Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
864/14.0TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PRESSUPOSTOS DA DECLARAÇÃO
RESPONSABILIDADE DO AVALISTA
Nº do Documento: RP20150210864/14.0TBPVZ.P1
Data do Acordão: 02/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para um credor ter legitimidade processual para requerer a declaração de insolvência de um devedor, basta que alegue a titularidade de um crédito, ainda que este não esteja vencido, ainda que esteja sujeito a uma condição suspensiva ou resolutiva, ainda que o mesmo seja litigioso. Com tal se satisfaz a previsão do nº 1 do art. 20º.
II - Mas para que a insolvência venha a ser decretada, procedendo substantivamente, já não basta a identificação de créditos meramente condicionados, litigiosos e ou ilíquidos; de outra densidade são os factos indiciários previstos nas alíneas do nº 1 do art. 20º, em harmonia com o nº 1 do art. 3º citado, que têm de se demonstrar, para, por presunção ou prova directa, se sustentar a conclusão por uma concreta situação de insolvência.
III - O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2012, de 5/6/2012, publicado no DR de 17.7.2012 funda o direito de regresso do avalista sobre outros garantes com a mesma qualidade, na regra do art. 524º do CC, numa solução de solidariedade legal e rejeitando que a relação entre os diversos avalistas de um mesmo avalizado constitua uma relação cambiária ou careça de prévia convenção extracambiária.
IV - Quanto à repartição interna da responsabilidade entre os diversos avalistas, o regime legal supletivo é o da igualdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 864/14.0TBPVZ.P1
Comarca do Porto
Santo Tirso - Inst. Central - 1ª Sec.Comércio - J4
REL. N.º 212
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

B…, residente na …, …, n.º .., 1.º esq., Póvoa de Varzim, veio requerer a declaração de insolvência de C…, residente na Rua …, n.º …., 1.º, Póvoa de Varzim, invocando o disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), 3.º e 20.°, n.º1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas .
Para o efeito, alega que requerente, requerido e outros são sócios da sociedade “D…, Limitada”, a qual celebrou com a “E…, SA” diversos contratos de financiamento, designadamente um contrato de abertura de crédito, pelo montante máximo de 1.800.000,00 €, um contrato de empréstimo do montante de 200.000,00 € e um contrato de abertura de crédito, pelo montante máximo de 399.038,32 €. Para garantia de todas essas obrigações, requerente, requerido e demais sócios (pelo menos em parte de tais operações) deram o seu aval em três livranças em branco, subscritas pela referida sociedade, com autorização de preenchimento concedida à “E…”. Porém, alega, a referida sociedade “D…, Limitada” deixou de ter condições para cumprir os três créditos contraídos e de finalizar a construção das moradias que tinha em curso, e de cuja venda necessitava para honrar os compromissos assumidos com a “E…”, pelo que esta considerou vencida a totalidade dos valores em dívida em relação a cada um desses três contratos de financiamento, preenchendo as três livranças em causa pelos valores de 2.581.672,09 €, 252.681,56 € e 338.037,34 €, respectivamente, com datas de vencimento em 2013/11/07, tendo exigido já o seu pagamento à mutuária e aos demais avalistas.
Foi na sequência desses factos que, no dia 08/11/2013, liquidou à E… a livrança preenchida no valor de 338.037,34 €, a qual lhe foi entregue.
Conclui o requerente a defender que lhe assiste o direito de exigir do requerido, responsável solidário com os restantes avalistas, a quantia de 253.528,00 €, correspondente às suas quotas de responsabilidade no valor daquela livrança (338.037,34 €: 4 x 3 =253.528,00 €), invocando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ com o n.º 7/2012, de 5 de Junho de 2012. Assim, deve-lhe o aqui requerido a quantia de 253.528,00 €, à qual acrescem juros de mora calculados à taxa legal de 4% desde o dia 08/11/2013, que perfazem o valor de 5.112,24 €, num total de 258.640,24 €.
Por outro lado, alega o requerente que o requerido não possui bens de valor suficiente que garantam o pagamento de tal crédito e que se encontra numa situação de insolvência, tanto mais que a “E… …” deu entrada, em 02/05/2014, de uma execução contra o requerido, exigindo-lhe o pagamento da quantia de 257.634,94 € e, em 03/05/2014, de uma outra acção executiva, exigindo-lhe o pagamento da quantia de 2.632.281,33 €, para o que o requerido também não tem património apto a garantir o pagamento.
O requerido foi citado e deduziu oposição, admitindo a existência dos contratos com a E…, sem prejuízo de algumas correcções nas respectivas descrições. No mais, impugnou a alegação do requerente, em parte por desconhecer matéria alegada, designadamente quanto ao pagamento invocado pelo requerente e se tal pagamento teria sido imputado à operação a que alude e, noutra, por entender que carece de fundamento legal a pretensão aqui deduzida.
Defendeu que, se houve pagamento por parte do requerente, tal ocorreu à revelia dos restantes avalistas, tendo sido ocultadas a estes todas as negociações e condições subjacentes, pelo que ser-lhe-ão oponíveis todos os meios de defesa comuns ou pessoais, nos termos do n.º 1 do artigo 525.º do C.Civil, aplicável ex vi do artigo 650.º. Alegou que o requerente interveio no pacto de preenchimento do título, subscrevendo-o, pelo que, como os restantes avalistas, podia discutir as questões relacionadas com o preenchimento abusivo. Por outro lado, nem o requerente nem a E… notificaram o requerido do preenchimento da referida livrança, dos elementos que a constituem e do cálculo da importância na mesma inscrita, pelo que, sempre desconheceria se a mesma foi ou não preenchida em violação do pacto de preenchimento. Mais defendeu que ainda que o requerente tenha pago o valor a que alude, tal não lhe confere a qualidade de credor do requerido, co-avalista, pois se o co-avalista, apesar de lhe ser lícito invocar o benefício da divisão, pagar a dívida integral, tendo sido demandado judicialmente, pode exercer logo a seguir o seu direito de regresso contra os co-avalistas; mas tal já não será assim quando o co-avalista, apesar de lhe ser lícito invocar o beneficio da divisão, pagar a totalidade da divida, voluntariamente, sem ter sido judicialmente demandado, como aconteceu neste caso, segundo vem alegado, pois terá previamente de excutir todos os bens do devedor, no exercício da sub-rogação que lhe é concedida.
Assim, concluiu, o crédito invocado é controvertido e não pode fundamentar a posição do requerente, já que o crédito controvertido é inexistente, no sentido de não poder ser exigido até ser reconhecido. Pelo que, o requerente carece de legitimidade substantiva para requerer a declaração de insolvência.
