Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2993/21.5T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: DESCONHECIMENTO DO ACTO DE CITAÇÃO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
REVELIA OPERANTE
TREINADOR PRINCIPAL DE FUTEBOL SÉNIOR FEMININO
REMUNERAÇÃO MÍNIMA
DESPEDIMENTO
DEDUÇÕES À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202202142993/21.5T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para se concluir pela falta de citação nos termos estabelecidos no n.º1, al. e), do art.º 188.º do CPC não basta a alegação pelo destinatário de que não teve conhecimento do acto de citação, sendo também necessário que sejam alegados e provado factos que evidenciem a realidade desse alegado desconhecimento e, concomitantemente, que a sua verificação se deveu a facto que não lhe é imputável.
II - A falta de contestação nas condições previstas no art.º 57.º1, do CPT, conduz à confissão dos factos articulados pelo autor, como expressa a norma, mas a sua interpretação não pode ser meramente literal, devendo entender-se, assim, desde que esses factos admitam confissão e nos termos em que ela seja admissível, atento o disposto nos artigos 352.º a 361.º do CC e 574.º 2 do CPC.
III - A revelia é operante quando implica a confissão dos factos articulados pelo autor. Isto significa que o R. reconhece ou admite todos os factos alegados pelo autor na petição inicial. Mas a lei estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno, como decorre da parte final do n.º1 do art.º 57.º CPC, que corresponde à parte final do n.º2, do art.º 567.º do CPC, ao estabelecer que “(..) é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
IV - Assim, o tribunal irá “julgar a causa conforme for de direito”, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido.
V - À relação laboral em apreço - Treinador Principal de equipa de futebol sénior feminino - que, pelas suas especificidades reclama soluções diversas das impostas pelo regime geral comum, deve ser aplicável por, analogia, nos termos admitidos pelo art.º 10.º do C.C., o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo.
VI - O treino e a orientação competitiva de praticantes desportivos, bem como o enquadramento técnico de uma atividade desportiva, apenas pode ser exercida por treinadores de desporto, qualificados nos termos da Lei n.º 40/2012, de 28 de agosto, designadamente, no âmbito de associações promotoras de desporto. A competência para a emissão de título profissional cabe ao IPDJ, IP.
VII - Por via da Portaria de Extensão 7/2018, de 5 de Janeiro, à relação de trabalho entre o A. e a Ré, para prestação da actividade de treinador principal de futebol, aplica-se o contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol.
VIII - A cláusula 31.ª [Remuneração mínima] do contrato coletivo entre a LPFP e a ANTF, não faz uma referência expressa ao exercício de funções de treinadores principais de futebol ao serviço de clubes para orientarem equipas de futebol feminino.
IX - As entidades subscritoras daquele contrato colectivo não podiam ter deixado de antever a possibilidade de aplicação desse instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, por via de extensão por portaria, às relações laborais emergentes de contratos de trabalho celebrados entre treinadores profissionais de futebol e quaisquer clubes ou sociedades desportivas no âmbito das competições de futebol feminino.
X - Assim, apenas parece defensável sustentar que esses casos, ou seja, os de treinadores principais de futebol ao serviço de clubes para orientarem equipas de futebol feminino, possam ser enquadrados na previsão final da cláusula 31.ª, com uma cobertura mais genérica, referindo-se a “Outras divisões, para a qual está estabelecido que deve ser assegurada a retribuição base mínima no montante de “ uma vez o salário mínimo nacional”.
XI - A dedução à indemnização estabelecida na parte final do n.º1, da cláusula 41.ª, do contrato coletivo entre LPFP e a ANT, consubstancia uma solução similar à prevista na al. a), do n.º2, do art.º 390.º, do CT, que determina a dedução das “importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”, ao valor das retribuições intercalares, ou seja, as que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
XII - De acordo com as regras gerais sobre a repartição do ónus de prova [art.º 342.º do Código Civil], cabe ao empregador, no seu articulado, alegar que o trabalhador auferiu retribuições que devem ser descontadas, para depois o demonstrar; e, em contraponto, se disso for caso, recaindo sobre este último o encargo de provar que não as auferiu ou que não são susceptíveis de dedução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO nº 2993/21.5T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, AA, instaurar acção com processo declarativo comum emergente de contrato individual de trabalho, contra ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA ..., NIPC. ........., ... com sede no Largo ... ..., pedindo que julgada procedente, seja declarado o seu despedimento perpetrado pela Ré em 5 de Outubro de 2020, em consequência sendo esta condenada a pagar-lhe a quantia de total de 22.572,00 Euros, a título de indemnização, remunerações vencidas e não pagas, proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal e juros vencidos, tudo acrescido dos juros de mora vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, contados sobre o capital em dívida, até efectivo e integral pagamento.
Alegou, no essencial, ter celebrado com a Ré um contrato de trabalho para a época desportiva de 2020/2021, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021, para exercer as funções de Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino que milita no Campeonato Nacional Feminino (Liga BPI), cumprindo horário de trabalho, desempenhando as suas funções nas instalações da Ré ou nos locais por esta indicados, nomeadamente nos dias de jogo, recebendo e cumprindo todas as instruções e orientações emanadas pela Ré e direcção desta, sem prejuízo da autonomia técnica inerente às suas funções, mediante remuneração mensal líquida no montante de 600,00 Euros, pagável até ao dia 5 do mês seguinte àquele a que respeitasse.
Mais alega que às relações jurídicas entre si e a Ré são aplicáveis as normas constantes do Contrato Colectivo de Trabalho outorgado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol, bem como a respectiva Portaria de Extensão, referida na cláusula de revisão do CCT, publicado no BTE n.º 20, de 20/05/2012. De acordo com a cláusula 31.ª do referido CCT, ao Treinador Principal é-lhe garantida uma retribuição mínima mensal nunca inferior a três vezes o salário mínimo nacional, ou seja, o montante ilíquido de 1.905,00 Euros (635 Euros x 3) até 31/12/2020 e à quantia ilíquida de 1.995,00 Euros (665 Euros x 3) a partir de 01/01/2021, pelo que impugna o valor da remuneração constante da declaração subscrita por A. e Ré, neste particular - montante da retribuição - nula por violar aquele CTT, devendo ter-se aquele montante por não escrito e, em sua substituição, considerarem-se aquelas.
Alega, ainda, que tem direito a um período de trinta dias de férias remuneradas bem como aos subsídios de férias e de Natal, correspondentes a um mês de retribuição, cada – cfr. cláusulas 25.ª e 32.ª do referido CCT.
Cumpriu integralmente o contrato de trabalho desde o seu início – 3 de Agosto de 2020 – até ao dia 5 de Outubro de 2020, tendo até iniciado de facto funções no período da pré-época, concretamente no dia 31 de Julho de 2020. No dia 5 de Outubro de 2020, após o último jogo oficial da Ré ocorrido no dia 03/10/2020 frente ao ..., foi convocado para uma reunião com a Direcção, à qual compareceu, estando presentes o Presidente da Direcção da Ré, o Tesoureiro/Director e uma Directora, tendo-lhe aquele primeiro comunicado que partir desse momento o Clube prescindia com efeitos imediatos dos seus serviços e que deixava de ser o Treinador Principal da equipa sénior de futebol feminino. No dia 26 de Outubro de 2020 a Ré, por e-mail e telefonicamente, contactou o A. solicitando-lhe de forma insistente a assinatura de um documento com data de 12 de Outubro, onde constava um texto com uma declaração em nome do A. e da Ré atinente a um alegado mútuo acordo de cessação do vinculo contratual, o qual recusou assinar, pese embora as insistências que se seguiram da Ré.
Após a “dispensa” do A. perpetrada pela Ré, esta apenas lhe pagou a quantia de 800,00 Euros, sendo 400,00 Euros para pagamento de créditos da época desportiva anterior e os restantes 400,00 Euros, por conta dos créditos da época desportiva de 2020/2021.
O despedimento em 05/10/2020 é ilícito e nulo, o que confere ao A., nos termos dos referidos CCT e respectiva Portaria de Extensão, o direito a uma indemnização correspondente às remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data prevista para o termo do contrato de trabalho, no valor ilíquido de17.367,50 Euros (8 meses + 25 dias). Bem como os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal no valor total de 1.092,00 Euros (364 Euros x 3).
I.2 O Tribunal a quo proferiu despacho liminar, tendo designado dia 12-5-2021, pelas 10h45m para a realização de audiência de partes e determinado a citação da Ré para a acção e a notificação das partes, nos termos do art.º 54.º do CPT.
Em 22 de Abril de 2021, foi expedida carta registada com aviso de recepção para a Ré, dirigida para a morada indicada pelo autor na petição inicial, citando-a para a acção e notificando-a para comparecer na audiência de partes, bem assim “para no prazo de 10 dias, a contar da audiência de partes, contestar, querendo, a presente acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo Autor, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”. Essa carta foi devolvida em 28 de Abril de 2021, no impresso de registo constando assinalada pelo funcionário dos CTT a indicação “Desconhecido”
A secção de processos procedeu à tentativa de 2.ª citação, nos termos do art.º 246.º/4 do CPC, expedindo nova carta registada com aviso de recepção para o domicílio social da Ré, mencionando-se para além do mais, o seguinte:
-«[..]
A citação considera-se efetuada:
1. No dia de assinatura do aviso de receção;
2. Se a carta tiver sido depositada na sua caixa postal, no dia do depósito;
Ou, se não for possível o depósito na caixa do correio, sendo deixado aviso para levantamento no estabelecimento postal devidamente identificado, nos termos previstos no n.º 5 do Art.º228.ºdo CPC, o citando a não for levantar, no 8º dia posterior à data constante do aviso.
Mais fica notificado, para no prazo 10 dias, a contar da data da audiência de partes, contestar, querendo, a presente acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo(a) Autor(a).
[..]».
A carta e o aviso de recepção vieram a ser devolvidos, com as indicações, apostas pelos funcionários dos CTT, constando que em 4 de Maio de 2021, na impossibilidade de entrega da carta para citação, a mesma foi depositada no receptáculo postal domiciliário da morada, e que “Depois de devidamente entregue voltou ao correio em 07-05-2021”.
Na sequência da devolução desse expediente, o Tribunal a quo proferiu despacho determinando a notificação do autor para se pronunciar, bem assim para serem realizadas pesquisas nas bases de dados disponíveis para apurar qual a sede da Ré e se a mesma estava insolvente ou sujeita a PER.
O Autor apresentou requerimento, defendendo dever considerar-se a Ré citada.
O Tribunal proferiu novo despacho, com o conteúdo seguinte: “Antes de mais e com vista a aquilatar da regular citação da Ré, averigue mas bases de dados disponíveis, se a morada para a qual ocorreu citação da Ré, constante a fls. 31, corresponde à sua sede registada no ficheiro central de pessoas colectivas, do RNPC”. Realizada essa pesquisa, documentada nos autos, verificou-se que a morada indicada pelo autor e para onde foi tentada a citação era a constante do RNPC.
O Tribunal a quo proferiu despacho considerando a Ré regularmente citada, bem assim notificada para contestar a acção.
I.3 Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, dela constando, no que aqui releva, o seguinte:
-«[..]
III. Considerando que a Ré não contestou, nos termos do disposto no artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, considero confessados os factos artigos 1.º a 12 º, 15.º e 17.º a 28º da petição inicial.
