Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6263/21.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PERSONALIDADE JURÍDICA E CAPACIDADE JUDICIÁRIA
AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE PASSIVA DO CONDOMÍNIO OU TAMBÉM DOS CONDÓMINOS QUE A APROVARAM
INTERVENÇÃO PRINCIPAL DOS CONDÓMINOS
Nº do Documento: RP202201256263/21.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Correndo acção contra um condomínio, representado pelo respectivo administrador, para anulação de uma deliberação de assembleia de condóminos, não podem os condóminos que a votaram intervir na acção a título principal, ao lado do próprio Condomínio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. Nº 6263/21.0T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 1

REL. N.º 647
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO

AA, e esposa, BB, propuseram uma ação de anulação de deliberação da assembleia de condomínio, datada de 19 de fevereiro de 2021, do prédio sito no Largo …, n.ºs .. e .., no Porto, contra o réu Condomínio do Edifício representado pela sua administração “CC – Administração de Condomínios, Unipessoal, Ldª”.
Alegaram serem titulares de duas das 9 fracções resultantes da constituição do referido prédio em propriedade horizontal, invocando razões várias para pretenderem a anulação da referida anulação.
O Condomínio, representado pelo sua administradora, contestou.
Sucessivamente, DD, EE, FF e GG, alegando serem proprietários de fracções autónomas no mesmo edifício, vieram requerer a sua intervenção espontânea como partes principais, no lado passivo, oferecendo articulado de contestação próprio, nos termos dos arts. 311º e segs. do CPC.
Tal pretensão foi-lhes indeferida. Entendeu o tribunal, na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-7-2019 (em dgsi.pt), bem como de outra jurisprudência e doutrina, “…. que as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas exclusivamente contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.” E concluiu: “Consequentemente, forçoso é concluir que os ora requerentes são parte ilegítima na presente acção, sendo este um dos casos em que a lei indica expressamente o titular do interesse relevante em contradizer (cfr. art. 33º, nº 3, 1ª parte, do CPC).
Ocorre, assim, uma excepção dilatória insuprível fundadora de indeferimento liminar do requerimento de intervenção, nos termos dos arts. 590º, nº 1, e 315º, nº 1, do CPC.
Pelo exposto, indefiro liminarmente a requerida intervenção espontânea passiva de DD, EE, FF e GG.”
É, pois, desta decisão que vem interposto recurso, pelos requerentes da sua própria intervenção principal, que o termina formulando as seguintes conclusões:
“I. Sempre se dirá que, mal andou o Tribunal a quo na Conclusão / Sentença ora em crise na prolação de decisão contrária ao que seria desejável em nome da justiça e do significado directo da eficiência e da confiança para a concretização dos fins do Processo Civil.
Senão vejamos,
2. Os Apelantes requereram, nos termos dos arts. 311º e ss do CPC , a sua intervenção espontânea, no lado passivo, através de articulado de contestação próprio. Alegaram, para o efeito, que são proprietários de fracções autónomas do edifício sito no Largo …, nºs. .. e .., Porto, e por isso condóminos, tendo assim, legitimidade para contestar a acção de impugnação de deliberação de assembleia de condóminos daquele edifício apresentada pelos AA.
3. O Tribunal a quo fez errónea interpretação do Direito e em consequência má aplicação do Direito, pois o reconhecimento da legitimidade do réu condomínio nunca poderia ser fundamento de indeferimento da intervenção espontânea dos Apelantes pelo lado passivo, decisão com a qual os Apelantes não se conformam.
4. O Tribunal a quo confundiu a alegada legitimidade do réu condomínio, como parte principal, com a legitimidade dos Apelantes para intervirem nos autos fazendo valer um interesse próprio como parte principal paralelo ao do réu condomínio.
5. Se por um lado as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o(s) condómino(s), pois a legitimidade processual não se confunde com a personalidade judiciária e são distintos os pressupostos em que assentam cada um dos institutos, sem prejuízo do art. 1433° n°. 6 do Código Civil, permitir ao administrador do condomínio ou a pessoa que a assembleia de condóminos designar a representação judiciária dos condóminos contra quem as acções são propostas, apenas os condóminos que aprovaram as deliberações impugnadas estão investidos de legitimidade processual passiva para a demanda.