Alegou também que o crédito invocado pelo requerente, para além de não existir, não tem fixado o seu conteúdo, defendendo que o acórdão uniformizador de jurisprudência citado pelo requerente visou tão só pôr termo a uma divergência jurisprudencial, optando pela corrente que admite o direito de regresso em termos análogos ao que está previsto no art. 650.º do Código Civil, para a pluralidade de fiadores, em detrimento da que fazia depender a existência desse direito de convenção extracambiária acordada entre avalistas, esclarecendo que o direito de regresso em relação aos demais avalistas de aval colectivo, à semelhança do que está previsto no art. 650.º do C. C. para a pluralidade de fiadores, deve assumir como regra a distribuição interna da responsabilidade nos termos que vigoram para as obrigações solidárias, sendo de considerar o disposto nos arts. 516.º, 524.º e 525.º n.º 1 do Código Civil, comparticipando os devedores solidários em partes iguais na divisão, sempre que da relação jurídica entre eles não resulte que sejam diferentes as suas partes Assim, o devedor que satisfizer o crédito além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete. Ora o requerente não atendeu ao facto de apenas poder imputar ao requerido a responsabilidade pelo pagamento de uma quarta parte daquele montante, ou seja de 84.509, 35 €, e não o valor indicado de 258.640,24 € (valor que também peticionou em acção separada contra um outro co-avalista).
Finalmente, e quanto à factualidade alegada pelo requerente referente à situação de insolvência do requerido, afirmou que nas alegadas execuções instauradas pela “E… …” são igualmente executados, numa delas, o aqui requerente, a sociedade “D…, Ldª”, o Sr. F… e o Sr. G…; na outra, são executados o aqui requerente, a sociedade “D…, Ldª” e o Sr. G…; além da pluralidade de devedores, tais créditos estão garantidos por hipotecas, pelo que serão os bens onerados a responder, em primeira linha, em tais execuções. Assim, conclui que, neste momento, o requerido não só não deve as quantias que lhe são atribuídas pelo requerente, como nem sequer é possível determinar a existência de um crédito da E… sobre o mesmo, tanto mais que a sociedade devedora é proprietária de outro património imobiliário, susceptível de ser penhorado, para além de dever ser assacada responsabilidade à E… pela demora em responder às solicitações da sociedade “D… …” durante as negociações entre ambas, o que acarretou prejuízos para esta. Terminou requerendo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido de declaração de insolvência.
Designado dia para a realização da audiência de julgamento, veio o requerido, a fls. 312 e seguintes, dar conta do conhecimento que entretanto teve do desfecho da providência cautelar que o aqui requerente intentara contra a E… e dos termos do acordo celebrado entre aqueles, segundo o qual a E… e o aqui requerente acordaram em fixar a responsabilidade deste por todos os financiamentos e avales prestados, tendo ele pago apenas a sua quota das responsabilidades que ali assumiu; pelo remanescente da dívida seriam responsabilizados a sociedade “D… …” e os restantes avalistas. Concluiu, por isso, que o requerido não detém qualquer crédito sobre os restantes avalistas, designadamente o aqui requerido.
Ouvido, o requerente sustentou que foram celebradas três operações de crédito distintas entre si, quer no que concerne aos valores envolvidos, quer no que concerne a prazos e garantias associadas a tais operações, e que o requerente não pagou voluntariamente a obrigação assumida perante a “E…”, mas apenas na sequência da compensação por esta operada e que levou o requerente a instaurar a providência cautelar a que alude o requerido. Por outro lado, na pendência desse processo, a “E… …” e o requerente lograram chegar a acordo do qual resulta que o requerente pagou a livrança preenchida pela E… em 07 de Novembro de 2013 no valor de 338.037,34 €, respeitante ao contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o n.º ……………019 (actual …………..392), sendo o remanescente do valor compensado imputado ao contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o nº …………..591 (actual …………..991), correspondente ao montante máximo de 1.800.000,00 €. Assim, conclui, a operação financeira respeitante ao contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o nº …………..019 (actual …………..392), foi cumprida exclusivamente por si, razão pela qual a E… lhe entregou a livrança preenchida no valor de 338.037,34 €, donde lhe resulta o direito de exigir dos demais co-avalistas a quantia que pagou a mais por conta dessa livrança, no valor de 253.528,00 €, sendo só quanto a esse valor que o requerente considera ter um direito de crédito sobre os restantes coavalistas.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida que, julgando improcedente a acção, indeferiu a pretensão de declaração de insolvência do requerido, em suma, por não ter dado por demonstrado o direito de crédito do requerente.
É desta decisão que o exequente vem interpor o presente recurso, que termina oferecendo as seguintes conclusões, onde se compreendem as suas razões:
A- a sentença recorrida viola de forma inequívoca o disposto nos artºs 3, 20 e 25 do CIRE, 516, 524 e 650 do Código Civil, 100 do Código Comercial, e 47 (1.º parágrafo), 50 e 77 da LULL, fazendo uma incorreta interpretação dos preceitos legais supra citados.
“B - O aqui recorrente alegou e provou as obrigações a que o recorrido está obrigado nos arts. 1º a 15º da petição inicial.
C - As impossibilidades do recorrido de cumprir as obrigações a que está obrigado foram alegadas pelo recorrente nos arts. 21º a 28º da petição inicial e provadas confere se infere pela matéria de facto dada como não provada
D - O recorrente carreou para o processo as circunstâncias através das quais é possível deduzir o incumprimento generalizado do devedor (traduzido numa das alíneas do art. 20º)
E - O recorrente cumpriu escrupulosamente o previsto no artº 25 do CIRE, conforme se infere pelos factos alegados pelo recorrente sob os arts. 1º a 15º na petição inicial e dados como provados nos pontos a) a K) da matéria de facto acima transcrita.
F - O recorrente na sua petição inicial expõe os factos relativos às obrigações a que o recorrido está obrigado e que aqui se transcrevem:
“Art. 22º - Chegou ao conhecimento do Requerente, que a E…, no passado dia 02/05/2014 deu entrada de uma execução contra o Requerido, exigindo-lhe o pagamento da quantia de 257.634,94€, que corre termos no Juízo de Execução da Maia nos autos de Proc. n.º 2276/14.7TBMAI.
Art. 23º - E no dia 03/05/2014, deu entrada de uma outra acção executiva contra o aqui Requerido, exigindo-lhes o pagamento da quantia de 2.632.281,33 €, que corre termos no Juízo de Execução da Maia nos autos de Proc. n.º 2319/14.4TBMAI.
Art. 24º - Tudo como melhor resulta do teor dos docs. nºs. 7 e 8 que se juntam e se consideram reproduzidos para todos os efeitos legais.
Art. 25º - É por demais evidente que o Requerido não tem património para proceder ao pagamento da quantia em dívida para com o Requerente, e para com a E….