Deve, consequentemente, ser proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito, sendo que, como no caso em apreço, o pedido tem fundamento legal e é de manifesta simplicidade, pelo que, pode a sentença limitar-se à parte decisória (nº 2 do citado preceito legal), condenando-se a ré a pagar a autor a quantia por este reclamada a título de compensação pela cessação do contrato salários, salários não pagos, proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal tudo nos termos dos artigos 17.º, 30.º, 31.º, 32.º, 35.º, 37.º,41.º n.º 1 e 2, e 44.º do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, cláusula de revisão e e da portaria de extensão (esta publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1997), contrato colectivo esse publicado no BTE n.º 20 de 29.5.2012, a que devem acrescer os juros de mora contados desde ao data do seu vencimento – 12.10.2021 - à taxa de 4%, até integral pagamento.
IV. Decisão:
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 57º, nºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, mediante simples adesão aos fundamentos alegados pelo autor na sua petição inicial, julgo a presente acção procedente por provada e consequentemente condeno a Ré ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA ..., a pagar ao A AA, a quantia de € 22.187,00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 12.10.2020 até efectivo e integral pagamento.
Fixo o valor da acção em 22.570,00
Custas a cargo da ré.
[..]».
I.4 Notificada da sentença a Ré arguiu a falta de citação estribando-se o art.º 188/1, alínea e), do CPC, referindo, no essencial, recebeu a notificação da sentença, tomando conhecimento de que tinha sido condenada a pagar ao Sr. AA a quantia de 22.187€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 12.10.2020 até efetivo pagamento. Sucede que não foi citada para ação, dado não ter recebido qualquer comunicação do Tribunal dando-lhe conhecimento da propositura da presente ação e do conteúdo da petição inicial, chamando-a ao processo para se defender, nem notificando-a da data da realização da audiência de partes.
Mais refere, desconhecer se o Tribunal enviou alguma correspondência para a sua anterior sede, situada no Largo ... ..., que era a residência do anterior presidente da direção, o qual mantém uma relação hostil com os atuais diretores, que tomaram no dia 24.11.2018. Por essa razão, a R., na pessoa dos seus atuais diretores, desconhece sem culpa qualquer correspondência que eventualmente tenha sido enviada pelo Tribunal para a morada do seu anterior presidente. Por vicissitudes relacionadas com a necessidade de quórum, e depois, após março de 2020, por força das limitações impostas pela pandemia da covid-19, só foi possível alterar os estatutos da R. e, consequentemente, alterar a sede do clube, passando-a para a Rua ... – Centro de Formação, ... ..., através de uma votação realizada em Assembleia Geral da R., no dia 07.05.2021, posteriormente plasmada em escritura outorgada, no dia 02.06.2021.
Concluiu, requerendo que seja reconhecida a falta de citação da R. e declarada a nulidade processual daí decorrente, anulando-se todo o processado após o recebimento da petição inicial em juízo e ordenada a citação na actual morada da sua sede.
Respondeu o autor, contrapondo, no essencial que se a Ré não tomou conhecimento da pendência da causa, a si e à sua incúria o deve, pelo que a hipótese não cabe na norma invocada. Como a própria Ré reconhece, até à escritura celebrada a 02.06.2021, a sua sede era aquela que foi considerada pelo Tribunal na citação, em data anterior. Assim, a citação só pode considerar-se bem efectuada, nos termos dos artigos 246.º e 223.º, n.º 3, do CPC.
I.4.1 Pronunciando-se sobre aquele requerimento, o Tribunal a quo proferiu a decisão seguinte:
Veio a Ré invocar a nulidade da citação por falta de citação, invocando em suma, que a R. não recebeu qualquer comunicação do Tribunal dando-lhe conhecimento da propositura da presente ação e chamando-a ao processo para se defender; Que também não recebeu qualquer comunicação do Tribunal dando-lhe conhecimento da do conteúdo da petição inicial, que o A. alegadamente apresentou; E nem recebeu qualquer comunicação do Tribunal notificando-a da data da realização da audiência de partes.
Alega que por vicissitudes relacionadas com a necessidade de quórum, e depois, após março de 2020, por força das limitações impostas pela pandemia da covid-19, só foi possível alterar os estatutos da R. e, consequentemente, alterar a sede do clube, passando-a para a Rua ... – Centro de Formação, ... ..., através de uma votação realizada em Assembleia Geral da R., no dia 07.05.2021, posteriormente plasmada em escritura outorgada, no dia 02.06.2021, no Cartório Notarial da .... BB, em ....
Notificado, o A pugnou pela improcedência da excepção invocada.
Entendo não assistir razão ao requerente, não subsistindo a nulidade invocada, não se vislumbrando qualquer nulidade de citação face ao quadro legal vigente, esclarecendo-se que o pretenso vicio, a ocorrer, não se traduziria na invocada “falta de citação” ao abrigo do disposto no art.º 188.º do CPC., mas sim de eventual nulidade de citação a que se alude no art.º 191.º do CPC.
Vejamos então,
Conforme resulta dos elementos dos autos, foi indicada na p.i. como morada da Ré, Largo ... ....
Agendou-se a audiência de partes para o dia 12.5.2021 às 10h45m tendo a citação sido tentada para aquela morada nos termos do artigo 228º, nº 1 ex vi artigo 246º, nº 1 do CPC.
Frustrou-se a citação por via postal, por duas vezes, tendo as cartas para citação da Ré sido devolvidas com a indicação de “desconhecido”.
Face à devolução do expediente para citação, procedeu-se a nova citação postal nos termos do artigo 246º, nº 4 do CPC em tendo a respectiva citação sido depositada no receptáculo postal da sede da Ré nos termos do artigo 229º, nº 5 do CPC, o que veio ocorrer em 4.5.2021, oito dias antes da data da diligência agendada.
Realce-se ainda que a morada indicada na p.i. era a que, na data das diversas tentativas de citação, constava dos registos, como morada da Ré, pelo que nenhuma preterição ocorreu nas formalidades realizadas. Tanto mais, que a Ré invoca que a alteração dos estatutos e mudança de sede só terá ocorrido em 2.6.2021, ou seja, no dia em que foi proferida a sentença.
Em face da devolução do expediente, foram cumpridas as formalidades exigidas pela lei para a 2º tentativa de citação - artigo 246º, nº 5 e 229º, nº 5 do CPC, considerando-se a citação realizada nos termos do artigo 230º, nº 2, primeira parte do CPC.
Pelo exposto, indefere-se a arguida nulidade.
Custas do incidente a cargo da Ré com taxa de justiça de 1 UC
[..]».
I.5 Inconformada com a sentença e com a decisão que indeferiu a arguida falta de citação, a Ré apresentou recursos, acompanhados de alegações e encerrados, respectivamente, com as conclusões seguintes:
[Recurso da sentença]
I. A impugnação da sentença recorrida girará em torno dos efeitos da (alegada) revelia da Ré.
II. A sentença recorrida não respeitou o disposto no art. 57º/1 do CPT, porque:
- considerou confessadas e, consequentemente, provados as conclusões articuladas pelo autor;
- não julgou a causa em conformidade com o direito, uma vez que proferiu uma decisão que não tem fundamento legal, atentos os factos articulados pelo autor;
III. Deverá proceder-se a uma alteração dos factos considerados confessados/provados, em conformidade com aquilo que estabelece o art. 57º/1 do CPT, expurgando-os de toda a matéria conclusiva.
IV. A qualificação do contrato celebrado entre as partes como sendo um contrato de trabalho é matéria de direito, não é matéria de facto. E a confissão da R. não pode ultrapassar o domínio dos factos Por esta razão, a confissão do artigo 1º da petição inicial deverá ser alterada da seguinte maneira: “O A. celebrou com a R. um contrato para a época desportiva de 2020/2021, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021.”
V. A confissão do artigo 3º da petição inicial deve cingir-se aos factos, pelo que dela deve ser excluída a expressão “… e não a proporcionar à Ré um certo resultado do seu trabalho.”, porque se trata de uma afirmação conclusiva, indefinida, vaga, imprecisa, que pode abarcar um sem número de situações concretas.
VI. A matéria do artigo 4º e do artigo 7º da petição inicial não pode ser confessada / provada porque não versa sobre factos, mas sobre conceitos jurídicos indeterminados.
VII. Por ser manifestamente conclusiva, a matéria dos artigos 8º e 11º da petição inicial não pode ser considerada provada, pelo que deverá ser eliminada.
VIII. O artigo 15º da petição inicial é todo ele constituído por matéria de direito, pelo que deve ser eliminado do elenco dos factos confessados / provados.
IX. A expressão “o A. cumpriu integralmente o contrato de trabalho” não pode ser incluída na confissão do artigo 17º da petição inicial porque consubstancia duas conclusões de natureza jurídica.
X. No que concerne à matéria de direito, a sentença recorrida é também passível de críticas, uma vez que a decisão proferida não tem fundamento legal.
XI. A Portaria de Extensão publicada no BTE nº37, de 08 de Outubro de 1997, referida na sentença, é anterior ao contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012,
Pelo que não pode ser aplicada a este contrato coletivo.
XII. E nem se diga que o nº2 da cláusula de revisão estabelece que “Mantém-se a extensão determinada pela portaria referida no número anterior”, porque esta cláusula é nula, uma vez versa sobre matéria que não está na disponibilidade das entidades outorgantes do CCT.
XIII. A extensão dos efeitos do contrato só pode ser feita por portaria de extensão (art. 514º do CT), que é matéria da competência exclusiva do governo (art. 516º do CT).
XIV. A Portaria de Extensão que deve ser tida em consideração é a Portaria nº7/2018, de 5 de Janeiro, publicada no Diário da Republica, 1ª série, nº4, de 05 de Janeiro de 2018.
XV. Por força do art. 1º da Portaria nº7/2018, as condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012, só se estendem a treinadores profissionais de futebol.
XVI. Não consta dos factos provados que o A. seja um treinador profissional de futebol, designadamente que seja reconhecido como tal pela Associação nacional dos Treinadores de Futebol.
XVII. Assim sendo, não estando demonstrado no processo um dos requisitos de aplicação da referida Portaria de Extensão, não pode o A. beneficiar das soluções normativas previstas contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012.
XVIII. Por esta razão, a sentença recorrida deverá ser revogada, uma vez que toda ela está legalmente fundamentada no contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012.
XIX. Sem conceder, mesmo que assim não se entenda, ao contrário daquilo que erradamente é dito na sentença recorrida, por aplicação da Clausula 31º do CCT, o A. apenas tem direito a remuneração base de valor igual ao salário mínimo nacional.
XX. Efetivamente, não ficou minimente provado, nem sequer foi alegado, que o A. exercesse as suas funções em clube da 1.ª Liga Profissional, 2.ª Liga Profissional, II Divisão Nacional B, III Divisão Nacional.
XXI. Aquilo que ficou provado, é a matéria alegada no artigo 2º da petição inicial: “para exercer funções de Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino que milita o Campeonato Nacional Feminino (Liga BPI).”
XXII. E este facto provado quando muito integra a expressão “Outras divisões”, constante da cláusula 31ª CCT, o que confere ao treinador principal uma remuneração base de valor igual ao salário mínimo nacional.
XXIII. Atento o exposto, todos os cálculos e valores referidos na sentença, que tiveram em consideração um salário de 1905€, são manifestamente infundados e errados.
XXIV. Ainda sem conceder, se se entender que o referido CCT é aqui aplicável, a cláusula 44ª/3 do CCT estabelece o seguinte: “A entidade patronal que promova ilicitamente o despedimento do treinador fica obrigada a indemniza-lo nos termos da anterior clausula 41ª.”. Isto é, “confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma atividade durante o período em causa.” (Cfr. Clausula 41ª/1 do CCT.)
