Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
944/18.3T8PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
PRIVAÇÃO DO USO DE VIATURA AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RP20200127944/18.3T8PFR.P1
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tem prevalecido na jurisprudência a tese da aceitação da indemnização autónoma da privação do uso, reconhecendo-se o direito de indemnização relativamente a situações de privação do uso do veículo em que este é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do mesmo foi causa de despesas acrescidas.
II - Na averiguação sobre a verificação do dano da privação do uso deverá ser tido em conta o facto de a livre disponibilidade do bem (veículo) constituir uma das vertentes do direito de propriedade.
III - Há apenas três possibilidades de pôr termo ao período de privação nas situações de perda total: a aquisição pelo lesado de um veículo de substituição; a entrega pela seguradora de um veículo de substituição; o pagamento da indemnização ao lesado (pelo dano de perda total), que lhe permita adquirir um veículo para substituir o veículo sinistrado.
IV - Provando-se que o lesado não tinha condições económicas para adquirir um veículo em substituição daquele que sofreu perda total, a situação de privação de uso apenas poderá terminar com a entrega pela seguradora de um veículo de substituição, ou com o pagamento da indemnização ao lesado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 944/18.3T8PFR.P1

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 8.07.2018, B… e mulher C…, e D…, intentaram no Juízo Local Cível de Paços de Ferreira, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a Companhia de Seguros E…, formulando os seguintes pedidos de condenação da ré:
a) Deve a R. ser condenada a proceder à reparação integral do “LL”, propriedade dos 1ªs AA., deixando-o nas exatas condições em que o mesmo se encontrava antes do descrito acidente.
Na eventualidade de se entender que não é possível proceder-se à reparação integral do “LL”, ou que tal reparação se apresente manifestamente excessiva:
b) Deve a R. ser condenada a pagar aos 1ºs AA. a quantia de € 5.500,00 (cinco mil euros) a título de indemnização pela perda total do “LL”.
Em qualquer caso,
c) Deve a R. ser condenada a pagar aos 1ºs AA. a quantia de € 10.900,00 (euros), a título de dano por privação de uso do “LL”, bem como devem ser condenadas nas quantias que se vencerem a esse título, à razão diária de € 10,00, até à data da efetiva e integral reparação do “LL”, bem como nos juros de mora, calculados à taxa legal, que se vencerem até à data do efetivo e integral pagamento.
d) Deve a R. ser condenada a pagar a 2ª A. a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros legais que se vencerem desde a data da presente ação até à data do efetivo e integral pagamento
Alegaram, em síntese, os autores, como suporte factual da sua pretensão: são donos de um veículo automóvel de marca e modelo Microcar Virgo, de matrícula ..-LL-..; no dia 15 de julho de 2015, o dito veículo era conduzido pelo 1.º autor, seguindo como sua acompanhante a sua filha D…; por volta das 15:20h., o referido “LL” encontrava-se a circular na faixa de rodagem da direita, da rua …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, sentido de marcha “Sul-Norte” – da freguesia … com destino à freguesia …; nessa mesma faixa de rodagem e sentido de marcha circulava o veículo de marca Citroen, matrícula ..-FH-.., propriedade da sociedade F…, Lda., conduzido por G…; a sociedade proprietária do “FH” havia transferido para a ré a responsabilidade civil pelo risco resultante da sua circulação; quando o “LL” se encontrava a circular na aludida faixa de rodagem, imbuído de uma velocidade não superior a 40 km/h, veio o “FH”, imbuído de uma velocidade não inferior a 80km/h., embater com a sua frente na traseira do “LL”; por força de tal embate o “LL” foi projetado no indicado sentido de marcha, só se tendo imobilizado cerca de 50 mts. Adiante; o embate ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na ré; do embate resultaram os danos peticionados.
Citada, veio a ré contestar, aceitando a existência do seguro e a ocorrência do acidente, impugnando, no entanto, a factualidade atinente à conduta alegadamente culposa da condutora do veículo seguro. Negou ainda que a autora D… seguisse no interior do veiculo sinistrado na ocasião do acidente bem como todos os factos atinentes aos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento foi peticionado.
Por despacho de 8.11.2018, foram os autores convidados a aperfeiçoar o seu articulado, de forma a suprir as omissões e contradições apontadas no referido despacho.