Art. 26º - Por isso, é certo que o ora Requerido, deixou de cumprir com as suas obrigações.
Art. 27º - Designadamente, pelo menos, perante a E… e perante o Requerente.
Art. 28º - O número e montante das obrigações que o Requerido deixou de cumprir, assim como as circunstâncias do seu incumprimento, traduzem a impossibilidade em que aquele se encontra de satisfazer as suas obrigações”.
G - Os factos invocados pelo recorrente na sua petição inicial, foram provados, constam da matéria assente e preenchem o requisito da al. b) do art. 20º do CIRE.
H - O recorrido não alegou nem provou a sua solvência, de acordo com o consagrado no artº 30º, nº3 e 4 do CIRE.
I - Está preenchido um dos factos - índices contidos nas diversas alíneas do art. 20º necessários para que seja declarada a insolvência.
J - A garantia dos créditos executados não invalidam o factor-índice invocado pelo recorrente, dado que, os bens que estão hipotecados à E… são propriedade da sociedade D… e não dos sócios da mesma, nomeadamente do aqui recorrido.
K - O recorrente propôs a presente ação contra C…, peticionando que fosse declarada insolvência deste e não a insolvência da sociedade D….
L - A Mma. juiz "a quo" fez uma incorreta interpretação das normas do direito aplicável ao caso em apreço, nomeadamente ao considerar que estamos na presença de um crédito litigioso
M - O recorrente não instaurou qualquer ação de condenação direito de regresso contra o recorrido em que este em sede de contestação viesse alegar e provar factos que afastassem esse direito.
N - O objeto da presente ação é a declaração de insolvência do recorrido
O - O recorrente tem legitimidade processual para requerer a declaração de insolvência do recorrido nos termos do artº 30 do C.P.C
P - Não pode ser negada a legitimidade ao recorrente, mesmo que se entenda tratar-se de um crédito litigioso, sob pena se negar o acesso à tutela jurisdicional dos direitos de crédito prosseguida pelo processo de insolvência.
Q - A qualidade de credor invocada pelo recorrente tem por base o facto de este ter liquidado, exclusiva e integralmente, à E… a livrança preenchida no valor de 338.037,34€, subscrita pela sociedade "E…, Limitada", e que foi avalizada pelo recorrente e pelos avalistas F…, G… e C… (recorrido), sendo com base nessa livrança que o recorrente fundamentou a existência do seu crédito correspondente à quantia que pagou a mais por conta daquele título de crédito, ou seja a quantia de 253.528,00 € livrança essa que foi entregue ao recorrente pela E… aquando de tal pagamento.
R - O recorrente não efetuou espontânea nem voluntariamente o pagamento, na base desse pagamento esteve o direito à compensação exercido pela E…, que após o preenchimento da referida livrança e uma vez que o recorrente era titular de uma conta à ordem …………. sediada na Póvoa de Varzim e que em 2013/11/08 apresentava um saldo credor de 385.504,14€ procedeu à compensação de parte desse saldo - no montante de 382.877,02€ com o seu crédito emergente da livrança de 338.037,34€ e imputando o remanescente a operação …………..991, conforme consta da matéria dada como provada no ponto K).
S - O recorrente não se conformando com a atuação da E… instaurou o procedimento cautelar contra a E… que correu termos pelo terceiro juízo cível de Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, sob o nº 2587/13.9, pedindo que o tribunal condenasse a E… a repor nessa conta à ordem o valor que foi objeto de compensação, facto provado no ponto K) da matéria assente.
T - Na pendência do referido procedimento cautelar que o recorrente celebrou com a E… o acordo que consta do ponto K) dos factos dados como provados tendo a E… entregue ao recorrente a livrança por ele liquidada.
U - O acordo que o recorrente firmou com a E… desobriga-o perante esta Instituição financeira mas não o desobriga perante os coavalistas.
V - Pois, além da livrança liquidada pelo recorrente, existem ainda dois outros contratos e duas livranças avalizadas pelo recorrente, pelo recorrido e por F… e G….
W - O recorrente mantém-se responsável pelo pagamento da sua quota parte numa eventual ação de direito de regresso que os outros coavalistas possam vir a instaurar contra ele, relativamente às livranças que se encontram por liquidar.
X - Não foi outorgado entre a E… e os mutuários nenhum contrato, acordo ou alterações às condições contratuais dos contratos que ainda subsistem, bem como não substituídas as duas livranças por outras cujos avales fossem prestados somente pelos outros dois sócios ilibando definitivamente o recorrente.
Y - As obrigações dos co-avalistas são indiscutivelmente solidárias: é assim logo pelo art.º 47, parágrafo 1.º da LULL ou pelo art.º 100 do Código Comercial pois a livrança é um mecanismo ou acto comercial, e as obrigações dela decorrentes são obrigações comerciais, sujeitas assim ao regime de solidariedade entre co-obrigados;
Z - no caso em apreço, o disposto nos art.ºs 524 e 516 do Código Civil tem aplicação direta, concluindo-se que os co-avalistas participam, nas relações entre si, em partes iguais na dívida; e aquele que pagar além da parte que lhe compete (presumindo-se, pois, que é igual à dos co-obrigados uma vez que nada em contrário foi alegado e provado em sede de julgamento) tem direito de regresso contra os outros, na parte que a estes cabe, sendo precisamente o que aconteceu nos presentes autos, relativamente à livrança no valor de 338.037,34 €, que foi exclusivamente paga pelo aqui Recorrente;
AA - nunca seriam de aplicar ao caso em apreço as regras ao instituto da fiança, nomeadamente, o disposto no art.º 650 do Código Civil;
BB – A aplicação do art.º 650º3 CCiv ao co-aval assenta num equívoco - ou pelo menos, numa desatenção. É que os co-fiadores só podem defender-se da pretensão de regresso do solvens alegando a necessidade de este excutir previamente os bens do devedor se o solvens não demandado judicialmente cumpriu integralmente a obrigação (ou satisfez uma parte superior à sua quota) «podendo embora invocar o benefício da divisão» (art.º 650º3). Ou seja, este meio de defesa oponível pelos co-fiadores não tem apenas como pressuposto que o cumprimento haja sido voluntário; exige, ainda, que o solvens tenha renunciado a fazer valer o (previamente convencionado) benefício da divisão;
CC - não tem qualquer cabimento apurar se o Requerente pagou voluntariamente (ou não) a livrança em causa, nem tampouco invocar e alegar que a sociedade subscritora possui bens que pudessem ser excutidos para satisfação do seu crédito, nem se pode confundir o regime aplicável do aval com o regime aplicável à livrança, na medida em que no aval nunca existe o benefício da excussão prévia;
DD – nunca poderão ser aplicáveis ao aval as regras respeitantes à fiança que colidam com a natureza do aval;
EE - sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido. Razões de justiça relativa sempre militariam na distribuição do encargo entre todos os coavalistas;
FF - ainda que o Requerente tivesse pago de forma voluntária a quantia constante da livrança preenchida pela E…, no montante de 338.037,34 €, mesmo assim lhe assistia o direito de regresso sobre os demais avalistas, como consta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2012 proferido pelo STJ;
GG - o Requerente demonstrou de forma inequívoca a sua posição de credor, bem como a sua legitimação pois, por um lado, pagou exclusivamente a livrança em causa, no valor de 338.037,34 € e, por outro lado, dispõe de título bastante para demonstrar tal direito, ou seja, tem na sua posse a livrança correspondente ao pagamento que efetuou.
