Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2416/15.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
TEMPESTIVIDADE
MULTA PELA APRESENTAÇÃO NO 2º DIA ÚTIL
Nº do Documento: RP201702132416/15.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 02/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 251, FLS.143-149)
Área Temática: .
Sumário: I - A dedução da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, a que alude o artigo 33.º da Lei 107/09, de 14 de Setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de Segurança Social, apesar de inserido em secção denominada “fase judicial”, ainda se insere na fase administrativa.
II - Não existindo na Lei 107/09 norma expressa remissiva quanto à forma de prática dos actos, na falta de regulamentação na citada Lei, haveremos de recorrer aos diplomas legais para que remete subsidiariamente, assim, também por ausência no RGCO dessa regulamentação, o que se dispõe no CPP e neste, no n.º 1 do seu artigo 103.º, mas também, pela mesma razão, no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigos 107.º, n.º 5, e 107.º-A, ambos do CPP.
III - Sendo essa também a interpretação que se mostra mais conforme com as disposições legais em presença, bem como com a evolução legislativa sobre contagem dos prazos no âmbito do procedimento contraordenacional, como ainda no criminal e civil, mal se compreenderia que, até porque perante acto praticado na fase administrativa do processo, negando-se legalmente o recurso subsidiário ao regime previsto em geral para actos administrativos (e correspondente Código), se negasse ao mesmo tempo a aplicação do regime processual civil quanto à forma de prática dos actos, por remissão do CPP, quando inexiste norma quer no RPCOLSS quer no RGCO que esses regule expressamente.
IV - Sob pena de incoerência do sistema, até porque estamos perante acto praticado na fase administrativa do processo em que se nega legalmente o recurso subsidiário ao regime previsto em geral para actos administrativos (e correspondente Código), não deve negar-se a aplicação do regime processual civil quanto à forma de prática dos actos, por remissão do CPP, quando inexiste norma quer no RPCOLSS quer no RGCO que esses regule expressamente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 2416/15.9T8VFR.P1
Tribunal da Comarca de Aveiro, 4.ª Secção de Instância Central do Trabalho de Santa Maria da Feira
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Relator: Nélson Fernandes
Adjunto: Domingos José de Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. A arguida, B…, Lda. veio impugnar judicialmente a decisão administrativa da Autoridade para as Condições do Trabalho (de ora em diante, designada apenas por ACT), que lhe aplicou, por decisão datada de 11.05.2015, a coima de 3060,00€ (cfr. fls. 72).

1.1. Com data de 22 de Outubro de 2015, foi proferido despacho com o teor seguinte:
“A sociedade arguida e recorrente nestes autos, «B…, Lda. veio impugnar judicialmente a decisão administrativa da «ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho», sendo que esta última, por decisão datada de 11.05.2015, condenou aquela na coima de 3060,00€ (cfr. fls. 72).
A ora recorrente e sociedade arguida foi notificada dessa decisão, por via postal registada com aviso de recepção em dia 15.05.2015 (cfr. fls, 75/ e art.º 8, na 3, da Lei na 107/2009, de 14 de Setembro).
No dia 11.05.2015, e na qualidade de responsável solidário pelo pagamento da coima, o legal-representante da recorrente, C… notificado da decisão administrativa em 15.05.2015, por via postal registada com aviso de recepção, (art.º 8, na 3, parte final, da Lei na 107/2009, de 14 de Setembro).
A impugnação judicial pode ser apresentada no prazo de 20 dias a contar dessa notificação (art.º33 da Lei n.º107/99 de 14.09).
Reza o art.º 6 do mesmo diploma legal que :«1 - A contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal. 2 - A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias.»
Cumpre ainda ter por referência que o art.º 104, nº 1, do Código de Processo Penal estipula que se aplicam as leis do processo civil à contagem dos prazos para os actos processuais, e que o art.º 144 do Código de Processo Civil prevê a regra da continuidade dos prazos.
Tal entendimento legislativo é ainda confirmado pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n° 5/2013, de 17 de Janeiro de 2013, o qual clarificou que o referido prazo, face ao estipulado no art.º 6, nº 1, da Lei n° 107/2009, corre de modo continuo, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados.
Face ao exposto, e atendendo ao critério consignado, os prazos para interposição do recurso de impugnação da decisão da ACT terminaram, respetivamente:
- no dia 4 de junho de 2015 no que concerne à recorrente sociedade;
- no dia 04.06.2015 no que concerne ao representante legal da arguida.
Compulsados os autos verifica-se que a impugnação judicial apresentada e subscrita pela arguida e pelo seu legal-representante foi remetida pelo correio no dia 08.06.2015.
Por tudo o exposto, cumpre considerar que a impugnação judicial de fls. 81 e ss. apresentada pela arguida é extemporânea pelo que vai a mesma rejeitada - art.º38 n° 1, da Lei n° 107/2009, de 14 de Setembro.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.»