6. Miguel Teixeira de Sousa resumiu no seu blog em publicação muito recente, de Maio deste ano, disponível neste link (…), na qual entendeu discordar da orientação de alguns acórdãos desta Relação, em particular o de 26 de Outubro de 2020. Neste sentido, o Autor escreve que Salvo o devido respeito, o acordão (aludindo ao de 26.10.2020) – e à orientação que a ele está subjacente -- padece de um equívoco.». Para se justificar urna interpretação actualista do art. 1433° nº. 6 CC é necessário que tenha ocorrido uma mudança legislativa que imponha que onde se lê nesse preceito, "condóminos", se deva ler "condomínio". Ora a única alteração legislativa que se verificou foi a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio, através do disposto no art. 12". al. e) do CPC. Isso sucedeu, no entanto, não de forma irrestrita, mas apenas "relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador", Qualquer que seja o sentido que se atribua a esta expressão, é claro que: - A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante aos poderes do administrador, dado que, o art, 1436° CC não atribui ao administrador nenhuns poderes para a impugnação de deliberações sociais, nem, muito menos para ser demandado numa acção de impugnação de uma deliberação social: - A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante às relações entre o condomínio e o administrador. pelo que, nesta base. também, não pode ser reconhecida personalidade judiciária (nem legitimidade processual) ao condomínio.
7. Para além desta opção pela vertente legalmente mais consentânea com a redacção do art. 1433° n". 6 CC que estabelece serem estas as acções propostas "contra os condóminos" e não contra o condomínio ou quem o administra, outras ordens de razões se perfilam neste sentido.
8. Um primeiro motivo decorre da própria natureza deste tipo de litígios. Na verdade, o que se pretende pôr em causa é a posição, individualmente assumida, por aqueles que votaram favoravelmente a deliberação que se pretende impugnar. Ora estes são os condóminos e só estes - nada concerne ao condomínio no seu todo ou ao seu administrador, enquanto tal. Resulta claro que tal voto surge no contexto do exercício da livre da autonomia privada em função de interesses concretos e específicos de cada condómino em nada subsumíveis aos interesses colectivos do condomínio. Estão sempre em causa litígios entre condóminos.
9. Ou seja, a questão da impugnação das deliberações é uma questão entre condóminos e a discrepância entre a posição destes decorre das posições individuais de cada um deles - por isso, a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação sempre deve radicar nos próprios condóminos.
10. Uma segunda ordem de razões assume uma natureza conceptual. A legitimidade processual não se confunde com a personalidade judiciária. sendo, manifestamente, distintos os pressupostos em que assentam os institutos respetivos. A atribuição de personalidade judiciária ao condomínio através do disposto no art. 12.", al. e) do CPC não confere. necessariamente, a este a possibilidade de se assumir como parte em todas as acções que envolvam a assembleia de condóminos. Como vimos acima e sublinha Miguel Teixeira de Sousa, isso acontece apenas "relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador" e nessas não se elenca a presente acção.
Neste sentido, perfilhamos a solução propugnada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC Anotado, VoI. 2º, 3ª edição, pág. 122), a propósito do artigo 383º do CPC relativamente à legitimidade processual activa e passiva no pedido de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, situação em tudo similar à deste tipo de acções de impugnação, em sede principal, das deliberações desta assembleia. Neste mesmo sentido, escrevem ouros autores: "tem legitimidade para requerer a suspensão quem a tem para propor a acção de anulação: qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação (art. 1433-1 CC). A suspensão há de ser pedida contra os restantes condóminos, representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designe para o efeito (n.º 2 e art, 1433-6 CC)." Haverá, portanto, que distinguir entre aquele a quem cabe a legitimidade passiva, quer na suspensão das deliberações da assembleia. quer, como no nosso caso, na acção de impugnação das deliberações da assembleia condóminos - a nosso ver, cabe aos condóminos - com aquele a quem possa caber, depois, a sua representação, eventualmente ao administrador. A alínea e) do art. 30º do CPC diz respeito à personalidade judiciária e à extensão da mesma; mas o que está em causa, no nosso caso, entronca noutro âmbito distinto, restrito, relativo à legitimidade processual. Ora, nos termos do n.º 3 do art. 30º do CPC a determinação da legitimidade deve ser aferida em função da titularidade da relação material controvertida e, como vimos, apenas aos condóminos, e não ao condomínio, essa titularidade pode ser imputada tendo em conta, justamente, a controvérsia subjacente a esta relação material.