Em requerimento de 16.11.2018, vieram os autores corrigir parcialmente a sua petição, concluindo: «Posto isto, verifica-se efetiva contradição entre o valor indicado/alegado no art.º 23.º do articulado e o indicado na ali. b) do petitório. No pedido fez-se constar um valor errado, pois que, em conformidade com os factos alegados na P.I., antes se pretendia indicar o valor alegado no art.º 23.º - € 5.500,00».
Realizou-se audiência prévia em 14.03.2019, na qual: se fixou o valor da causa em € 17.400,00; se consideraram verificados todos os pressupostos formais que permitem o conhecimento do mérito dos autos; se identificou o objeto do litígio; se enunciaram os temas da prova; e se agendou a audiência de julgamento.
Realizou-se a audiência de julgamento em 9.07.2019, após o que, em 25.07.2019, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais julgo parcialmente procedente a presente acção e em consequência:
i) Condeno a Ré Companhia de Seguros E…, a pagar ao Autor B… a quantia de €3.236,78 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
ii) Condeno a Ré Companhia de Seguros E…, a pagar a Autora D… a quantia de €1.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até efectivo e integral pagamento;
iii) Absolvo da Ré do demais peticionado na presente acção;
iv) Custas pelo Autor B… na proporção de 80,3%, pela Autora C… em 100% e pela Ré em 26,4% (art. 527.º, nº1, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário.».
Não se conformou o autor B…, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
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A ré apresentou resposta às alegações de recurso do autor, pugnando pela sua total improcedência.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto;
ii) reponderação do mérito jurídico da sentença, no que respeita ao segmento impugnado – indemnização por dano de privação de uso do veículo - tendo em conta o resultado da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.

2. Impugnação da decisão da matéria de facto
2.1. Definição do objeto da impugnação
O recorrente impugna parcialmente o facto vertido no ponto 18 do elenco factual provado, do qual consta: «18. O Autor B… ficou privado do veículo desde o dia em que ocorreu o referido acidente até 06-08-2015».
Alega o recorrente que não se provou a limitação temporal «até 06-08-2015», antes se tendo provado que a privação de uso do veículo se verificou atá à “atualidade”, como em coerência decorre dos pontos factuais 19 e 20, dos quais consta: 19. Desde então que o Autor B… e a Autora C…, para viagens mais longas, recorrem a boleias de amigos e familiares, a quem ficaram, pelo menos, a dever “favores” e, na sua falta, recorrem a transportes públicos, mormente a táxi; 20. Além do mais, o Autor B… e a sua mulher ficaram impossibilitados de fazer as suas deslocações aos fins de semana, de passear, de se divertirem e de irem às compras aos locais habituais.
Alicerça o recorrente a sua divergência no depoimento da testemunha H…, e na alegada contradição do referido terminus da privação, no confronto com a factualidade vertida nos pontos 19 e 20, que se transcreveram.
Face ao exposto, concluímos que o âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto se restringe ao tempo de privação do uso do veículo, cumprindo-nos reponderar a prova com vista á definição do referido âmbito temporal.
2.2 Apreciação da impugnação
2.2.1. Fundamentação da decisão recorrida
Transcreve-se a motivação exarada na sentença:
«O depoimento de H…, dono da oficina “I…” revelou-se pouco consistente e pouco claro. Na realidade, começou por dizer que não tinha feito qualquer orçamento do valor da reparação e que teria de desmontar o veículo “LL” para o poder dar, mas o carimbo da sua oficina foi aposto no boletim de perda total, junto a fls. 81 dos autos, do qual consta como valor estimado de reparação o dado como provado em 27., €3.006,78.
Por outro lado, a aludida testemunha conduziu a que o Tribunal considerasse como demonstrada a factualidade vertida no ponto 18., ou seja, que o Autor B… ficou privado do veículo desde o dia em que ocorreu o referido acidente até 06-08-2015, data em que foi concluída a peritagem e assinado o boletim de perda total.
Na verdade, pese embora tenha sido alegado que o Autor se encontrava privado de utilizar o veículo até à presente data por causa do acidente, a testemunha H… referiu que o veículo terá estado na sua oficina cerca de 3 anos e depois, quando a fechou, pediu ao Autor para ir buscar o veículo, o mesmo esteve uns dias cá fora e desapareceu, tendo sido roubado ou levado por sucateiros.
Ora esta testemunha, como já referido, prestou um depoimento muito pouco seguro e portanto a indicação vaga de que o veículo esteve na sua oficina cerca de 3 anos após o acidente não pode ter-se sem mais como provada e cabia ao Autor demonstrar o período pelo qual esteve privado do veículo e se o está até hoje em consequência do acidente, o que não fez.