2. A arguida, notificada do aludido despacho veio interpor o presente recurso, apresentando as suas alegações em que formula as seguintes conclusões:

“1.ª Os arguidos foram notificados por carta registada com aviso de receção, a que os serviços postais atribuíram os códigos RD55783278PT e RD557832764PT.
2.ª As notificações foram recebidas em 19 de maio de 2015, CFR, conforme consta da informação pública disponível em www.ctt.pt que se junta (doc,s 1 e 2).
3.ª O prazo de impugnação, nos termos do artigo 33.º da Lei n.º 107/2009 era de 20 dias, terminando em 6 de junho de 2015.
4.ª Em 8 de junho de 2015, a R. remeteu, por via postal registada, o requerimento de impugnação judicial (doc. 3).
5.ª Assim sendo, foi tempestivamente apresentada a impugnação judicial.
6.ª O douto despacho recorrido foi proferido sem exercício do contraditório.
7.ª O douto despacho recorrido fez, pois, errada aplicação do disposto no artigo 33º da Lei nº 107/2009.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido e admitindo-se como tempestiva a impugnação judicial deduzida.»

3. Por despacho de 7 de Setembro de 2016, foi proferido o seguinte despacho:

«Por legal, tempestivo, interposto por quem para tal tem legitimidade e contendo a respectiva motivação, admito o recurso interposto pela arguida a fls. 116 e ss, o qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 49º/1/d) e 50º/1 da Lei 107/2009, de 14/09, e 401º/1/b), 411º, 414º, 406º/1, 407º/2/a) e 408º “a contrario”, todos do CPP).
*
Notifique, nos termos e para os efeitos do artigo 411º, nº 6, do CPP e, oportunamente, remeta os autos ao Tribunal da Relação do Porto.»