11. A legitimidade passiva na acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos cabe a cada um dos condóminos e, dentro destes, apenas àqueles que votaram favoravelmente as deliberações, na medida em que são os únicos que reúnem interesse em contradizer no âmbito da relação material controvertida.
12. Estes motivos remetem-nos, ainda, para um argumento final, concernente à própria substância do conflito, já acima aflorado e que igualmente nos parece ponderoso: a intervenção do condomínio, representado em juízo pelo administrador, vincula, responsabiliza todos os condóminos ou, pelo menos, todos aqueles que não tenham intentado, do lado activo as acções de impugnação ou anulação; deste modo, como consequência dessa responsabilização que se repercute, nomeadamente, em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio, "os respectivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respectivas" (citamos acórdão por nós relatado em 24 de Janeiro de 2017, processo nº7496/ 07.8YYPRT-13.P1).
13. Sucede que esta responsabilização dos condóminos, apenas atribuível caso reconheçamos legitimidade processual passiva ao condomínio, não fará, salvo melhor opinião, qualquer sentido relativamente àqueles condóminos que, não tendo sequer aprovado a deliberação, se arriscam a ser chamados a responsabilizar-se, em caso de improcedência da posição assumida pelo condomínio que pugnou pela validade da deliberação em causa (v.g. através do pagamento de custas, incluindo as de parte, ou do pagamento de honorários judiciais).
14. Em síntese conclusiva: considerando o teor da norma legal aplicável (artigo 1433º, n.º 6 do Código Civil) que, mal ou bem, impõe que esta acção seja intentada contra o(s) condóminos: considerando a natureza deste tipo de acções que diz respeito aos interesses particulares de cada condómino, conflituantes entre si, e não a um qualquer interesse comum do condomínio; considerando estar em causa uma questão de legitimidade processual e não uma extensão da personalidade judiciária concedida ao condomínio, aliás afastada na lei, e considerando, finalmente, que não faria sentido impor, neste tipo de acções, uma responsabilização indirecta ou mediata aos condóminos por força de urna intervenção processual autónoma do condomínio, entendemos dever perfilhar a posição quanto à legitimidade processual passiva do condómino demandado.
15. Aliás este é entendimento perfilhado no Douto Acórdão do Tribuna! d,l Relação do Porto de 08-06-2021 no Processo n" 1849/ 20.3T8MTS. PI.
Por outro, lado e não obstante o supra exposto,
16. O despacho recorrido de indeferimento da intervenção dos Apelantes nos autos, assenta num pressuposto errado, como acima demonstrámos, o da alegada legitimidade passiva do condomínio na presente acção para fundamentar a alegada ilegitimidade dos Apelantes a intervirem nos autos. Ora, ainda que assim fosse, isto é. que o condomínio tivesse legitimidade passiva, o que não admitimos, nunca estaria vedada aos Apelantes a legitimidade destes para intervirem nos autos, pois pretendem fazer valer um direito próprio paralelo ao réu, o que o fizeram através de articulado de contestação próprio. Assim, ao invés do despacho de indeferimento da intervenção dos Apelantes deveria o Tribunal a quo rejeitar liminarmente a petição inicial nos termos do art 590º do CPC por o pedido ser manifestamente improcedente atendendo ao sujeito demandado, aplicando-se em consequência, o disposto no art. 560º CPC, ou providenciar pelo suprimento da excepção dilatória da ilegitimidade do demandado condomínio ab initio e sem mais delongas processuais.