HH - a decisão proferida não tem qualquer cabimento e traduz um entendimento manifestamente errado que conduz a uma solução injusta, ao permitir que apenas um dos avalistas suporte a totalidade da dívida inerente ao contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o nº …………..019 (atual …………..392), a que corresponde a livrança preenchida no valor de 338.037,34 €, que foi integralmente liquidada pelo Requerente.”
O requerido ofereceu resposta ao recurso, pronunciando-se quer pela ausência de verificação de um dos pressupostos da declaração de insolvência, designadamente o da insuficiência do seu património para a satisfação das responsabilidades que se lhe imputarem, quer pela confirmação da decisão recorrida no tocante à não demonstração do crédito invocado pelo requerente. Concluiu, assim, pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
Assim, a questão a resolver traduzir-se-á em verificar se, nas concretas circunstâncias apuradas sobre o relacionamento financeiro entre o requerente, a E…, o requerido e outros coobrigados, pode identificar-se um crédito do requerente sobre o requerido, apto a integrar o silogismo tendente à conclusão sobre a insolvência deste. Só no caso de resposta positiva a tal questão se tornará útil analisar a questão inerente ao outro termo da mesma premissa, respeitante à capacidade financeira e patrimonial do requerido para corresponder à sua responsabilidade perante o requerente.
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O tribunal recorrido, julgando a matéria de facto controvertida, decidiu nos termos seguintes:
Factos provados:
a) O requerente é sócio da sociedade “D…, Limitada”, NIPC ………, com sede na Rua …, n.º .., na Póvoa de Varzim, cujo objecto social consiste no aluguer e gestão de bens imobiliários, urbanização e loteamento de terrenos, compra e venda de propriedades;
b) Na altura em que a sociedade aludida em a) foi constituída, em 12/07/1989, os seus sócios eram o ora requerente, o aqui requerido, o G… e o F…, sendo que cada um deles era detentor de uma quota no valor nominal de 7.481,97 €;
c) Em 05 de Abril de 2007, o sócio F… cedeu a sua quota ao requerente, ao requerido e ao sócio G…;
d) A referida sociedade, no exercício da sua actividade, celebrou com a “E…, SA” os seguintes contratos: em 22/12/2006 um contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o nº …………..591, actual …………..991, pelo montante máximo de 1.800.000,00 € e prazo de 36 meses; em 13/2/2008 um contrato de empréstimo do montante de 200.000,00 €, a reembolsar no prazo de 2 anos, a que foi atribuído o nº …………..391; e, em 10/12/98 um contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o nº …………..019, actual …………..392, pelo montante máximo de 80.000.00$00, que viria a ser objecto de uma adenda em 21 de Setembro de 1999 com o aumento para o montante de crédito até 200.000.000$00, nos termos e condições que constam dos documentos juntos aos autos a fls. 11 e seguintes, 43 e seguintes, 64 e seguintes, 109 e seguintes e 119 e seguintes, e que aqui se dão por reproduzidos;
e) Para garantia de todas as obrigações assumidas pela sociedade “D… Lda.”, o requerente, o requerido e os restantes sócios deram o seu aval em três livranças em branco, subscritas pela referida sociedade, com autorização de preenchimento concedida à E…, sendo que os contratos celebrados em 10/12/1998 e em 22/12/2006 foram avalizados pelo requerente, pelo requerido e pelos restantes sócios e o contrato celebrado em 13/02/2008 foi avalizado pelo requerente, pelo requerido e pelo sócio G…;
f) Por entender que a referida sociedade “D… …” estava em incumprimento relativamente às aludidas operações, a “E…, SA.” considerou vencida a totalidade do valor então dívida em relação a cada um dos aludidos contratos de financiamento, e remeteu ao aqui requerente e à sociedade “D… …”, as cartas cujas cópias se encontram juntas aos autos a fls. 16 verso e 17 e verso, respectivamente, considerando esgotadas as negociações com vista à regularização das responsabilidades e que iria proceder à afectação do processo ao departamento de contencioso para cobrança coerciva da dívida, nos termos que ali melhor constam e que aqui se dão por reproduzidos;
g) A “E… procedeu ao preenchimento de livrança avalisada pelos aqui requerente e requerido, nomeadamente, na qual foi aposto o valor de € 338,037,34, data de emissão de 1998-12-10 e de vencimento de 2013-11-07, referente à …………..392, em que consta como subscritora a referida sociedade “D… …”, nos termos que constam da cópia junta aos autos a fls. 18, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
h) A “E…, S.A”, no dia 02/05/2014, deu entrada de uma execução contra a referida sociedade “D… …” e os referidos avalistas, incluindo os aqui requerente e requerido e o Sr. G…, exigindo o pagamento coercivo da quantia de 257.634,94 €, que corre termos no juízo de execução da Maia nos autos de proc. n.º 2276/14.7TBMAI e, no dia 03/05/2014, deu entrada de uma outra ação executiva contra a referida sociedade “D… …”, os aqui requerente e requerido, o Sr. F… e o Sr. G…, exigindo o pagamento coercivo da quantia de 2.632.281,33 €, que corre termos no juízo de execução da Maia nos autos de proc. n.º 2319/14.4TBMAI;
i) Em 02 de Dezembro de 2013, o requerente deu entrada de uma providência cautelar contra a “E…, S.A”, que, sob o n.º 2587/13.9TBPVZ, correu termos no 3.º juízo de competência cível do tribunal judicial da comarca da Póvoa de Varzim, mediante a qual o requerente pretendia a devolução da quantia de 382.877,02 €, e que terminou por desistência do requerente, na sequência de transacção extrajudicial celebrada entre as partes;
j) Da transacção aludida em i) consta, no seu primeiro ponto, que “A E…, S.A. - doravante E… - celebrou com D…, Lda. - doravante D… - NIPC ……… com sede na Rua …, .. Póvoa do Varzim os seguintes contratos: . Em 22/12/2006 um contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o n.º …………..591, actual …………..991, pelo montante máximo de 1.800.000,00 € e prazo de 36 meses; • Em 13/2/2008 um contrato de empréstimo do montante de 200.000,00 €, a reembolsar no prazo de 2 anos, a que foi atribuído o n.º …………..391; Em 10/12/98 um contrato de abertura de crédito, a que foi atribuído o n.º ……………019, atual ……………392, pelo montante máximo de 399.038,32 € e prazo de 6 meses, renovável”;