4. O Ministério Público respondeu, concluindo nos seguintes termos:
“1ª Como se depreende da análise dos autos, designadamente de fls. 75V, 80V e 136, é inequívoco que a recorrente foi notificada da decisão administrativa no dia 15 de Maio de 2015.
2ª Esse facto é do perfeito conhecimento da recorrente, uma vez que foi o próprio legal representante da mesma a assinar a notificação, sendo que foi também notificado no mesmo momento, a título pessoal.
3ª O facto de, a posteriori, os C.T.T. terem, por lapso, inserido no sistema informático o dia 19 de Maio de 2015 como tendo sido o dia da notificação é irrelevante. Imaginemos que no sistema tinha sido inserido o dia 26 de Abril de 2015. A ser assim, o prazo para o recurso terminaria no dia 16 de Maio de 2015, apesar de a notificação apenas ter sido efectuada no dia anterior? Ou, numa perspectiva ainda mais exacerbada, imaginemos que o lapso tinha sido na inserção do ano e não do dia e que aparecia a data de 15 de Maio de 2016. Teria a recorrente um prazo de um ano e 20 dias para apresentar a sua impugnação judicial? Parece - nos manifesto que não.
4ª De acordo com o disposto no artº 8, nº 3, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, a notificação considera-se efectuada no dia em que é assinado o aviso de recepção. Por sua vez, o artº 33, nº 2, do mesmo diploma legal, estabelece que a impugnação judicial pode ser apresentada no prazo de 20 dias a contar dessa notificação.
5ª Assim sendo, in casu, o prazo para a impugnação judicial terminava no dia 04 de Junho de 2015. Ora, como se depreende da análise de fls. 104, a impugnação judicial apresentada pela aqui arguida foi remetida pelo correio no dia 08 de Junho de 2015, ou seja, já depois de concluído o mencionado prazo.
6ª A impugnação judicial de uma decisão administrativa é um acto que ainda integra a fase administrativa (e não judicial) do processo de contra-ordenação. A fase judicial só se inicia com a apresentação do processo ao juiz, nos termos do artº 37 da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro. E só a partir desse momento faz sentido a aplicação de normas claramente destinadas à fase judicial, como seja a do artº 139, nº 5, do Código de Processo Civil.
7ª O artº 6, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, apenas faz aplicar às contraordenações laborais e de segurança social as normas do processo penal (e, ex vi do artº 104, nº 1, do Código de Processo Penal, as normas do processo civil) respeitantes à contagem de prazos para a prática de actos processuais.
8ª A prática de actos em dias subsequentes ao término desse prazo não se encaixa nessa situação. Aliás, tanto assim é que o Código de Processo Penal, apesar de ter uma previsão em tudo idêntica ao artº 6, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro (mas para o Código de Processo Civil) - artº 104, nº 1 -, consagrou de forma expressa no seu artº 107, nº 5, que:
“Independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações”.
9ª É por força desta norma que em processo penal é aplicável o artº 139, nº 5, do Código de Processo Civil. Ora, não existe na mencionada Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, disposição de teor idêntico, pelo que é forçoso concluir pena não aplicabilidade de tal norma a esta situação.
10ª São perfeitamente distintos os valores e os bens jurídicos protegidos no direito processual civil, no direito processual penal, no direito processual laboral, no direito processual contra-ordenacional e no direito processual administrativo. Como tal, o facto de existirem diferentes previsões legais para os mesmos em nada viola o princípio constitucionalmente consagrado da igualdade, que apenas obriga a tratar de forma igual situações iguais.
11ª Por tudo o exposto, consideramos que o prazo previsto no artº 33, nº 2, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, não tem natureza judicial e, como tal, não lhe é aplicável o disposto no artº 139, nº 5, do Código de Processo Penal.
12ª Existem no nosso ordenamento jurídico várias disposições legais a impor ao decisor a aplicação do princípio do contraditório, como sejam o artº 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, o artº 61, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal, ou, de uma forma mais genérica, o artº 32, nºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa.
13ª Todas essas disposições legais visam impedir que o arguido seja confrontado com situações que desconhece, que sejam para si surpreendentes e das quais não possa, por esse motivo, defender-se atempada e convenientemente.
14ª Porém, in casu, manifestamente, isso não acontece, uma vez que não há, na decisão tomada pelo Tribunal, nenhum facto que não fosse já do conhecimento da recorrente.
15ª Ela sabe quando foi notificada da decisão administrativa em causa. Sabem quando foi apresentada a impugnação judicial. Sabe quais os prazos legais vigentes para esse efeito. A partir destes elementos, o Tribunal não podia tomar outra decisão que não fosse a rejeição da impugnação judicial apresentada.
16ª O artº 38º, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, impõe ao Juiz que, antes de se debruçar sobre o mérito da impugnação apresentada, avalie se a mesma o foi sem respeito pelas exigências de forma ou fora do prazo. Trata-se de um momento obrigatório de saneamento do processo. E não é exigível que, para isso, o Juiz tenha que indagar junto de todos os intervenientes processuais se os mesmos estão na posse de algum elemento que permita obter uma conclusão diversa da que é imposta pelos elementos que estão no processo e que são do conhecimento de todos.
17ª Não tendo sido carreado para o processo nenhum elemento novo e que não tenha sido tomado em conta na decisão recorrida, a procedência do recurso teria apenas como consequência a postergação da decisão. Ora, nenhuma garantia de defesa pode servir tal propósito. O exercício do direito do contraditório não pode ser apenas uma forma de atrasar o processo.
18ª Pelo exposto, consideramos que a decisão recorrida não contém nenhum elemento que fosse surpresa para a recorrente e que, como tal, não havia necessidade de a mesma se pronunciar novamente sobre os mesmos, não existindo assim qualquer violação do princípio do contraditório.
19ª Neste exacto sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16 de Junho de 2015, proferido no Processo nº 88/14.7T8SSB.E1, e consultado in www.dgsi.pt:
I – Os fundamentos da não aceitação da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa constam do artigo 63º, nº 1, do RGCO, e são: recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
II – Tais fundamentos são apreciados, objetivamente, com base nos elementos constantes dos autos, designadamente a decisão administrativa impugnada, o comprovativo da notificação da mesma ao arguido, o recurso de impugnação apresentado e o comprovativo da data de apresentação de tal recurso na autoridade administrativa.
III – Com todos esses elementos juntos aos autos, procede-se à contagem dos vinte dias previstos no artº 59º, nº 3, do RGCO.
IV – Se o recorrente não teve conhecimento da decisão administrativa na data que consta do comprovativo da notificação da mesma, cabia-lhe alegar tal facto, em questão prévia ao recurso interposto, de forma a ilidir a presunção da notificação e a informar o tribunal desse mesmo facto.
V – O despacho previsto no artigo 63º do RGCO não está dependente da concessão de prévio contraditório.
Pelo exposto, entendemos que deve o recurso interposto ser julgado improcedente e mantida a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos.
Mas, julgando, Vossas Excelências farão a habitual Justiça!»