17. Ora, o 'Tribunal a quo não só reconheceu erradamente a legitimidade processual do réu condomínio, como ainda usou tal fundamento para indeferir a intervenção dos Apelantes ao arrepio da letra da Lei. violando as normas supracitadas.
18. Não pode haver uma interpretação contrária à própria letra da lei.
19. A acção de anulação de deliberações da Assembleia de Condomínio deve ser intentada contra o condómino presente e não contra o Condomínio, pelo que, os Apelantes são partes legítimas.
20. E em consequência deve ser revogada a Douta Sentença recorrida e substituída por outra que considere os Apelantes partes legítimas e que a acção prossiga os ulteriores termos processuais.
21. A decisão recorrida violou as normas citadas pelo que, em consequência, deverá ser revogada a decisão recorrida e ordenada a prossecução dos autos com a necessária, adequada e devida intervenção dos Apelantes nos autos, e ainda a ordenado o suprimento da excepção de ilegitimidade do Réu condomínio nos termos do disposto no art. 590º e 560º do CPC.
Na procedência do recurso revogada a conclusão / sentença recorrida, considerando-se os apelantes partes legítimas a intervirem nos autos e, em consequência, declarando-se a ilegitimidade processual do réu condomínio, devendo a presente acção prosseguir os ulteriores termos processuais, com as cominações legais.”
Os autores ofereceram resposta ao recurso, defendendo a confirmação da decisão recorrida, essencialmente com referência aos fundamentos dela própria constantes, quanto à legitimidade do réu Condomínio. Mas alegam também que os recorrentes nunca podem ser admitidos a intervir por via de um incidente de intervenção espontânea, para defenderem interesses iguais aos do réu, na medida em que alegam que o interesse é próprio e não do réu, assim rejeitando o pressuposto desse mesmo incidente, v.g. correspondente a uma situação de litisconsórcio.
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Cumpre decidir.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, a questão a decidir consiste em saber se uma acção de anulação de uma deliberação de assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, representado pelo respectivo administrador, ou se, contrariamente, deve ser intentada contra os condóminos que votaram a deliberação a fim de, nesta hipótese, e correndo a acção contra o condomínio, decidir se podem os condóminos ali participar através de incidente de intervenção principal espontânea, excluindo da causa o condomínio, por ilegitimidade.
Verifica-se, assim, que o problema não está puramente em decidir da legitimidade passiva numa acção de anulação de deliberações de uma assembleia de condóminos. No caso, questão subsequente será a de saber se, admitindo a sua legitimidade para o efeito, poderão os condóminos intervir na acção que corra contra o condomínio, como acontece no caso sub judice.
Quer a decisão recorrida, quer o recurso dos intervenientes rejeitados, quer a resposta dos autores/recorridos demonstram um conhecimento completo quanto à controvérsia instalada na doutrina e na jurisprudência acerca da primeira questão.
A decisão recorrida sustentou a necessidade de uma interpretação actualística do nº 6 do art. 1433º do C. Civil, para concluir que a legitimidade passiva neste tipo de acções cabe ao condomínio, representado pelo administrador, daí inferindo a ilegitimidade dos condóminos requerentes da sua intervenção principal, ora apelantes, com o consequentemente indeferimento da sua intervenção. Na presente apelação, impugna-se esta solução.
Sendo por demais conhecidos os argumentos a favor de uma e outra tese, e tendo dois dos membros deste colectivo subscrito acórdão recente sobre a questão, aliás em sentido diverso da decisão recorrida, desnecessário se torna voltar a escalpelizar as razões de uma ou outra solução, restando reproduzir aqui a solução então determinada, que nenhuma razão leva a que seja alterada para o caso presente.