XXV. Deve ser remetido para execução de sentença a discussão e o apuramento das quantias que eventualmente fossem devidas por força da aplicação da referida norma da CCT.
XXVI. A sentença recorrida violou todas as normas legais e convencionais que foram referidas nas conclusões do recurso.
Nestes termos e nos melhores de direitos deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, dela se absolvendo a Ré.
[Recurso da decisão que indeferiu a arguida falta de citação]
i. No passado dia 11.06.2021, após ter sido notificada da sentença proferida no âmbito do presente processo, dirigida para a “Rua ... – Centro de Formação”, em ..., a R. arguiu a nulidade da citação, ao abrigo do disposto no art. 188/1, alínea e, do CPC, através de requerimento que se encontra junto aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
ii. O Sr. Juiz a quo decidiu indeferir liminarmente o referido requerimento de arguição de nulidade, considerando que a citação da R. tinha sido realizada “nos termos do art.230º, nº2, primeira parte do CPC”.
iii. O art. 230/2 (2ª parte) do CPC estabelece a presunção legal de que o destinatário teve conhecimento da citação que lhe foi dirigida. Mas esta presunção legal é ilidível mediante prova em contrário, nos termos do disposto no art. 350º/2 do Código Civil.
iv. No requerimento de arguição de nulidade, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, a R. arguiu factos e apresentou prova que permitiam ao Tribunal concluir que a R. (“o destinatário”) não teve oportuno conhecimento dos elementos referentes à citação do processo que lhe foram deixados na residência situada no Largo ..., em ....
v. O Sr. Juiz desvalorizou completamente os argumentos da R., ao ponto de nem sequer ter permitido que a R. fizesse prova daquilo que alegou.
vi. O despacho aqui impugnado viola o disposto no art. 230º/2 (2ª parte) do CPC, na medida em que o Tribunal a quo não permitiu que a R. fizesse prova dos factos que alegou no requerimento de arguição de nulidade e, desta forma, ilidisse a presunção legal que esta norma estabelece.
vii. A decisão recorrida é também violadora do disposto no art. 188/1, alínea e, do CPC porque foi totalmente indiferente ao facto de a R. não ter tido conhecimento prévio da existência do processo.
viii. O despacho recorrido deverá ser anulado e, consequentemente, deverá ser ordenada a realização das diligências de prova requeridas pela R., no requerimento de arguição de nulidade, com a finalidade de ser decidido se a R. tomou ou não conhecimento da citação para o presente processo, e na sequência disso ser proferida uma nova decisão em conformidade com a prova que vier a ser [??incompleta??].
Nestes termos e nos melhores de direitos deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, dela se absolvendo a Ré.
I.6 O Autor apenas apresentou contra-alegações ao recurso que incidiu sobre a decisão que indeferiu a arguida falta de citação, mas não as encerrou com conclusões.
Refere, no essencial, resultar da tramitação processual que foram cumpridas pelo Tribunal todas as formalidades legais, designadamente as exigidas para a segunda tentativa de citação da Recorrente, pelo que a citação desta em 04/05/2021 é válida e legal porquanto realizada nos termos do art. 230.º, n.º 2.
É a própria Recorrente quem confessa que apenas em 02.06.2021, quase 1 mês após a sua citação, procedeu à alteração da sua sede. Alega que invocou factos que lhe permitiam ilidir a presunção legal prevista no art. 230.º, n.º 2 do CPC, os quais “foram desvalorizados” pela Senhora Juiz e que aquele despacho viola o disposto no art. 188º, n.º 1 do CPC porquanto foi indiferente ao facto de a Recorrente não ter tido conhecimento prévio da existência do processo. Esses argumentos são absolutamente infundados. Ainda que os alegados factos fossem verdadeiros, ou mesmo que a Recorrente os lograsse provar, são demonstrativos, isso sim, que se não recebeu a correspondência foi porque deixou arrastar uma situação insustentável, desde pelo menos Novembro de 2018, muito antes da pandemia de Covid, que foi declarada pela Organização Mundial de Saúde em Março de 2020, mantendo, como a própria admite, a sua sede na residência do anterior presidente da Direcção, alegadamente hostil, sem ter o cuidado de alterar a sede ou, no mínimo, de pedir o reencaminhamento da correspondência a si dirigida para outro local.
Se a Ré não tomou conhecimento da pendência da causa, a si e à sua incúria o deve, sendo manifesto que tal hipótese não cabe no disposto daquela al. e) do art. 188.º do CPC, bem pelo contrário, é claramente excluída. Por outro lado, até à escritura celebrada a 02.06.2021, a sua sede era aquela que foi considerada pelo Tribunal no momento da citação – 04.05.2021 – que ocorreu em data anterior.
Conclui, defendendo que a citação da Recorrente só pode considerar-se validamente efectuada, nos termos dos artigos 246.º do CPC, pelo que o despacho posto em crise não merece qualquer reparo, devendo manter-se na íntegra.
I.7O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer no sentido da improcedência dos recursos, referindo, no essencial, o seguinte:
«[..]
1 – Quanto à questão da citação da Ré/recorrente, o douto despacho recorrido, salvo melhor opinião, responde e trata de forma cuidada esta questão suscitada, no despacho de fls. 51.
Concordando com o que nele é dito e decidido, e evitando desnecessárias repetições, a ele aderimos, entendendo que o mesmo não merece censura, devendo, em consequência, ser mantido.
2 – Levando em conta o decidido neste despacho e considerando-se o disposto no artigo 57º do CPT, quanto aos efeitos da revelia, também a decisão em recurso, nos parece correcta, não podendo ser outra senão esta.
Assim, também a ela aderimos, evitando, do mesmo modo, repetições.
Termos em que, ressalvado o respeito devido por diferente e melhor opinião em contrário, não merece reparo ou censura a douta sentença em recurso, que, deverá ser confirmada».
I.8 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento.
I.9 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente, por ordem de precedência, lógica, consistem em saber se o Tribunal a quo errou quanto ao seguinte:
1) Ao indeferir a arguida nulidade por falta de citação da Ré [art.º 188.º n.º1, al. e), do CPC];
2) Na prolação da sentença, não respeitando o disposto no art.º 57º/1 do CPT, por ter considerado confessadas e provados as conclusões articuladas pelo autor; e, por não ter julgado a causa em conformidade com o direito.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para apreciação dos recursos são os que constam do relatório, bem assim os considerados provados na sentença, tendo o Tribunal a quo consignado que “Considerando que a Ré não contestou, nos termos do disposto no artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, considero confessados os factos artigos 1.º a 12 º, 15.º e 17.º a 28º da petição inicial”.
O teor daqueles artigos da petição inicial é o seguinte:
1.º O A. celebrou com a Ré um contrato de trabalho para a época desportiva de 2020/2021, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021.
2.º Para exercer as funções de Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino que milita no Campeonato Nacional Feminino (Liga BPI).
3.º Obrigando-se o A. a prestar a sua actividade de Treinador Principal e não a proporcionar à Ré um certo resultado do seu trabalho.
4.º Cumprindo horário de trabalho,
5.º Desempenhando as suas funções nas instalações da Ré ou nos locais por esta indicados, nomeadamente nos dias de jogo,
6.º Com todo o material fornecido pela Ré, necessário ao exercício das suas funções de Treinador Principal.
7.º Sempre com pontualidade e assiduidade, sob pena do poder disciplinar da Ré,
8.º Recebendo e cumprindo todas as instruções e orientações emanadas pela Ré e direcção desta, sem prejuízo da autonomia técnica inerente às suas funções.
9.º Ministrando os treinos à equipa de futebol feminino da Ré.
10.º E orientando-a nos jogos da época desportiva em causa.
11.º Prestando, assim, as suas funções sob a direcção, autoridade e fiscalização da Ré.
12.º Mediante remuneração mensal, pagável até ao dia 5 (cinco) do mês seguinte àquele a que respeitasse.
15.º Sendo certo que de acordo com a clausula 31.ª do referido CCT, ao Treinador Principal é-lhe garantida uma retribuição mínima mensal nunca inferior a três vezes o salário mínimo nacional, ou seja, o montante ilíquido de 1.905,00 Euros (635 Euros x 3) até 31/12/2020 e à quantia ilíquida de 1.995,00 Euros (665 Euros x 3) a partir de 01/01/2021, pelo que se impugna o valor da remuneração constante da declaração subscrita por A. e Ré (Doc. 1), já que neste particular - montante da retribuição - é nula por violar aquele CTT, devendo ter-se aquele montante por não escrito e, em sua substituição, ler-se que a remuneração mensal ilíquida do A. ascende ao valor ilíquido de 1.905,00 Euros desde o inicio do contrato até 31/12/2020 e à quantia ilíquida de 1.995,00 Euros a partir de então até ao termo do contrato – 30/06/2021.
17.º O A. cumpriu integralmente o contrato de trabalho desde o seu início – 3 de Agosto de 2020 – até ao dia 5 de Outubro de 2020, tendo até iniciado de facto funções no período da pré-época, concretamente no dia 31 de Julho de 2020.
18.º No dia 5 de Outubro de 2020, após o último jogo oficial da Ré ocorrido no dia 03/10/2020 frente ao ..., na casa deste, onde a equipa da Ré perdeu, e quando o A. se preparava para se deslocar para a ... com vista a dar início à semana de treino, foi convocado para uma reunião com a Direcção a realizar no Estádio ....
19.º Na dita reunião, à qual o A. compareceu, estiveram presentes o Presidente da Direcção da Ré, o Tesoureiro/Director, Sr. CC e uma Directora, D. DD.
20.º Tendo-lhe sido comunicado pelo Presidente da Ré que partir desse momento o Clube prescindia com efeitos imediatos dos seus serviços e que o A. deixava, assim, de ser o Treinador Principal da equipa sénior de futebol feminino.
21.º Incrédulo com tal comunicação, já que nada fazia prever tal desfecho, o A. ainda tentou questionar o Presidente sobre o fundamento de tal decisão, mas este limitou-se a reiterar a dispensa imediata do A..
22.º Pelo que mais não restou ao A. senão solicitar permissão para, pelo menos, se despedir das jogadoras, o que lhe foi concedido. Acto contínuo, o A. dirigiu-se ao centro de estágio - local de treinos – e ali informou as jogadoras, também na presença da referida Directora da Ré, que a Direcção o havia dispensado das suas funções com efeitos imediatos.
23.º Sendo certo que nos dias seguintes a dispensa do A. pela Ré das suas funções de Treinador principal foi amplamente divulgada quer pela imprensa escrita e pela Ré – Docs. 5, 6, 7 e 8.
24.º No dia 26 de Outubro de 2020 a Ré, por email e telefonicamente, contactou o A. solicitando-lhe de forma insistente a assinatura de um documento com data de 12 de Outubro, onde constava um texto com uma declaração em nome do A. e da Ré atinente a um alegado mútuo acordo de cessação do vinculo contratual – Doc. 9.
25.º Incrédulo com tal situação o A. prontamente recusou a sua assinatura, já que a suposta rescisão por mútuo acordo subjacente não passava de uma pura ficção, posto que inexistente e, por conseguinte, totalmente falsa, uma vez que tinha sida por única e exclusiva iniciativa da Ré, e sem qualquer fundamento, justa causa ou processo disciplinar, que a relação contratual tinha cessado em 5 de Outubro de 2020.