5. Remetido que foi o recurso a este Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*
II. Questões a decidir
É a seguinte a única questão a decidir: saber se a impugnação da decisão da entidade administrativa é extemporânea, por decurso do prazo previsto no artigo 33.º n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
*
III. Fundamentação
A) Os factos a atender constam da decisão recorrida e do relatório que se elaborou anteriormente.
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B) De direito
1. Questão de saber se a impugnação da decisão da entidade administrativa é extemporânea, por decurso do prazo previsto no artigo 33.º n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

1.1. Não se nos oferecendo dúvidas sobre a aplicabilidade no caso da Lei 107/09, de 14 de Setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, com entrada em vigor em 1 de Outubro de 2009[1], no seu capítulo II, sob a epígrafe “Actos processuais na fase administrativa” – ou seja, no âmbito do procedimento administrativo –, o artigo 6.º, sob a epígrafe “contagem dos prazos”, estatui que: “1 – À contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal. 2 – A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais.”.
Por sua vez, inserido no capítulo IV, com a epígrafe “Tramitação processual”, na Secção II, com a epígrafe “Fase judicial” estabelece o artigo 33.º (sob a epígrafe “Forma e prazo”): “1 – A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir. 2 – A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.”.

Como escrevemos em recente Acórdão de 30 de Janeiro de 2017[2], citando:
«Tendo presente o regime estabelecido nas citadas normas, com relativa facilidade se pode concluir que, como aliás tem sido repetidamente considerado pelos nossos Tribunais – assim desde logo, há bem pouco tempo, o Acórdão de fixação de jurisprudência de 17 de Janeiro de 2013[3] –, a dedução de impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa, sendo que, aplicando tal doutrina ao regime das contra-ordenações laborais, apesar de inserido em secção denominada “fase judicial”, o n.º 2 do artigo 33.º citado tem afinal apenas por objecto o prazo de dedução da impugnação, fixando-o em 20 dias.
Aliás, como sabemos, era esse já o regime vigente mesmo antes da entrada em vigor da Lei 107/09, tendo em conta a norma aplicável do artigo 59.º do DL 433/82, de 27/10, na redacção introduzida pelo DL 356/89, de 17/10, interpretado nos termos do Assento n.º 2/94, de 10-03-1994, proferido no processo n.º 45325, publicado no Diário da República I-A, de 7/5/94, e no BMJ 435, pág. 49, que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória geral: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro.” – neste acórdão discutia-se, precisamente, a aplicabilidade da suspensão do prazo prevista no artigo 144º/3 do CPC na redacção introduzida pelo DL 381-A/85, de28/9, no que a férias, sábados, domingos e feriados respeitava. E, mais recentemente, já no âmbito de vigência da Lei 107/09, a consideração dessa mesma natureza não judicial do prazo em causa acaba por ressaltar do Acórdão de 17/01/2013 a que se aludiu anteriormente, em que se pode ler, para além do mais (citando), que a “dedução de impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa” (fim de citação)
Sem esquecermos o referido anteriormente, resultando do n.º 1 do supra aludido artigo 6.º que à contagem dos prazos para a prática de actos processuais são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal, importará então ter presente as normas do Código de Processo Penal (CPP) que regulam tal matéria, assim desde logo o seu artigo 104.º, nos termos do qual se aplicam «à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil», do que resulta que esse prazo está sujeito à regra da continuidade, decorrente do estatuído no artigo 138.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), não se suspendendo pois aos sábados, domingos e feriados, mas com a ressalva, face ao estatuído do n.º 2 do mesmo artigo 6.º, de que a contagem não se suspende durante as férias judiciais – o que se percebe por não estarem as entidades administrativas sujeitas ao regime das férias judiciais.