k) De acordo com o ponto II) da mesma transacção, “o segundo outorgante B… (e outros) para garantia de todas as obrigações assumidas pela D… emergentes daqueles contratos de financiamento, deu o seu aval em três livranças em branco, subscritas pela D…, com autorização de preenchimento concedida a E…” e, nos termos do ponto III) “Por incumprimento da D…, a E… considerou vencida a totalidade dos valores em dívida em relação a cada um desses três contratos de financiamento”; nos termos do ponto IV, “simultaneamente, a E… preencheu as três livranças em causa pelos valores de 2.581.672,09 €, 252.681,56 € e 338.037,34 € respetivamente e com datas de 2013/11/07 tendo exigido já o seu pagamento à mutuária e avalistas”; de acordo com o ponto V), “Após tal preenchimento e uma vez que o segundo outorgante era titular de uma conta a ordem …………. sedeada na agência de Póvoa de Varzim e que, em 2013/11/08 apresentava um saldo credor de 385.504,14 € a D…, após prévia comunicação efetuada ao segundo outorgante, procedeu à compensação de parte desse saldo - no montante de 382.877,02 € com o seu crédito emergente da livrança de 338.037,34 € e imputando o remanescente à operação …………..991; “nos termos do ponto VI, “inconformado com essa compensação, o segundo outorgante instaurou providência cautelar contra a E… que corre termos pelo 3 juízo cível do Tribunal Judicial de Póvoa do Varzim, sob o n.º 2587/13.9 TBPVZ, pedindo que o tribunal condene a E… a repor nessa conta à ordem o valor que foi objecto de compensação; … de acordo com o ponto VIII, “na pendência desse processo e na sequência de negociações levadas a cabo par ambas as partes, a primeira e o segundo outorgantes acordaram em pôr termo a esse processo e a todo o litígio que os envolve, nos termos seguintes:
PRIMEIRA A E… aceita reduzir a totalidade das responsabilidades do segundo outorgante emergentes dos contratos de financiamento e avales prestados ao montante de 530.000,00 €, apenas podendo exigir o remanescente em dívida aos demais corresponsáveis: D… e restantes avalistas.
SEGUNDA Desse montante, parte dele já foi pago através da compensação acima descrita em V).
TERCEIRA O remanescente, no montante de 147.122,98 €, e pago nesta data par cheque bancário e do qual a E… dá a respectiva quitação, através deste contrato.
QUARTA Como recebimento desse valor, a E… nada mais tem a exigir ao segundo outorgante emergente dos financiamentos concedidos à D….
QUINTA O segundo outorgante desiste do pedido formulado na providência cautelar acima identificada
SEXTA A E… prescinde de custas de parte nesse processo, mas não prescinde da taxa de justiça paga- no montante de 816,00 € - que o segundo outorgante se obriga a restituir-lhe, sem necessidade de reclamação nos autos, através de depósito no prazo de 8 dia s no NIB ………………….
SETIMA A E… obriga-se a comunicar ao Banco de Portugal, no prazo máximo de oito dias – a cessação do incumprimento por parte do segundo outorgante relativamente aos financiamentos e avales acima descritos.
OITAVA Nesta data, a E… entrega ao segundo outorgante, já devidamente preenchida, a livrança de 338.037,34 € acima identificada, ficando cópia da mesma anexa ao presente contrato.
NONA Uma vez efetuada, pela E…, a comunicação ao Banco de Portugal referida na cláusula anterior e entregue, ao segundo outorgante, a livrança mencionada na mesma cláusula, o segundo outorgante nada mais terá a exigir a E…, seja a que título for, relacionado com os financiamentos acima descritos”; segue-se a data de 2 de Maio de 2014, nos termos que constam do documento cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 316 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
l) Os demais avalistas da sociedade “D… …”, aludidos em e) não participaram nas negociações que levaram à celebração da transacção referida em k);
m) O aqui requerido e os demais avalistas tinham tido intervenção no pacto de preenchimento referente à livrança mencionada em referido em g), subscrevendo-o;
n) O aqui requerente instaurou acção especial de insolvência contra um dos aludidos avalistas, F…, na qual menciona ter um crédito de 258.640,24 € relativamente ao mesmo;
o) O crédito executado no referido proc. n.º 2319/14.4TBMAI, no montante de 2.632.281,33 €, encontra-se garantido por hipotecas constituídas sobre nove lotes, onde actualmente se encontram construídas nove moradias de cave, rés-do-chão, andar e logradouro;
p) O crédito executado no proc. 2276/14.7TBMAI, no montante de 257.634,94 €, encontra-se garantido com hipotecas constituídas sobre três lotes de terreno, n.ºs 11, 12 e 01;
q) O requerente elaborou um documento onde elencou o património da referida sociedade “D… …”, que apresentou aos sócios e ao advogado da empresa, a fim de ser entregue à E… para negociação da divida da empresa, nos termos que constam da cópia de fls. 174, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
r) Na execução que segue termos sob o n.º 2319/14.4TBMAI, foi apresentada oposição à execução, nos termos e fundamentos que constam da cópia junta a fls. 205 e seguintes, sendo que pelo menos alguns dos aludidos avalistas imputam à “E…, S.A”, responsabilidade por danos causados na sequência da demora que à mesma imputam nas respostas dadas a propostas de resolução apresentadas pela “D… …” para cumprimento das obrigações desta;
s) A “E…, S.A” remeteu ao aqui requerente a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 328, datada de 07-11-2013, na qual mencionava o valor em dívida na sequência das operações referidas em d), e que iria proceder à compensação com o crédito do requerente, referente ao saldo de € 382.977,02 de uma conta sedeada na “E… …”, nos termos que ali constam e que aqui se dão por reproduzidos;
t) Foi na sequência do aludido em s) que o aqui requerente instaurou o aludido procedimento cautelar que correu termos no 3.º juízo de competência cível da Póvoa de Varzim, sob o n.º 2587/13.9TBPVZ;
u) A “E… …” desistiu das referidas execuções que correm termos no juízo de execução da Maia no âmbito dos processos n.º 2276/14.7TBMAI e 2319/14.4TBMAI, no que concerne ao requerente;
v) Na sequência do acordo aludido em i), a “E…, S.A” entregou ao aqui requerente a livrança aludida em g).
