturno) nem apenas, o trabalho nocturno, ou ambos, como se considera na decisão recorrida.
Pois, como consta do contrato e ficou transcrito no ponto 17 dos factos provados, da cláusula 9ª daquele, apenas se pode concluir que a remuneração acordada pelas partes, nos termos das cláusulas 4ª e 5ª, era devida como contrapartida do trabalho a prestar pela A., nos termos do horário, referido no nº 1 da cláusula 9ª, elaborado pelo R., nos termos do nº 2 da mesma, “não obstante” a A. se obrigar, a cumprir trabalho nocturno e por turnos, como salvaguardam no nº 3, daquela cláusula 9ª, “sempre que necessário.”.
Ora, se assim acordaram, parece-nos que outra intenção não pode concluir-se que as partes tiveram, que não fosse fixar a remuneração mensal da A., composta do “subsídio de turno”, que lhe seria paga, independentemente, de a mesma prestar ou não trabalho nocturno ou por turnos, até porque o cumprimento destes só obrigava a A. se fosse necessário.
A expressão “sempre que necessário” é bem elucidativa de que a remuneração mensal da A. (que não se discute incluía o “subsídio de turno”) era a acordada nas cláusulas 4ª e 5ª do contrato, ainda que, não desenvolvesse ela trabalho nocturno ou por turnos, já que a tal a mesma obrigou-se mas, apenas, quando fosse necessário.
E, sendo assim, parece-nos claro que o “subsídio de turno”, instituído pelo R. e por ela aceite, será sempre devido, ainda que ela não preste qualquer trabalho nocturno.
Pois, pese embora, atento o serviço em que está integrada, a A. tenha que prestar trabalho por turnos, nada na lei obriga que os mesmos tenham de ser no período nocturno, nem isso resulta do contrato, como dissemos.
A A. só se obrigou a prestar trabalho nocturno, se necessário.
E, como o R. não desconhece, trabalho por turnos e trabalho nocturno são realidades distintas, (vejam-se os art.s 220º e 223º do CT).
Se não bastasse o que acabamos de dizer, a A. está dispensada de prestar trabalho nocturno, atenta a sua idade e o disposto no art. 42, nº 5, do ACT, aplicável, na relação laboral em causa.
Em resumo, a A. continua a trabalhar no serviço de urgência, integrada nessa equipa, com um horário desfasado, e cumprindo serviço, em qualquer dia da semana, do mês ou do ano. Acresce que, só não presta serviço, porque a lei lhe concede essa possibilidade, no período nocturno (em concreto entre as 20h e as 8 h), mas encontrando-se à disposição do R., que elabora os seus horários, para prestar serviço em qualquer outro período diurno para que venha a ser escalada, pois conforme decorre do facto 12, o facto de vir a cumprir um horário, entre as 8h e as 20h, nada impede que venha a ser escalada para outros turnos com outro horário. O advérbio, normalmente, constante daquele facto, só permite concluir isso.
Pois, o facto de no S.U. o período normal de trabalho diário ser de 12 horas e o ser, normalmente, cada médico afectado ao horário das 8h às 20h ou das 20h às 8h, não significa que não possa o R. elaborar outros horários, com diferente duração, nomeadamente, no período diurno em que a A. trabalha.
Não podemos deixar de concordar com a recorrente, quando defende que o R., ao retirar-lhe aquele subsídio de turno, violou a Lei, (art. 127, nº 1, al. b) do CT) pois, sem justificação, procedeu à redução da retribuição com a mesma acordada, em violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, como violou o estabelecido na Convenção Colectiva que outorgou, (ACT publicado no BTE nº 41, de 8.11.2009), desrespeitando o disposto no nº 5, do art. 42º, daquela, que confere à A. o direito de ser dispensada da prestação de trabalho no período compreendido entre as 20 h e as 8h do dia seguinte, sem que isso implique qualquer prejuízo para a mesma, a nível remuneratório. Pois, não se apurou que tivessem as partes acordado o pagamento de qualquer prestação ou suplemento a esse respeito, nomeadamente, dos que se aludem no art. 47º da referida Convenção.
Acrescendo, ao entendimento que defendemos, o facto de, já antes, por motivos de saúde, conforme resulta dos factos assentes nos pontos 7, 8 e 18, a A. ter estado impossibilitada de prestar trabalho nocturno e, ainda, assim, o R. pagou-lhe o subsídio de turnos nesses períodos, por se ter obrigado a fazê-lo nos termos do contrato que celebrou com a mesma, não o fazendo “voluntariamente” como, erradamente, se considerou na decisão recorrida.