26.º Não obstante a Ré, na pessoa do seu Presidente, e sob a alegação de que pretendia alcançar acordo com o A. para pagamento dos seus créditos, continuou de forma persistente a tentar que o A. assinasse tal declaração, contudo sem êxito.
27.º Desgastado com tanta pressão o A. em 29/11/2020 enviou um email à Ré dando-lhe nota que não assinaria o pretendido documento porquanto o mesmo não reflectia a verdade, posto que havia sido liminarmente despedido pela Ré, relembrando a existência de montantes que lhe eram devidos – Doc. 10.
28.º Cumprindo ainda referir que após a “dispensa” do A. perpetrada pela Ré, esta apenas lhe pagou a quantia de 800,00 Euros, sendo 400,00 Euros para pagamento de créditos da época desportiva anterior, já que o A. ali havia já exercido as suas funções, e os restantes 400,00 Euros, por conta dos créditos da época desportiva de 2020/2021.
II.2 A arguida nulidade por falta de citação da Ré [art.º 188.º n.º1, al. e), do CPC]
A Ré insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que lhe indeferiu o requerimento de arguição de nulidade da citação, considerando que a citação da R. tinha sido realizada “nos termos do art.230º, nº2, primeira parte do CPC”.
Argumenta que a presunção legal estabelecida no art.º 230/2 (2ª parte) do CPC é ilidível mediante prova em contrário, nos termos do disposto no art.º 350º/2 do Código Civil. Para tanto, arguiu factos e apresentou prova que permitiam ao Tribunal concluir que a R. não teve oportuno conhecimento dos elementos referentes à citação do processo que lhe foram deixados na residência situada no Largo ..., em ..., o que foi desvalorizado pelo Tribunal a quo, não lhe tendo sido permitido que fizesse prova daquilo que alegou.
Defende que o despacho viola o disposto no art.º 230º/2 (2ª parte) do CPC, na medida em que o Tribunal a quo não permitiu que fizesse prova dos factos que alegou no requerimento de arguição de nulidade e, desta forma, ilidisse a presunção legal ali estabelecida, sendo também violadora do disposto no art.º 188/1, alínea e), do CPC, por ter sido indiferente ao facto de a R. não ter tido conhecimento prévio da existência do processo.
Pretende que se anule o despacho e se ordene a realização das diligências de prova requeridas pela R., no requerimento de arguição de nulidade, sendo proferida uma nova decisão em conformidade com a prova que vier a ser produzida.
Contrapõe o recorrido que a citação da Recorrente só pode considerar-se validamente efectuada, não merecendo o despacho qualquer reparo, dado que é a própria Recorrente quem confessa que apenas em 02.06.2021, quase 1 mês após a sua citação, procedeu à alteração da sua sede. Ainda que os alegados factos fossem verdadeiros, ou mesmo que a Recorrente os lograsse provar, são demonstrativos de que se não recebeu a correspondência foi porque deixou arrastar uma situação, desde pelo menos Novembro de 2018, muito antes da pandemia de Covid, mantendo a sua sede na residência do anterior presidente da Direcção alegadamente hostil, sem ter o cuidado de alterar a sede ou, no mínimo, de pedir o reencaminhamento da correspondência a si dirigida para outro local.
Se a Ré não tomou conhecimento da pendência da causa, a si e à sua incúria o deve, sendo manifesto que tal hipótese não cabe no disposto daquela al. e) do art. 188.º do CPC, bem pelo contrário, é claramente excluída.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
Nos termos do n.º1, do art.º 246.º, do CPC, à citação de pessoas colectivas, salvo no que consta especialmente regulado nos números 2 a 5, do art.º 236.º, aplica-se o regime da citação das pessoas singulares, com as devidas adaptações.
No que concerne às pessoas singulares, conforme resulta do art.º 225.º 1 e 2, al. b), uma das modalidades da citação pessoal é feita mediante a “ Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”.
Relativamente às pessoas singulares, o n.º1, do art.º 228.º, dispõe que a “ A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior (..)”, ou seja, duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição, indicando-se ainda o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia [art.º 227.º 1 e 2].
No caso de pessoas colectivas, estabelece o n.º2, do art.º 246.º, que “A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas”. Ou seja, observar-se-ão todos os termos que resultam do disposto no n.º1, do art.º 228.º, com a especialidade da carta ser “endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas”.
No que aqui releva, decorre depois o n.º 4, do mesmo artigo 246.º, que sendo devolvida a carta “[..] é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º. devolvida a carta”.
Desta remissão para o n.º5, do art.º 229.º, decorre que pelo funcionário dos CTT “ é deixada a própria carta, de modelo oficia, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º”, ou seja, da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, “bem como a advertência referida na parte final do número anterior”, isto é, que a citação se considerará validamente “efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado o aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados.” Mais decorre que o distribuidor do serviço postal deve [..] certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º”.
Resulta dos factos mencionados no relatório que a secção de processos observou com correcção os procedimentos que se enunciaram, devidos para proceder à citação da Ré. Releva também ter presente que o Tribunal a quo, antes de considerar a Ré regularmente citada, cuidou de indagar “[..] se a morada para a qual ocorreu citação da Ré, constante a fls. 31, corresponde à sua sede registada no ficheiro central de pessoas colectivas, do RNPC”, vindo a confirmar-se que a indicada pelo autor e para onde foi tentada a citação era a constante do RNPC.
De resto, nem a Ré põe isso em causa, vindo é sustentar a arguida falta de citação na previsão do n.º1, al. e), do art.º 188.º do CPC, de onde decorre que há falta de citação “Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”.
Como se retira da parte final da norma, para se concluir pela falta de citação nos termos aí estabelecidos não basta a alegação pelo destinatário de que não teve conhecimento do acto de citação, sendo também necessário que sejam alegados e provado factos que evidenciem a realidade desse alegado desconhecimento e, concomitantemente, que a sua verificação se deveu a facto que não lhe é imputável.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente alegou não ter conhecimento da citação, desconhecendo se o Tribunal enviou alguma correspondência para a sua anterior sede, situada no Largo ... ..., que era a residência do anterior presidente da direção, o qual mantém uma relação hostil com os atuais diretores, que tomaram posse no dia 24.11.2018. Alega, que por essa razão desconhece sem culpa sua qualquer correspondência que eventualmente tenha sido enviada pelo Tribunal para a morada do seu anterior presidente; mais refere, que por vicissitudes relacionadas com a necessidade de quórum e, depois, após março de 2020, por força das limitações impostas pela pandemia da covid-19, só lhe foi possível alterar os estatutos e, consequentemente, alterar a sede do clube, passando-a para a Rua ... – Centro de Formação, ... ..., através de uma votação realizada em Assembleia Geral da R., no dia 07.05.2021, posteriormente plasmada em escritura outorgada, no dia 02.06.2021.
Com o requerimento, juntou documentos para demonstrar a data da tomada de posse da actual direcção, da deliberação de alteração da sede e da escritura para alteração dos estatutos.
Entendeu o Tribunal a quo não se verificar a arguida nulidade de falta de citação, no essencial, em razão da morada indicada na petição inicial e onde foram realizadas as tentativas de citação ser a que constava dos registos nacionais de pessoas colectivas, não tendo havido preterição das formalidades devidas, “Tanto mais, que a Ré invoca que a alteração dos estatutos e mudança de sede só terá ocorrido em 2.6.2021, ou seja, no dia em que foi proferida a sentença”.
Concorda-se com o sentido da decisão, embora se considere que deveria ter sido teria sido mais certeira e completa, devendo o Tribunal a quo ter deixado explícitas as razões que levaram a não admitir a Ré a produzir prova dos factos que invocou para demonstrar não lhe ser imputável o alegado desconhecimento da citação, ou seja, dando resposta clara ao ponto fulcral que sustenta a posição da ré, agora recorrente.
Não obstante, adianta-se já, não assiste razão à Ré ao insurgir-se por tal não lhe ter sido permitido, bem assim por ter visto indeferido a arguida nulidade. Como certeiramente contrapõe o recorrido, se a Ré não tomou conhecimento da pendência da causa, a conclusão que forçosamente se extrai da sua própria alegação é a de que esse facto só a si é imputável.
De acordo com a versão da Ré, a alegada dificuldade de relacionamento com o anterior presidente da Direcção subsiste, pelo menos, desde 24 de Novembro de 2018, data em que tomou posse a actual direcção.
Uma actuação diligente impunha, pois, que de imediato a Ré tivesse iniciado as diligências adequadas para alterar a sua anterior sede, situada no Largo ... ..., a alegada residência do anterior presidente da direção com comportamento hostil, não podendo ignorar que para todos os efeitos legais a sua sede era a que estava fixada nos estatutos (art.º 159.º do CC), estando a alteração dependente de escritura pública e só produzindo efeitos em relação a terceiros após a respectiva publicação (art.º 168.º 1 3, do CC), bem assim estando a alteração sujeita a inscrição no ficheiro central de pessoas colectivas (FCPC) [art.º 6.º al. d), do Regime Jurídico do RNPC [Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio, e subsequentes alterações].
Ora, ainda que houvesse a alegada relação hostil entre o anterior presidente da direcção e a actual direcção, acontece que só em 07 de Maio de 202, cerca de dois e meio mais tarde após a tomada de posse da actual direcção, é que foi realizada a assembleia geral na qual foram alterados os estatutos, designadamente, quanto à sede, vindo a escritura a ser realizada no dia 02 de Junho de 2021, por coincidência a data da prolação da sentença. Portanto, o Autor só poderia indicar a morada que indicou e o Tribunal a quo só podia aferir da regularidade da citação face aos elementos constantes do RNPC.
Para justificar aquela manifesta demora no cumprimento do dever de actualizar os estatutos, designadamente, quanto à sede, invoca a Ré ter tido vicissitudes em obter o quórum necessário e terem surgido, após março de 2020, restrições por força da covid-19, alegações que são claramente genérica e conclusivas, dado que não há a concretização de quaisquer factos para evidenciar as eventuais “vicissitudes”, nem revelar em que termos as restrições decorrentes das medidas legais determinadas para resposta à situação de Covid-19 tiveram interferência em quaisquer diligências em curso, impedindo-a de realizar aquele desiderato.
Ora, o ónus de prova recaía sobre a Ré, quer para demonstrar não lhe ser imputável o alegado desconhecimento da citação, quer para por aquela via ilidir a presunção do n.º2, do art.º 230.º do CPC, sendo certo que tal pressupunha a alegação de factos concretos, pois só estes são susceptíveis de prova.
Ainda quanto àquele último argumento, note-se que em Março de 2020 já tinha decorrido um ano e quatro meses sobre a data em que a nova direcção tomou posse, tempo mais do que suficiente para regularizar a situação em causa, o que leva a concluir que só seria de considerar justificada a demora na realização da assembleia geral caso existissem razões atendíveis e fortemente ponderosas, não bastando para tal alegar eventuais vicissitudes em reunir o quórum necessário. De resto, note-se, que de acordo com os estatutos a assembleia geral anual ordinária deve ser realizada até 20 de Junho (art.º 29.º) e a convocatória de assembleia geral extraordinária pode ter lugar, em conformidade com os termos gerais, por iniciativa da direcção, apenas não podendo ter lugar em Agosto [art.º 31.º al. a) e e) dos Estatutos].
Neste quadro, mediante o que resulta da própria alegação da Ré, é forçoso concluir que a falta de alteração dos estatutos em tempo razoável, nomeadamente, quanto à sede social, apenas se deveu a falta de diligência da sua direcção e, logo, que o alegado desconhecimento da citação apenas a si é imputável.