*
Do alegado pelas partes, com interesse para a decisão, não se provou:
1. O valor concreto da dívida da sociedade “D… …” para com a “E…, S.A” na sequência dos acordos celebrados entre ambas e aludidos em d);
2. A data concreta em que o aqui requerente procedeu ao pagamento à “E…, S.A” do valor total aludido na referida transacção celebrada entre ambos, no montante de 530.000,00 €;
3. O requerido tenha ou não património ou rendimentos suficientes para garantir o pagamento do valor que se mantém em dívida à “E…, na sequência das operações aludidas em d);
4. A “E…, S.A” e/ou o aqui requerente, tenham ou não notificado o aqui requerido do preenchimento da referida livrança, dos elementos que a constituem e do cálculo da importância na mesma inscrita;
5. A “E…, S.A” seja responsável pelo agravamento da situação económica da “D… …”.
*
Ainda antes de passar ao tratamento dos problemas implícitos na questão a que o presente recurso deve responder, cumpre salientar que o apelante não impugnou de todo a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto. Tal pretensão exigiria a observância das regras constantes do art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC, o que de forma alguma se verifica.
Temos, assim, por definitivamente fixado nos termos definidos na decisão em crise o substrato factual que servirá de premissa para a discussão da viabilidade da pretensão do requerente, de se reconhecer a situação de insolvência do requerido.
Nesta tarefa, importa ter presente o que seja uma tal situação de insolvência.
Dispõe o art. 3º, nº 1 do C.I.R.E “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”
O nº 2 da mesma norma dispõe ainda que “- As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.”. No caso em apreço, não obstante a actividade industrial imobiliária de onde procedem os compromissos financeiros que afligem o requerido, é inequívoco que é na sua dimensão individual que é pretendido o decretamento da insolvência, pelo que é ao nº 1 da norma referida que devemos ater-nos.
Operando a integração do conceito em análise, o artigo 20.º do mesmo código elenca vários factos que constituem indício da situação de insolvência e que serão suficientes para a declaração desta se, provados eles, a presunção que constituem não for elidida. Como refere Menezes Leitão (CIRE Anotado, 2012, 6ª ed., pg 69) “perante a alegação de um facto-índice, o devedor pode opor-se à declaração de insolvência, não apenas com base na inexistência do facto-índice, mas também com base na inexistência da própria situação de insolvência.” Caberá, nesse caso, ao devedor (art. 30º, nº 4 do CIRE) elidir a presunção de insolvência que resulta da verificação do facto indiciário. Enumeram-se tais factos no nº 2 do art 20º, nos seguintes termos:
“a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
2 – (…)”.
No caso em apreço, nenhuma conexão se encontra com as previsões constantes das alíneas a), c) e d), f), g) e h) da norma citada.
Mesmo no tocante à previsão da al. e), tendo sido mencionada a pendência de execuções contra o requerido, não foi alegada nem demonstrada a verificação judicial, em processo executivo, da insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do ali exequente. Cumpre, pois, descartar igualmente a hipótese aí prevista, por não se identificar o correspondente pressuposto fáctico.
Assim, perante a alegação do requerente, só será pertinente considerar a hipótese de o requerido se encontrar na situação da alínea b), í. é, em “Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”, como forma de indiciação da alegada situação da sua insolvência. De resto, o próprio apelante assim o entende, referindo-o expressamente no art. 17º do seu articulado de recurso.
Temos, em suma, que cabe verificar, perante os factos alegados, se o requerido se encontra “impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, o que se concluirá caso se possa dar por apurado que ele se encontra “em falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”, sendo que neste último caso se haverá de presumir a enunciada impossibilidade, sem prejuízo de o requerido demonstrar o contrário (neste sentido, cfr. Ac. do TRC de 9/5/2012, proc. nº 716/11.6TBVIS.C1: “II- O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. III - Ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no nº 1 do artº 20º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artº 3º. IV - Ou seja, provado(s) o(s) factos(s)-índice alegado(s) pelo requerente, a insolvência só não será declarada se o requerido ilidir a presunção dele(s) decorrente, demonstrando que, apesar da sua verificação, não se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, isto é, provando a sua solvência. V - Não se provando o(s) factos(s)-índice alegado(s) pelo requerente, a insolvência não poderá ser declarada, nada precisando o requerido de provar.).
Entre tais obrigações, deverá encontrar-se o crédito do próprio requerente (cfr. art. 25º do CIRE), o qual, para ser relevante substantivamente, isto é, para determinar ou influenciar a declaração de insolvência, preenchendo um pressupostos da al. b) do art. 20º do CIRE, tem de estar vencido.
Com efeito, é o próprio art. 3º do CIRE que, no seu nº 1, decreta como relevantes apenas as obrigações vencidas, em coerência com o que o art. 20º, nº 1, ao elencar factos de onde faz derivar a presunção da situação de insolvência, repete, na al. a), a relevância das obrigações que estejam vencidas, a propósito da suspensão generalizada de pagamentos, e, na al. b), sob o uso do conceito “falta de cumprimento”, tem implícita a circunstância de tal cumprimento já dever ter ocorrido, isto é, de já estar vencida a obrigação correspondente.
Com o que vem de expor-se, a relevar em sede substantiva, não se confunda a solução constante do corpo do nº 1 do art. 20º citado, estabelecida para efeitos de legitimidade processual, da qual deriva, para esse efeito – repete-se, exclusivamente para efeitos de legitimidade processual para o requerimento da declaração de insolvência – a suficiência da invocação de um crédito por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza desse crédito.
Com efeito, para um credor ter legitimidade processual para requerer a declaração de insolvência de um devedor, basta que alegue a titularidade de um crédito, ainda que este não esteja vencido, ainda que esteja sujeito a uma condição suspensiva ou resolutiva, ainda que o mesmo seja litigioso. Com tal se satisfaz a previsão do nº 1 do art. 20º (cfr. neste sentido, Ac. do TRC de 29-02-2012, proc nº, 689/11.5TBLSA.C1, em dgsi.pt)
Mas para que a insolvência seja decretada, procedendo substantivamente a correspondente pretensão de um credor, já não basta a identificação de créditos condicionados, por vencer, litigiosos e ou ilíquidos.
Como vimos, de outra densidade são os factos indiciários previstos nas alíneas do nº 1 do art. 20º, em harmonia com o nº 1 do art. 3º citado.
No caso em apreço, ninguém pôs em causa a legitimidade processual do requerente B…, para a dedução do presente procedimento de insolvência contra C…. A invocação do crédito com que dotou o seu requerimento inicial foi suficiente para assegurar tal legitimidade adjectiva.
Questão diferente é, porém, a de se descortinar se o processo proporcionou elementos factuais que facultem que se dê por verificada a facti species da al. b) do nº 1 do citado art. 20º.