Assim, em 8/6/2021, no proc. nº 1849/20.3T8MTS.P1, relatado pelo Juiz Desembargador Igreja Matos, decidiu-se:
“Assim, de acordo com o artigo 12º, alínea e) do Código de Processo Civil, a personalidade judiciária estende-se ao condomínio, embora circunscrita às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. E isto porque tal norma remete diretamente para o artigo 1437º do Código Civil e também para o artigo 1436º que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui apenas a execução das deliberações da assembleia (alínea h), do artigo 1436º do Código Civil). Finalmente, o nº 6, do artigo 1433º do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito (negrito nosso).
Não valerá muito a pena descrever as posições opostas sobre esta matéria quer da doutrina quer da jurisprudência; tal tarefa de investigação e recolha encontra-se presente já em vários arestos jurisprudenciais facilmente acessíveis nas bases de dados jurisprudenciais.
Por todos, elenque-se o Acórdão desta Relação do Porto, já citado na sentença apelada, presente no processso nº 232/16.0T8MTS.P1, de 13 de fevereiro de 2017.
Nela pode ler-se: “Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão recorrida sustentando que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio e não aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada. (...) A questão decidenda tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores, embora a que provém do Supremo Tribunal de Justiça seja maioritária no sentido da decisão recorrida. A doutrina também se apresenta dividida e, nalguns casos, com algumas ambiguidades, embora pareça dominante a que se pronuncia no sentido sustentado pelos recorrentes.”
Depois, citam-se, com explicitação dos mesmos, quinze arestos, nove no sentido defendido pela decisão recorrida e seis em sentido contrário, ao passo que na doutrina citam-se igualmente diversos autores com posições díspares. Nomeadamente, alude-se a Abrantes Geraldes, o qual afirma pertencer a legitimidade passiva aos condóminos que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC, e elencam-se autores que defendem esta mesma tese como Miguel Mesquita, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre e ainda, embora “com alguma ambiguidade”, Lopes do Rego.
Por sua vez, a decisão mais recente deste nosso Tribunal da Relação sobre este dissídio que nos foi possível recensear, podendo existir outras, data de 26 de outubro de 2020, processo nº 902/19.0T8PFR.P1, detalhando-se no respetivo sumário que “em ação de impugnação de deliberação de assembleia dos condóminos instaurada ao abrigo do disposto no artigo 1433º nº 1 do CC e adotando uma interpretação atualista do nº 6 deste mesmo artigo, é o condomínio representado pelo seu administrador ou pessoa que a assembleia designar quem deve ser demandado.”
Este manifesto conflito entre duas posições antagónicas relativamente a uma orientação que nega a legitimidade processual passiva do condomínio com uma outra que a atesta surge-nos igualmente retratado no Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2019, processo nº 26294/17.4T8LSB.L1-2, em que a decisão foi inclusivamente tomada por maioria, com um voto de vencido no coletivo de juízes.
Diremos, numa síntese possível, que se defrontam, no essencial, duas teses: uma que, em nome de uma maior agilização processual, atribui a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos ao condomínio, representado pelo administrador, “pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio” (citamos o acórdão desta Relação de 2017) com uma outra, mais atreita à letra da lei, e que Miguel Teixeira de Sousa resumiu no seu blog em publicação muito recente, de Maio deste ano, disponível neste link (https://blogippc.blogspot.com/2021/05/jurisprudencia-2020-209.html), na qual entendeu discordar da orientação dos citados acórdãos desta Relação, em particular o de 26 de Outubro de 2020. Neste sentido, o Autor escreve: “Salvo o devido respeito, o acórdão (aludindo ao de 26.10.2020) - e a orientação que a ele está subjacente -- padece de um equívoco. Para se justificar uma "interpretação actualista" do art. 1433.º, n.º 6, CC é necessário que tenha havido alguma mudança legislativa que imponha que, onde nesse preceito se lê "condóminos", se deva ler "condomínio". Ora, a única alteração legislativa que se verificou foi a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio através do disposto no art. 12.º, al. e), CPC. Isso sucedeu, no entanto, não de forma irrestrita, mas apenas "relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador". Qualquer que seja o sentido que se atribua a esta expressão, é claro que: - A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante aos poderes do administrador, dado que o art. 1436.º CC não atribui ao administrador nenhuns poderes para a impugnação de deliberações sociais, nem, muito menos, para ser demandado na acção de impugnação de uma deliberação social; - A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante às relações entre o condomínio e o administrador, pelo que, nesta base, também não pode ser reconhecida personalidade judiciária (nem legitimidade processual) ao condomínio.