Pois bem, impondo-se avançar para a apreciação da questão concreta colocada, importa ter presente que, no caso que se decide, apresenta-se controvertida quer a data do início do prazo para a interposição da impugnação quer ainda a do seu termo, assim respectivamente os dias 19 de Maio e 8 de Junho de 2015 na perspectiva da Recorrente e os dias 15 de Maio e 4 de Junho para a decisão recorrida, bem como para o Ministério Público.
No entanto, adiante-se desde já, essa questão foi devidamente esclarecida nos autos pelo Tribunal a quo, ressaltando desses com inegável clareza que não assiste razão à Recorrente, pois que assentou o seu raciocínio em indicação errada de data pelos serviços dos correios, os quais vieram aos autos tudo esclarecer, referindo que a notificação se concretizou no dia 15 de Maio e não no dia 19 do mesmo mês, sendo que a Recorrente de tudo foi entretanto notificada e nada mais disse.
Deste modo, considerando o dia 15 de Maio de 2015 como o da efectivação da notificação, contados os 20 dias de prazo previstos no citado artigo 33.º, n.º 2, da Lei 107/09, esses completaram-se no dia 4 de Junho de 2015, uma quinta-feira, data essa considerada na decisão recorrida, sendo que, como resulta dos autos, a impugnação apenas deu entrada no dia 8 desse mesmo mês, uma segunda-feira, por via postal sob registo[4].
1.2. Porém, sendo esse o caso, uma outra questão se nos impõe apreciar, assim a de saber se o acto pode ser praticado, mediante o pagamento da multa previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC ex vi artigo 107.º, n.º 5, e 107.º-A, ambos do CPP, questão essa sobre a qual, como tivemos oportunidade de afirmar no Acórdão de 10 de Outubro de 2016[5], não tem sido pacífica a resposta da nossa Jurisprudência.

A decisão recorrida, não se pronunciou sobre tal questão, não obstante a mesma ter sido tratada pelo Ministério Público na pronúncia prévia que exerceu nos termos seguintes:
« (...) Por outro lado, consideramos não haver lugar, nestas situações, à aplicação do disposto no artº 145, nº 5, do Código de Processo Civil, ou seja, à possibilidade da prática do acto nos três primeiros dias úteis a seguir ao término do prazo, mediante o pagamento de multa. Com efeito, o artº 6, nº 1, da mencionada Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, apenas faz aplicar às contra-ordenações laborais e de segurança social as normas do processo penal (e, ex vi do artº 104, nº 1, do Código de Processo Penal, as normas do processo civil) respeitantes à contagem de prazos para a prática de actos processuais. Ora, a prática de actos em dias subsequentes ao término desse prazo não se encaixa nessa situação. Aliás, tanto assim é que o Código de Processo Penal, apesar de ter uma previsão em tudo idêntica ao artº 6, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro (mas para o Código de Processo Civil) - artº 104, nº 1 -, consagrou de forma expressa no seu artº 107, nº 5, que: “Independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações”. É por força desta norma que em processo penal é aplicável o artº 145, nº 5, do Código de Processo Civil.
Ora, não existe na mencionada Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, disposição de teor idêntico.
Para além disso, a impugnação judicial de uma decisão administrativa é um acto que ainda integra a fase administrativa (e não judicial) do processo de contra-ordenação. A fase judicial só se inicia com a apresentação do processo ao juiz, nos termos do artº 37 da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro. E só a partir desse momento faz sentido a aplicação de normas claramente destinadas à fase judicial, como seja a do artº 145, nº 5, do Código de Processo Civil.
Esse tem também vindo a ser o entendimento maioritário da nossa jurisprudência (cfr., a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Julho de 2013, processo nº 38/13.8TTFIG.C1, consultado in www.dgsi.pt).»