Segundo a alegação do requerente, as obrigações vencidas e em incumprimento seriam o seu crédito, bem como o crédito da E…, entretanto já accionado para cobrança coerciva, em competentes acções executivas. Estas seriam, assim, as obrigações com cumprimento em falta e que, pelo seu montante pelas circunstâncias desse incumprimento, revelam a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
No tocante às obrigações invocadas e já em fase executiva, de que será credora a E…, importa desde já afirmar a sua irrelevância para a questão em análise. Com efeito, não obstante a matéria apurada a esse propósito sobre a origem e dimensão dos créditos remetidos para cobrança coerciva, pela E… (257.634,94 € e 2.632.281,33 €) também se apurou que os mesmos estão garantidos por hipotecas de 12 lotes de terreno, nove dos quais com moradias já construídas, que os mesmos incidem não apenas sobre o requerido, mas também sobre outro devedor (igualmente sócio da D… e relativamente a quem, em acção paralela, o aqui requerente também requereu a declaração de insolvência), bem como que esses mesmos créditos ainda vêm ser-lhes opostas excepções que podem conduzir, ainda que indirectamente, à redução do montante devido.
Por tudo isso, há que reconhecer a sua inaptidão para o preenchimento da previsão daquela al. b) do nº 1 do art. 20º, pois não se conhecem elementos que, em complemento dos referidos, viabilizem qualquer conclusão sobre a incapacidade do requerido para satisfazer a responsabilidade pessoal que dali lhe advier. E isso, antes de mais, por não ser minimamente possível estimar a dimensão dessa responsabilidade.
Consequentemente, para efeitos do preenchimento da referida previsão normativa, apenas fica disponível o crédito que o requerente alegou ter sobre o requerido.
A decisão do tribunal a quo é completa na descrição dos elementos factuais pertinentes para a avaliação da relevância deste crédito. Dispensando-se aqui a sua repetição, diremos resumidamente que o crédito que o requerente alega deter sobre o requerido corresponde ao exercício do seu direito de regresso, enquanto responsável solidário por uma obrigação que satisfez só por si, sobre um dos outros co-obrigados, em sede de satisfação de obrigações solidárias.
Com efeito, tendo a E… liquidado créditos pelos quais o aqui requerente seria co-responsável, em razão da sua qualidade de avalista em livranças em que tais obrigações foram cristalizadas e inscritas, assim completando o seu preenchimento, [cfr. al. k) da factualidade provada: 2.581.672,09 €, 252.681,56 € e 338.037,34 €, respectivamente e com datas de 2013/11/07], veio depois obter o pagamento de uma delas e de parte de outra operando uma compensação entre tais valores e um capital do próprio requerente, que se encontrava depositado em conta bancária junto da própria E….
Por essa via, a E… obteve o pagamento de 382.877,02 €, com o que deu por paga a livrança preenchida por 338.037,34 €, imputando o remanescente na satisfação parcial do crédito subjacente à livrança de 2.581.672,09 €.
Tendo o requerente recuperado a livrança de 338.037,34€, que a E… lhe entregou em contrapartida do seu pagamento integral, e considerando-se responsável por apenas ¼ desse capital, por ser apenas um dos quatro avalistas dela constantes, vem alegar deter sobre o requerido um crédito equivalente aos restantes ¾, num total de 253.528,00€, a acrescer com juros.
Foi, porém, por não lhe reconhecer a titularidade de um tal crédito que o tribunal a quo declarou improcedente a acção.
Na discussão feita na sentença, bem como no recurso, de resto em termos que constituem quase a essência deste, foi tratada a questão da verificação do direito que advém ao co-avalista que satisfaz a obrigação cambiária, de obter de outros avalistas a efectivação das respectivas responsabilidades.
Discutiu-se, então, sobre se o aqui requerente teria direito a ser reintegrado na proporção do capital satisfeito que transcendia a sua quota-parte de responsabilidade, se teria direito a obter de cada co-avalista só a respectiva quota-parte, ou se, permanecendo solidária a obrigação entre estes, poderia demandar de qualquer deles a totalidade do remanescente.
Note-se, a este propósito, que o aqui requerente não só vem invocar o referido crédito de 253.528,00€, a acrescer com juros, sobre o aqui requerido, como, paralelamente, invoca a titularidade de crédito idêntico sobre outro dos co-avalistas, em acção tendente também à declaração da respectiva insolvência. Ou seja, invoca relativamente ao aqui requerido (fazendo-o aparentemente em paralelo relativamente a outro co-avalista) a totalidade do remanescente, apenas descontando o que calculou ser a proporção da sua responsabilidade.
É no âmbito da mesma discussão que vem invocado o decretado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2012, de 5/6/2012 (proc. nº 2493/05, disponível em www.dgsi.pt, publicado no DR de 17.7.2012.), onde se decidiu: “Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.
Verifica-se que este acórdão funda o direito de regresso do avalista sobre outros garantes com a mesma qualidade na regra do art. 524º do CC, numa solução de solidariedade legal e rejeitando que a relação entre os diversos avalistas de um mesmo avalizado constitua uma relação cambiária.
Explicitando ainda o sentido desta decisão, refere Carolina Cunha (Cadernos de Direito Privado, nº40, Outubro/Dezembro de 2012, pág. 41 e segs.): “Em suma, no plano das relações internas entre os diversos avalistas de um mesmo avalizado o direito de regresso do (ou dos) solvens tem fonte legal no art. 524º do CC, pelo que o seu exercício dispensa a existência e prova de qualquer convenção extracambiária. Quanto à repartição interna da responsabilidade entre os diversos avalistas, o regime legal supletivo é o da igualdade: na ausência (agora sim) de convenção ou de outra relação especial entre eles, comparticipam na dívida em partes iguais (art. 516º do C.C.). Portanto, do ponto de vista processual, será aos avalistas demandados pelo solvens que cabe alegar e provar a existência de desvios à regra da repartição igualitária”.
Significa isto, para o caso em apreço, que, desde logo por não ter sido alegada e provada por qualquer das partes um qualquer acordo de desvio à regra de comparticipação equivalente prescrita, por defeito, no art. 516º do C. Civil, o direito de regresso do requerente sobre o requerido, em função do pagamento integral da livrança que aqui invoca como titulando o seu crédito, jamais poderia ser o equivalente a ¾ do referido montante, antes se reduzindo a ¼ do mesmo.
Assim, em tal hipótese, o crédito apto a subsumir à previsão da al. b) do nº 1 do CIRE, sempre haveria de ser apenas o de ¼ de 338.037,34 €, isto é de 84.509,36€ (a acrescer com juros). Seria, pois, em função de um tal valor que se haveria de afirmar a aptidão desse crédito para a indiciação sobre a incapacidade do requerido quanto à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações. Acontece que, por um lado, o valor absoluto desse crédito, de per si, assim limitado a cerca de 84.500€, não faculta tal conclusão; por outro lado, o seu contexto – desprovida de utilidade, para esse efeito, a ponderação do relacionamento financeiro entre o requerido e a E…, pelos motivos expostos supra – também não permite aferir dessa mesma incapacidade.