O que podemos ter por certo foi que o veículo foi peritado e que pelo menos entre o acidente e a peritagem o Autor o não utilizou por causa do acidente e nada mais.»
2.2.2. Reponderação da prova com referência aos factos impugnados
O recorrente alicerça a sua divergência no depoimento da testemunha H….
Ouvimos o depoimento na íntegra, e concluímos que, embora com alguma dificuldade de expressão, a testemunha foi coerente relativamente à questão suscitada no recurso.
Afirmou que tinha uma oficina – “I…” – e que o autor era seu cliente.
Esclareceu que o veículo sinistrado era um “quadriciclo”, mais conhecido por “papa-reformas”, apenas com dois lugares, utilizado “por pessoas que só tinham carta de motorizadas” (04:04), tratando-se de um veículo muito frágil, que “não pode andar a mais de 50 km por hora” (04:20).
Mais esclareceu que o veículo ficou na sua oficina e que “foi lá um perito fazer a peritagem” (08:22), mas que nunca lá apareceu qualquer averiguador da seguradora, para falar com ele (10:31).
Questionado sobre se os autores mandaram reparar o veículo, foi perentório na afirmação, que repetiu várias vezes, de que os autores não mandaram reparar o veículo porque “era uma família pobre”, sem dinheiro para o efeito (14:38), afirmando que não reparou o veículo porque a seguradora não o autorizou e porque os autores não tinha possibilidades económicas (15:15).
Confirmou que foi um funcionário da oficina que assinou o impresso da “perda total” e que nele pôs o carimbo da oficina, tudo com o seu conhecimento (17:13 – 19:05).
Para justificar a sua afirmação sobre a falta de recursos financeiros dos autores, afirmou que estes lhe ficaram a dever “à beira de quatrocentos euros” referentes a uma reparação anterior (19:15).
Acerca do tempo de paralisação do veículo afirmou. “tive o carro lá dentro da oficina, mais de três anos” (21:40), esclarecendo que quando fechou a oficina pôs o veículo dos autores na rua e telefonou “à Dona C…” (autora) para ir buscar o carro, o qual ali ficou durante dois dias, tendo “desaparecido” ao terceiro dia, tendo sabido nessa altura que os autores não foram lá buscar o veículo (20:43 – 21:11).
Mais esclareceu que nessa altura o autor tinha ido a França (onde tinha filhos emigrados) para tratar dum problema de saúde, e que mais tarde lhe telefonou a perguntar pelo carro, tendo a testemunha respondido que não sabia do seu paradeiro, sendo certo que não estava em condições de circular, até porque a testemunha conservava ainda na sua posse os documentos do veículo que lhe haviam sido entregues pelo autor (23:30 – 25:30).
2.2.3. Análise crítica da prova produzida nos autos referente ao segmento impugnado
Parece não restarem dúvidas de que a privação de uso do veículo ocorreu a partir da data do acidente, sem que o autor tenha adquirido um veículo de substituição – veja-se o facto provado 15[1] - e sem que a ré tenha entregue qualquer veículo de substituição ou pago a indemnização referente à perda total do veículo.
Acresce que se verifica a contradição apontada pelo recorrente, no confronto da limitação temporal ínsita no facto 18 [privação do veículo apenas até à data da peritagem], com o teor do facto provado n.º 14: «O “LL” era o único veículo automóvel que o Autor B… possuía e, desde a data do descrito acidente que não dispõe de qualquer outro veículo automóvel».
Face ao exposto, ressalvado todo o respeito devido, não podemos concordar com a conclusão enunciada pela Mª Juíza no sentido de que a paralisação terá ocorrido apenas entre a data do acidente e a data da realização da peritagem – 6.08.2015.
Com efeito, não foi alegado pela recorrida qualquer entrega de veículo de substituição nem qualquer pagamento que permitisse ao recorrente adquiri-lo, antes se tendo provado que o recorrente não tinha qualquer possibilidade de o fazer, face à sua débil situação económica.
Em suma, com a realização da peritagem nada se alterou, mantendo-se os autores privados do uso do seu veículo, perante a impossibilidade de adquirir um outro e a recusa da ré em assumir a sua responsabilidade, procedendo ao pagamento da indemnização devida.
Acresce que se provou ainda (sem impugnação): «Desde então que o Autor B… e a Autora C…, para viagens mais longas, recorrem a boleias de amigos e familiares…» [facto 19].