Em suma: qualquer que seja a interpretação que se faça do disposto no art. 12.º, al. e), CPC (sendo certo que a interpretação aceitável é a segunda), nenhuma delas permite atribuir personalidade judiciária ao condomínio numa acção de impugnação de uma deliberação social.”
Para além desta opção pela vertente legalmente mais consentânea com a redação do artigo 1436º, nº6 do Código Civil que estabelece serem estas ações propostas “contra os condóminos” e não contra o condomínio ou quem o administra, parece-nos que se perfilam outras três ordens de razões a tender nesta mesma direção.
Um primeiro motivo decorre da própria natureza deste tipo de litígios. Na verdade, o que se pretende pôr em causa é a posição, individualmente assumida, por aqueles que votaram favoravelmente a deliberação que se pretende impugnar; ora, estes são os condóminos e só estes - nada concerne ao condomínio no seu todo ou ao seu administrador, enquanto tal. Resulta claro que tal voto surge no contexto do exercício da livre autonomia privada em função de interesses concretos e específicos de cada condómino em nada subsumíveis aos interesses coletivos do condomínio. Estão sempre em causa litígios entre condóminos, no caso até apenas dois, um que votou favoravelmente uma determinada deliberação e outro que se opõe a esta. A circunstância de estarmos perante um único condómino demandado torna ainda mais impressivo o argumento ora expendido.
Ou seja, a questão da impugnação das deliberações é uma questão entre condóminos e a discrepância entre a posição destes decorre das posições individuais de cada um deles – por isso, a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação sempre deve radicar nos próprios condóminos.
Uma segunda ordem de razões assume uma natureza conceptual.
A legitimidade processual não se confunde com a personalidade judiciária, sendo, manifestamente, distintos os pressupostos em que assentam os institutos respetivos.
A atribuição de personalidade judiciária ao condomínio através do disposto no art. 12.º, al. e) do CPC não confere, necessariamente, a este a possibilidade de se assumir como parte em todas as ações que envolvam a assembleia de condóminos. Como vimos acima e sublinha Miguel Teixeira de Sousa, isso acontece apenas “relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” e nessas não se elenca a presente ação. Neste sentido, perfilhamos a solução propugnada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 122), a propósito do artigo 383º do CPC relativamente à legitimidade processual ativa e passiva no pedido de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, situação em tudo similar à deste tipo de ações de impugnação, em sede principal, das deliberações desta assembleia. Neste mesmo sentido, escrevem os autores: “tem legitimidade para requerer a suspensão quem a tem para propor a ação de anulação: qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação (art. 1433-1 CC). A suspensão há de ser pedida contra os restantes condóminos, representados pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designe para o efeito (n.º 2 e art. 1433-6 CC). Na falta desta designação, é, pois citado para o procedimento cautelar o administrador do condomínio.”
Haverá, portanto, que distinguir entre aquele a quem cabe a legitimidade passiva quer na suspensão das deliberações da assembleia quer, como no nosso caso, na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos - a nosso ver, cabe aos condóminos – com aquele a quem possa caber, depois, a sua representação, eventualmente ao administrador.
A alínea e) do art. 12.º do CPC diz respeito à personalidade judiciária e à extensão da mesma; mas o que está em causa, no nosso caso, entronca noutro âmbito distinto, restrito, relativo à legitimidade processual. Ora, nos termos do n.º 3 do art. 30.º do CPC a determinação da legitimidade deve ser aferida em função da titularidade da relação material controvertida e, como vimos, apenas aos condóminos, e não ao condomínio, essa titularidade pode ser imputada tendo em conta, justamente, a controvérsia subjacente a esta relação material.
A legitimidade passiva na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos cabe a cada um dos condóminos e, dentro destes, apenas àqueles que votaram favoravelmente as deliberações, na medida em que são os únicos que reúnem interesse em contradizer no âmbito da relação material controvertida.
Estes considerandos remetem-nos para um argumento final, concernente à própria substância do conflito, já acima aflorado e que igualmente nos parece ponderoso: a intervenção do condomínio, representado em juízo pelo administrador, vincula, responsabiliza todos os condóminos ou, pelo menos, todos aqueles que não tenham intentado, do lado ativo, as ações de impugnação ou anulação; deste modo, como consequência dessa responsabilização que se repercute, nomeadamente, em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio, “os respetivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respetivas” (citamos acórdão por nós relatado em 24 de Janeiro de 2017, processo nº7496/07.8YYPRT-B.P1).
Sucede que esta responsabilização dos condóminos, apenas atribuível caso reconheçamos legitimidade processual passiva ao condomínio, não fará, salvo melhor opinião, qualquer sentido relativamente àqueles condóminos que, não tendo sequer aprovado a deliberação, se arriscam a ser chamados a responsabilizar-se, em caso de improcedência da posição assumida pelo condomínio que pugnou pela validade da deliberação em causa (v.g. através do pagamento de custas, incluindo as de parte, ou do pagamento de honorários judiciais).
Em síntese conclusiva: considerando o teor da norma legal aplicável (artigo 1433.º, n.º 6 do Código Civil) que, mal ou bem, impõe que esta ação seja intentada contra o(s) condóminos; considerando a natureza deste tipo de ações que diz respeito aos interesses particulares de cada condómino, conflituantes entre si, e não a um qualquer interesse comum do condomínio; considerando estar em causa uma questão de legitimidade processual e não uma extensão da personalidade judiciária concedida ao condomínio, aliás afastada na lei, e considerando, finalmente, que não faria sentido impor, neste tipo de ações, uma responsabilização indireta ou mediata aos condóminos por força de uma intervenção processual autónoma do condomínio, entendemos dever perfilhar a posição defendida no recurso deduzido quanto à legitimidade processual passiva do condómino demandado.”
Como se referiu supra, nenhuma razão encontramos para divergir do que então se decidiu, pelo que aqui se conclui, quanto a este tipo de acções, pela legitimidade passiva dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, na medida em que são os únicos que reúnem interesse em contradizer, no âmbito da relação material controvertida.
Note-se, porém, que esta conclusão que agora se enuncia não se destina a decidir sobre a legitimidade passiva nesta causa, mas apenas a servir de pressuposto para a apreciação da possibilidade de os ora apelantes intervirem nestes mesmos autos a título principal, por via do incidente de intervenção espontânea que deduziram. Com efeito, se se concluísse pela sua ilegitimidade, prejudicado estaria a viabilidade do incidente.
Dada a nossa opção pela solução diversa, cumpre discutir se, com tal pressuposto, deve ser admitida a respectiva intervenção. Porém, isso jamais habilitará este tribunal de recurso a decidir da legitimidade passiva do próprio réu condomínio, pois uma tal decisão do tribunal recorrido, ainda que implícita no indeferimento do incidente de intervenção, não está agora em causa.
Os ora apelantes assentaram a sua intervenção no disposto no art. 311º e 314º do CPC, intervindo por articulado próprio, designadamente por contestação oferecida à petição dos autores.
Esse art. 311º e o 312º do CPC dispõe o seguinte:
Artigo 311.º -Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.
Artigo 312.º - O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.
Diferentemente da hipótese prevista nestas normas, no caso dos autos não há um direito que seja da titularidade do condomínio, que esta entidade tenda a defender/exercer, a par do qual se possa identificar outro ou uma série de outros, paralelos, titulados por cada um dos condóminos.
Por um lado, como se sabe, o condomínio não tem personalidade jurídica, não sendo titular de direitos e obrigações. Como se explica no proc. nº 78/17.8T8VGS.P1, em acórdão deste TRP de 25/10/2018, “O condomínio não dispõe de personalidade jurídica não podendo por isso ser titular de direitos. Ao atribuir personalidade judiciária ao condomínio o legislador confere-lhe a possibilidade de ser parte em juízo, mas apenas nas acções que se integrem no âmbito das funções e dos poderes do administrador do condomínio e só nestas, como decorre do art.º 1437.º do C.Civil.” Mais se esclarece no acórdão do TRL de 28-09-2021 (proc. nº 4337/21. 7T8LSB.L1-7, em dgsi.pt) que o condomínio constitui um “centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos não sendo dotado de personalidade jurídica (e) carece para actuar em juízo de estar representado pelo administrador, tal como decorre do estabelecido no artigo 26º do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 1437º, do Código Civil.” Assim “A representação em juízo das entidades ou massas que não gozam de personalidade jurídica é solucionada nos termos do artigo 12º, do actual Código de Processo Civil, por via da extensão de personalidade judiciária expressa no tocante ao Condomínio na sua al) e) “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador;”.
Por outro lado, estando o condomínio em juízo representado pelo administrador, em termos que o tribunal a quo considerou adequados quanto ao pressuposto da legitimidade (pelo menos para efeitos de decisão do presente incidente de intervenção de terceiros), o(s) direito(s) que ali aparecem a ser defendidos ou exercidos sob representação do administrador, designadamente os referentes à defesa da regularidade da deliberação cuja anulação é pedida pelos autores, são precisamente aqueles cuja titularidade se sedia na esfera jurídica dos condóminos que votaram essa deliberação.
Por conseguinte, por essas duas ordens de razões, é impossível subsumir a situação dos requerentes ao regime da intervenção principal, tal como definido nas regras acima citadas: os condóminos requerentes não se apresentam a exercer um direito próprio paralelo ao do réu condomínio, que, juntamente com este, possa ser alvo de uma decisão de mérito. E isso porquanto o direito exercido pelo condomínio réu, representado pelo administrador, é simplesmente o correspondente à agregação dos direitos dos vários condóminos, para cujo exercício, em juízo, o legislador lhe conferiu personalidade judiciária.
De resto, os próprios apelantes não deixaram de identificar este problema, sendo por isso que afirmam que a sua intervenção em juízo sempre haveria de acarretar um juízo de ilegitimidade relativo ao réu Condomínio. Ou seja, mesmo na sua tese, jamais poderiam estar em juízo em simultâneo com o Condomínio.
Acontece, porém, que no âmbito deste incidente e da decisão do presente recurso não está em causa o juízo de legitimidade passiva do Condomínio, na acção proposta pelos autores. O tribunal a quo, tanto quanto aqui se pode analisar, só o referiu como pressuposto do indeferimento do pedido de intervenção principal dos condóminos requerentes. E estes, não sendo parte na causa, não podem discutir a legitimidade das partes ali presentes.
Assim, não cabendo a este tribunal de recurso decidir sobre quem tem legitimidade passiva na acção, sem prejuízo de o considerar instrumentalmente para efeitos limitados à decisão deste incidente, só se pode concluir pelo não preenchimento dos pressupostos dos arts. 311º e 312º do CPC, no âmbito do pedido de intervenção principal dos ora apelantes.
Não sendo admissível a intervenção dos requerentes a título principal, a sua participação na causa só poderá ocorrer se, sendo a questão expressamente suscitada e decidida na causa, se vier a concluir ali pela ilegitimidade do Condomínio e pela legitimidade dos condóminos que votaram a decisão arguida de ilegal. Nesse caso, operar-se-ia eventualmente uma verdadeira substituição processual, através dos expedientes processuais adequados e, em qualquer caso, sob representação do administrador.
Sem prejuízo disso, numa outra vertente, para efeitos de participação na causa, sempre teriam eventualmente à sua disposição o instituto da assistência.
Vemos, pois, que embora com um fundamento não coincidente, não pode deixar de concordar-se com a decisão recorrida, que resta confirmar.
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Sumariando:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação, na confirmação integral da decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.
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Porto, 25 de Janeiro de 2022
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda