Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
208/07.8TACDR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RP20110112208/07.8TACDR.P1
Data do Acordão: 01/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se o arguido, tendo sido acusado pela prática de um crime de maus tratos, realizado por meio de condutas que traduzem ofensas à integridade física, é condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, realizado através de uma daquelas condutas, a alteração da qualificação jurídica que assim ocorre não tem que ser-lhe notificada, ao abrigo do art. 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, em virtude de a alteração não implicar necessidade de nova defesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 208/07.8TACDR.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 12 de Janeiro de 2011, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 208/07.8TACDR.P1, do Tribunal Judicial da Comarca de Castro Daire, em que é assistente e demandante civil B………. e são arguidos e demandados civis C………. e D………., foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 265-266]:
«- Absolver os arguidos C………. e D………. da prática do crime de maus tratos a pessoa indefesa em razão da sua idade e doença, p. e p. pelos artigos 26.º, e 152.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
- Condenar a arguida C………. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) [por convolação do crime de maus tratos por que foi absolvida].
- Condenar o arguido D………. pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) [por convolação do crime de maus tratos por que foi absolvido].
- Julgando parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante B………., a fls. 62 a 66, decide-se:
- Condenar a arguida C………., enquanto demandada, a pagar à demandante civil, B………, a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos morais causados à demandante, acrescida dos juros de mora contabilizados à taxa de 4%, desde a notificação do pedido e até efectivo e integral pagamento.
- Condenar o arguido D………., enquanto demandado, a pagar à demandante civil, B………., a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos morais causados à demandante, acrescida dos juros de mora contabilizados à taxa de 4%, desde a notificação do pedido e até efectivo e integral pagamento.
(…)»
2. Inconformados, os arguidos recorrem, em recursos autónomos. O arguido D………. extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 284-285]:
«1- No entender do arguido não foi produzida prova suficiente para sustentar os factos dados por provados nos pontos 13 e 16 da matéria de facto da sentença sob recurso e a consequente condenação pelo crime de ofensas corporais simples.
2- Isto porque, os depoimentos das testemunhas ouvidas são contraditórios e sustentam-se, essencialmente na versão da ofendida contada publicamente, perante as mesmas.
3- Contudo, nenhuma das testemunhas afirma que antes da ofendida contar o que se passou já estava à espera que acontecesse o que dizem ter acontecido, fosse por terem ouvido gritar, fosse por outra razão, apesar de estarem muito próximo da casa onde a alegada agressão se dera, a cerca de 15 metros, diz a testemunha E……….,
4- E nenhuma das testemunhas que veio confirmar a referida agressão - bofetada no rosto - apesar de garantirem terem visto as marcas da mão ou dos dedos na cara da ofendida, não souberam dizer de que lado do rosto e confrontadas com a necessidade de ter sido, para poderem verificar tais sinais, uma forte pancada, não confirmam que tenham ouvido gritos por parte da ofendida, contrariando a experiência comum, uma vez que as testemunhas estavam na rua, a ofendida sabia disso, sendo lógico que se a mesma tivesse sido agredida daquela forma gritasse em sua defesa e fosse ouvida na rua.
5- Razoes pelas quais tais testemunhos não passam de uma recreação tendo em vista obter um efeito patrimonial pela ofendida e que é reaver os bens doados à arguida por maus tratos do casal à mesma.
6- De resto, o arguido depôs de forma espontânea e sincera, confessando factos que nenhuma testemunha declarou ter presenciado, como seja a resposta que dera à ofendida quando se sentiu injuriado por ela, ao ouvir a ofendida tratá-lo de corno e outros nomes,
7- Tal confissão, que permitiu dar-se como provados os factos inscritos no ponto 8, obrigava a inscrever igualmente que proferiu tais expressões depois de ter sido, ele próprio injuriado pela ofendida, não estando correcta a redacção deste ponto da matéria dos factos provados, nessa medida devendo ser corrigida, uma vez que, quanto a nós, não se pode dizer que o seu depoimento é sincero na incriminação e já não é na justificação.
8- Nessa conformidade, além de não poder ser condenado a título criminal pelo facto de ter proferido tais palavras, também não pode o arguido ser condenado a titulo de indemnização civil, uma vez que a sua atitude traduz uma reacção à anterior atitude provocatória e injuriosa da ofendida sobre o arguido.
9- Por outro lado, a não se entender ser de absolver o arguido, como se espera, do crime em que foi condenado, crê-se que a multa em concreto aplicada de 100 dias é demasiado alta, atingido quase o limite máximo em situações de crimes com molduras penais semelhantes, não tendo a situação concreta, a nosso ver, a gravidade que justifique tal pena, uma vez que se trataria de uma situação única envolvida numa briga entre a mulher do arguido e a ofendida, conforme declarações da própria ofendida.
10- Nessa medida, crê-se igualmente, a ter de ser condenado, que o valor da indemnização é igualmente elevada, atendendo às consequências resultantes, quer de tal agressão, quer das alegadas injúrias, pelo que metade de tal valor seria já, a nosso ver, suficiente.
11- Razões pelas quais, dando provimento ao presente recurso, revogando a sentença sob recurso, deve o arguido ser absolvido do crime em que foi condenado, assim como do respectivo pedido de indemnização civil.
Assim decidindo farão V. Exas Justiça.
(…)
3. Por seu lado, a arguida C………. extrai da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 342-346]:
[1] Discordamos dessa sentença porquanto entendemos que a correcta valoração da matéria de facto dada como provada permitiria o resultado inverso, isto é, a absolvição daquela cidadã pela prática do ilícito criminal que lhe estava imputada, bem como pelo crime pelo qual acabou por ser condenada;
[2] "Durante a audiência de discussão e julgamento procedeu-se a uma alteração não substancial de factos, a qual foi comunicada aos arguidos, nos termos e para os fins previstos no art. 358. °, n. ° l, do Código de Processo Penal.
[3] Os novos factos comunicados, tal como consta do despacho transcrito, foi comunicada nos termos e para os efeitos previstos no art.° 358°, n° 1, do C.P.P, nunca se pensou que tal facto iria ser usado nos termos e para os efeitos previstos no art.°358.0n.°3.
[4] Os arguidos vinham acusados de a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de maus tratos a pessoa indefesa em razão da idade e doença, p. e p. pêlos artigos 26.° e 152.°, n.° l, al. a), do Código Penal.
[5] Efectivamente existe diferença entre o n.° l e o número 3 daquele art. 358.°. Uma coisa é a alteração de factos da incriminação (n.°l), outra diferente é a alteração perante os mesmos factos, da qualificação jurídica (n.°3)!