Ora, salvaguardando o devido respeito, não se acompanha a posição exarada pelo Ministério Público.
E não acompanhamos pois que, apesar de entendermos também - como referimos anteriormente - que a dedução de impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa, tal não obsta a que tenhamos de reconhecer, do mesmo modo, que o legislador se afastou expressamente do regime previsto desde logo no CPA para os actos administrativos, ao remeter expressamente, como resulta do supra citado n.º 1 do aludido artigo 6.º Lei nº 107/2009, quanto à contagem dos prazos para a prática de actos processuais para as disposições constantes da lei do processo penal.
Do que se trata, sendo essa questão algo diversa, é de saber se são aplicáveis as normas desse CPP – e por remissão desse para o CPC – quanto à prática dos actos.
Muito embora então quanto à questão de saber se vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respetivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima, porque as razões aí invocadas valem em pleno para a apreciação da questão agora decidenda, voltamos a acompanhar de perto o que afirmámos no recente Acórdão desta Relação de 30 de Janeiro de 2017, no sentido de termos por claro que a Lei n.º 107/09, aqui aplicável, se afastou claramente do regime constante da lei-quadro (RGCO) pois que, expressamente, determina no citado artigo 6.º, n.º 1, que à contagem de prazos serão aplicáveis as regras do processo penal, sendo que, havendo norma expressa, não há então que chamar à colação, como subsidiariamente aplicável, sequer a norma do artigo 60.º da lei quadro, que pressupõe um caso omisso – sendo pois de enquadrar como regime-quadro sectorial, que, como refere Paulo Albuquerque[6], funciona como regulamentação especial em relação ao RGCO, prevalecendo sobre este.
Daí que, tudo se passando até então no âmbito meramente administrativo, sem que represente pois a interposição de impugnação a entrada imediata na fase judicial do processo – tratando-se assim de um prazo pré-judicial –, face à citada norma, que remete expressamente para o Código Penal, teremos de atender ao que se dispõe no seu artigo 104.º, assim o seu n.º 1, ou seja a aplicabilidade das disposições da lei do processo civil.
Porém, se assim é para a contagem dos prazos, em que existe norma expressa remissiva, já o mesmo não se passa quanto à forma de prática dos actos, razão pela qual, na falta de regulamentação na citada Lei, haveremos de recorrer aos diplomas legais para que remete subsidiariamente, assim, também por ausência no RGCO dessa regulamentação, o que se dispõe no CPP e neste, no n.º 1 do seu artigo 103.º, mas também, pela mesma razão, no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigos 107.º, n.º 5, e 107.º-A, ambos do CPP. Ou seja, se tivermos em consideração, quanto à remissão legal mais ampla e abrangente que é feita pelo citado artigo 6.º do RPCOLSS para as disposições constantes da lei do processo penal, que, por sua vez, como se disse, em tudo o que não estiver nelas expressa ou especialmente previsto, vão beber à lei do processo civil os correspondentes normativos[7] mais fácil se torna acolher a solução afirmada, em consonância aliás com a interpretação há muito afirmada pelo Assento STJ n.º 1/2001 quanto a valer como data da interposição da impugnação a do respectivo registo quando remetida por correio, pois que, como aí, do que se trata é de aplicar as normas estabelecidas a que nos referimos quanto à prática dos actos no CPP e no CPC.
Esta é para nós a interpretação que se mostra mais conforme com as disposições legais em presença, bem como com a evolução legislativa sobre contagem dos prazos no âmbito do procedimento contraordenacional, como ainda no criminal e civil. (...) A não ser assim, mal se compreenderia que, até porque perante acto praticado na fase administrativa do processo, negando-se legalmente o recurso subsidiário ao regime previsto em geral para actos administrativos (e correspondente Código), se negasse ao mesmo tempo a aplicação do regime processual civil quanto à forma de prática dos actos, por remissão do CPP, quando inexiste norma quer no RPCOLSS quer no RGCO que esses regule expressamente.
Em face da conclusão a que se chegou, tendo presente que no caso o requerimento de impugnação da decisão administrativa deu entrada no dia 08.06.2016 (2.º dia útil após o termo do prazo, pois que, tratando-se de uma segunda-feira, interpôs-se o fim de semana, ou seja os dias 6 e 7, tendo sido o primeiro dia útil o de 5 de Junho, sexta feira – o prazo findou no dia 4, quinta-feira), o mesmo será tempestivo se a arguida pagar a multa a que alude o artigo 139.º, n.º 4 e 5, do CPC, com referência ao disposto no artigo 107º-A al. b) do CPP[8].