Da formulação dos pontos factuais 14 e 19 se depreende que se verifica a continuidade da privação do uso do veículo muito para além da data da peritagem – definitivamente, ou, pelo menos, até à data da sentença.
Decorre do exposto, que se deverá ter por procedente a impugnação, alterando-se o facto 18, de forma a que espelhe a prova produzida nos autos, passando a ter a seguinte redação:
18. O Autor B… ficou privado do veículo desde o dia em que ocorreu o referido acidente, sem possibilidade de adquirir qualquer veículo em substituição do veículo sinistrado, face à sua debilidade económica referida nos pontos 15 e 16.
Há, no entanto, um facto instrumental, que se colhe do depoimento da testemunha ouvida sobre esta matéria, e que se deverá considerar relevante e adquirido, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil: o veículo esteve na oficina cerca de três anos, tendo o autor tido um problema de saúde que o levou a tratar-se em França, durante um período indeterminado, onde tinha filhos emigrados, e que e que durante tal período o impediu de conduzir o veículo sinistrado ou qualquer outro.

3. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte factualidade relevante provada:
1. O Autor B… é dono e legítimo proprietário de um veículo automóvel de marca e modelo Microcar Virgo, de matrícula ..-LL-.., a gasolina, com 500 cm3 de cilindrada.
2. No dia 15 de julho de 2015, o dito veículo era conduzido pelo aqui 1º A. marido, sendo que, como sua acompanhante, seguia a Autora D….
3. Por volta das 15:20h., o referido “LL” encontrava-se a circular na faixa de rodagem da direita, da rua …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, sentido de marcha “Sul-Norte” – da freguesia … com destino à freguesia ….
4. Nessa mesma faixa de rodagem, e mesmo sentido de marcha do “LL”, circulava o veículo de marca Citroen, matrícula ..-FH-.. – doravante “FH” - propriedade da sociedade F…, Lda., com sede na Rua …, …, freguesia … e conduzido por G…, residente na Rua …, …, Freguesia …, concelho de Lousada.
5. Sendo que esta sociedade havia transferido para a R. a responsabilidade civil pelo risco resultante da circulação do “FH” através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ……..
6. Quando o “LL” se encontrava a circular na aludida faixa de rodagem, imbuído de uma velocidade não superior a 40 km/h, próximo da habitação com o número de polícia …, veio o “FH”, imbuído de uma velocidade superior a 50km/h, embater com a sua frente na traseira do “LL”.
7. Por força de tal embate o “LL” foi projetado no indicado sentido de marcha, só se tendo imobilizado cerca de 33,60 metros adiante.
8. Aquando do acidente o piso encontrava-se seco e em bom estado, não padecendo de qualquer deformidade ou irregularidade, possuindo a via cerca de 3,80 mts de largura.
9. A condutora do “FH” ia com distração na condução, e apesar de na faixa de rodagem contrária não circular qualquer outro veículo, a condutora do “FH” não chegou a esboçar qualquer manobra de desvio ou de travagem no sentido de evitar o acidente.
10. O acidente, por ter ocorrido de forma repentina e absolutamente inesperada, não permitiu que o 1º Autor B… adotasse qualquer comportamento para o evitar.
11. À data do acidente o “LL” encontrava-se em perfeito estado de conservação e segurança, não padecendo de quaisquer vícios ou defeitos que diminuíssem o seu valor, não ostentando relevantes sinais de desgaste.
12. Como consequência direta e necessária do embate, o “LL” sofreu múltiplos danos materiais, tendo a sua traseira ficado totalmente destruída e inutilizada, nomeadamente o para choques, mala, farolins e pneus traseiros.
13. Também as suas partes laterais ficaram danificadas e amolgadas e os bancos onde seguiam os AA. ficaram partidos e desalinhados.
14. O “LL” era o único veículo automóvel que o Autor B… possuía e, desde a data do descrito acidente que não dispõe de qualquer outro veículo automóvel.
15. Os Autores B… e C… não dispunham, nem dispõem, de meios financeiros que lhe permitissem adquirir qualquer outro veículo, pois que são pessoas de parcos recursos económicos.
16. Os Autores B… e C… vivem em casa arrendada, sendo o primeiro reformado, auferindo mensalmente, à título de pensão, a quantia de € 368,10 e a segunda é doméstica, não auferindo qualquer rendimento.
17. O “LL” era diariamente utilizado pelo Autor B… quer para as suas viagens de recreio, quer para o transporte dos seus familiares e amigos.