[6] Foi intenção do legislador separar essas duas realidades em números distintos. A remissão feita pelo n.° 3 para o n.° 1 não equipara situações, antes pelo contrário, distingue-as, apenas havendo remissão para a forma de comunicação; e quando o tribunal altera a qualificação jurídica dos factos, essa até pode acontecer sem haver alteração dos factos incriminadores (aqueles que estão descritos na acusação ou na pronúncia) esses até podem ser os mesmos.
[7] Situação até que seria natural no caso, porém sempre com a obrigação de comunicação nos termos do n.° 3 do art. 358.°, já que encontram-se em relação de concurso legal ou aparente o tipo legal de ofensa à integridade física simples e o tipo legal de crime de maus tratos
[8] Ou seja, tal comunicação feita aos arguidos, nos termos que foi feita jamais os poderia levar a concluir que iria se operar a uma alteração da qualificação jurídica dos factos, que efectivamente foi levada a cabo sem os mesmos dela terem conhecimento.
[9] E foram essas mesmas garantias de defesa que foram negadas aos arguidos (desculpem-me o plural, pese embora ser Defensora Oficiosa da Arguida), foi negado à arguida o seu direito a contra-argumentar, a basear-se e a organizar a sua defesa tendo em conta um determinado tipo legal de crime com as suas especificidades próprias, com o seu tipo legal circunscrito, doutrinalmente esmiuçado na sua vertente específica, sem ser olhado como um crime dentro de outro crime.
[10] Pois bem, dúvidas não restam que a sentença nessa parte é nula e como tal, com as devidas consequências, deverá ser declarada e estamos em crer que poderá ser alvo de suprimento pelo Tribunal de recurso [artigo 379.°, n.° 2, do Código de Processo Penal], por forma a que as demais questões suscitadas neste recurso possam ser definitivamente conhecidas e decididas.
[11] Passando à análise da verificação e consequente arguição de NULIDADE DA SENTENÇA, consubstanciada na omissão de pronúncia dos factos dados como provados, isto, nos termos e para os efeitos do artigo 379.°, n.°s l, alínea c), do Código de Processo Penal.
[12] Certo é que, conforme consta da sentença, ficou provado que os filhos da arguida brincavam com o chapéu da assistente, que eles foram repreendidos por esta, que a Inês (filha da arguida) fugiu para debaixo da cama, provado ficou que houve uma discussão entre a arguida e a ofendida, que houve um aranhão, mas que, segundo a arguida foi feito num gesto de defesa para tirar da mesma o pau com que estava munida... Concluiu o Tribunal que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou o facto; e ainda, ficou bem claro o interesse subjacente à presente acção, ou seja, a revogação de uma doação, frisando-se que são necessárias as cautelas necessárias na apreciação das declarações da assistente.
[13] Perante esse quadro não se percebe, e pondo-nos na posição de um Homem médio, como é possível só pelo facto de a assistente ter dito à ofendida de que deveria educar os seus filhos para que não voltassem a assumir aquele comportamento (a brincadeira com o chapéu à sua revelia), a arguida dirigiu-se à ofendida e arranhou-a na sua face.
[14] Porque fugia a criança? Porque houve discussão? Porque não acreditar na defesa da arguida que confessa ter sido responsável pelo arranhão, mas num gesto de defesa, se provado está que houve discussão?
[15] Se há discussão, algo há para se discutir, ninguém arranha a sua mãe de criação, por nada, algo aconteceu, e se ninguém presenciou e se cautelas devem ser tomadas na apreciação das declarações da assistente, não se percebe que não se tenha levado diligências que apurassem o porquê de tal comportamento, quer da assistente, quer da arguida, quer da menor que foge para debaixo da cama...
[16] O STJ tem entendido que "a insuficiência da matéria de facto provada (nos termos do art.410.° n.° 2, alínea a) significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão de ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ser apurados na audiência vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena".
[17] Por assim ser devia ter-se em consideração tal episódio, já que, se tal arranhão configura uma ofensa à Integridade física porque não investigar em que circunstâncias tal ocorreu, e se tal foi alegado em sede de defesa da arguida.
[18] Porquê não averiguar se não existiu nenhuma causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou até alguma causa justificante que poderia levar quer à aplicação do n.° 3 do art.143. do Código Penal, com uma dispensa de pena, ou até à Absolvição da Arguida? Porque com base no narrado não poderia ter sido condenada sem tal estar esclarecido.
[19] Por assim ser e com base no entendimento do Supremo Tribunal de Justiça a sentença nessa parte é nula e como tal, com as devidas consequências, deverá ser declarada e estamos em crer que poderá ser alvo de suprimento pelo Tribunal de recurso [artigo 379.°, n.° 2, do Código de Processo Penal], por forma a que as demais questões suscitadas neste recurso possam ser definitivamente conhecidas e decididas.
[20] O Tribunal a não averiguar as circunstâncias que tiveram na base de tal episódio apesar de todo o narrado, demitiu-se da sua função de busca da verdade que é sua missão primordial.
[21] E, ao não exercer essa sua actividade de busca da verdade, necessariamente, a sentença está ferida do vício decorrente da omissão de diligencias essenciais para a descoberta da verdade, o qual constitui uma nulidade de julgamento, nos termos do artigo 120.°, n.° 2, alínea d), do Código de Processo Penal, que aqui se argui para os devidos efeitos;
[22] Achamos que não foi produzida prova suficiente que sustentasse a prova dos factos elencados em 11, 12.; 13.; 14.; 16.; e 18;
[23] Atente-se no depoimento da arguida C………. ………….. ..…:
[24] Atente-se no depoimento da assistente B………. ………….. .....:
[25] Face a estes depoimentos e tendo em conta que mais ninguém presenciou os factos, pese embora a desconsideração do depoimento da testemunha de defesa F………., considerando o Tribunal que: o seu depoimento não logrou convencer este Tribunal, não tanto por ser irmão da arguida e com esta ter uma evidente ligação afectiva, mas porque o modo como prestou o seu depoimento, desordenado, inseguro e, em algumas partes, até aparentemente fantasioso, nos fazem duvidar da sua isenção e até da própria capacidade em depor como testemunha (inexplicavelmente!), embora o mesmo tenha afirmado que presenciou os factos da sua janela, confirmando na íntegra a depoimento da arguida, certo é que não se percebe o porque do tribunal ter valorizado em tão grande medida o depoimento da assistente.