Nos termos expostos, muito embora por fundamentos diversos, o recurso procede.
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IV. Decisão
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo ordenar a notificação da arguida para os termos do disposto nos artigos 139.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil, com referência ao disposto no artigo 107º-A al. b) do Código de Processo Penal, e posteriormente, se liquidada a exigida multa, se outra razão a tal não obstar, conhecer do recurso de impugnação interposto da decisão administrativa.
Sem custas.
Anexa-se sumário, da responsabilidade exclusiva do relator.
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Porto, 13 de Fevereiro de 2017
Nelson Fernandes
Domingos Morais
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[1] Artigo 65º
[2] Processo n.º 4881-16-8T8MTS-P1, do mesmo Relator e Adjunto.
[3] Diário da República I-A, de15/2/2013, também disponível em www.dgsi.pt.
[4] Atendendo-se pois à data do registo, no entendimento, face à divergência jurisprudencial que de algum modo se verifica, de que é este que deve ser considerado, como defendemos no citado Acórdão de 30 de Janeiro de 2017, em cujo sumário a propósito se escreveu: «2- Se tivermos em consideração, quanto à remissão legal mais ampla e abrangente que é feita pelo artigo 6.º da Lei 107/09 para as disposições constantes da Lei do processo penal, que, por sua vez, em tudo o que não estiver nelas expressa ou especialmente previsto, vão beber à lei do processo civil os correspondentes normativos, teremos de acolher e sustentar a interpretação feita pelo Assento STJ n.º 1/2001, hoje Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 93, Série 1-A de 20/04/2001, nos termos do qual, «como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respetivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima» – artigos 6.º, n.º 1, da Lei 107/09, 4.º do CPP e 144.º, n.º 7, al. b), do CPC.»
[5] Muito embora sem que então o objecto do recurso tivesse imposto o seu conhecimento – Processo 1055/16.1T8AVR-A.P1.
[6] Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 153
[7] Veja-se: Soares Ribeiro, Contra-ordenações laborais - regime jurídico, 2011, 3.ª Edição, Almedina, página 71, Anotação C (jurisprudência), ao artigo 33.º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09)
[8] Veja-se, para além de outros, aplicando o citado regime, o Ac. RP de 5.12.2011, de que foi Relatora Fernanda Soares, actual Presidente desta Secção.
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Sumário:
1- A dedução da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, a que alude o artigo 33.º da Lei 107/09, de 14 de Setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de Segurança Social, apesar de inserido em secção denominada “fase judicial”, ainda se insere na fase administrativa.
2- Não existindo na Lei 107/09 norma expressa remissiva quanto à forma de prática dos actos, na falta de regulamentação na citada Lei, haveremos de recorrer aos diplomas legais para que remete subsidiariamente, assim, também por ausência no RGCO dessa regulamentação, o que se dispõe no CPP e neste, no n.º 1 do seu artigo 103.º, mas também, pela mesma razão, no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigos 107.º, n.º 5, e 107.º-A, ambos do CPP.
3- Sendo essa também a interpretação que se mostra mais conforme com as disposições legais em presença, bem como com a evolução legislativa sobre contagem dos prazos no âmbito do procedimento contraordenacional, como ainda no criminal e civil, mal se compreenderia que, até porque perante acto praticado na fase administrativa do processo, negando-se legalmente o recurso subsidiário ao regime previsto em geral para actos administrativos (e correspondente Código), se negasse ao mesmo tempo a aplicação do regime processual civil quanto à forma de prática dos actos, por remissão do CPP, quando inexiste norma quer no RPCOLSS quer no RGCO que esses regule expressamente.
4- Sob pena de incoerência do sistema, até porque estamos perante acto praticado na fase administrativa do processo em que se nega legalmente o recurso subsidiário ao regime previsto em geral para actos administrativos (e correspondente Código), não deve negar-se a aplicação do regime processual civil quanto à forma de prática dos actos, por remissão do CPP, quando inexiste norma quer no RPCOLSS quer no RGCO que esses regule expressamente.

Nelson Fernandes