Não concordamos, assim, que o R. pudesse fazer cessar o pagamento do subsídio de turno, acordado com a A., nos termos em que o fez. Nem a decisão recorrida poderia ter concluído de outro modo, face à interpretação das cláusulas do contrato que efectuou, com apelo às normas interpretativas, previstas nos art.s 236º a 238º do CC, concluindo que “- a intenção do R., ao institui-lo, terá sido a de compensar os profissionais médicos que, como a A., iam desenvolver o seu trabalho num regime de horários que compreendia, quer trabalho por turnos, quer trabalho nocturnos em alguns desses turnos;”, (sublinhados e negritos nossos).
Face ao que se deixa exposto, não podemos deixar de concluir que o comportamento do R. violou, como já dissemos, a Lei, a Convenção Colectiva e o contrato individual de trabalho celebrado com a A.. E, a sentença recorrida, não pode manter-se porque, legitimou aquele comportamento, fazendo uma interpretação errada daqueles dispositivos e, pese embora, nela se ter concluído que a vontade real das partes (A. e R.), consignada no contrato, relativamente a que se destinava o subsídio de turno, “remunerar não só o trabalho por turnos, mas também o trabalho nocturno”, acaba por, salvo o devido respeito, erradamente, concluir que não vê que “a A., ao ter pedido a sua dispensa de trabalho nocturno, possa reclamar o subsídio de turno.”.
Pois é, para nós, óbvio que se o R. instituiu e atribui o denominado subsídio de turno para compensar os médicos que integram o serviço de urgência, pelos motivos constantes do facto 12 e, também, no facto 13, atenta a situação da A., referida no facto 11, o mesmo não podia retirar-lhe o subsídio em causa, só porque a mesma deixou de prestar trabalho nocturno, no exercício de um direito que a lei lhe confere. Não se mostrando, o que afirmamos, invalidado nem pela intenção do R., nem pela percepção da A, expressas no facto 14, (a A. continua a prestar trabalho em turnos, no serviço de urgência, para que foi contratada), nem pelo afirmado em 15, que é perfeitamente irrelevante para a decisão a proferir nos autos.
Assim, concluindo nós que o subsídio de turno, acordado no contrato é devido à A., pese embora, a mesma não prestar trabalho em turnos no período nocturno, porque legalmente está dispensada de o fazer, não há dúvidas que o R. não devia ter cessado o seu pagamento.
Ao fazê-lo o mesmo não só se constituiu na obrigação de proceder ao seu pagamento, como na obrigação de indemnizar a A. pelos prejuízos que lhe causou, em consequência, do atraso naquele que, corresponde aos juros legais, a contar do dia em que se venceu cada um dos subsídios em dívida, até efectivo e integral pagamento, nos termos prescritos nos art.s 804º, 805º, nº 2 e 806º, todos do C.Civil.
Em suma, consideramos que a apelação deveria ser totalmente procedente, não só porque, não se suscitam dúvidas que, nos termos do contrato o R. está obrigado a pagar o subsídio de turno à A., o qual faz parte da sua retribuição mas, também, porque, ainda que dúvidas existissem quanto ao sentido das declarações expressas naquele, as mesmas tinham de ser interpretadas no sentido de que o pagamento do subsídio de turno se deveria manter (atento o disposto no art. 237º do CC), porque estando nós perante negócio oneroso, seria “o que conduziria ao maior equilíbrio das prestações” já que, ninguém discute, a A. continua a prestar serviço para o R., no serviço de urgência, integrada numa equipa de urgência, que presta serviço por turnos, sem qualquer horário fixo, sendo os horários da mesma desfasados e elaborados por aquele.
E, ainda, porque apesar de se ter provado que com o estabelecimento daquele designado “subsídio de turno” as partes celebrantes (empregador/trabalhadora) quiseram remunerar não só o trabalho por turnos, mas também, o trabalho nocturno, não tendo sido atribuída qualquer percentagem para cada um, na fixação global daquele valor, o facto da trabalhadora deixar de prestar, apenas, trabalho nocturno, não confere ao empregador o direito de cessar o seu pagamento, como fez, nem de o ver diminuído, como se considerou na decisão que, obteve acolhimento maioritário.
Concluiríamos, assim, pela total procedência da acção e condenação do R. a reconhecer o direito da A. ao subsídio de turno, enquanto se mantiver nos horários de Serviço de Urgência e a pagar-lhe o montante dos subsídios devidos, desde a cessação do seu pagamento, Fevereiro de 2016, acrescido dos juros, legais, vencidos desde a data de constituição em mora, em relação, a cada um dos subsídios devidos, até efectivo e integral pagamento, com a consequente revogação da decisão sob recurso.

Rita Romeira