18. O Autor B… ficou privado do veículo desde o dia em que ocorreu o referido acidente, sem possibilidade de adquirir qualquer veículo em substituição do veículo sinistrado, face à sua debilidade económica referida nos pontos 15 e 16.
19. Desde então que o Autor B… e a Autora C…, para viagens mais longas, recorrem a boleias de amigos e familiares, a quem ficaram, pelo menos, a dever “favores” e, na sua falta, recorrem a transportes públicos, mormente a táxi.
20. Além do mais, o Autor B… e a sua mulher ficaram impossibilitados de fazer as suas deslocações aos fins de semana, de passear, de se divertirem e de irem às compras aos locais habituais.
21. Como consequência direta e necessária do acidente de viação supra descrito, a Autora D… sofreu lesões, designadamente, grande traumatismo no cotovelo - contusão do membro inferior direito e membro superior direito.
22. A Autora D… foi socorrida no Hospital …, onde deu entrada no serviço de urgência no dia do sinistro.
23. Aquando do acidente e nos dias que se seguiram, a Autora D… padeceu de fortes dores, que se agudizavam com os normais movimentos do corpo.
24. Aquando do acidente Autora D… encontrava-se grávida de 24 semanas da sua filha J…, nascida no dia 27 de novembro de 2015.
25. Por esse facto, a Autora D… sempre sentiu enorme receio de não conseguir levar a gravidez até ao seu final, pelo que, até à data do parto, sofreu enorme angústia e ansiedade.
26. Até ao nascimento da sua filha, Autora D… andou nervosa, inquieta, com dificuldade em adormecer e, quando adormecia, acordava inúmeras vezes sobressaltada.
27. Atendendo ao seu estado em que se encontrava à data do acidente, o “LL” tinha um valor de Mercado de cerca de €2500,00, sendo o valor da eventual reparação de €3.006,78 e o valor do salvado de €195,00.
28. Com o acidente dos autos, o veículo “LL” ficou gravemente afetado nas suas condições de segurança sendo desaconselhável tecnicamente a sua reparação.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente os que a seguir se enunciam:
a) O veiculo referido em 1. também pertence também à Autora C….
b) O veiculo “FH” seguia a velocidade não inferior a 80km/h.
c) A imobilização referida em 7. foi a 50 metros adiante. d) Ao nível de estética – interior e exterior –, o veículo encontrava-se em estado irrepreensível.
e) Por causa do acidente é que o Autor B… está privado da utilização do veículo até à presente data.
f) O valor de mercado do veículo do Autor era nunca inferior a € 4.500,00, sendo que por este valor não é possível ao Autor B… adquirir no mercado um veículo idêntico ao “LL”.
g) O valor da eventual reparação era de €3.608,14.

4. Fundamentos de direito
Consta da fundamentação jurídica da sentença recorrida:
«O Autor B… peticionou, ainda, €10.900,00, a título de indemnização do dano de privação de uso do veículo (1090 dias, à razão diária de €10,00).
A privação do uso do veículo, em virtude de acidente de viação, constitui, em si, um dano reparável, na medida em que, ilicitamente, por acção do lesante, fica o titular do veículo privado da possibilidade de o usar, de o desfrutar, de retirar dele as utilidades que pode propiciar como coisa sua (quer na vida profissional, quer nos momentos de lazer) (cfr., a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação do Porto de 29.01.2009, Proc. n.º 0837427, disponível em www.dgsi.pt).
Como afirma A. Abrantes Geraldes [Indemnização do Dano da Privação do Uso, 39], “a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” dos poderes inerentes ao proprietário.
Nestas circunstâncias, não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização. E mesmo que se considere que a situação não atinge a gravidade susceptível de merecer a sua inclusão na categoria de danos morais, nos termos do art. 496º nº 1 do CC, é incontornável a percepção de que entre a situação que existia se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada.”.
Sem embargo de alguma divergência quanto à qualificação do dano – que segundo alguns constitui para o lesado um dano não patrimonial, enquanto que, para outros, constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial - tem vindo a acentuar-se, na jurisprudência, a tendência no sentido de aceitar que a privação do uso normal do veículo constitui dano e que o lesado tem direito a indemnização, calculada, nos termos do art. 556º, nº 3, do C.Civil (ou então dos arts. 496º, nº 1 e 494º) por apelo à equidade.