Não se justificava, pois, por inútil e desnecessária para se chegar a essa conclusão, produzir qualquer prova. Como é evidente, a prova só poderia demonstrar o alegado e daí resultaria o que força àquela conclusão.
Assim sendo, a situação não tem acolhimento no disposto no art.º 188.º n.º1, al. e), do CPC e, logo, em consonância com o Tribunal a quo, resta concluir que a Ré, aqui Recorrente, foi válida e regularmente citada, não se verificando a existência de qualquer nulidade.
II.3 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A recorrente, começa por se insurgir contra a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que a sentença recorrida não respeitou o disposto no art.º57º/1 do CPT, por ter considerado confessadas e, consequentemente, provados conclusões articuladas pelo autor, nomeadamente, nos artigos 1.º, 3.º, 4.º, 7.º, 8.º, 11.º, 15.º e 17.º da petição inicial.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
No caso vertente, no que concerne às conclusões, verifica-se que foi observado o que se entende como suficiente, indicando a recorrente quais os factos impugnados, bem assim o que pretende seja decidido. O mesmo é de dizer quanto aos demais ónus de impugnação, verificando-se que a recorrente põe em causa os factos provados alegando ter sido violado o art.º 57.º/1, do CPT, formulando uma apreciação crítica dirigida a justificar as alterações que pretende sejam introduzidas.
II.2.1 Em jeito de enquadramento, começamos por deixar umas breves notas a propósito do n.º1, do ar.º 57.º do CPT, onde se dispõe o seguinte:
- “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
A regra corresponde, no essencial, à estabelecida nos n.ºs 1 e 3, do art.º 567.º do CPC.
Diz-se que há revelia quando o R. omite qualquer conduta reactiva, isto é, como dizem as normas em causa, se não contestar, desde que deva “considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação”.
A falta de oposição conduz à confissão dos factos articulados pelo autor, como expressa a norma, mas a sua interpretação não pode ser meramente literal, devendo entender-se, assim, desde que esses factos admitam confissão e nos termos em que ela seja admissível, atento o disposto nos artigos 352.º a 361.º do CC e 574.º 2 do CPC.
A propósito dos efeitos da revelia do Réu, elucida Antunes Varela [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p.344/345] o seguinte:
Sendo o réu considerado revel, por falta de contestação (dentro do prazo legal) nas condições descritas a consequência imediata da falta é a confissão dos factos articulados pelo autor.
Todos os factos narrados na petição se consideram provados, por virtude da falta de contestação.
A ilação compreende, não apenas os factos favoráveis ao autor e desfavoráveis ao réu, mas também os factos restantes incluídos na narração da petição, ainda que neutrais ou até de sentido oposto aos primeiros.
Além disso, a falta de contestação preclude obviamente a possibilidade de alegação posterior, por parte do réu, de quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Embora não envolva, quanto aos factos desfavoráveis ao réu, um reconhecimento expresso ou mesmo tácito da realidade deles, a falta de contestação é geralmente considerada como uma confissão tácita ou ressuntiva desse factos, enquanto outros, com maior propriedade, a tratam como ma confissão ficta».
Sobre a mesma temática e na mesma linha, observa José Lebre de Freitas [A acção Declarativa Comum, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 89, nota9], o seguinte
-«[..] Tradicionalmente, fala-se de ficta confessio (confissão ficta) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade de um facto alegado pela parte contrária (por todos, mas preferindo a denominação confissão presumida: JOÃO ANTUNES VARELA, Manual cit, ps. 543-545), seja mediante a pura omissão de contestar, seja mediante a não impugnação desse facto, em contestação ou outro articulado apresentado [..]. Mas o regime da admissão, distingue-se em vários pontos do da confissão (declaração expressa do reconhecimento da realidade dum facto desfavorável ao declarante ..), constituindo uma figura autónoma desta: não exige que o facto seja desfavorável ao declarante [..]; não joga quanto a facto para cuja mera prova a lei exija documento escrito (arts. 568 –d e 574-2), relativamente aos quais a confissão é admitida (art. 364-2CC); não se produz, contra o réu não contestante, quanto aos factos que o outro réu conteste, nos casos de litisconsórcio voluntário e de coligação (art. 568-a), em que o efeito de prova plena de confissão se produz, ainda que no primeiro caso restringido ao interesse do confitente (art.353-2CC); não é impugnável, como a confissão, nos termos do art. 359 CC; só é eficaz no processo em que é produzida, não tendo a eficácia extraprocessual da confissão judicial (arts. 421-1 e 355-3 CC). [..]».
Neste breve apontamento, parafraseando o Ac. STJ de 22-06-2006 [Proc.º 06B1638, Conselheiro Ferreira Girão, disponível em www.dgsi.pt], importa ainda referir que “A confissão ficta, prevista no n.º 1 do art. 484.º do CPC para a falta de contestação de réu citado, incide apenas sobre factos e não sobre enunciações ou conclusões”.
II.2.2 O Tribunal a quo, na consideração de que a Ré não contestou, [..] termos do disposto no artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, considero[u] confessados os factos artigos 1.º a 12 º, 15.º e 17.º a 28º da petição inicial”.
A recorrente entende que o Tribunal a quo errou ao ter considerado confessadas e, consequentemente, provadas conclusões articuladas pelo autor, nomeadamente, nos artigos 1.º, 3.º, 4.º, 7.º, 8.º, 11.º, 15.º e 17.º da petição inicial.
No art.º 1.º da Pi, consta o seguinte: O A. celebrou com a Ré um contrato de trabalho para a época desportiva de 2020/2021, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021.
Defende a Ré que a qualificação do contrato celebrado entre as partes como sendo um contrato de trabalho é matéria de direito, não é matéria de facto, e a confissão da R. não pode ultrapassar o domínio dos factos. Por esta razão, a confissão do artigo 1º da petição inicial deverá ser alterada da seguinte maneira: “O A. celebrou com a R. um contrato para a época desportiva de 2020/2021, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021.”
Concorda-se com a ré. A qualificação jurídica de um contrato é matéria de direito, não um facto. Assim, não sendo um “facto” o que consta articulado, não deveria ter sido considerada provada a expressão “de trabalho”.
Altera-se, pois, o conteúdo a considerar provado no art.º 1.º da Pi, nos termos propostos pela Ré, ou seja: “O A. celebrou com a R. um contrato para a época desportiva de 2020/2021, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021.
No art.º 3.º da PI, consta o seguinte: Obrigando-se o A. a prestar a sua actividade de Treinador Principal e não a proporcionar à Ré um certo resultado do seu trabalho.
Defende a Recorrente que deve ser excluída a expressão “… e não a proporcionar à Ré um certo resultado do seu trabalho.”, por não se tratar de um facto, mas antes de uma afirmação conclusiva, indefinida, vaga, imprecisa, que pode abarcar um sem número de situações concretas.
Concorda-se com a recorrente, pelo que se altera a decisão do Tribunal a quo, passando o conteúdo a considerar provado no art.º 3.º da Pi a ser o seguinte: Obrigando-se o A. a prestar a sua actividade de Treinador Principal.
Seguem-se os 4º e 7º da petição inicial, onde foi alegado o seguinte:
[4.º] Cumprindo horário de trabalho
[7.º] Sempre com pontualidade e assiduidade, sob pena do poder disciplinar da Ré
Alega a recorrente que esses artigos não podem considerar-se provados por confissão, por não versarem sobre factos, mas sobre conceitos jurídicos indeterminados.
Aqui já não concordamos com a recorrente. É certo que essas expressões podiam ter um sentido jurídico caso se tratasse de matéria controvertida que integrasse as questões em discussão na acção, mas não tendo havido contestação, a questão não pode colocar-se nessa perspectiva. Fora desse quadro, as expressões em causa têm um sentido apreensível no uso comum pela generalidade das pessoas. Como se passa a ilustrar, é o que resulta de uma simples consulta de um dicionário [https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/]:
-Horário: período de funcionamento de um determinado serviço ou atividade regularhttps://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/hor%C3%A1rio
- Pontualidade: qualidade de pontual
- Assiduidade: presença regular num local em que se tem o compromisso de permanecer cumprindo um horário previamente estabelecido, geralmente para trabalhar ou estudar.
- Poder: ter a faculdade ou a possibilidade de; ter o direito de;
- Disciplinar: sujeitar à disciplina; fazer obedecer a regras.
Assim, nesta parte improcede a impugnação.
Seguem-se os artigos 8.º e 11.º da PI, onde se lê o seguinte:
[8.º] Recebendo e cumprindo todas as instruções e orientações emanadas pela Ré e direcção desta, sem prejuízo da autonomia técnica inerente às suas funções.
[11.º] Prestando, assim, as suas funções sob a direcção, autoridade e fiscalização da Ré.
Defende a Ré que por ser manifestamente conclusiva, a matéria desses da petição inicial não pode ser considerada provada, pelo que deverá ser eliminada.
Valem aqui as considerações gerais deixadas no ponto anterior, mas aprofundando a explicação, é entendimento da jurisprudência que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Em linha com esse entendimento, no recente acórdão do STJ de 14 de Julho de 2021 [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1, Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt], acolhendo-se as palavras de Helena Cabrita [A fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107], afirma-se que “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.
Como referimos acima, caso tivesse havido contestação e aquelas alegações integrassem a matéria controvertida fulcral para a decisão da causa, colocar-se-ia com pertinência a questão de saber se poderiam integrar o elenco factual. Porém, não é essa a situação, nada obstando a que se considerem com o sentido factual que lhes é atribuído à margem de discussões jurídicas.
Avançando, alega a recorrente que o artigo 15º da petição inicial é todo ele constituído por matéria de direito, pelo que deve ser eliminado do elenco dos factos confessados / provados. Lê-se nesse artigo da PI o seguinte:
[15.º] Sendo certo que de acordo com a clausula 31.ª do referido CCT, ao Treinado Principal é-lhe garantida uma retribuição mínima mensal nunca inferior a três vezes o salário mínimo nacional, ou seja, o montante ilíquido de 1.905,00 Euros (635 Euros x 3) até 31/12/2020 e à quantia ilíquida de 1.995,00 Euros (665 Euros x 3) a partir de 01/01/2021, pelo que se impugna o valor da remuneração constante da declaração subscrita por A. e Ré (Doc. 1), já que neste particular - montante da retribuição - é nula por violar aquele CTT, devendo ter-se aquele montante por não escrito e, em sua substituição, ler-se que a remuneração mensal ilíquida do A. ascende ao valor ilíquido de 1.905,00 Euros desde o inicio do contrato até 31/12/2020 e à quantia ilíquida de 1.995,00 Euros a partir de então até ao termo do contrato – 30/06/2021.
Aqui voltamos a concordar com a Recorrente. De facto, a alegação é essencialmente de direito, não um facto e, ademais, conclusiva quanto a um ponto fulcral que o próprio autor coloca como controvertido, qual seja o de saber o valor da retribuição que deve ser considerado, invocando a nulidade do montante acordado, “por violar aquele CTT”. Assim, esse artigo [15.º] deve deixar de integrar os factos provados.
Por último, insurge-se a recorrente contra a expressão “o A. cumpriu integralmente o contrato de trabalho” do artigo 17.º da PI, defendendo que não pode ser incluída na confissão do mesmo, consubstancia duas conclusões de natureza jurídica.
Consta alegado no art.º 17.º da Pi, o seguinte:
[17.º] O A. cumpriu integralmente o contrato de trabalho desde o seu início – 3 de Agosto de 2020 – até ao dia 5 de Outubro de 2020, tendo até iniciado de facto funções no período da pré-época, concretamente no dia 31 de Julho de 2020.