[26] Só podemos arguir arguição no vício de erro notório na apreciação da prova -artigo 410.°, n.° 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
[27] Ou seja, porque razão o Tribunal não acreditou em uma e não em outra, se afinal de contas a própria ofendida afirma ter havido uma briga, e se ninguém presenciou tais agressões, porque não averiguou se ela tinha tido lugar ou não já que até a GNR se deslocou ao local a pedido dos arguidos.
[28] Não o fazendo omitiu diligências de prova essenciais para a descoberta da verdade material.
[29] «Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o Tribunal violou as regras de experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios» - veja-se Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5.a edição, 2002, pág. 76.
[30] Com o devido respeito, cremos que tal vício se verifica.
[31] E, ainda que assim se não considerasse, também aqui o Tribunal não fez tudo aquilo que estava ao seu alcance para descortinar esse mesmo valor.
[32] Também aqui se verificou o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada ou, caso assim, se não entenda, novamente, a nulidade de julgamento já anteriormente assinalada.
Em suma, deve a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida pela prática do crime pelo qual foi condenada, bem como do respectivo pedido de indemnização civil.
(…)»
4. Na resposta, o Ministério Público e a assistente refutam todos os argumentos dos recursos, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 351-354 e 355-369].
5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos [fls. 378-382].
6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
7. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. 242-254]:
«(…) Factos provados:
1. Os arguidos foram casados até ao ano de 2008 e tiveram dois filhos ainda menores.
2. Por dificuldades conjunturais sentidas por este casal, uma vez que se encontravam a construir uma casa em ………., e devido aos laços de afecto e carinho que uniam a ofendida B………. à arguida, esta, acompanhada pelo, naquela data, seu marido — o arguido – e pelos dois filhos comuns do casal, passou a habitar na residência da ofendida sita na Rua ………., n.° .., ………., Castro Daire, desde data não concretamente apurada mas situada nos anos de 2004 e 2005.
3. Nessa habitação pertencente à ofendida, os arguidos viviam com ela como se fossem membros de uma família, tomando as refeições juntos, partilhando o mesmo espaço físico e aí convivendo.
4. Naquela data e por um período de tempo não concretamente determinado, a arguida manteve em relação à ofendida um tratamento de carinho e afecto, preparando-lhe, por vezes, as refeições e auxiliando-a na sua vida diária.
5. A ofendida nasceu em 29/07/1938, tendo, actualmente, 71 (setenta e um) anos de idade.
6. A ofendida padece de diabetes, que a incapacita parcialmente.
7. Sendo a ofendida viúva e não tendo filhos nem parentes que vivam perto deste local, a ofendida doou à arguida o imóvel em que residiam, entre outros bens, através da outorga de escritura pública datada de 03/08/2005, para retribuir todo o carinho e atenção dispensado pela arguida em relação à sua pessoa.
8. Em data não concretamente determinada mas posterior a 03/08/2005, o arguido dirigindo-se à ofendida, em tom alto, denominou-a de “Vaca” e “Sua velha”.
9. Num dia não concretamente determinado, uma vez que as canalizações do quarto de banho da ofendida se encontravam entupidas, esta pediu aos arguidos que as desentupissem, nada tendo estes feito ou diligenciado para que tal fosse feito, apesar de o arguido ter os conhecimentos necessários e as ferramentas específicas para a resolução este tipo de situações.
10. Em data não concretamente determinada mas situada entre os dias 13 a 20 de Maio de 2007, por volta das 15H00, os filhos dos arguidos, em plena via pública e junto à residência da ofendida, tiraram um chapéu à ofendida, atirando-o de um para outro, contra a vontade desta.
11. Nesta sequência, a ofendida repreendeu os menores, avisando-os para que parassem com aquela brincadeira, ao que os mesmos não obedeceram, tendo a menor Inês fugido à ofendida para o interior da habitação, escondendo-se por debaixo da cama na qual a arguida se encontrava a dormir.
12. Uma vez naquele local, em face do ruído produzido pelos menores e pela ofendida, a arguida acabou por acordar, e após aquela lhe ter dito de que deveria educar os seus filhos para que não voltassem a assumir aquele comportamento, a arguida dirigiu-se à ofendida e arranhou-a na sua face.
13. O arguido, que se encontrava no interior da habitação embora noutra divisão, após ter ouvido a discussão pela ofendida e a arguida, dirigiu-se ao local onde as mesmas se encontravam e desferiu uma bofetada na face da ofendida.
14. Durante um período temporal não concretamente determinado que antecedeu a situação mencionada em 10. a 13., estando a ofendida acamada em recuperação de doença de que padecia e sem possibilidades de se levantar e de providenciar pela sua higiene e alimentação, os arguidos nada fizeram para lhe prestarem todos os cuidados de que a ofendida necessitava, não lhe tendo confeccionado qualquer refeição apesar de bem saberem que a queixosa não tinha forma de se alimentar de modo autónomo e que mais nenhum adulto residia naquela casa além do casal. Neste caso, todo o apoio foi prestado pelas vizinhas da ofendida que se compadeceram com a situação em que a mesma se encontrava.
15. Todos os factos acima mencionados tiveram maioritariamente lugar no interior daquela habitação.
16. Quanto aos factos mencionados em 12. e 13. supra, os arguidos actuaram com o propósito concretizado, de causar lesões no corpo e na saúde da ofendida.
17. Quanto ao facto mencionado em 8. supra, o arguido agiu com o propósito concretizado de ofender a arguida na sua honra.
18. Os arguidos actuaram do modo mencionado em 8., 12. e 13. supra, sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticavam factos proibidos por lei.
Com relevância para a decisão, resultou igualmente provado, da prova produzida em audiência que:
19. Através da escritura pública mencionada em 7. supra, a ofendida reservou para si o usufruto vitalício de todos os prédios doados.
20. A ofendida residiu em casa dos arguidos em ………. durante cerca de dois anos, tendo abandonado essa residência no ano de 2002, em virtude das desavenças existentes entre si e o arguido e entre este e a arguida.
21. Após a situação descrita nos pontos 10. a 13., a assistente expulsou os arguidos e os seus filhos menores da sua residência, não mais permitindo que residissem na sua casa.
Resultou igualmente provado dos factos relevantes alegados pelo demandante civil que:
22. A ofendida é pessoa séria, honesta e considerada no meio onde vive.
23. A ofendida considerava os arguidos como se fossem da sua família.
24. Os factos mencionados em 8., 12. e 13. causaram profundo desgosto à ofendida.
25. Em virtude da factualidade descrita em 8., a ofendida sofreu grande desgosto e vergonha. 26. Na sequência dos factos constantes de 12. e 13. supra, a ofendida sentiu dores, incómodos, arrelias e profunda tristeza, quer no dia das agressões quer nos dias seguintes.
27. As condutas dos arguidos referidas em 8., 12. e 13. chegaram ao conhecimento de várias pessoas na localidade onde a ofendida reside.
Quanto à arguida C………. resultou igualmente provado que:
28. Está desempregada, auferindo a quantia mensal de € 419,00 (quatrocentos e dezanove euros) subsídio de desemprego.
29. É divorciada (do co-arguido), tendo dois filhos menores.
30. Reside em casa arrendada com os filhos, o irmão e o seu actual companheiro.
31. O seu irmão é maior e não trabalha.
32. O seu companheiro é padeiro, auferindo a o vencimento mensal de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros).
33. Os seus filhos recebem a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a título de pensão de alimentos a cargo do progenitor dos mesmos, o co-arguido.
34. Possui como habilitações literárias, o 6.º ano de escolaridade.
35. Não tem antecedentes criminais.
Quanto ao arguido D………. apurou-se ainda que:
36. Trabalha como ajudante de montagem de telecomunicações do G………., em ………., no Algarve, auferindo o vencimento mensal correspondente a € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros).
37. Reside em habitação da empresa empregadora, não pagando qualquer quantia pelas despesas com a mesma.
38. Paga a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a título de pensão de alimentos devidos aos seus filhos menores.
39. Possui como habilitações literárias, o 6.º ano de escolaridade.
40. Já foi condenado:
.. por sentença proferida em 25/08/2003 e transitada em julgado em 30/09/2003, no processo sumário n.º 404/03.7GTVIS, do Tribunal Judicial de S. Pedro do Sul, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,50 (três euros e cinquenta cêntimos), pela prática de um crime de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, em 24/07/2003;
.. por sentença proferida em 26/08/2004 e transitada em julgado em 01/10/2004, no processo sumário n.º 347/07.5GTVIS, deste Tribunal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 3,50 (três euros e cinquenta cêntimos), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses, pela prática de um crime de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, em 29/07/2004;
Factos não provados
A) Na data em que foi residir para casa da ofendida em ………. e por algum período, o arguido manteve em relação à ofendida um tratamento de carinho e afecto, preparando-lhe as refeições e auxiliando-a na sua vida diária, sofrendo a assistente de doença que a incapacita totalmente.
B) A partir da celebração da escritura de doação referida em 7. que os arguidos deixaram de confeccionar as refeições para a ofendida, de lhe darem a medicação, não a levavam às consultas ao médico, não lhe lavavam a roupa e nem a deixavam aquecer-se na lareira nos dias mais frios, apesar de bem saberem que a ofendida, em razão sua idade avançada e das doenças de que padece não estava em condições de poder efectuar estas tarefas de forma autónoma e sem esforço.
C) Inexplicavelmente, após a outorga da escritura pública de doação referida em 7. supra, os arguidos modificaram o seu tratamento para com a ofendida.
D) Em data não concretamente apurada mas situada após o dia 03/08/2005, o arguido dirigiu-se em tom sério para a ofendida e avisou-a de que “Você é velha mas se fosse nova eu sabia o que lhe havia de fazer”.
E) Esta expressão proferida pelo arguido fez com que a ofendida daí para diante passasse a temer pela sua integridade física.
F) Os filhos menores dos arguidos chegaram por diversas vezes a entupir os canos do quarto de banho da ofendida.
G) A factualidade mencionada em 9. supra levou a que a ofendida passasse algumas semanas sem que pudesse tomar o seu banho e obrigou-a a lavar o seu corpo no lavatório daquela divisão.
H) Na sequência das lesões físicas referidas supra, a ofendida não pôde ser assistida em estabelecimento de saúde porquanto os arguidos se recusaram a levá-la e aquela não tinha possibilidades de o fazer naquele dia.
I) Os arguidos actuaram, durante o período em que viveram com a ofendida, com o propósito concretizado, de lhe provocar medo e inquietação, além de a terem tratado com manifesto desprezo, numa atitude de a humilharem, sendo tais condutas perfeitamente gratuitas, sem justificação aparente e assumindo foros de violação cruel e ignóbil dos direitos humanos mais básicos conferidos a pessoas da condição da ofendida.
J) Os arguidos recusaram-se deliberadamente a providenciar os cuidados de saúde, alimentação e higiene de que a ofendida necessitava em razão da sua idade e do seu estado de doença física, estando perfeitamente conscientes que tal conduta trazia para a ofendida mal-estar e padecimentos físicos e psicológicos.
K) No entanto, enquanto a ofendida não doou os seus bens, os arguidos foram de uma atenção e correcção exemplares para com aquela, visando apenas obter vantagens patrimoniais através de actos de disposição gratuita do património daquela.
L) As condutas dos arguidos acima referidas chegaram ao conhecimento de várias pessoas de fora localidade onde a ofendida reside.
M) As condutas dos arguidos contribuíram para o agravamento do estado de saúde físico e psíquico da ofendida.

Motivação
Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Os arguidos, tendo estado presentes em todas as sessões da audiência de discussão e julgamento, optaram livremente por prestar declarações e apresentar as suas versões da factualidade em apreciação, o que o Tribunal determinou que acontecesse sem a presença um do outro, em face da influencia que as declarações prestadas pelo primeiro poderiam vir a ter para aquele que as iria prestar em seguida.
De um modo geral, ambos negaram a prática de todos os factos criminosos que lhes são imputados, embora as suas versões não tenham coincidido integralmente.
Vejamos.
Foi com base nas próprias declarações dos arguidos que demos como provados os factos constantes dos pontos 1. a 4. e 6. supra. Nesta parte, as declarações dos arguidos, para além de coincidentes, lógicas e seguras, foram corroboradas pela própria assistente/demandante civil, sem que tenham sido infirmadas pelos demais elementos probatórios existentes nos autos.
Apenas quanto à matéria do ponto 2. supra cabe-nos precisar que pese embora os arguidos terem afirmado que foram residir para casa da ofendida em 2004, a ofendida e as restantes testemunhas inquiridas afirmaram que tal tinha ocorrido já durante o ano de 2005.
Uma vez que nenhum dos declarantes e dos inquiridos conseguiu explicar a este Tribunal por que razão atestavam o respectivo momento temporal, e porque nenhum outro elemento informador dos autos nos permitiu precisar essa data, não foi possível apurar, em concreto, em qual dos referidos anos essa factualidade ocorreu, sendo seguro afirmar que teve lugar durante os anos de 2004 ou 2005.
Quanto à factualidade constante do ponto 8. foi o próprio arguido que confessou, o que fez de modo absolutamente consciente, livre e espontâneo.
No que concerne à caracterização da convivência e do tipo de relacionamento existente entre o arguido e a assistente desde que os primeiros começaram a residir em casa da segunda, os arguidos afirmaram que o acusado nunca manteve um bom relacionamento com a ofendida, nunca lhe tendo prestado qualquer auxílio. Neste âmbito, para além dos arguidos terem prestado declarações absolutamente coincidentes, foi particularmente impressiva a forma espontânea e desinteressada com que o arguido afirmou nunca ter gostado da ofendida nem esta dele. Acresce referir que para concluirmos pela não prova do facto constante de A. supra, valoramos igualmente o relato da arguida do facto mencionado em 20. supra, facto esse com o qual foi confrontada a assistente, que acabou por não o desmentir. Assim, pese embora a assistente ter afirmado que o arguido, durante a primeira fase em que residiu consigo, chegou a levá-la ao Centro de Saúde, a verdade é que o Tribunal concluiu que esse relacionamento foi sempre problemático.
Aliás, foi na sequência da descrição deste mau relacionamento que o próprio arguido que confessou a factualidade descrita no ponto 8. supra.
Quanto à factualidade constante do ponto 9., não obstante os arguidos terem negado nada terem feito em face do entupimento das canalizações existentes no quarto de banho da ofendida, tendo o arguido afirmado que até já havia, em tempos, desentupido essas canalizações, a verdade é que para além de tal facto ter sido relatado pela assistente, de modo circunstanciado, foi igualmente confirmado pela testemunha E………. [amiga e vizinha da assistente e conhecida dos arguidos, por terem residido com aquela], a qual afirmou até que tinha sido o seu filho quem lá tinha ido para concertar os canos. Não obstante o facto provado, o Tribunal não formou convicção segura de que tenham sido os filhos dos arguidos os responsáveis pelo entupimento dos canos, nem que a assistente, em virtude do mesmo, tenha ficado semanas sem poder tomar banho, tendo que se lavar no lavatório. Quanto à responsabilidade dos menores nenhuma prova foi produzida no seu sentido. No que se refere às consequências do entupimento para a ofendida, uma vez que a mesma afirmou que a sua residência era servida por uma só casa de banho, difícil é acreditar que tendo os arguidos e os seus filhos que utilizar essa divisão da casa a tenham mantido naquele estado por semanas e de modo a impossibilitar o banho dos seus utilizadores [factos não provados F. e G.].
Conforme já tivemos oportunidade de aflorar, as declarações dos arguidos não foram integralmente coincidentes. A sua divergência verificou-se em determinados pontos relacionados com os factos descritos em 10. a 13. dos factos provados. Na verdade, ambos os arguidos afirmaram que na altura em que essa factualidade ocorreu o arguido não se encontrava no interior da residência da ofendida, encontrando-se antes na habitação que se encontrava a construir naquela altura. Porém, enquanto a arguida descreveu que apenas tinha feito um arranhão na cara da assistente num gesto de defesa para tirar da mesma o pau com que estava munida e que na sequencia desses acontecimentos os seus filhos tinham ido chamar o arguido à dita habitação em construção, o arguido relatou que os seus filhos não o foram chamar, já que quando o arguido chegou a casa os mesmos encontravam-se no exterior da mesma e que, quando lá chegou, a então sua mulher lhe disse que tinha dado “uma estalada” à assistente por esta “andar atrás dos miúdos”. Estas discrepâncias entre as declarações dos arguidos são evidentes e relevantes, suscitando ao Tribunal sérias dúvidas quanto à veracidade de qualquer delas, antes parecendo uma composição estratégica dos factos em apreciação, com manifestas falhas quanto ao circunstancialismo descrito.
Quanto a estes factos, as declarações prestadas pela assistente apresentaram-se verosímeis, atenta a forma circunstanciada e espontânea com que as prestou. Além disso, a nossa convicção quanto aos mesmos resultou da conjugação das declarações da assistente com as das testemunhas inquiridas. É certo que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou os factos em questão. Porém, tanto a testemunha E………. [acima melhor identificada], que se encontrava, naquele momento, junto à porta de casa da assistente, como a testemunha H………. [amiga e vizinha da assistente], se encontrava nas imediações da residência da assistente, afirmaram terem presenciado a assistente a sair de sua casa a chorar, dizendo que a arguida a tinha arranhado na face e que o arguido lhe tinha desferido uma bofetada na outra face. Tanto uma como outra afirmaram terem observado que a assistente tinha um lado da cara arranhado e o outro com as marcas avermelhadas de uma mão. Aliás, a testemunha E………., de modo seguro e assertivo, afirmou que logo após viu o arguido a sair do interior de casa da ofendida.
Ora, não obstante não terem presenciado os factos, em face das regras de experiência comum, é por demais evidente que não poderia ter sido a ofendida a fabricar tal situação e lesões para depois imputar aos arguidos. O seu comportamento após ter saído do interior de sua casa e imputando as agressões exactamente do modo descrito aos arguidos, leva-nos à conclusão, quanto a esta parte, pela veracidade das declarações da assistente.
Quanto a estes factos, compete-nos fazer uma outra precisão. Ambos os arguidos afirmaram que este facto não tinham ocorrido no ano de 2007, mas antes durante o ano de 2006. Pese embora estas declarações tenham sido corroboradas pela testemunha F………., o seu depoimento não logrou convencer este Tribunal, não tanto por ser irmão da arguida e com esta ter uma evidente ligação afectiva, mas porque o modo como prestou o seu depoimento, desordenado, inseguro e, em algumas partes, até aparentemente fantasioso, nos fazem duvidar da sua isenção e até da própria capacidade em depor como testemunha. Por outro lado, não obstante a dificuldade em explicar ao Tribunal a razão da sua certeza, todas as testemunhas inquiridas afirmaram que tais factos tinham ocorrido em 2007 e durante o mês de Maio. Mas, foram as declarações da testemunha I………. [sobrinha e afilhada da assistente, pela qual foi criada até aos 6 anos de idade e conhecida dos arguidos. Aquando dos factos em questão, vinha todos os fins-de-semana a ………., altura em que visitava a assistente] que lograram convencer este Tribunal quanto a essas datas, já que a mesma, apesar apenas ter estado com a sua tia no dia seguinte ao daqueles factos, circunstanciou a data em que tal ocorreu, relacionando-a com datas referentes à sua vida particular.
No que concerne à factualidade descrita no ponto 14., este Tribunal valorou positivamente as declarações prestadas pela ofendida, bem como pelas testemunhas B………., H………. e I………..
Todas estas afirmaram, de modo seguro, espontâneo e objectivo, terem ido a casa da ofendida, após um internamento desta e quando a mesma ainda estava acamada e os arguidos ainda residiam naquela casa. Estas testemunhas ficaram incumbidas de administrar injecções à ofendida, mais referindo que a assistente lhes chegou a relatar que já não comia nem bebia há dois dias.
A factualidade constante do ponto 5. dos factos provados resultou da valoração positiva do teor do documento de fls. 15 [fotocópia do bilhete de identidade da ofendida].
Para dar como assente a factualidade vertida em 7. e 19., este Tribunal baseou-se no teor do documento de fls. 8 a 13 [escritura pública de doação celebrada pela ofendida a favor da arguida e datada de 03/08/2005].
No que concerne à factualidade provada quanto ao pedido de indemnização civil, valoramos as declarações prestadas pela assistente, mas em especial, as declarações prestadas pelas testemunhas B………., H………. e I………. que, para além das declarações espontâneas e objectivas quanto a estes factos, em face da proximidade afectiva que têm com a assistente, tiveram conhecimento directo do modo como esta se sentiu em virtude dos factos acima indicados.
Acresce que, em face da proximidade afectiva que a assistente demonstrava ter da arguida, os seus sentimentos de vergonha e desgosto são os que melhor traduzem as regras de experiência comum.
Quanto às condições sociais e económicas dos arguidos C………. e D………., este Tribunal valorou as suas declarações, já que para além destas terem sido espontâneas e objectivas quanto a estes factos, nenhum outro elemento informador dos autos colocou em causa a veracidade das mesmas [factos provados descritos em 28. a 34. e 36. a 40. supra].
No que concerne à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, este Tribunal valorou o teor dos C.R.C. juntos aos autos a fls. 220 e 233-235.
*
Fundamentada a convicção do Tribunal quanto aos factos provados, compete-nos apreciar os factos não provados.
Os factos constantes dos pontos A. e B. supra (este último apenas quanto ao arguido) resultaram não provados tendo em consideração o que acima explanamos no que concerne ao relacionamento existente entre a assistente.
Efectivamente, pelo que acabamos de referir quanto a essa matéria, não se pode concluir que o comportamento do arguido para com a ofendida tenha modificado após a celebração da escritura de doação referida em 7.. É que o relacionamento deste com a ofendida foi sempre um relacionamento mau e de desatenção, nunca tendo sido distinto.
No que a factualidade constante do ponto B. diz respeito à arguida, devemos referir que ficamos com sérias e fundadas dúvidas de que tenha havido grande mudança de atitude da arguida para com a ofendida e que isso tivesse sido motivado pela celebração da escritura de doação em causa.
Vejamos, quanto a este ponto.
Por um lado, a arguida negou este facto, afirmando que sempre levou a assistente ao médico, e que deixaram de partilhar a confecção das refeições em virtude da ofendida, por ser diabética, necessitar de um tipo de alimentação distinto do dos demais.
Por outro lado, sendo verdade que a assistente, nas suas declarações, afirmou sempre e peremptoriamente que após a doação [no que a arguida havia insistido que se celebrasse], mudou completamente o comportamento da arguida para com esta, tendo passado a desprezá-la e a mal tratá-la, não a levando ao médico nem lhe prestando os cuidados de higiene necessários, há que apreciar com profundidade e especiais cautelas as declarações por esta prestadas, em face dos interesses pessoais e económicos que parecem estar subjacentes a esta acção. Na verdade, das declarações da assistente o que parece estar mais em causa não é tanto o comportamento mal tratante dos ofendidos, mas antes a decepção com o comportamento dos mesmos após a celebração da doação. A sua preocupação com esta doação é evidente e ressalta não só das suas declarações, como da própria tramitação processual, tendo em consideração a condição imposta pela assistente para que se determinasse a suspensão provisória do processo, como resulta de fls. 45 dos autos. Por outro lado, foi a própria testemunha E……… [amiga e vizinha da assistente e conhecida dos arguidos, por terem residido com aquela] quem afirmou ter mediado conversações entre a arguida e a assistente, mantendo esta como condição para não prosseguir com a presente acção a revogação da doação. Ora, tendo em conta o objectivo reconhecido da assistente bem como as possibilidades previstas nos arts. 970.º, 974.º e 2166.º, todos do Código Civil, são evidentes as cautelas necessárias na apreciação das declarações da mesma.
Tendo em conta o que acima referimos, convém apurar se as declarações da assistente quanto a estes factos encontram confirmação na restante prova produzida.
Antes, contudo, cabe precisar que estas cautelas foram tomadas quanto às declarações da assistente no que concerne à situação referida em 10. a 13, já que apenas concluímos pela veracidade das mesmas quando conjugadas com a demais prova produzida.
Ora, tanto as testemunhas B………. e H………. [amigas e vizinhas da assistente] como a I………. [sobrinha e afilhada da assistente, pela qual foi criada até aos 6 anos de idade e conhecida dos arguidos. Aquando dos factos em questão, vinha todos os fins-de-semana a ………., altura em que visitava a assistente] apenas referiram quanto a esta mudança de atitude da arguida aquilo que a assistente lhes transmitia, nada tendo presenciado. Sendo estranho quanto a esta última testemunha que, não obstante a preocupação que tinha com a saúde da sua tia e a proximidade que tinha com a arguida, nunca tenha confrontado esta última com as queixas que lhe fazia a ofendida. A estranheza na falta de confrontação da arguida com as queixas da ofendida evidencia-se também quanto às demais testemunhas e em face das regras de experiência comum.
O que acabamos de referir permite-nos igualmente dar como não provado o que consta do ponto K. supra.
Também à factualidade constante do ponto D. esta apenas foi afirmada pela assistente, que não obteve a confirmação da parte de qualquer das testemunhas inquiridas.
Além do mais, esta factualidade foi negada pelo próprio arguido. Tendo em consideração que foi o próprio que confessou o facto constante do ponto 8., não deixava de ser estranho que se assim tivesse ocorrido, o arguido tivesse optado por não confirmar também este facto.
A ausência de prova do facto E. resultou da insuficiência de prova produzida no seu sentido. Não obstante a assistente ter referido este facto, a verdade é que nem a assistente nem as testemunhas inquiridas concretizaram qualquer comportamento seu que tenha reflectido o seu receio.
O facto constante do ponto J. resultou da total ausência de prova produzida no seu sentido. Efectivamente, não obstante as testemunhas inquiridas terem afirmado o que consta do ponto 14. supra, a verdade é que nenhuma das testemunhas referiu que os arguidos se recusavam a prestar auxílio à assistente. Mais, a própria assistente não referiu qualquer situação em que tenha pedido ajuda aos arguidos e estes se tenham recusado a fazê-lo. As únicas situações descritas pela assistente são omissões por parte dos arguidos, designadamente a omissão de a alimentarem e de prestarem os cuidados de higiene e de saúde que a mesma necessitava. Porém, nada da prova produzida permite concluir que os arguidos tivessem adoptado este comportamento com o propósito de criar na assistente os sentimentos descritos no ponto I.. Concordamos que tais omissões por parte dos arguidos violam frontalmente princípios éticos e morais. Porém, daqui não podemos concluir que os arguidos tenham tido vontade de provocar medo, inquietação ou ofensas na sua honra.
A factualidade constante dos pontos H., L. e M. resultou da total ausência de prova produzida no seu sentido.
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
8. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
Recurso do arguido D……….:
● Credibilidade dada aos depoimentos;
Recurso da arguida C……….:
● Nulidade da sentença
● Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
● Erro notório na apreciação da prova.

Recurso do arguido D……….
Credibilidade dada aos depoimentos
9. Diz o recorrente que “os depoimentos das testemunhas ouvidas são contraditórios (…) nenhuma das testemunhas que veio confirmar a referida agressão – bofetada no rosto – apesar de garantirem ter visto as marcas da mão ou dos dedos na cara da ofendida, não souberam dizer de que lado do rosto (…)”, para concluir: “razões pelas quais tais testemunhos não passam de uma recreação tendo em vista obter um efeito patrimonial pela ofendida e que é reaver os bens doados à arguida por maus tratos do casal à mesma” [conclusões 2, 4 e 5].
10. Ora, a circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas, ter dado crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova [artigo 127.º, do CPP], segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada [artigo 374.º, n.º 2, do CPP]. E quanto à credibilidade dada os diversos testemunhos recolhidos no processo, lembramos que esta Relação (à semelhança das restantes) tem entendido, de forma reiterada, que: “I – A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. II – Desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador” [Acórdão de 12 de Maio de 2004 (Élia São Pedro), processo 0410430, disponível em www.dgsi.pt].
11. A sentença recorrida cumpre (por excesso) a exigência de motivação. E da análise que faz nada nos permite um pronunciamento de censura quanto ao juízo de credibilidade atribuído a cada um dos intervenientes em audiência.
12. Aliás, registamos que a argumentação do recorrente não vai no sentido de “negar” a agressão em si, mas tão só de sugerir uma diferente avaliação da credibilidade dos depoimentos em que o tribunal apoiou a condenação. A falta de consistência da alegação de recurso sobressai, desde logo, do argumento que o recorrente explora em torno do facto das testemunhas, “depois de garantirem ter visto as marcas da mão”, não saberem precisar qual à face atingida pela bofetada (direita ou esquerda?). Na verdade, tal precisão é algo absolutamente improvável num depoimento sério, prestado com base em factos vivenciados de forma intensa e emotiva há vários anos – como é o caso dos autos. E quanto à alusão a interesses patrimoniais relacionados com uma eventual revogação da doação por ingratidão do donatário, importa frisar que o recorrente não fornece dados concretos que apoiem a insinuação, sendo certo que ela é reversível.
13. Com o que improcede o recurso.
Recurso do arguido C……….
Nulidade da sentença
14. A recorrente começa por referir que, no decurso da audiência de julgamento, foi notificada de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 358.º do Código de Processo Penal [CPP]; e o que constata é que, além dessa alteração de factos ocorreu também uma alteração da qualificação jurídica, na sentença, sem que o tribunal lhe tivesse comunicado tal alteração, conforme impõe o n.º 3 do citado artigo. Com o que, conclui, a sentença é nula.
15. Na verdade, a recorrente foi acusada da prática de um crime de Maus tratos e infracção de regras de segurança, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal [CP] na versão da Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, e acabou condenada pela prática de um crime de Ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do CP; e a alteração da qualificação jurídica não foi notificada a recorrente. A questão que se coloca é saber se esta omissão acarreta, obrigatoriamente, a nulidade da sentença.
16. Entendemos que não. Importará distinguir, em função dos casos concretos, aquelas situações em que a omissão da comunicação impede a possibilidade de defesa eficaz do arguido, daquelas outras em que tal omissão não tem qualquer impacto negativo na estratégia de defesa do arguido.
17. Há uma razão lógica e substantiva para o legislador impor a comunicação da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e a alteração da qualificação jurídica dos mesmos: está em causa, fundamentalmente, assegurar elementares direitos de defesa do arguido, evitando que ele seja surpreendido com uma condenação por factos que não constavam da acusação (ou pronúncia) ou suportada por uma qualificação jurídica distinta da que nela constava.
18. A própria Lei ressalva que a comunicação só tem lugar se a alteração tiver “relevo para a decisão da causa” e se não tiver “derivado de factos alegados pela defesa” [n.º 1 e 2 do citado art.]. Compreende-se: tanto num caso como no outro, a alteração (dos factos ou da sua qualificação jurídica) não tem uma repercussão negativa na estratégia de defesa do arguido.
19. É esse interesse de salvaguarda dos direitos de defesa do arguido que justifica a imposição da comunicação. Não se trata, pois, de uma obrigação formal e de funcionamento automático. Na constante procura do equilíbrio entre o interesse público da aplicação do direito criminal – mediante a eficaz perseguição dos delitos cometidos – e o direito impostergável do arguido a um processo penal que assegure todas as garantias de defesa vinga a leitura atenta e racional da Lei que dê sentido útil à afirmação dos direitos consagrados e eficácia ao sistema processual implantado. Decisivo para aferir da compatibilidade de uma determinada interpretação normativa dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal com a Constituição é, como se concluiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 674/99, saber se essa interpretação normativa impede a possibilidade de uma defesa eficaz do arguido: “(…) erige-se assim em critério orientador a defesa eficaz do arguido, permitindo que ele tome conhecimento das alterações de factos que sejam relevantes do ponto de vista daquela defesa (...)”.
20. Deste modo, aos casos ressalvados na própria Lei, tem a jurisprudência adicionado outros que com eles partilham a mesma irrelevância negativa para os direitos de defesa do arguido. Referimo-nos, por exemplo, aos casos em que a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado [Ac.STJ de 7.11.2002]: entende-se que não há qualquer alteração relevante para o efeito em causa, uma vez que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (mas consumido pela acusação ou pronúncia).
21. O mesmo entendimento deve ser seguido no caso presente, em que o recorrente, acusado pela prática de um crime “composto” – na medida em que integra condutas que em si mesmo já são consideradas crime mas que obtêm uma cominação mais grave em resultado da qualidade especial do autor ou o dever que sobre ele impende [Maus tratos] –, acaba condenado por um dos crimes integrantes [Ofensa à integridade simples].
22. Como se sabe, o crime de Maus tratos é um crime específico impróprio, pois a qualidade especial do autor ou o dever que sobre ele impende constitui o fundamento da agravação relativamente aos crimes que as condutas já integravam.
23. Ou seja, é a consideração da qualidade do autor e, particularmente, do dever que sobre ele impende que fundamentam e justificam a criação de um tipo de crime com uma cominação agravada. Quando, como no caso presente, a prova produzida não permite a condenação pelo tipo “composto” [“agravado”], a defesa do arguido em nada é prejudicada ou surpreendida com a condenação pelo tipo de crime integrante. E assim, à semelhança dos casos anteriormente apontados, entendemos que também aqui a não notificação do arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos não impediu a possibilidade de uma defesa eficaz e, como tal, não determina a arguida nulidade da sentença.
24. Com o que improcede este fundamento do recurso.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
25. A recorrente aponta uma grave e comprometedora “omissão de pronúncia dos factos dados como provados” que, em seu entender, tanto podem levar à nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP [conclusão 11.], como pode consistir no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [conclusão 16.] ou ainda uma nulidade dependente de arguição, do art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP [conclusão 21.]. “Desliza” entre elas, como refere, apropriadamente, o Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
26. Está em causa, segunda a recorrente, a falta de realização de “diligências que apurassem o porquê de tal comportamento, quer da assistente, quer da arguida, quer da menor que foge para baixo da cama” [conclusão 15.]
27. Como se sabe, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto pela alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência; e traduz-se em uma exiguidade [insuficiência] dos factos provados para as conclusões jurídicas que deles se extraem. Verifica-se quando a solução de direito, seja ela condenatória ou absolutória, não tem suporte seguro e bastante nos elementos de facto dados como provados [nesse sentido, entre muitos, o Ac.STJ, de 22/04/2004, in CJ–STJ, Ano XII, tomo II, pp. 166-167].
28. No caso presente, a decisão final de condenação da recorrente apoia-se no quadro factual dado como provado que se revela cabal e suficiente para conduzir a tal resultado.
29. Mas será que se o tribunal deixou de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, constituindo-se, assim, a nulidade de sentença prevista pela alínea c) do n.º 1 do art. 379.º, do CPP ou uma nulidade por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade do art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP?
30. Não cremos. O tribunal apurou que o que deu causa às agressões foi o facto dos filhos dos arguidos terem tirado o chapéu à ofendida, levando a que esta os repreendesse e os perseguisse até ao interior da habitação, onde eles se esconderam: foi no seguimento deste incidente que a recorrente acordou e ouviu, da ofendida, a recomendação para “educar os seus filhos”, após o que “a arguida dirigiu-se à ofendida e arranhou-a na cara” [itens 10 a 12.]. Sobre todas as questões de facto suscitadas pela acusação, pela contestação da recorrente e bem assim as que surgiram da própria dinâmica da audiência, sobre todas elas a sentença tomou posição, dando como provados os factos apontados, motivando a sua decisão e, por fim, condenando em conformidade. Até mesmo sobre a alegada existência de um pau nas mãos da ofendida – pormenor que a recorrente agora procura enfatizar – o tribunal recorrido tomou posição clara [ver motivação].
31. Que mais haveria a apurar, com relevo para decisão? É evidente que, além destes factos, muitos outros se podem agora insinuar. Mas uma coisa é “supor” que algo mais poderia ter-se passado, outra é apontar indícios que suportem a suspeita de factos relevantes para a descoberta da verdade e cuja averiguação o tribunal desprezou.
32. O que a recorrente não pode é iludir a insuficiência da prova de factos que alegadamente poderiam contribuir para ele se eximir à responsabilidade criminal [exclusão da ilicitude, da culpa ou alguma causa justificante], com a arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por omissão de diligências (até ao infinito).
33. Acresce que, a configurar-se uma nulidade depende de arguição [art. 120.º] sempre a mesma deveria ter sido arguida em tempo oportuno – e não o foi [n.º 3].
34. Com o que improcede – nas duas vias: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP] e omissão de pronúncia sobre questão que devesse apreciar [art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP] – este fundamento do recurso.

Erro notório na apreciação da prova
35. De forma um pouco incidental (por arrasto em relação à arguição do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), a recorrente invoca o erro notório da apreciação da prova [al. c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP], sem concretizar qualquer aspecto objetivo que o afirme.
36. Como se sabe (e a própria recorrente dá conta disso), o erro notório da apreciação da prova pressupõe que resulte evidente do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, um engano óbvio, uma conclusão contrária àquela que os factos impõem. Ou seja, que perante os factos provados e a motivação explanada se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum [Ac.STJ de 15/07/2009: “II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei - vícios da decisão, não do julgamento” – processo n.º 103/09, disponível em www.stj.pt].
37. Ora, não é isso que resulta da leitura da sentença. Na verdade, o texto da decisão é lógico, coerente e não apresenta qualquer desfasamento estrutural capaz de corresponder à situação-tipo do vício apontado.
38. Pelo que improcede mais este fundamento e com ele todo o recurso.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Uma vez que os arguidos decaíram no recurso que cada um interpôs são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça [art. 513.º, do CPP], cujo valor é fixado entre 1 e 15 UC [art. 87.º, n.º 1, al. b) e 3, do CCJ]. Tendo em conta a sua situação económica e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 3 [três] UC para cada um.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Negar provimento ao recurso interposto por cada um dos recorrentes, D………. e C………., mantendo a sentença recorrida.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 12 de Janeiro de 2011
Artur Manuel da Silva Oliveira
José Joaquim Aniceto Piedade