No caso dos autos resultou apenas provado que o Autor B… ficou privado do veículo desde o dia em que ocorreu o referido acidente até 06-08-2015.
Assim, dúvidas não restam que a referida imobilização do veículo do autor, em consequência do acidente, constitui dano indemnizável, conforme acima exposto.
A medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado utilizar o seu veículo nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.
Recorrendo aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o dos autos em que a indemnização devida ao lesado pela paralisação diária de um veículo deverá ser ponderada à luz de critérios de equidade - de que constituem exemplos o Ac. do STJ de 09.03.2010, em que o valor considerado foi de €10,00 euros diários; o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 em que se considerou também o valor de €10,00 euros por dia de paralisação, o acórdão da Relação de Coimbra, de 02.03.2010 no qual foi fixada a quantia de € 8,00 por dia de privação, e, ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 no qual foi considerada também aquantia de €10,00 por dia, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt, julga-se justo e adequado fixar um quantitativo diário de €10,00 (dez euros).
Assim, relativamente à indemnização do dano de privação de uso do veículo, o Autor B… tem direito a receber a quantia de €230,00, correspondente a 23 dias à taxa diária de €10,00.».
O recorrente discorda e pede, nesta sede recursória, a alteração do decidido, no sentido de ser fixada a indemnização peticionada: € 10.900,00.
Cumpre decidir.
A jurisprudência dos tribunais superiores não se revelou pacífica durante largo período, quanto à questão da privação de uso de veículo na sequência de acidente de viação, dividindo-se de acordo com três diversas teorias: i) atribuição de indemnização ao lesado apenas se este fizer prova efetiva da existência de prejuízos; ii) rejeição da indemnização quando apenas se prove a paralisação do veículo; e ii) atribuição de indemnização com fundamento na simples privação de uso do veículo, independentemente da prova efetiva de danos materiais[2].
Afirmou-se, entretanto, como claramente maioritária a tese da aceitação da indemnização autónoma da privação do uso, como lapidarmente se sintetiza no sumário do acórdão do STJ, de 25.09.2018 [processo n.º 2172/14.8TBBRG.G1.S1]: «A jurisprudência do STJ, depois de algumas divergências, passou a reconhecer, sem qualquer espécie de hesitação, o direito de indemnização relativamente a situações de privação do uso do veículo em que este é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do mesmo foi causa de despesas acrescidas»[3].
Tratando a questão com a profundidade teórica que a mesma merece, Abrantes Geraldes [in Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, - Indemnização do Dano da Privação do Uso, 3.ª edição revista e atualizada, Almedina, 2007, pág. 79 e 80] chama a atenção para o facto de a tese de negação do direito de indemnização dar por adquirido um facto que não se pode considerar assumido: o de que, na ausência de prova de prejuízos efetivos decorrentes da privação, não existiria qualquer outro dano, sendo certo que a privação do uso constitui um prejuízo de natureza patrimonial, na medida em que, ao menos, retira ao proprietário a possibilidade de fazer uso dos poderes de fruição que lhe advêm dessa qualidade jurídica durante um determinado período de tempo que, se acaso não for compensado, jamais terá retorno.
Na mesma obra [pág. 91], refere o autor citado: «Mesmo quando se trate de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade dos danos, tendo em conta a mera indisponibilidade do bem, sem embargo de, quanto aos lucros cessantes, se apurar que a paralisação nenhum prejuízo relevante determinou, designadamente por terem sido utilizadas outras alternativas menos onerosas e com semelhante comodidade, ou, face à constatação de que o veículo não era habitualmente utilizado»[4].
O dano da privação do uso deverá assim ter em conta o facto de a livre disponibilidade do bem (veículo) constituir uma das vertentes do direito de propriedade, como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 20.12.2017 [processo n.º 1817/16.0T8LSB.L1-2]: «A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade.»[5].
Tecidas as considerações que antecedem, é tempo de reverter à situação concreta em debate nos autos, não esquecendo que se provou a frequente utilização do veículo pelos autores e a necessidade que passaram a ter, de recorrer aos amigos e familiares para se fazerem transportar, tendo ficado impossibilitados de realizar as habituais deslocações aos fins de semana[6].
Em suma, provou-se a utilização habitual do veículo e a posterior privação do seu uso[7].