Já pela razão que acaba de se expor estaria prejudicada a actuação do disposto no art. 20º, nº 1, al. b) do CIRE, para efeitos de sustentação da presunção da situação de insolvência do requerido. Mas outra razão se encontra, para essa mesma conclusão negativa, que o tribunal a quo já formulou e que o recurso colocou em crise.
O art. 524º do C. Civil, feito aplicar no âmbito das relações internas entre co-avalistas de uma mesma obrigação, apenas atribui o direito de regresso relativamente à parte que o devedor solidário tiver satisfeito para além da proporção que lhe caberia, na hipótese de repartição igualitária do custo entre todos os co-obrigados. Tal regra de proporcionalidade encontra-se, assim, consagrada quer no tocante à quantificação do direito de regresso, quer no tocante à sua repartição por todos os condevedores, resultando da interpretação conjugada do citado art. 524º e do art. 516º do C. Civil.
Por isso, a conclusão por um direito de regresso do aqui requerente sobre o requerido, em função da relação do aval que ambos, e outros, prestaram relativamente a um mesmo conjunto de obrigações, entre as quais a titulada pela livrança aqui invocada , sempre implicaria a admissão de que esse mesmo requerente satisfez tal ou tais obrigações para além da quota-parte de responsabilidade que lhe competia. Só relativamente a tal excesso que se verificaria o direito de regresso.
No entanto, no caso sub judice, a consolidação do relacionamento financeiro entre o requerente e a E…, nos termos consagrados na transacção que celebraram, exclui que se identifique um tal excesso.
Resulta inequivocamente do conteúdo de tal transacção, descrito sob a al. k) da matéria provada, que de todo o capital reclamado pela E…, em razão dos três contratos financeiros identificados e das três livranças que, por referência ao resultado de cada um deles, foram preenchidas e dadas a execução, a responsabilidade do requerente ficou reduzida a 530.000€. Com o recebimento desse valor, a E… deu por exonerada a responsabilidade do aqui requerente, apesar de garante da totalidade do capital ainda em dívida, tendo-se obrigado a nada mais lhe exigir e só dos demais co-obrigados vir a exigir o remanescente.
Em função dessa solução, é inviável concluir que o crédito aqui invocado sobre o requerido, compreendido nesse valor de 530.000€, possa corresponder a um excedente de cumprimento, por referência à proporção do capital que ao requerente cabia satisfazer à E…, no lugar da sociedade avalizada. O que se indicia é, de resto, o contrário, isto é, que aquele valor corresponderá à proporção da responsabilidade do requerente.
Daí que seja inviável concluir que, em função do valor que satisfez à E…, numa operação em que foi consolidada a sua responsabilidade pelas diversas operações financeiras pendentes, na qualidade de co-avalista, o requerente tenha satisfeito qualquer valor a mais para além da proporção que lhe cabia, havendo pois um remanescente que, por via do direito de regresso, possa exigir do aqui requerido. Não se identifica um qualquer crédito apto a constituir esse direito. E isso prejudica igualmente o preenchimento da norma constante da al. b) do nº 1 do art. 20º do CIRE.
Contra isto não é válido um argumento que o apelante usa nesta sede de recurso, designadamente o de que lhe deverá ser reconhecido o direito de regresso relativamente ao que, considerando apenas o valor da livrança de 338.037,34 €, excede a sua responsabilidade, pois que, demandando a E… os outros avalistas para o pagamento das outras livranças, eles virão, por sua vez, exercer um direito de regresso relativamente ao que ali pagarem em seu lugar.
Com efeito, e precisamente na mesma lógica do anteriormente expendido, jamais poderá ser facultado o exercício de um tal direito de regresso, sobre o ora apelante, aos outros avalistas pelas quantias que venham a satisfazer no lugar da empresa avalizada, pois que a tal sempre irá o ora apelante opor já ter satisfeito a quota-parte da sua responsabilidade relativamente às operações financeiras em questão.
Por fim, resta referir, aliás em consonância com o entendimento do próprio apelante, que para a solução desta questão são alheias as regras estabelecidas para a fiança e para as relações entre fiadores, constantes do art. 650º do C.Civil.
Com efeito, as relações entre os co-avalistas aferem-se por aplicação do regime resultante dos arts. 516º e 514º do C. Civil, nos termos citados. Já as relações entre os avalistas e a sociedade avalizada, designadamente no respeitante à possibilidade de o aqui requerente recuperar o capital satisfeito à E… junto da avalizada D…, são relações tipicamente cambiárias, a resolver à luz das regras da Lei Uniforme. Isso, porém, não é o que está em causa neste processo de insolvência.
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Resta, assim, concluir que, não se tendo apurado a verificação de qualquer facto subsumível à norma da al. b) do nº 1 do art. 20º do CIRE, nem qualquer circunstância passível de fazer concluir, nos termos do nº 1 do art. 3º do mesmo diploma, que o requerido C… se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, só pode improceder o pedido de declaração da sua insolvência. O que, de resto, foi decidido pelo tribunal a quo em sentença que, por todo o exposto, cumpre confirmar, na improcedência total do presente recurso.
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Sumariando:
- Para um credor ter legitimidade processual para requerer a declaração de insolvência de um devedor, basta que alegue a titularidade de um crédito, ainda que este não esteja vencido, ainda que esteja sujeito a uma condição suspensiva ou resolutiva, ainda que o mesmo seja litigioso. Com tal se satisfaz a previsão do nº 1 do art. 20º.
- Mas para que a insolvência venha a ser decretada, procedendo substantivamente, já não basta a identificação de créditos meramente condicionados, litigiosos e ou ilíquidos; de outra densidade são os factos indiciários previstos nas alíneas do nº 1 do art. 20º, em harmonia com o nº 1 do art. 3º citado, que têm de se demonstrar, para, por presunção ou prova directa, se sustentar a conclusão por uma concreta situação de insolvência.
- O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2012, de 5/6/2012, publicado no DR de 17.7.2012 funda o direito de regresso do avalista sobre outros garantes com a mesma qualidade, na regra do art. 524º do CC, numa solução de solidariedade legal e rejeitando que a relação entre os diversos avalistas de um mesmo avalizado constitua uma relação cambiária ou careça de prévia convenção extracambiária.
- Quanto à repartição interna da responsabilidade entre os diversos avalistas, o regime legal supletivo é o da igualdade.

3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a douta decisão recorrida.
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Custas pelo apelante.

Porto, 10/2/2015
Rui Moreira
Henrique Araújo
Fernando Samões