Pelas razões enunciadas inicialmente, na parte em que se apreciou a impugnação dirigida ao artigo 1.º da PI na parte em refere “contrato de trabalho”, concordamos com a recorrente quanto a este ponto.
Por conseguinte, altera-se o conteúdo a considerar provado no art.º 17.º da Pi, para passar a ser o seguinte:
-“O A. cumpriu o contrato desde o seu início – 3 de Agosto de 2020 – até ao dia 5 de Outubro de 2020, tendo até iniciado de facto funções no período da pré-época, concretamente no dia 31 de Julho de 2020”.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente insurge-se contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos, afirmando que “[..] não tem fundamento legal”, pelas razões que depois elenca.
O Tribunal a quo, na consideração do pedido ter fundamento legal e a causa ser de manifesta simplicidade, podendo limitar-se à parte decisória- ao abrigo do disposto no art.º 57º, nºs 1 e 2 do CPT-, entendeu ser de condenar a Ré [..] a pagar ao autor a quantia por este reclamada a título de compensação pela cessação do contrato salários, salários não pagos, proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal tudo nos termos dos artigos 17.º, 30.º, 31.º, 32.º, 35.º, 37.º,41.º n.º 1 e 2, e 44.º do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, cláusula de revisão e da portaria de extensão (esta publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1997), contrato colectivo esse publicado no BTE n.º 20 de 29.5.2012, a que devem acrescer os juros de mora contados desde ao data do seu vencimento – 12.10.2021 - à taxa de 4%, até integral pagamento”.
Defende a recorrente, o seguinte:
- A Portaria de Extensão publicada no BTE nº37, de 08 de Outubro de 1997, é anterior ao contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012, pelo que não pode ser aplicada a este contrato coletivo. O nº2 da cláusula de revisão estabelece que “Mantém-se a extensão determinada pela portaria referida no número anterior”, mas a cláusula é nula, por versar sobre matéria que não está na disponibilidade das entidades outorgantes do CCT. A extensão dos efeitos do contrato só pode ser feita por portaria de extensão (art. 514º do CT), que é matéria da competência exclusiva do governo (art. 516º do CT).
- A Portaria de Extensão aplicável é a Portaria nº7/2018, de 5 de Janeiro, publicada no Diário da Republica, 1ª série, nº4, de 05 de Janeiro de 2018. Por força do art.º 1º dessa PE, as condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012, só se estendem a treinadores profissionais de futebol.
- Não consta dos factos provados que o A. seja um treinador profissional de futebol, designadamente que seja reconhecido como tal pela Associação nacional dos Treinadores de Futebol. Assim, não estando demonstrado um dos requisitos de aplicação da PE, não pode o A. beneficiar das soluções normativas previstas contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012, devendo a sentença ser revogada, uma vez que toda ela está legalmente fundamentada nesse CCT.
- Mesmo que assim não se entenda, por aplicação da Cláusula 31º do CCT, o A. apenas tem direito a remuneração base de valor igual ao salário mínimo nacional, dado não ter sido alegado que exercesse as suas funções em clube da 1.ª Liga Profissional, 2.ª Liga Profissional, II Divisão Nacional B, III Divisão Nacional. Ficou provado o alegado no artigo 2º da petição inicial -“para exercer funções de Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino que milita o Campeonato Nacional Feminino (Liga BPI). – que quando muito integra a expressão “Outras divisões”, constante da cláusula 31ª CCT, o que confere ao treinador principal uma remuneração base de valor igual ao salário mínimo nacional. Assim, todos os cálculos e valores referidos na sentença, que tiveram em consideração um salário de 1905€, são infundados e errados.
- Caso se entenda que o referido CCT é aplicável, a cláusula 44ª/3 estabelece o seguinte: “A entidade patronal que promova ilicitamente o despedimento do treinador fica obrigada a indemniza-lo nos termos da anterior clausula 41ª/1.”, isto é, “confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma atividade durante o período em causa.”, pelo que deve ser remetido para execução de sentença a discussão e o apuramento das quantias que eventualmente fossem devidas por força da aplicação da referida norma da CCT.
II.3.1 A revelia é operante, quando implica a confissão dos factos articulados pelo autor. Isto significa que o R. reconhece ou admite todos os factos alegados pelo autor na petição inicial. Mas a lei estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno. Isto é, não há “(..) uma incontornável e fatal condenação imediata no pedido como consequência da revelia operante (..)” [Cfr. J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, pp. 502].
Com efeito, a parte final do n.º1 do art.º 57.º CPC, que corresponde à parte final do n.º2, do art.º 567.º do CPC, estabelece que “(..) é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
Assim, o tribunal irá “julgar a causa conforme for de direito”, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido. A esse propósito e nesse sentido, observa Antunes Varela [Op. cit., p. 347]:
-«[..]
Na sentença, far-se-á a determinação, a interpretação e a aplicação do direito aos factos contantes da petição.
Por via de regra, a sentença proferida em tais circunstâncias conduzirá à condenação do réu no pedido formulado pelo autor (na conclusão da petição).
Mas não é esse o desfecho necessário, fatal, da situação. Pode o juiz concluir que os factos articulados na petição, apesar de globalmente considerados como confessados, não justificam, em face do direito aplicável, a condenação do réu no pedido”.
É certo que o n.º2, do art.º 57.º do CPT, norma invocada pelo Tribunal a quo a sentença, prevê duas situações distintas no que concerne ao dever de fundamentação da sentença: a primeira, para os casos em que a causa se revista “ de manifesta simplicidade”, admitindo-se que a sentença “ limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”, que, note-se, não equivale a dizer falta ou, mesmo, insuficiência, de fundamentação; a segunda, quando seja de concluir que os “factos confessados conduz[em] à procedência da acção”, casos em que “a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor”.
Passando à apreciação, não podemos deixar de começar por dizer que nem a causa se reveste de manifesta simplicidade, nem tão pouco os factos confessados conduzem à total procedência da acção, como foi entendido pelo Tribunal a quo.
Da conjugação da matéria de facto alegada nos artigos 1 a 12, retira-se estrem verificados os elementos necessários para qualificar o contrato celebrado entre o Autor e a Ré como contrato de trabalho, atenta a noção do art.º 11.º do CT: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
Com efeito, deles decorre que mediante o contrato celebrado com a Ré, o Autor obrigou-se, contra o pagamento da retribuição mensal de € 600 líquidos, a prestar-lhe a actividade de Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021, nas instalações daquela ou nos locais por ela indicados, nomeadamente nos dias de jogo, cumprindo horário de trabalho, utilizando o material necessário ao exercício das suas funções fornecido por aquela e recebendo e cumprindo todas as instruções e orientações emanadas pela Ré.
Em suma, estão presentes os elementos essenciais para qualificar o contrato como de trabalho, mormente a subordinação jurídica, pressupondo o poder atribuído ao empregador de exercício de autoridade, que decorre da possibilidade da emissão de ordens e instruções emanadas pela Ré que o autor se obrigou a cumprir.
Aqui chegados coloca-se logo a primeira questão, qual seja a de saber qual o regime jurídico aplicável. Melhor explicando, o contrato de trabalho dos treinadores desportivos não é objecto de regulamentação especial, o que leva a concluir que, em princípio, aplica-se o regime laboral comum, ou seja, as regras gerais constantes do Código do Trabalho.
Acontece, porém, que há soluções consagradas pelo Código do Trabalho que se revelam inapropriadas para regular as especificidades dos contratos de trabalho dos treinadores de modalidades desportivas, entre elas, no que aqui releva, as que respeitam ao regime de cessação do contrato por iniciativa do empregador.
Por essa razão, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que há uma lacuna legislativa de previsão, admitindo-se, em determinadas matérias, a aplicação analógica do regime especial dos praticantes desportivos, actualmente regulado pela Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho - Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação – que revogou e substituiu a anterior lei que regulava essa mesma matéria, nomeadamente, a Lei 28/98 de 26 de Junho.
Essa posição foi seguida no Acórdão desta Relação de 12-07-2017, relatado pelo aqui relator e com intervenção do primeiro adjunto [disponível em www.dgsi.pt], no qual se manteve o entendimento já afirmado pelo relator no acórdão de 24 de Setembro de 2014, da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 3345/11.0TTLSB.L1, o qual foi confirmado por acórdão do STJ de 25-06-2015 [Proc.º 3345/11.0TTLSB.L1.S1, Conselheiro FERNANDES DA SILVA, disponível em www.dgsi.pt], lendo-se no respectivo sumário o seguinte:
I - O treinador de modalidades desportivas não deve ser qualificado como praticante desportivo, à luz e para os efeitos da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.
II - Contudo, por se tratar de uma relação laboral que, pelas suas especificidades, reclama um regime adequado, existe evidente lacuna (legislativa) de previsão, devendo aplicar-se, por analogia, o regime jurídico ali previsto, com soluções diversas das impostas pelo regime laboral comum, designadamente no que respeita à celebração de contratos por tempo determinado (reportado às épocas desportivas), bem como à sua caducidade.
II - A Lei n.º 28/98, de 26 de junho, não constitui um regime jurídico excecional, mas antes um regime especial de contrato de trabalho subordinado, nada impedindo, pois, a sua aplicação analógica a contratos de trabalho a termo certo, celebrados entre um clube de futebol e um treinador, válidos e perfeitamente autónomos entre si, cujo termo, uma vez alcançado, fez operar, sem mais, (isto é, sem necessidade de qualquer comunicação das partes), a sua caducidade.
III - As razões justificativas da referida aplicação analógica, in casu – por força da equiparação das especificidades funcionais de ambos os profissionais – não colidem com o direito, liberdade e garantia de segurança e estabilidade no emprego e de proibição de despedimentos sem justa causa, previstos nos artigos 13.º, 18.º e 53.º, da Constituição da República Portuguesa.
(..)».
Pois bem, não vemos razões para nos afastarmos deste entendimento.
É justamente esse entendimento que permite aceitar que o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho invocado nos autos pelo autor, nomeadamente, o contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol [Revisão global], publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de Maio de 2012, em posição acolhida pelo Tribunal a quo, adopte soluções que divergem do Código do Trabalho, como é o caso das cláusulas 44.ª n.º3 e 41.ª, invocadas pelas partes.
Com efeito, para o despedimento ilícito promovido pela entidade patronal, dessas cláusulas resulta um regime cujos efeitos são menos gravosos do que os estabelecidos na lei geral laboral, nomeadamente, nos artigos 389.º [Efeitos da ilicitude do despedimento], 390.º [Compensação em caso de despedimento ilícito] e 391.º [Indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador]. Passamos a ilustrar esta asserção.
Como é sabido, nos termos gerais, em caso de ilicitude do despedimento o empregador é a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, bem assim na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade [art.º 389.º CT]. Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, cujo montante será fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, devendo o tribunal atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial e não podendo a indemnização ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades [art.º 391.º CT].
Para além disso, sem prejuízo da indemnização, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, ainda que sujeitas à dedução das importâncias que tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem assim da retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento e, ainda, do subsídio de desemprego que tenha auferido desde o despedimento [art.º 390.º].
Ora, aquelas cláusulas do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, estabelecem o seguinte:
Cláusula 44.ª [Resolução por iniciativa da entidade empregadora]
[..]
3 - A entidade patronal que promova ilicitamente o despedimento do treinador fica obrigada a indemnizá-lo nos termos da anterior cláusula 41.ª.
Cláusula 41.ª [Responsabilidade da entidade empregadora pela resolução do contrato do treinador]
1 — A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 1 da cláusula anterior confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa.
2 — As retribuições vincendas referidas no número anterior abrangem, para além da remuneração base, apenas os prémios devidos em função dos resultados obtidos até ao final da época em que foi promovida a resolução do contrato com justa causa pelo treinador.
3 — Se pela cessação do contrato resultarem para o treinador prejuízos superiores ao montante indemnizatório fixado nos n.ºs 1 e 2, poderá aquele reclamar a respectiva indemnização para ressarcimento desses danos.
A solução aí consagrada corresponde, no essencial, à estabelecida no art.º 27.º [Responsabilidade das partes pela cessação do contrato] da Lei 28/98, de 26 de Junho, cujo teor era o seguinte:
1 - Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
2 - Quando se trate de extinção promovida pela entidade empregadora, o disposto no número anterior não prejudica o direito do trabalhador à reintegração no clube em caso de despedimento ilícito.
3 - Quando, em caso de despedimento promovido pela entidade empregadora, caiba o direito à indemnização prevista no n.º 1, do respectivo montante devem ser deduzidas as remunerações que, durante o período correspondente à duração fixada para o contrato, o trabalhador venha a receber pela prestação da mesma actividade a outra entidade empregadora desportiva.
Como se disse, entretanto essa Lei foi revogada e substituída pela Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, regendo agora sobre essa matéria o artigo 24.º, que mantém a mesma epígrafe [Responsabilidade das partes pela cessação do contrato], estabelecendo o seguinte:
1 - Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente deve indemnizar a contraparte pelo valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.
2 - Pode ser fixada uma indemnização de valor superior ao que resulta da aplicação do número anterior, sempre que a parte lesada comprove que sofreu danos de montante mais elevado.
Avançando. Para sustentar a aplicação daquele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho à situação em concreto, o autor invocou a Portaria de Extensão, “referida na cláusula de revisão do CCT” , ou seja, como referido no n.º1 da cláusula de revisão, a Portaria de Extensão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1997, sendo que logo de seguida, o n.º2, dessa mesma cláusula, estabelece “Mantém-se a extensão determinada pela portaria referida no número anterior”.
O art.º 1.º da referida portaria, no que aqui releva, estabelece o seguinte:
1 — As condições de trabalho constantes do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.a série, n.º 27, de 22 de Julho de 1997, são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre entidades patronais não filiadas na associação patronal outorgante que exerçam a actividade económica abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas;
b) Às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas na associação patronal outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não filiados na associação sindical outorgante.
Contrapõe a recorrente, com os argumentos acima referidos, que a cláusula do n.º2 é nula, e que a Portaria de Extensão aplicável é antes a nº7/2018, de 5 de Janeiro, publicada no Diário da Republica, 1ª série, nº4, de 05 de Janeiro de 2018.
É irrelevante entrar na discussão sobre a eventual nulidade daquela cláusula. Nos termos do art.º 514.º/1, do CT, “[A] convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento”.
A Portaria 7/2018, de 5 de Janeiro - portaria de extensão do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol - , com entrada em vigor no quinto dia após a sua publicação no Diário da República [art.º 2.º 1], veio estabelecer, no que aqui releva, o seguinte:
[Artigo 1.º]
1 - As condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 2012 são estendidas, no território do continente:
a) Às relações de trabalho entre clubes ou sociedades desportivas que se dediquem ao futebol de onze não filiados na associação de empregadores outorgante e treinadores profissionais de futebol ao seu serviço;
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante e treinadores profissionais de futebol ao seu serviço não representados pela associação sindical outorgante.
Assim, atento o seu âmbito de aplicação, coincidente com o anteriormente definido na Portaria de Extensão de 8 de Outubro de 1997, com a entrada em vigor desta mais recente Portaria de Extensão, é forçoso concluir que deve entender-se como revogado aquele n.º2, da cláusula de revisão, bem assim aquela primitiva portaria.
Acresce relembrar que o contrato de trabalho celebrado entre o A e a Ré teve início em 3 de Agosto de 2020, ou seja, já em plena vigência da Portaria de Extensão n.º 7/2018, de 5 de Janeiro.
Defende a recorrente que não resultando provado que o autor seja um treinador profissional de futebol, designadamente, reconhecido como tal pela Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, não está verificado um dos requisitos de aplicação da PE, por isso não sendo aplicável ao caso o contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol.
Não tem razão, como passamos a explicar. O regime de acesso e exercício da actividade de treinador de desporto é regulado pela Lei n.º 40/2012, de 28 de agosto [art.º 1.º], relevando para o caso os artigos que se passam a transcrever:
Artigo 3.º [Atividade de treinador de desporto]
A atividade de treinador de desporto, para efeitos da presente lei, compreende o treino e a orientação competitiva de praticantes desportivos, bem como o enquadramento técnico de uma atividade desportiva, exercida:
a) Como profissão exclusiva ou principal, auferindo por via dela uma remuneração;
b) De forma habitual, sazonal ou ocasional, independentemente de auferir uma remuneração.
Artigo 4.º [Habilitação profissional]
A atividade referida no artigo anterior apenas pode ser exercida por treinadores de desporto, qualificados nos termos da presente lei, designadamente no âmbito:
a) De federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva;
b) De associações promotoras de desporto;
c) De entidades prestadoras de serviços desportivos, como tal referidas no artigo 43.º da Lei 5/2007, de 16 de janeiro.
Artigo 5.º [Título profissional]
1 - É obrigatória a obtenção de título profissional válido para o exercício da atividade de treinador de desporto em território nacional.
2 - É nulo o contrato pelo qual alguém se obrigue a exercer a atividade de treinador de desporto sem título profissional válido.
[..].
Artigo 6.º [Requisitos de obtenção do título profissional]
[..]
3 - A emissão do título profissional compete ao IPDJ, I. P., sendo o respetivo modelo definido por despacho do presidente do IPDJ, I. P., publicado no Diário da República.
[..].
Da conjugação destes normativos resulta que o treino e a orientação competitiva de praticantes desportivos, bem como o enquadramento técnico de uma atividade desportiva, apenas pode ser exercida por treinadores de desporto, qualificados nos termos da Lei n.º 40/2012, designadamente, no âmbito de associações promotoras de desporto. A competência para a emissão de título profissional cabe ao IPDJ, IP.
Vale isto por dizer, que a Ré, enquanto associação desportiva, para assegurar a orientação da equipa de futebol sénior feminino apenas podia contratar um treinador de desporto qualificado para esse efeito. Por conseguinte, se a Ré contratou o autor para a época desportiva de 2020/2021, com inicio em 3 de Agosto de 2020 e fim em 30 de Junho de 2021, para exercer as funções de Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino [factos 1 e 2], deve assumir-se que aquele dispõe dessa qualificação.
Não percebemos o que quer a Ré significar com a expressão “reconhecido como tal pela Associação nacional dos Treinadores de Futebol”, ou seja, se está querer dizer que o título profissional de treinador de desporto (futebol) depende de atribuição daquela associação, ou se o reconhecimento do exercício da actividade como profissional pressupõe que o treinador seja associado. Mas seja qual for o sentido que a Ré quis atribuir à expressão, o raciocínio não é correcto.
Não cabe à Associação Nacional dos Treinadores de Futebol reconhecer e atribuir qualificações de Treinador. Essa competência é do IPDJ, IP.
A Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, é “ [..] organização sindical dos treinadores de futebol portugueses e dos estrangeiros que exerçam a sua actividade em Portugal e que nela livremente se associem [cfr. art.º 1.º, dos Estatutos, disponível em https://antf.pt/pt/antf/estatutos/].Por outro lado, se a Portaria de Extensão n.º 7/2018, de 5 de Janeiro, estende a aplicação do contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol [b)] “Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante e treinadores profissionais de futebol ao seu serviço não representados pela associação sindical outorgante”, não tem sentido lógico pretender-se fazer depender o reconhecimento do exercício profissional da qualidade de associado da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol.
Por último, está seguramente demonstrado que o A. exerceu as funções de treinador de desporto (futebol), em termos profissionais, visto ter celebrado um contrato de trabalho para prestação dessa actividade como Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino, em contrapartida sendo retribuído e ficando vinculado ao seu cumprimento, desde logo, recebendo e cumprindo todas as instruções e orientações emanadas pela Ré e direcção desta, sem prejuízo da autonomia técnica inerente às suas funções [art.º 8.º da Pi].
De resto, como a Ré bem sabe, em cumprimento do Regulamento que rege a Liga BPI [disponível em https://www.fpf.pt/DownloadDocument.ashx?id=16693], “competição oficial organizada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e correspondente ao nível mais elevado das competições femininas de futebol 11”[art.º 2º/1], para nela poderem participar, os Clubes estão sujeitos ao dever de “obrigatoriamente inscrever um treinador principal, o qual deve possuir as habilitações mínimas referidas nos números seguintes”, o qual deverá “ter obtido no mínimo a habilitação de grau III – UEFA
A, [..], devidamente comprovada através de cédula de treinador de desporto, verificando-se a correspondência dos graus a que alude a Lei n.º 40/2012, de 28 de agosto, na sua redação atual”[art.º 51.º 1 e 3].
Conclui-se, pois, que por via da Portaria de Extensão 7/2018, de 5 de Janeiro, à relação de trabalho entre o A. e a Ré, para prestação da actividade de treinador principal de futebol, aplica-se o contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol.
Prevenindo a hipótese de assim se entender, defende a recorrente que por aplicação da Clausula 31º do CCT, o A. apenas tem direito a remuneração base de valor igual ao salário mínimo nacional, dado não ter sido alegado que exercesse as suas funções em clube da 1.ª Liga Profissional, 2.ª Liga Profissional, II Divisão Nacional B, III Divisão Nacional. De acordo com o provado, o caso do A. integra a expressão “Outras divisões”, constante daquela cláusula.
Alegou o autor [art.º 15.º pi], diga-se, singelamente, que de acordo com a clausula 31.ª do referido CCT, ao Treinador Principal é-lhe garantida uma retribuição mínima mensal nunca inferior a três vezes o salário mínimo nacional, ou seja, o montante ilíquido de 1.905,00 Euros (635 Euros x 3) até 31/12/2020 e à quantia ilíquida de 1.995,00 Euros (665 Euros x 3) a partir de 01/01/2021.
No que aqui releva, estabelece a aludida cláusula o seguinte:
Cláusula 31.ª [Remuneração mínima]
1 — Aos treinadores principais são assegurados as seguintes remunerações base mínimas, quando exerçam as suas funções em clube da:
1.ª Liga Profissional — oito vezes o salário mínimo nacional;
2.ª Liga Profissional — quatro vezes o salário mínimo nacional;
II Divisão Nacional B — três vezes o salário mínimo nacional;
III Divisão Nacional — duas vezes o salário mínimo nacional;
Outras divisões e escalões juvenis — uma vez o salário mínimo nacional.
[..].
Como se deduz, o autor está a pretender que lhe seja aplicada a parte da cláusula em que se estabelece a retribuição base mínima para treinadores profissionais que exerçam as suas funções em clube da “II Divisão Nacional B”, ou seja, “ três vezes o salário mínimo nacional”.
De acordo com o alegado no art.º 2.º da Pi, que ficou provado, o Autor foi contratado “Para exercer as funções de Treinador Principal da equipa de futebol sénior feminino que milita no Campeonato Nacional Feminino (Liga BPI)”.