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 5.07.2018 [processo n.º 176/13.7T2AVR.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes], o facto de o veículo sinistrado ser usado pelo lesado na sua vida particular não pode deixar de determinar a atribuição de uma indemnização respeitante ao período em que perdurou a privação do uso, devendo ter-se em conta como critério de determinação do valor da indemnização, a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo ou se a seguradora tivesse procedido à entrega ao lesado, de um veículo de substituição, ponderando-se o valor que esta suportaria com o aluguer de um veículo que desempenhasse uma funcionalidade semelhante àquela que desempenhava o veículo sinistrado, com recurso à equidade em face das demais circunstâncias[8].
Haverá que considerar como relevante para a definição da medida da indemnização, in casu, o manifesto e reprovável alheamento da seguradora, relativamente aos danos provados sofridos pelos lesados – vide factos 14, 15, 17, 19 e 20.
Com efeito, perante tais danos, a seguradora nada fez: não colocou qualquer veículo de substituição à disposição dos lesados, nem pagou a indemnização que lhes permitiria a aquisição de um outro veículo.
Tendo-se concluído pela obrigação de indemnização, haverá que fixar o seu montante.
Para o efeito, deveremos começar por definir o âmbito temporal da privação, nas situações, como a dos autos, de perda total do veículo.
Afigura-se-nos pacífico o critério a adotar, tal como se enuncia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.12.2012 [processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1]: «A inutilização e perda total de veículo confere ao seu proprietário não só o direito à sua substituição, ou indemnização pelo respectivo valor, como também a ser indemnizado pelo uso de que foi privado no período compreendido desde a data do acidente até à data de entrega do veículo de substituição ou pagamento daquela indemnização (privação do uso)»[9].
Em suma, há apenas três possibilidades de pôr termo ao período de privação nas situações de perda total: a aquisição pelo lesado de um veículo de substituição; a entrega pela seguradora de um veículo de substituição; o pagamento da indemnização ao lesado (pelo dano de perda total), que lhe permita adquirir um veículo para substituir o veículo sinistrado.
Recapitulamos o que de relevante se provou nos autos:
14. O “LL” era o único veículo automóvel que o Autor B… possuía e, desde a data do descrito acidente que não dispõe de qualquer outro veículo automóvel.
15. Os Autores B… e C… não dispunham, nem dispõem, de meios financeiros que lhe permitissem adquirir qualquer outro veículo, pois que são pessoas de parcos recursos económicos.
17. O “LL” era diariamente utilizado pelo Autor B… quer para as suas viagens de recreio, quer para o transporte dos seus familiares e amigos.
18. O Autor B… ficou privado do veículo desde o dia em que ocorreu o referido acidente, sem possibilidade de adquirir qualquer veículo em substituição do veículo sinistrado, face à sua debilidade económica referida nos pontos 15 e 16.
19. Desde então que o Autor B… e a Autora C…, para viagens mais longas, recorrem a boleias de amigos e familiares, a quem ficaram, pelo menos, a dever “favores” e, na sua falta, recorrem a transportes públicos, mormente a táxi.
20. Além do mais, o Autor B… e a sua mulher ficaram impossibilitados de fazer as suas deslocações aos fins de semana, de passear, de se divertirem e de irem às compras aos locais habituais.
Mais se provou um facto instrumental, que se colhe do depoimento da testemunha H… [dono da oficina “I…”], indicado pelo recorrente como suporte da sua divergência quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, que se deverá considerar relevante e adquirido, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil: o veículo esteve na oficina cerca de três anos, tendo o autor tido um problema de saúde que o levou a tratar-se em França, durante um período indeterminado, onde tinha filhos emigrados, o que durante tal período o impediu de conduzir o veículo sinistrado ou qualquer outro.
O recorrente pede a condenação da recorrida no pagamento da quantia diária de € 10,00, desde a data do acidente (15.06.2015), até à data da entrada da petição (8.07.2018).
O valor diário não peca por excessivo – veja-se, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 13.07.2017 [processo n.º 188/14.3T8PBL.C1.S1], no qual se considera adequado, em consonância com o valor fixado pela Relação no acórdão recorrido, para efeitos de cálculo da indemnização, com recurso à equidade, o valor diário de € 30,00.
No entanto, face ao facto adicional/instrumental provado, consideramos que se deverá atenuar o referido valor, de acordo com critérios de equidade, fixando-o em € 5.000,00.
Procede, nessa medida, o recurso, devendo revogar-se a sentença no segmento impugnado.
Em consequência de tal revogação parcial, deverá a ré ser condenada a pagar ao autor a quantia de € 5.236,78 a título de danos patrimoniais [no dispositivo da sentença recorrida consignou-se a condenação da ré no valor de € 3.236,78, correspondente à soma do valor de € 3.006,78 (do dano sofrido no veículo – perda total) acrescida do valor de € 230,00 (do dano por privação de uso do veículo)].
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III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, ao qual concedem parcial provimento, revogando a sentença no segmento impugnado e em consequência, em condenar a ré a pagar ao autor, a título de indemnização por dano de privação de uso do veículo, a quantia de € 5.000,00, pelo que se altera o ponto i) da sentença, do qual passa a constar: «i) Condena-se a ré Companhia de Seguros E…, a pagar ao autor B… a quantia de € 5.236,78 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento».
No mais se mantém a sentença recorrida, considerando que nem sequer foi objeto de recurso relativamente às restantes verbas indemnizatórias.
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Custas do recurso pelo recorrente e recorrida, na proporção dos decaimentos.
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Porto, 27.01.2020
Carlos Querido
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Do qual consta: «15. Os Autores B… e C… não dispunham, nem dispõem, de meios financeiros que lhe permitissem adquirir qualquer outro veículo, pois que são pessoas de parcos recursos económicos.».
[2] Vide Abrantes Geraldes, in Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, - Indemnização do Dano da Privação do Uso, 3.ª edição revista e atualizada, Almedina, 2007, pág. 48 e seguintes.
[3] Já nesse sentido ia o acórdão do STJ, de 9.07.2015 [processo n.º 13804/12.2T2SNT.L1.S1], sumariado nestes termos: «A privação do uso de um veículo automóvel, em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação, constitui um dano autónomo, indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor, inerente à propriedade que o art. 1305.º do CC lhe confere, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava». Este, bem como todos os arestos jurisprudenciais adiante citados, encontram-se disponíveis no site da DGSI.
[4] Da conclusão enunciada não decorre a ausência do dever de indemnizar por parte do lesante, considerando que o autor citado alicerça a sua posição com base na aplicação direta da teoria da diferença, considerando não só os lucros cessantes, mas também os danos emergentes [ob cit pág. 90].
[5] No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 12.07.2018 [processo n.º 3.664/15.T8VFX.L1-6], assim sumariado: «I - A mera privação do uso do veículo configura um dano patrimonial específico e autónomo que atinge o direito de propriedade, por retirar ao proprietário lesado a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela quando e como melhor lhe aprouver. II - A lesão patrimonial decorrente da perda dessa possibilidade de utilização do veículo é passível de avaliação pecuniária, devendo recorrer-se à equidade na falta de prova de danos efectivos causados pela privação do uso do veículo».
[6] Tendo-se provado, com particular relevância: 17. O “LL” era diariamente utilizado pelo Autor B… quer para as suas viagens de recreio, quer para o transporte dos seus familiares e amigos. 19. Desde então [da data do acidente] que o Autor B… e a Autora C…, para viagens mais longas, recorrem a boleias de amigos e familiares, a quem ficaram, pelo menos, a dever “favores” e, na sua falta, recorrem a transportes públicos, mormente a táxi.
20. Além do mais, o Autor B… e a sua mulher ficaram impossibilitados de fazer as suas deslocações aos fins de semana, de passear, de se divertirem e de irem às compras aos locais habituais.
[7] No acórdão do STJ, de 12.07.2018, mesmo afirmando-se que a mera privação do uso da coisa não é indemnizável, conclui-se que bastará ao lesado alegar e provar a privação do uso da coisa por ato ilícito de terceiro e a existência de uma concreta utilização relevante da coisa.
[8] Mais se conclui no citado aresto, que o facto de a privação do uso do veículo ter provocado ao lesado forte perturbação da sua vida e o de, por causa do acidente, ter ocorrido perturbação no gozo de férias do lesado e sua família que se encontrava agendado, são merecedores da tutela do direito a título de danos não patrimoniais.
[9] Referem-se neste acórdão “os deveres laterais” do lesado, como “deveres de comportamento ligados ao crédito indemnizatório, impostos pela boa fé, como o seja a existência de um dever, a cargo do lesado, de atenuar e mitigar ou, pelo menos, não agravar as consequências do dano, deixando prolongar o tempo de imobilização para depois reclamar a indemnização correspondente, sobretudo nos casos em que a responsabilidade civil permanece controvertida”. No caso dos autos, não se provou qualquer violação dos referidos deveres por parte do lesado, que não adquiriu outro veículo, por não ter condições económicas para o fazer.