Como já resulta da referência feita acima ao art.º 2.º, do Regulamento da Liga BPI [disponível em https://www.fpf.pt/DownloadDocument.ashx?id=16693], esta é uma “competição oficial organizada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) [e] correspondente ao nível mais elevado das competições femininas de futebol 11”.
Percorrendo o aludido Regulamento da Liga BPI, encontra-se no artigo 51.º, com a epígrafe “INSCRIÇÃO E PARTICIPAÇÃO DE JOGADORAS”, no que aqui interessa, o seguinte [1] “Apenas podem participar na Liga BPI as jogadoras que se encontrem devidamente inscritas e licenciadas pela FPF, até um máximo de 27 jogadoras seniores, podendo ser Amadoras ou Profissionais, nos termos do disposto no Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência dos Jogadores e na legislação aplicável”.
Assim, de acordo com este artigo, se as jogadoras admitidas a participar na Liga BPI podem ser Amadoras ou Profissionais, tal significa, em termos lógicos, que não se trata de uma “Liga Profissional”.
Retira-se de referências feitas no documento, ainda que indirectamente, que a Liga BPI foi criada para ter início na época desportiva de 2020/2021. Assim decorre, p. ex., do art.º 19.º [Calendário], constando n.º6: “Dependendo do contexto de saúde pública existente, poder-se-á proceder à alteração completa ou parcial de jornadas, reservando-se a FPF, em caso de adiamento de jogos, ao direito de alargar o calendário até final da época de 2020-2021”.
Acontece que as competições de futebol referidas na cláusula 31.ª - 1.ª Liga Profissional, 2.ª Liga Profissional, II Divisão Nacional B e III Divisão Nacional – eram todas elas de futebol masculino e, para além disso, ainda que mantendo alguma paridade entre os níveis de escalões competitivos, verifica-se que entretanto foram substituídas por outras, na actualidade existindo, nos três primeiros escalões, do nível mais elevado para o menos elevado, a Liga Portugal Bwin, a Liga Portugal 2 e a Liga 3.
No que aqui releva, a II Divisão Nacional B, surgiu na época desportiva de 1990/91, correspondendo então ao 3.º escalão do futebol português masculino de competição, tendo sido substituída, na época de 2013/2014, pelo Campeonato Nacional de Seniores.
A cláusula em causa, sejam quais forem as razões que a tal estiveram subjacentes, não faz uma referência expressa ao exercício de funções de treinadores principais de futebol ao serviço de clubes para orientarem equipas de futebol feminino. É certo que a cláusula 1.ª [Âmbito funcional], estabelece no n.º1, “O presente CCT estabelece e regula as normas por que se regerão as relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho celebrados entre os treinadores profissionais de futebol e os clubes ou sociedades desportivas filiados na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, adiante designada LPFP”, liga que não abrangia as competições de futebol feminino; mas por outro lado, também não o é menos, que a mesma cláusula, no n.º2, dispõe que “Ambas as partes contratantes acordam em promover a extensão do presente CCT a todas as relações laborais emergentes de contratos de trabalho celebrados entre treinadores profissionais de futebol e quaisquer clubes ou sociedades desportivas, estejam ou não filiados na LPFP, para o que solicitarão aos ministérios competentes o respectivo regulamento de extensão».
E, na verdade assim procedeu uma das partes contratantes, constando expressamente da Portaria n.º 7/2018 de 5 de janeiro, que “[A] Associação Nacional dos Treinadores de Futebol requereu a extensão da convenção coletiva às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não representados pelas associações outorgantes que na respetiva área e âmbito exerçam a mesma atividade».
Assim, parece seguro afirmar-se que as entidades subscritoras daquele contrato colectivo não podiam ter deixado de antever a possibilidade de aplicação desse instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, por via de extensão por portaria, às relações laborais emergentes de contratos de trabalho celebrados entre treinadores profissionais de futebol e quaisquer clubes ou sociedades desportivas no âmbito das competições de futebol feminino.
Por conseguinte, apenas nos parece defensável sustentar que esses casos, ou seja, os de treinadores principais de futebol ao serviço de clubes para orientarem equipas de futebol feminino, possam ser enquadrados na previsão final da cláusula 31.ª, com uma cobertura mais genérica, referindo-se a “Outras divisões, para a qual está estabelecido que deve ser assegurada a retribuição base mínima no montante de “ uma vez o salário mínimo nacional”.
Assim sendo, contrariamente à posição assumida pelo autor na PI, é forçoso concluir que o caso concreto não está coberto pela previsão da cláusula 31.ª, na parte em que se refere à II Divisão Nacional B, acrescendo que nem tão pouco nos parece possível fazer uma aplicação por analogia, o que pressuporia procurar estabelecer uma equiparação. De resto, faz-se notar, o autor limitou-se a alegar nos termos que referimos, não cuidando de avançar quaisquer argumentos para explicar e justificar o pretendido enquadramento naquela previsão dirigida à extinta II Divisão Nacional B.
Para o ano de 2020, com início em 1 de Janeiro, o valor da retribuição mínima nacional foi fixado em € 635,00 [Decreto-Lei nº 167/2019, de 21 novembro]. O autor alegou [art.º 13.º] que “do documento que as partes subscreveram sob a designação de “Declaração Vinculo”, [..] consta a remuneração mensal líquida no montante de 600,00 Euros”. Tendo sido acordado aquele valor líquido, tal significa que é o apurado após a dedução legal obrigatória de 11% , a título de TSU a cargo do trabalhador, no âmbito de uma relação de trabalho subordinado. Logo, o valor ilíquido é superior a “uma vez o salário mínimo nacional”, respeitando a cláusula 31.ª.
Assim, quanto a este ponto cabe concluir que a recorrente tem razão ao imputar à sentença erro de julgamento, posto que não deveria ter sido acolhida a posição afirmada pelo autor, dado que contrariamente ao que foi entendido para ser proferida a decisão mediante simples adesão, essa pretensão e, logo, as demais dela decorrentes, não têm fundamento legal.
Significa isso, como defende a recorrente, que todos os valores pedidos pelo Autor com base na alegada retribuição mensal de €1905,00, nomeadamente, a indemnização pelo despedimento ilícito, retribuições não pagas e proporcionais e férias, subsídios de férias e de Natal, não podem proceder nos termos pedidos, mas apenas tendo por base o valor da retribuição mensal líquida acordada, isto é, € 600,00.
Por último, estribando-se na segunda parte do n.º1, da cláusula 41.ª do contrato colectivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, vem a recorrente defender que deve ser remetido para execução de sentença a discussão e o apuramento das quantias que eventualmente fossem devidas por força da aplicação da referida norma da CCT, de modo a ser deduzida à indemnização por despedimento ilícito o valor das retribuições que o autor eventualmente tenha auferido no exercício da mesma atividade no período entre a data do despedimento e a acordada para o termo do contrato.
Embora acima transcritas, por comodidade transcrevem-se de novo as cláusulas relevantes para este ponto. Assim:
Cláusula 44.ª [Resolução por iniciativa da entidade empregadora]
[..]
3 - A entidade patronal que promova ilicitamente o despedimento do treinador fica obrigada a indemnizá-lo nos termos da anterior cláusula 41.ª.
Cláusula 41.ª [Responsabilidade da entidade empregadora pela resolução do contrato do treinador]
1 — A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 1 da cláusula anterior confere ao treinador o direito a uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa.
A dedução à indemnização estabelecida na parte final do n.º1, da cláusula 41.ª, consubstancia uma solução similar à prevista na al. a), do n.º2, do art.º 390.º, do CT, que determina a dedução das “importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”, ao valor das retribuições intercalares, ou seja, as que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
Como é entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, a razão de ser de tais descontos é evitar a duplicação de rendimentos. Como elucida o STJ de 12.09.2012 [Proc.º 154/06.2TTMTS-C.P1.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt] “[..] reflecte a preocupação (decorrente do princípio geral da proibição do enriquecimento sem causa/locupletamento à custa alheia) de evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas e eticamente reprováveis, visando aproximar, tanto quanto possível, o montante decorrente da condenação a perceber do prejuízo concretamente suportado pelo trabalhador, para que o mesmo não “receba duas vezes”. E, como também observa o mesmo aresto, sobre o empregador recai o ónus de alegar e provar na acção declarativa que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por atividade iniciada após o despedimento, sem o que não será possível ao Tribunal determinar oficiosamente tal dedução.
Ou seja, de acordo com as regras gerais sobre a repartição do ónus de prova [art.º 342.º do Código Civil], cabe ao empregador, no seu articulado, alegar que o trabalhador auferiu retribuições que devem ser descontadas, para depois o demonstrar; e, em contraponto, se disso for caso, recaindo sobre este último o encargo de provar que não as auferiu ou que não são susceptíveis de dedução.
Assim, nesta parte improcede o recurso.
II.3.2 Impõe-se, agora, proceder a determinação das quantias devidas ao autor, começando por ter presente que a sentença reconheceu o despedimento como ilícito, bem assim o direito do autor à consequente indemnização e, ainda, a créditos a título de retribuições não pagas e partes proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, devidos pela cessação do contrato de trabalho, sendo que quanto a tal não se insurgiu a recorrente, pelo que quanto a tal transitou em julgado.
Nos termos da primeira parte do n.º1, da cláusula 41.º, do IRCT aplicável, o despedimento ilícito confere ao trabalhador treinador desportivo o direito a indemnização “ correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo”. O termo do contrato deveria ocorrer a 30 de Junho de 2021 [art.º 1.º], mas o autor foi despedido ilicitamente a 5 de Outubro de 2020 [artigos 17.º a 20.º]. Ficaram assim por cumprir 8 meses e 25 dias do período contratual acordado, sendo a indemnização correspondente no valor líquido de € 5300,00.
Alegou o autor estarem em dívida parte da retribuição de Agosto, da qual apenas lhe foram pagos € 400,00, a de Setembro e a correspondente aos 5 dias trabalhados em Outubro. Feitos os devidos cálculos, sempre com base na retribuição líquida de € 600,00, o valor total devido ao autor a este título é de € 900,00 [400,00 € + 600,00 € + 100,00€].
Reclama, ainda, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, correspondentes ao tempo de trabalho prestado, ou seja, 2 meses. Feitos os devidos cálculos, igualmente com base na retribuição líquida mensal de € 600,00, o valor devido é de €300,00 [100,00 € x 3].
Assim, o valor total devido ao autor é de €6500,00.
Sobre esses valores são devidos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde as datas de vencimento das quantias apuradas, e vincendos até efectivo e integral vencimento.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos nos termos seguintes:
I -Recurso sobre o despacho que indeferiu a arguida nulidade por falta de citação: improcedente, confirmando-se a decisão recorrida;
II- Recurso sobre a sentença:
i) Parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
ii) Parcialmente procedente na vertente da impugnação por erro de direito, em consequência revogando-se e alterando-se a sentença, para se condenar a Ré ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA ..., a pagar ao Autor AA, a quantia de € 6500,00 (seis mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde as datas de vencimento das quantias apuradas, e vincendos até efectivo e integral vencimento.
iii) No mais mantém-se a sentença recorrida.

Custas [art.º 527.º do CPC]:
- da acção a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento;
- do recurso sobre a decisão que indeferiu a arguida nulidade da citação, a cargo da Ré;
- do recurso sobre a sentença, a cargo do Autor e da Ré, na proporção do decaimento.

Porto, 14 de Fevereiro de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira